Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 9
Nenhum lugar me pertence


Notas iniciais do capítulo

Nossa, faz um tempinho que não posto. Gente, cadê minhas leitoras lindas? Hahaha, aproveitem a leitura :)



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– É sério, me desculpe por isso. – Frederico repetiu. Eles estavam no carro dele na frente do prédio de Clarice. Era quase oito da noite. Eles haviam acabado de deixar Bento e Natália em suas respectivas casas e haviam estado em silêncio em todo o caminho.

– Já disso que você não tem culpa. Pode parar. – Clarice parecia estar cansada. Ou seus pensamentos estavam emergidos em outro mundo. Não tinha como saber. – Só que me sinto mal pela Natália.

– Ela fez uma decisão.

– Eu sei. Mas eu não pude deixar de pensar em mim, na minha mãe. Ela nunca quis me ter e desde que nasci ela me trata com desprezo. É como se eu fosse uma responsabilidade que ela nunca quis, um trabalho forçado. Eu poderia ser aquela criança, eu poderia não ser eu. Eu poderia ser nada e a única coisa que consigo pensar em como seria melhor.

– Melhor para quem?

– Para minha mãe que poderia escolher ser mãe de alguém quando estivesse pronta. Para meu pai que não seria obrigado a ter casado com minha mãe. Ao meu avô que não precisaria cuidar de uma criança e a mim. A mim que não precisaria ter que ter passado por isso, passado por nada. A mim que não seria nem real. Eu apenas dei sofrimento para minha família.

E Frederico notou. Notou que Clarice não falava o que ela realmente sentia, que ela estava tentando se convencer de que acreditava naquilo, por mais que não fosse real. Ela era tão viva. Ela brilhava como uma chama no escuro. Ela podia dizer que preferiria nunca ter vivido, mas ele sabia que não era real. Frederico nunca conhecera alguém com tanta vontade de viver e conhecer antes.

Ele também notou outra coisa. Por mais que Clarice dissesse que odiava sua família, ela se importava com eles. Ela claramente se sentia um estorvo, o que destruiu a vida de seus pais. Ela se sentia culpada por eles terem mudado a trajetória de suas vidas por ela.

A vontade de Frederico era gritar para ela que ela não tinha culpa alguma, que ela é apenas e vítima dessa história. Mas ele não se sentia íntimo dela o suficiente para dizer isso a ela.

Maldita vergonha.

– Mas se você nunca existisse, eu nunca poderia ter te conhecido. – Frederico soltou essa, usando toda sua coragem.

Clarice sorriu.

– Bem, então você sairia no lucro! Não é nenhum privilégio ter me conhecido.

Na rádio tocava uma música folk que Frederico gostava muito chamada Step Out, de José Gonzalez. Ele não pôde deixar de pensar que a partir daquele dia ele sempre se lembraria daquele momento. Da Clarice sentada ao seu lado de vestido de alcinha, suas tatuagens harmoniosas em seu rosto de traços fortes e cabelo cacheado curto. A luz do poste que batia em seu rosto dava um jogo de luz perfeito e poético que a vontade de Frederico era de sacar sua câmera e fotografá-la. Mas ele não o fez. Ele era feito de feitos não feitos. Se isso faz sentido já é outra questão.

– Quando nós podemos nos ver de novo? Eu sei que o momento não é adequado, mas quero continuar a procurar o roteiro ideal. – mas será que era só isso? Será que Frederico apenas queria encontrar o roteiro? Ele não admitia, mas no fundo ele queria era desvendar Clarice, desvendar aquela garota tão complicada.

– No próximo fim de semana. Ou na sexta. A gente vê até lá, pode ser? – Ela pegou sua bolsa-saco e deu um beijo na bochecha de Frederico. – Tchau.

Ela abriu a porta e então saiu. Frederico acompanhou ela com os olhos. Acompanhou enquanto ela subia as escadas da portaria, dava boa noite para o porteiro, e então desaparecia.

Ele acelerou o carro e saiu daquela rua. A música havia terminado e outra acabara de começar.

¨¨¨

Clarice fechava o zíper de sua mala, certificando antes se tudo estava lá. Ela não tinha tantos pertences, tudo que ela tinha servia naquela mala. Ela não podia de deixar de se preocupar com o fato de que se ela perdesse aquela mala nada mais teria.

Era dez da noite. Tati já estava vindo busca-la. Morar aquele fim de semana com Heitor não tinha sido nem um pouco desconfortável como ela esperava que fosse ser, mas ela ainda se sentia um estorvo na vida dele. Ela não queria parecer folgada e muito menos ingrata.

– E sozinho novamente. – Heitor comentou quando Clarice entrou na cozinha onde ele terminava uns trabalhos de faculdade e bebia café. Ele usava uma calça de pijama xadrez e camiseta preta que deixava seus músculos destacados. – Acho que preciso adotar um cachorro.

Clarice abraçou ele por trás. Ele estava sentado na cadeira da mesa da cozinha trabalhando.

– Não consigo agradecer a sua gentileza, Heitor. Você salvou minha vida.

– Sua exageradinha! – ele olhou para ela por cima. – Se você quiser abandonar mais alguma casa eu te recolho, tá?

– Humpf, engraçado hein! – ela ironizou. – Não que isso seja um adeus, porque não é. Mas preciso te dizer que fui muito sortuda de ter te conhecido, e que seu coração é gigante. Tive a sorte de ter tido você em meu caminho e nunca vou esquecer disso.

– Clarice, sua piegas! – ele se levantou para abraça-la direito. – Mas gosto de você piegas. Só não suma, ok? Quero notícias de você, onde quer que você esteja. Me prometa.

– Eu prometo.

– Então tudo bem. – O interruptor tocou, e Clarice pegou o celular.

– Tati chegou!

Clarice pego sua mala e Heitor desceu com ela até o carro de Tati para se despedir. Ele a abraçou novamente e dessa vez foi um abraço daqueles que duram a eternidade. Ele era grandão, então era como abraçar um urso, e era bom. Clarice entrou no lado do carona de Tati e se despediu pela última vez dando tchau pela janela.

¨¨¨

– Achei que não ia voltar mais para casa. – seu pai disse quando Frederico entrou no apartamento. Dr. Leonardo lia um livro imenso na sala, as pernas cruzadas e os óculos equilibrados na ponta do nariz. A herança de Dr. Leonardo para Frederico definitivamente era a miopia, herança que Frederico sem dúvida passaria para seus filhos também.

– Estive com Bento.

– Ele está bem? O pai dele?

– Tá. Tudo normal. – Frederico lembrou que seu pai não fazia ideia da história de que Bento seria pai. Uma hora ele saberia, não precisava contar agora. – O que você fez enquanto estive ausente?

– Discuti com a sindica, terminei de reler O Ateneu de Raul Pompeia, grande livro. Ah, escutei aquele meu disco do Chico Buarque enquanto lia as crônicas do jornal e comecei este livro aqui. – ele apontou para o livro. – Duvido que o que quer que você tenha feito tenha sido melhor do que eu fiz! Ótima tarde.

– Realmente não foi. Vou tomar banho. – E Frederico saiu da sala impaciente.

Fazia quanto tempo que ele não tinha uma conversa com seu pai? Quanto tempo que eles não se entendiam plenamente?

E principalmente: quanto tempo eles não demonstravam carinho entre pai e filho? Frederico não se lembrava da última vez.

Frederico deitou na sua cama exausto após o banho. Que dia! E amanhã ainda tinha trabalho e faculdade. Ele pensou em mandar uma mensagem para Bento, mas ele precisava de um tempo sozinho, ele sabia. Quando ele fechava seus olhos, a imagem de Clarice vinha em sua retina. O que estava acontecendo, meu Deus?

Ele sentira vontade de beija-la, era verdade. Ela estava tão perto no carro, sua beleza era tão natural. Ele gostava de olhar as sardinhas nas bochechas dela e sua vontade era de tocar em cada pintinha. Era estranho pensar que eles já haviam se beijado, mas parecia uma realidade muito distante. Ele mal se lembrava de como havia sido aquele dia, o que ele fizera antes ou depois. Ela era como uma obra de arte moderna em um desses museus cheio de gente estranha. Você precisa olhar duas vezes para formar alguma opinião ou achar alguma explicação naquilo.

Ele então se lembrou de sua ex namorada, aquela garota que ele gostou quando tinha dezesseis anos. Ela se chamava Luísa e era sempre reclamava que estava acima do peso e precisava emagrecer. Seus cabelos eram perfeitamente alisados e com luzes loiras. Era bonita, mas eles tinham namorado em parte por pressão dos amigos. Bento estava ficando com uma garota da escola e só Frederico que ainda não havia tido algum rolo público com alguém. Luísa era nova na cidade e na escola, então eles se aproximaram e ela acabou se apaixonando e eles estavam namorando. Ele não sabia se gostava dela, mas ele gostava de beijar, então tudo bem. Ele nunca apresentara Luísa para o pai porque ele não achava necessário. Namoro de adolescente é estranho mesmo. O namoro esfriou e eles naturalmente terminaram. Luísa começou a namorar um cara um ano mais velho que só andava com tênis de marca e celular da moda e Frederico voltou ao seu estado nerd normal.

Ele queria ter dito algo para Clarice. Ele gostaria de ter mencionado o blog dela. Ou como ele acha as fotografias dela incríveis. Ou como ela é incrível. Ele queria, queria e queria.

¨¨¨

– Você não me disse que estava na casa de um cara. – Tati comentou enquanto dirigia.

– Não mesmo, desculpe.

– Vocês já se conheciam antes?

– Não exatamente. Nós apenas conversávamos nos corredores do prédio.

– Clarice, você não tem ideia do perigo que você podia ter passado?

– Ai, para! Heitor é da paz e em nenhum momento se intrometeu na minha vida enquanto estive lá.

– Não importa, você poderia ter ficado na casa de alguém perigoso. Foi muita sorte.

– Eu enlouqueci meus pais com isso. “Como assim você está na casa de um homem?”, minha mãe gritava.

– E ela tem razão. Meus pais nunca deixavam eu convidar meus amigos meninos da escola para minhas festas de aniversário.

– Que horror!

– Eu sei! Deve ser por isso que só beijei aos quinze anos. – ela deu risada. – E sempre fui a gorda da classe, o que nunca ajudou.

– Mas me conta, como foi passar o fim de semana com Mateus?

– Com o Mateus maravilhoso. Ele me faz me sentir especial e única e desejada. Mas com sua família foi um horror.

– Hmm, tá apaixonadinha.

– Calada, Clarice! Nunca mais te salvo e te dou abrigo assim.

– Parece que sou uma cachorrinha de rua desse jeito.

Tati revirou os olhos. Impaciente.

– Ainda estou tentando descobrir como fui virar amiga de uma doida como você. Morou o fim de semana inteiro na casa de um cara estranho, briga com os pais e parece vir de outra realidade. Você é alguma nômade do futuro perdida no passado por acaso?

– E eu estou tentando descobrir como fui arrumar uma amiga tão preocupada e fofa! Ai, Tati, minha amiga linda! Vai ser muito divertido morarmos juntas!

– Eu sei, eu sei. Só não pensa em ir embora tão cedo.

– Já isso não prometo. Como você mesma disse eu sou uma nômade. – Clarice sorriu ironicamente.

¨¨¨

A faculdade sempre era chata para Frederico, mas agora ela estava insuportável. A faculdade de Direito da USP tem essas coisas: futuros fortes candidatos à presidência da república no futuro, filhos da elite e alguns que entraram por puro esforço. Frederico não se destacava em aula – aliás, ele era apenas mais um. Diante de tantos filhos de grandes advogados nacionais, ser filho de um grande advogado regional não era nada demais. Mesmo assim havia a responsabilidade. A responsabilidade com a família, com seu futuro, com as expectativas em si.

Não é relevante dizer que Frederico não participava de nenhuma irmandade da faculdade. Os alunos de elite comandavam todos e apenas aceitavam os mesmos em sua altura. Não que Frederico quisesse, na realidade. Ouvir paparicos e apostas não era realmente o que ele mais gostava.

– Ei, como foi o evento de cinema do fim de semana? – perguntou Luana no intervalo das aulas.

– Foi bem legal, sim. Obrigado pela entrada.

– Por nada. – Luana mexia em uma mecha loira de seu cabelo. – Então, o que você viu lá de legal?

Frederico contou bem resumidamente e deixando de fora as partes relacionadas a Clarice. Luana não precisava saber disso, nem ninguém.

– Parece ter sido bem interessante. Fico feliz que tenha gostado. – era hora de entrar para a sala de aula, e eles entraram lado a lado.

Luana vinha de uma família que fora muito rica no passado, como a de Frederico. Ela a vida toda estudara em boas escolas e por opção quis se tornar advogada. Eles se aproximaram a partir do momento em que ela começou a fazer estágio no escritório do pai de Frederico.

E então Luana nunca mais saiu de perto.

Ela era uma salvação para Frederico na faculdade, na verdade. Quando ele estava perdido na matéria ou ia ter alguma prova ela sempre estava disposta a ajudar de algum jeito. O mínimo que ele poderia fazer é ser legal. Mas ela era sufocante algumas vezes.

E não é como se ela fosse feia.

Bento sempre dizia para Frederico que “Pô, olha ali a Luana, ela sempre te dá mole. Por que não cata ela, mano? Ela é gata pra caramba.”. Mas Frederico sempre fora desatento demais para essas questões de coração.

¨¨¨

Clarice olhou para sua nova casa. Tudo bem que ela passava muito tempo na casa de Tati antes mesmo de ter saído da casa de seus pais. Clarice sempre dormia na casa de Tati depois que voltavam das festas da rua Augusta. Ou quando simplesmente não estava disposta a encarar a cara de irritada de sua mãe. Mas morar ali seria diferente. Tinha um peso na palavra, no significado.

Ela sentia tão perdida. Como se nenhum lugar no mundo fosse seu, só seu.

O apartamento de Tati era simples, mas com muita personalidade. Tati era definitivamente muito criativa, e seu canto era o reflexo disso. A parede da sala revestida de papéis de revista que formavam um papel de parede único, o sofá feito de retalhos de pano, o quarto com uma parede amarela bem forte e uma grande cama de casal. Tati era mais velha que Clarice. Tinha vinte e seis anos.

A cachorrinha de Tati veio festejar a chegada de Clarice no exato momento em que Tati abriu a porta do apartamento.

– Frida! – Clarice sorriu timidamente ao ver a cachorrinha. Ela era uma vira latinha muito fofa e bem pequena que Tati contara ter encontrado ela filhotinha jogada no latão de lixo. Frida porque ela era forte como Frida Kahlo.

Devidamente dentro do apartamento, Tati suspirou.

– Bem, a casa é pequena e tenho um quarto. Você pode dormir comigo se quiser, ou no sofá.

– Ok. Próxima regra? – Clarice ironizou, fazendo Tati imitar uma cara de irritada.

– A regra é que sujou tem que limpar! Mas imagino que isso você já tenha consciência. Você pode ficar com a cópia extra da chave do apartamento.

– Pode trazer namoradinhos aqui, mamãe Tati? – Clarice fez biquinho, como se imitasse um bebê.

– Só o meu namoradinho. – Tati piscou e então as ruas gargalharam.


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Notas finais do capítulo

Não vejo a hora de juntar Clarice e Frederico novamente :) coloquei umas curiosidades no tumblr, vão ver :D http://clariceefrederico.tumblr.com/