Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 8
Antes de ser vida


Notas iniciais do capítulo

Obrigada Clariza pela recomendação linda



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Como na segunda era feriado, Frederico e Clarice marcaram de se encontrar na frente do Parque Ibirapuera. O lugar é bonito, cheio de gente e sem dúvidas inspirador. No meio do caos paulistano, as árvores e as pessoas passeando demonstravam uma paz que parecia impossível existir naquela imensa cidade.

“O que você acha da gente ir hoje sair pra jogar boliche?” Frederico recebeu uma mensagem de Bento.

“Acho que não vai dar.”

“Ué, por quê?”

Como Frederico explicaria aquilo? Eles não costumavam a falar de garotas, e bem, o que ele iria fazer com Clarice não era bem um encontro. Ele tentou parecer natural.

“Vou encontrar uma garota”

“O QUÊÊÊ? Você trocou seu melhor amigo por uma garota?”

“Não é nada disso que você está pensando. Eu conheci ela no evento de cinema que rolou ontem, lembra? Marcamos de discutir algumas coisas.”

“Discutir, sei. Imagino algo bem cult já que vocês se conheceram em um evento de cinema. QUERO NOMES, ME DÊ NOMEEEES!”

“Clarice”

“Ui”

“O quê?”

“Clarice e Frederico. Não é que combina? É bem filosófico e poético na realidade.”

“Cala a boca. Às vezes parece que você tem doze anos.”

“Pera, estou com uma dúvida aqui... Quantos anos ela tem?”

“Minha idade, eu acho.”

“Ah, bom. É porque Clarice não é um nome de gente jovem e fiquei com receio de que ela tivesse uns quarenta anos.”

“Não! E se pensar bem, Frederico também não é nome de jovem.”

“Nem conheço ela mas acho que vocês combinam.”

“Cala a boca!”

Frederico dirigiu com seu carro preto até o parque. Ele estava um pouco adiantado. Eles haviam combinado de se encontrar depois do almoço, mais ou menos duas da tarde. O sol estava alto e a temperatura bem quente. Frederico levara sua câmera fotográfica consigo, e enquanto Clarice não chegava ele decidiu treinar o olhar.

Ele fotometrou sua câmera para adequar a cena atual, e então observou pela câmera as pessoas que caminhavam. Um casal sorridente que passeava com uma buldogue fofíssima do qual eles chamavam de Porpeta. A garota jogava a bolinha para a cachorrinha enquanto seu parceiro fotografava. Eles pareciam impossivelmente felizes.

Então ele mudou a direção de sua câmera, e observou uma família fazendo pique nique. Isso lembrou quando ele era pequeno e ia no casarão da família fazer pique nique no quintal com sua prima Cassiana e sua querida mãe. Parecia que isso fora a séculos.

Ele estava sentado em um dos bancos espalhados pelo parque, a temperatura alta fazendo com que seus óculos escorregassem.

Um borrão atingiu a lente de sua câmera e Frederico não conseguiu enxergar o que estava na sua frente. Quando ele afastou a câmera do rosto ele viu que Clarice estava na sua frente sorrindo. Ele também sorriu.

– Frederico, oi! – ela o cumprimentou com um abraço desajeitado e um beijo na bochecha. Frederico sentiu-se ridículo quando percebeu que estava suando frio e estava nervoso. Nervoso daquele jeito que as pessoas ficam quando estão no primeiro encontro sabe?

Mas isto não é um primeiro encontro, ele convencia a si mesmo.

– Vejo que você estava fotografando. Posso ver? – Clarice sentou-se ao lado dele no banco. Ela usava um vestido florido muito bonito e rasteirinhas marrom. Seu cabelo preso em uma mini trança, já que seu cabelo era curto. Frederico notou que ela não tinha uma grama de maquiagem no rosto, o que ele estranhou por um momento. A maioria das garotas que ele conhecia se preocupavam em caprichar na maquiagem para se encontrar com algum garoto.

Frederico entregou a câmera na mão de Clarice. Ela sorria enquanto analisava as fotos.

– Impressionante. Desde quando você tira fotos?

– Desde o primeiro ano do ensino médio. Meu melhor amigo costumava dizer que eu era um viadinho por isso.

Clarice riu e então entregou a câmera para Frederico.

– E vocês ainda são amigos?

– Ah sim, eu e Bento temos uma relação de quase casamento. - ele achou ridículo essa parte de casamento, mas ele já tinha falado.

– E ele é como?

– Normal, eu acho. Ele sempre faz piada de seus olhos claros e seu cabelo incrivelmente loiro, mas eu sei que é só uma brincadeira. Ele sempre amou esportes, mas nunca foi talentoso para isso, acho que isso o frustrou porque ele queria ser jogador de futebol como setenta por cento dos meninos brasileiros. Ele gosta de tocar guitarra e madrugar em festinhas.

– Por que estou com a impressão de que vocês são completamente diferentes?

– E somos. Eu já enjoei da cara branquela dele, mas não consigo ficar longe. - Ele fez uma careta. - É tão gay falar isso!

– Não é não. Eu nunca consegui ter amigos de longa data. – Clarice estava tirando sua própria câmera da bolsa. – Agora eu tenho uma amiga, a Tati, e nós trabalhamos juntas. Ela tem cabelo pintado de azul e é a pessoa mais adorável que já conheci. Mas faz pouco tempo que a conheço, não tenho histórias com amigos antigos.

– Vemos aqui uma pessoa completamente desapegada! – Frederico brincou, e Clarice parecia distante, olhando para as pessoas espalhadas pelo parque.

– Veja essas pessoas. Parecem tão felizes.

– Feliz é bom.

– É bom. Queria saber como é.

– O quê?

– Estarem assim tão felizes, como se nada os incomodassem a ponto de tirar sua felicidade. Às vezes acho que felicidade é egoísmo. Como você pode estar alegre com tantos problemas no mundo?

Frederico não respondeu. A verdade é que essa pergunta não fazia sentido. Não era bom ser feliz? Não era para isso que estávamos vivendo? Pra que valeria pena a vida se não aproveitássemos os pequenos momentos alegres da vida?

– Eu acho que sou a pessoa mais egoísta do mundo então. Adoro deixar de lado os problemas em troca de alguns segundos de ilusão de felicidade. – Clarice acabou respondendo por si.

– Dá para interpretar que cada ato é ilusão. Toda dor, alegria, problemas. A vida. Mas a gente tem outra escolha a não ser abraçar essa ilusão? – Frederico decidiu abrir a boca. Clarice tinha o poder de fazê-lo pensar de um modo profundo e incomum para ele. Ele não costumava proferir seus pensamentos em voz alta.

– Uou. Essa foi profunda. – Clarice zombou, e ele empurrou o ombro dela, meio ofendido.

– Você quem começou!

Clarice deu de ombros e voltou a olhar para sua frente. Um bebê cambaleava próximo a onde eles estavam sentados, seus pais atrás apenas observando os passos do pequeno que claramente ainda estava aprendendo como andar.

– Quando vejo essas famílias perfeitas, com pais que trazem seus filhos para passear eu apenas consigo pensar em como tive o azar de nascer naquela família de merda. Desculpe, estou muito reclamona e chata! – Clarice colocou as mãos no rosto, tampando os olhos.

– Não, não. Você pode me contar se quiser. – Frederico quis colocar a mão no ombro dela, mas desistiu de fazer isso.

– Não é nada. É que minha mãe sempre me viu como um peso na vida dela, e meu pai nunca foi presente. Eu fui criada pelo meu avô até que... – Clarice hesitou. – Até que ele morreu. Então voltei a viver com minha mãe, mas foi até eu terminar os estudos e poder sair daquela casa horrível. Não sei o que é ter uma mãe na realidade, e nem ligo. Não posso sentir falta do que nunca tive.

Frederico ficou sem reação. Ele não imaginava que Clarice tivesse esses problemas. A verdade é que ele não sabia nada dela, e conhecer seus problemas tão cedo era assustador.

– Me desculpe por isso. Droga, eu sou horrível em fazer amizades mesmo! Prometo não fazer mais isso.

– A verdade é que é meio estranho ver suas fraquezas. Não estranhe, ok? Mas é que a primeira vista você parece invencível, decidida e até meio – ele pensou duas vezes antes de falar. – fria.

Ela deu risada.

– Você não é o primeiro a dizer isso. Isso pode soar cruel e horrível, mas se minha mãe apenas evaporasse da minha vida tudo seria muito melhor. Mas os fantasmas me perseguem, eu já notei.

– Pelo menos – Frederico estava com a voz falhando. – ainda dá tempo. De consertar, quero dizer. Perdoar. Sua mãe está viva e você a quer longe. A minha está morta e o que eu só queria era poder abraça-la de novo.

Clarice parecia ter tomado um banho de água gelada. Sua expressão mudou completamente.

– Desculpe...

– Tudo bem. Já faz dez anos.

Um silencio se estendeu entre os dois. Clarice teve coragem de falar.

– Como ela era?

– Ela? Boa demais para esta terra. Tão boa que sua passagem foi rápida no mundo. O câncer a tirou de mim, e eu fui criado então pelo meu pai também ausente como os seus. O emprego sempre foi mais importante do que a situação de seu único filho. Ele achava que uma psicóloga faria o serviço de me ouvir, já que ele não podia fazer isso.

Frederico não sabia se eles haviam começado bem. Ele esperava que sim. Clarice dissera antes que seria um dia para os dois encontrarem suas inspirações.

– Então – Frederico decidiu puxar assunto depois de um silêncio desconfortável. – Você me dissera que teríamos um dia de inspiração. Mas que tipo de inspiração?

– Lembra que eu disse que estava à procura do roteiro perfeito para um filme? Eu sei que para ter um filme é muito complicado, mas eu posso ter um roteiro pelo menos. Quem sabe um dia vender ele? Sabia que o Tarantino escrevia seus roteiros enquanto trabalhava em uma locadora de filmes aos vinte e dois anos? E olha onde ele chegou! Ok, isso pode ser sonho demais, mas eu acredito que um bom roteiro pode abrir portas.

– E você tem alguma ideia?

– Algumas. – ela pegou sua câmera e se levantou do banco. – Vamos dar uma volta pelo parque?

Eles contornaram todo o lago, Clarice contando a ele algumas curiosidades dos países em que ela havia visitado e fotografavam o lugar. Frederico escutava com interesse.

– Posso te fazer uma pergunta?

– Pode. – Clarice sorriu.

– Quando você nasceu?

Ela estranhou a pergunta e ele percebeu. Então disse.

– 31 de janeiro. E você?

– 6 de março.

– Olha, eu sou mais velha que você! Meses, mas eu sou mesmo assim. Por que a pergunta?

– A gente não está se conhecendo? Achei que era uma pergunta plausível.

– De fato. Agora minha vez! Quantas namoradas você já teve?

– Não acho uma pergunta plausível.

– Ah, vamos!

– Uma.

– Uma?

– É.

– Não brinca!

– Eu tinha dezesseis anos e durou cinco meses. E você?

– Nenhum

– ...

– O quê? Eu sou do tipo que gosta de curtir um pouco, mas enjoa fácil e segue em frente. Não me apego não.

– Sorte sua.

O celular de Frederico começou a tocar. Ele pegou e viu que era Bento.

– Licença. – ele pediu e então atendeu.

Foi tudo muito rápido. Bento disse que havia recebido uma ligação desesperada da mãe de Natália dizendo que ela sumira, então Bento foi atrás dela, não achando. Pelas postagens do Facebook dela ele supôs que ela estivesse desesperada. Fazia dez minutos que ele recebera uma mensagem de texto dela.

Ela ia fazer um aborto.

Bento não sabia o que fazer. Ela pedira que ele a levasse para o lugar. Seria em uma clínica clandestina. Bento como não tinha carro estava pedindo para Frederico emprestar o seu.

Não só isso. Bento precisava de seu melhor amigo ao seu lado nesse momento.

“Mas você quer que ela faça o aborto?”

“E ela ter um filho que ela não quer? O corpo é dela, não tenho domínio disso.”

“É seu filho...”

“Não fale essas coisas para mim agora, Frederico! Não acha que estou confuso o suficiente?”

Frederico desligou o celular após dizer que estava a caminho. Clarice o encarava.

– Preciso ir.

– Eu vou com você.

– O quê?

– Eu vou. Pelo o que eu entendi alguma menina vai fazer um aborto em uma clínica clandestina, isso?

– É, a Natália, a eu-não-sei-o-quê do Bento.

– Eu vou. Talvez ela precise de algum apoio feminino.

Eles entraram no carro rapidamente e Frederico seguiu o caminho para a casa de Bento para busca-lo. No caminho, Frederico disse.

– Você acha que ela está tomando a decisão certa?

– O corpo é dela, a vida é dela. Se ela não se sente pronta para levar isso adiante, quem somos nós para dizer alguma coisa? Infelizmente o Brasil não legalizou o aborto, e muitas mulheres morrem nesse processo nessas clinicas clandestinas.

– Você faria um aborto?

– Difícil dizer, Frederico. Agora nessa situação que o Brasil vive, onde as mulheres precisam ir até uma clínica clandestina para poder abortar... Botar minha vida em risco assim? Quando vão finalmente legalizar? Quantas Natálias passam medo por ano aqui no Brasil? Fico horrorizada.

Eles pararam na rua da casa de Bento, e Bento já estava esperando na calçada, suas mãos trêmulas e seu rosto desesperado. Ele entrou como um foguete no carro.

– Que caminho eu vou?

Bento entregou o celular com o endereço para Frederico, que entregou para Clarice.

– Como você está? – Frederico perguntou ao seu amigo.

– Não sei. Apavorado. – Bento respondeu sem olhar para nenhum lugar especifico. Clarice apenas orientava Frederico o caminho a seguir. Era fora de São Paulo, na estrada.

– Falou mais alguma vez com a Natália?

– Rapidamente. Ela disse que precisa de mim lá.

– E como seus pais vão reagir agora que você não vai mais ser pai?

– E eu tive tempo para pensar nisso? Provavelmente vamos mentir que foi um aborto espontâneo.

– Você sabia dessa decisão dela?

– Não fazia ideia. Nós tínhamos conversado ontem sobre nossa situação, qual é nossa relação na real. Ela parecia bem. Mas sempre que eu mencionava o bebê ela mudava de assunto. Ela nem chamava de bebê, mas se referia como “daquilo”. Acho que ela não queria humanizar o feto para não ficar com sentimento de culpa na hora de abortar.

Clarice murmurou alguma coisa sobre o endereço marcado para Frederico. Foi então que Frederico notou que não havia apresentado os dois.

– Erm... Eu sei que agora é um horrível momento para te apresentar alguém, mas esta é Clarice.

Clarice deu um oi com a mão para ele, mas ele não parecia estar atento.

– Desculpe por isso, Clarice. Sabe, essa situação minha e da Natália. Então é ela a tal garota? – Bento direcionou a conversa para Frederico.

– Você falou o que de mim, Frederico? – Clarice deu um leve sorriso.

– Falei que te encontraria hoje, só isso. – Frederico quis fuzilar Bento, mas agora eles estavam em uma enrascada maior.

Depois de uns dez minutos de estrada eles chegaram em uma casa de beira de estrada não muito bem conservada. Sentada na frente estava Natália com olheiras profundas e uma cara completamente acabada. Frederico ficou se perguntando se ela já havia feito o aborto ou o quê.

Bento saiu correndo do carro assim que Frederico estacionou. Ele abraçou Natália e ela começou a chorar. Ele sustentava ela de pé, que tremia toda.

– Que situação. – Clarice murmurou com uma careta. – Ela não está nada bem.

– Será que ela já fez o procedimento? – Frederico perguntou enquanto olhava pela janela o Bento com os olhos vermelhos de segurar as lágrimas.

– Acho que não.

Bento arrastou Natália até o banco de trás do carro de Frederico, Frederico ajudando abrindo a porta.

Bento pegou uma garrafa d’água em uma mochila que ele trouxera e deu para Natália. Ela mal bebia já que sua mão estava trêmula demais.

– Por favor, respire. – Bento pedia tentando passar tranquilidade. – O que aconteceu até então.

– Eu não vou fazer mais. – ela disse entre soluços. – Eu entrei na sala de cirurgia e as condições eram horríveis. Eu poderia pegar alguma infecção ou pior.

– Não quer procurar outro lugar?

– Não, não, não. Eu estive pesquisando já faz um tempo, pensei em usar algum remédio ou chá, mas não senti confiança nisso. Eu posso ser mãe! Eu posso, eu sei que posso. – Ela tremia mais forte. – Não era a hora, mas eu posso. Agora eu quero. Não consigo ignorar que tem uma vida dentro de mim. Pra mim já é um bebê e eu quero. Só me tire daqui.

Natália adormeceu no colo de Bento enquanto voltavam para casa. Frederico dirigia quieto e Clarice apenas olhava para ele de vez em quando e voltava aos seus devaneios. Ela parecia perplexa, injustiçada. Frederico se senti mal por tudo isso. Natália não conseguira abortar, mas pelo menos agora ela queria ser mãe. Triste seria se ela tivesse uma criança que não quisesse, não pudesse amar. Mas se ela se sentia mais confortável com isso, então tudo bem. Era confuso, tudo tão confuso. Ele só pôde pensar em como ele definitivamente não saberia agir no lugar de Bento. Ou de Natália.


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Notas finais do capítulo

Um final um tanto polêmico...
Eu e meus amigos estávamos conversando sobre a legalização do aborto e tal, e me inspirei em abordar esse assunto na fanfic. Por favor, minha fanfic só tem o intuito de divertir, mas isso não significa que eu não possa abordar assuntos atuais e presentes da nossa realidade. É delicado falar sobre isso, mas fiquei satisfeita com o resultado.