A Última Harrison escrita por Caderno Azul


Capítulo 9
Alianças


Notas iniciais do capítulo

Apenas uma semana se passou e aqui está o capítulo!
Boa leitura!



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Kate abriu os olhos assustada, como se tivesse acordado de um pesadelo. No entanto, sabia que ele estava começando a partir daquele momento. A cama abraçava suas curvas como uma nuvem, fazendo-a relaxar, ainda que fosse por instantes. Seus lençóis e travesseiros a convidavam para o vazio da inconsciência por mais algumas horas. Contudo, o perfume de sua tia foi o alarme necessário para lembrá-la que precisava organizar suas ideias. Ergueu a cabeça em direção à mesa com a maldita insígnia dos Burton, encontrando Anabelle sentada e aparentemente perdida em seus pensamentos.

Quando sentiu seu olhar, emendou sem graça:

– Que bom que acordou.

Kate não a deixou terminar, já que estava com muita raiva para isso.

– Você me dopou? Você teve coragem de me dopar? - retrucou, lívida.

Anabelle fechou a cara.

– Kate, por favor, se controle ou serei obrigada a chamar ajuda especializada.

Ela quase riu daquilo, pois a frase lhe soara tão absurda.

– Especializada? O que quer dizer com isso?

Todavia outra voz a tirou de órbita. Era oriunda da direção contrária para qual Kate olhara, o que explicava porque não percebeu que havia mais pessoas no quarto.

–Sua tia está preocupada com você. Ela ficou muito mal com tudo que aconteceu mais cedo - era Scott.

Como só tomou consciência da presença do homem no mesmo cômodo naquele instante, demorou mais tempo para entender o que ele havia dito. Ele ainda usava o mesmo terno branco. Kate tomou um breve minuto para analisá-lo. Constatou que era um homem bonito, Paul e Adam tinham herdado seus traços. O nariz acentuado de Paul estava lá, bem como a boca firme de Adam. Exceto pelo sorriso. Kate duvidava que aquele homem sorria, quiçá com frequência. Havia olheiras acompanhando suas marcas de expressão e seu cabelo precisava urgentemente de um pente, afinal o dono não ajudava, pois passava a mão constantemente por eles.

Finalmente, ela podia assinalar o poder que ele exercia sobre sua tia. Era o mesmo que os irmãos exerciam sobre Mary.

Talvez ela fosse inume. Ou talvez suas preocupações fossem mais urgentes no momento.

– Paul fez muitas acusações ontem, senhor – disse em um tom de voz controlado e sentou-se na cama. Estar deitada lhe dava uma vulnerabilidade ainda maior. - Eu preciso saber se o que ele disse é verdade. Sua mulher era paciente do meu pai?

Scott fechou os olhos e suspirou, como se já esperasse aquela pergunta. Assentiu em confirmação e voltou a falar:

– Meu filho deveria saber quando suas palavras são necessárias. Lamento o mal entendido. Mirian realmente foi tratada pelo seu pai, mas as complicações que levaram a sua morte nada tinham a ver com o tratamento que Edgar providenciou a ela. Seu pai inclusive foi uma recomendação de sua tia. – ele comentou, tentando acalmá-la, fazendo-a arquear a sobrancelha diante da nova informação. Anabelle não havia lhe contado nada disso.

– Entendo - Kate sibilou controlando a raiva por estar ouvindo aquilo pela primeira vez. Lançou um olhar cortante à tia, que não sustentou o contato visual.

– Acontece que Mirian tinha uma saúde frágil, sua doença originou complicações em seu fígado. - prosseguiu Scott em tom solene. A jovem admirou que um homem adúltero pudesse demonstrar respeito pela falecida esposa. ­- Nós já esperávamos isso, mas como você pôde ver, Paul não aceitou a morte dela. Lamento pelo que ouviu ontem.

Kate tentava adivinhar qual seria seu próximo movimento. Desejava protestar, pois sentia que entre eles pairava a atmosfera da mentira, ou no melhor dos casos, omissão. Infelizmente, se continuasse insistindo, acabaria em uma ala psiquiátrica de hospital, sendo que para descobrir a verdade, precisava estar livre.

Por algum motivo, eles não estavam lhe contando tudo. Existia algo por detrás daquela história. Todavia, entendeu que a maneira de atingir a verdade era jogar com as peças que lhe eram dadas, e não barganhar por outras. Quanto ao seu plano de fugir, esse ficaria em espera. Afinal, havia o risco de ser pega e ser classificada como perturbada, além de não existir tantas oportunidades de descobrir o que queria se não permanecesse naquela casa.

A saída era atuar, mais uma vez. Ansiava que o papel de garota confusa servisse.

Balançou a cabeça, tentando parecer desnorteada.

–Se meu pai não teve nada a ver com a morte da sua mulher, por que Paul tem tanta certeza disso a ponto de mostrar aquela raiva quando descobriu meu nome? Eu só não compreendo...

Scott trocou um olhar cheio de significado com Anabelle.

–Meu filho está numa fase muito complicada. Recentemente se evolveu com drogas por causa de más companhias. Encontrou Adam nas piores condições possíveis. É possível dizer que está num começo de paranoia acerca das garotas que rodeiam o irmão. Naturalmente, como namorada de Adam ele a vê como ameaça.

Kate franziu a testa. Com todo o turbilhão de acontecimentos que mudara a rota planejada, havia esquecido completamente de Adam e seu relacionamento falso.

Comprimiu os lábios, sentindo a culpa adentrar por seus poros, juntamente com o arrependimento. Forçou-se a questionar sobre seu suposto namorado:

–Como Adam está reagindo a tudo isso?

Anabelle sorriu amavelmente, voltando a fitar a afilhada.

–Não precisa se preocupar. - explicou calmamente - Ele está sendo muito compreensivo e se colocou à disposição para lhe ajudar a voltar à vida normal.

–Eu não sei o que é vida normal mais. - desabafou, mais para si. Porém, já era tarde demais, Scott e Anabelle voltaram a se comunicar pela linguagem de olhares preocupados.

Kate não prestava mais atenção neles. Pensava em Adam.

Ela não gostava de se sentir uma pessoa ruim. No entanto, era isso que acontecia toda vez que Adam aparecia em seus planos. Ele não podia ser um cretino arrogante como o irmão? Por que ele sempre tentava ajudá-la? Não queria sua ajuda e, o que é pior, não merecia.

–Vou me certificar de cuidar para que sua vida volte a uma rotina saudável. Amanhã vou cuidar da parte burocrática. - Anabele tentou tranquiliza-la. - Já falei com o Sr. Wallace, que por enquanto é seu tutor legal. Expliquei-lhe a situação, também vamos resolver sobre a escola, bem como perante a lei a fim de que eu consiga sua guarda. Ainda há a questão referente ao testamento dos seus pais, mas não vejo motivo para falarmos sobre isso agora.

Kate assentiu. Havia acabado de acordar, mas o cansaço mental a acertou com força. Não sabia o que Sr. Wallace havia achado do episódio.

– Porém precisamos falar sobre a escola, também preciso saber onde vamos morar. - pediu Kate.

–Eu realmente não me sinto a vontade tratando desses assuntos agora. Por ora, só precisa saber que você continua no colégio Wilshire, onde já está acostumada.

–Não! Eu estou acostumada em ser Melissa Smith lá. Tem ideia de como vai ser quando eu voltar na segunda-feira e pedir para todos me chamarem de Kate Harrison? Ninguém vai entender e pior, não vão acreditar em mim.

–Kate, foi um longo dia. Não vamos tratar desses detalhes agora.

Revoltada, mas decidindo não ser um problema, assentiu obedientemente.

–É claro. - disse. Pensou em acrescentar "sei que você só quer o melhor para mim", mas achou que seria demais para uma garota que acordou a acusando. Cautela era o necessário.

–Espero que não se importe, mas meu filho queria falar com você... - começou Scott e se alarmou com a expressão irritadiça de Kate. - Claro, se você estiver indisposta...

–Não, eu estou bem - disse Kate, puxando as cobertas para baixo e se erguendo. Ao perceber o frio que fazia, resolveu se cobrir novamente. Percebeu que aquele frio era da madrugada, voltando a se enroscar nos lençóis macios. - Por quanto tempo eu dormi? - perguntou, procurando um relógio pelo quarto.

–Por um tempinho - Scott escolheu ser vago. - São quase duas da manhã. Chamarei Paul assim que sair daqui.

Kate quase engasgou com a própria saliva.

–Paul? O que Paul quer falar comigo? - ela retrucou. - Pensei que estava falando de Adam.

–Não, ele já foi dormir. Suponho que Paul queira pedir desculpas pelo comportamento de hoje. -Scott explicou com um sorriso amarelo.

Apesar de não querer ver o sorriso convencido de Paul nunca mais, Kate segurou sua língua ferina.

–Pensando bem, vou deixar essa conversa para de manhã. Como você mesmo disse, hoje foi um longo dia.

Quando acordou pela manhã, achou um bilhete sobre a cabeceira. Era uma mensagem da tia.

Kate,

Precisei sair cedo e não quis te acordar. No armário há roupas minhas que acredito que caibam em você. No banheiro há tudo que precisa.

Se arrume e me espere por notícias.

Anabelle.

O outro lado da cama ainda estava desarrumando, indicando que a madrinha havia dormido ali. Ansiando por um banho, a garota pegou uma muda de roupas da tia e saiu cautelosamente para o banheiro ao lado do quarto de hóspedes. Imaginava que era um golpe de sorte não ter esbarrado com ninguém.

Ao voltar, soube pelo resistente sol da tarde não havia esperança em ir à escola. Feliz com aquela constatação e confiante que Adam e Paul estariam assistindo à sétima aula naquele horário, desceu às escadas calmamente em direção à cozinha.

Qual não foi seu espanto ao se deparar com Adam, debruçado sobre a mesa da sala, com uma pilha de cadernos ao seu redor. Ambos congelaram ao se depararem. Kate foi a primeira a quebrar o silêncio:

– Eu posso voltar depois... - subindo alguns degraus, mas Adam se levantou, pronto para impedi-la:

– Precisamos conversar, Kate. - ela fechou os olhos por um segundo. O fato de Adam fazer uso do seu verdadeiro nome só a lembrava do quão injusta aquela situação era com ele.

Suspirou, sabendo que não tinha como escapar. Já havia tido muita sorte em encontrar Adam, e não Paul.

–Você tem razão - concordou e num fluxo de coragem, desceu o que restava das escadas e se colocou na frente do suposto namorado. - Acho que eu não poderia te culpar por me odiar agora.

Adam tinha o semblante sério e tirou um pouco da franja do cabelo castanho que insistia em cair nos olhos.

– Eu não te odeio. - suspirou – Todavia, sei que preciso de um tempo para assimilar tudo que aconteceu.

Kate não esperava aquela reação, já que esperava a complacência de Adam, ou uma raiva descomedida. O semblante calmo, porém grave a preocupava. Um nó em sua garganta começou a se formar.

– Eu entendo. Você precisa processar todas as mudanças...

Adam balançou a cabeça.

– Não só por isso, estou confuso com tudo – ele ressaltou, com a voz baixa.

– Inclusive a respeito de nós? - Kate se sentiu na obrigação de perguntar.

– Sim - Adam foi seco, desviando o olhar.

Ela não esperava aquilo. Onde estava o Adam que a procurava para saber se estava bem, que lhe afirmava estar sempre ao seu lado? Necessitava tê-lo ao seu lado mais do que nunca.

Ela ofegou tomada pela surpresa.

–Estamos acabando? – questionou incrédula.

Adam balançou a cabeça.

– Sua reação já confirma que tomei a decisão certa. Por que tamanha surpresa? Eu não posso ter dúvidas sobre nós? Ou você está tão acostumada comigo sempre fazendo tudo por você, inclusive praticamente implorando para ficarmos juntos. Acredita mesmo que não possa ter minhas próprias vontades, que vivo para satisfazê-la? – Adam atacou de uma vez com suas palavras, sem dar chances para que a jovem se defendesse.

Kate não entendia o frio que se instalara na boca do estômago, afinal o mais coerente era ficar feliz que não usaria mais os sentimentos de Adam. Ambos estariam livres.

No entanto, a sensação de perda lhe afligia imensamente.

– Pare, Adam – pediu magoada. - Não foi assim!

– Sim, desde o início foi assim. Você tentava se afastar, me excluindo de sua vida, todavia eu insisti, ainda que fosse claro para todos que você não correspondia aos meus sentimentos. - Adam analisou friamente. – Eu tenho minhas dúvidas se alguma vez foi real. Tenho a impressão que você foi vencida pelo cansaço.

Kate se encolheu de remorso.

–Não faça isso, Adam. – repetiu o pedido, sabendo que seria em vão.

–O que quer que eu faça? Eu já me humilhei demais para uma pessoa que claramente não está interessada. Sinto muito, mas eu também tenho orgulho – ele disse, voltando a encará-la e a garota pôde ver a frieza glacial de Paul refletida nos olhos de seu irmão.

Kate suspirou. Desejava tanto que ele a abraçasse, afirmando que tudo ficaria bem.

Entretanto, o rosto cansado de Adam, o qual revelava uma noite mal dormida mostrava que as coisas haviam mudado. Sabia que poderia ter escolhido abrir mão daquilo, ter deixado Adam ir.

Acontece que já havia pedido coisas demais. Não deixaria nada mais escapar. Lembrou-se da primeira briga deles, quando ele a lembrou que ainda podia sentir algo. Lembrou-se de como o odiou. Lembrou-se de seu abraço e seu humor leve.Como gostaria de ser apenas Melissa.

Não havia sido real até agora. Todavia, poderia ser. Ela poderia gostar dele. Porém será que conseguiria e abriria mão daquilo antes de começar?

Não. Kate não abriria mão de mais nada. Havia perdido muito em tão pouco tempo.

– O que eu preciso fazer para te provar que está errado?

– Pare, Kate. – meneou a cabeça, evitando encará-la. Não fitar os olhos suplicantes era muito mais fácil.

– Eu não vou parar! Tenho muitas ideias em minha mente e não pensei em como está situação estava tão injusta para você. Sinto muito, de verdade – desculpou-se num fio de voz.

– Não estou com raiva – replicou, desconfortável com a insistência da jovem.

–Seu rosto me diz outra coisa. Confessa que se sentiu traído ao descobrir que menti sobre meu nome, como não depositei confiança em você, mas eu não tive culpa – ela se defendeu, sentindo a voz subir alguns agudos no processo.

–Entendo. E eu tive? – ele a indagou em tom grave.

–Não! Ninguém teve culpa. Eu fui obrigada a trocar meu nome. – explicou, sentindo a voz se esganiçar frente à necessidade de explicar.

Mais uma vez ela percebia não ter nenhuma credibilidade.

Adam a fitou, franzindo a testa. Não conseguia acreditar em uma palavra que saía de sua boca.

– Kate, não sei exatamente o que você enfrentou antes de nos conhecermos. A única certeza que tenho é que você precisa começar a assumir as coisas que faz. Seu passado, por mais negro que seja, não te exime das consequências das suas ações.

– Você esta certo. – A jovem reconheceu, de cabeça baixa. - Eu me acostumei com a sua presença e dei valor ao que você fazia. Por favor, me responda como posso consertar isso.

– Eu não sei nem se existe algo para consertar, Kate. – exalou ao exprimir com esforço aquelas palavras que a acertaram com uma eficácia inegável.

A jovem respirou fundo, tentando manter a calma que ameaçava escapar de suas mãos. Adam e ela desempenharam tão bem suas funções. Ele era aquele que sempre tinha um sorriso para dar ou uma palavra gentil para dizer. Ela não sabia lidar com tal mudança.

–Mas talvez tenha – Insistiu com o pouco de confiança que lhe restara. – Quero dizer, você mesmo confessou que não tinha certeza. O que eu preciso fazer para mostrar que isso não foi uma estrada de via única?

Adam negou com a cabeça. Aquela não era a questão.

–Eu só quero que você me mostre porque, depois de semanas me enganando, assistindo o idiota aqui se apaixonar por uma garota que nem sequer existe, porque você ainda quer que isso funcione. Porque hoje eu olho para você e não consigo ver essa vontade – ele admitiu, com a voz pesada.

Kate assentiu. Ela faria o necessário para mantê-lo, mesmo que não entendesse o motivo daquilo ser importante. Será que tinha realmente se acostumado com a presença do garoto perto de si que temia como ficaria por conta própria? Será que estava repetindo seus erros e tentando substituir sua perda com a companhia dele?

Talvez. Mas ela já tomara sua decisão.

Não abriria mão de mais nada.

–E isso que quer? – finalmente o questionou.

–É isso que preciso – ele ressaltou. – Talvez esse tempo seja bom para você se perguntar por que acha que me quer do seu lado.

Kate comprimiu os lábios com pesar assistindo o rapaz dar as costas e subir as escadas, de volta ao segundo andar.

Ela não soube quanto tempo esteve submersa em seus pensamentos até se sobressaltar com o barulho da porta se fechando. Olhou para trás, temerosa com o que estava prestes a travessar seu caminho.

Anabelle entrou na sala apressada, mexendo compulsivamente na bolsa.

–Ah, Kate - sorriu ao encontrar a afilhada. - Você está pronta. Que bom, porque estamos atrasadas.

A garota franziu a testa, confusa.

–Acho que eu já perdi a aula...

–Não isso - a tia falou beirando a impaciência. - Precisamos sair agora!

O tom de sua tia incitou uma reação mais rebelde da sua parte. No entanto, lembrando-se do seu plano de se comportar simplesmente assentiu e seguiu a tia para fora da casa. Anabelle caminhou decidida pela garagem e entrou em seu carro, assumindo a direção enquanto a jovem se introduzia pelo outro lado. No interior do veículo, a jovem finalmente a encarou em expectativa de explicações.

–Sei que vai não vai gostar, mas é necessário. – ela foi logo falando em tom de desculpas. - O juiz concedeu a sua guarda, mas com uma condição.

Terapia.

Kate não podia acreditar que estava deitada em um divã, contra sua vontade, afirmando que inventou um novo nome por “nada”, quando o assassinato da sua família era a única verdade em meio à avalanche de mentiras que se acumulava aos seus pés.

O terapeuta aguardava que ela dissesse algo, coisa que não aconteceria. Seu nome era Hansel e havia diplomas emoldurados por todo seu consultório.

–Kate - lhe chamou atenção. Ela não sabia quanto tempo havia se passado, mas torcia que faltasse pouco. Estava quase decorando as figuras do mosaico que o profissional mantinha como peça de arte. - Esse é um lugar seguro, estou aqui apenas para ajudá-la.

A garota quis rir daquele discurso.

–Você não pode me ajudar - retrucou seca.

–Mas você pode - ele aproveitou para emendar.

–Perdão? – a garota o desafiou.

–Só você pode se ajudar, Kate. Sua tia, seu namorado, seus amigos, eles podem ter um abraço ou uma palavra de apoio. - ele explicou com uma irritante calma que fazia Kate acreditar que todos terapeutas possuíam – Porém, não fará diferença se você não quer ser ajudada, visto que você se mantém retraída.

Kate revirou os olhos. Supôs que uma hora semanal de terapia era uma preço pequeno por tudo que fizer, como ter enganado Adam, ou melhor, continuar enganando-o. Talvez ela merecesse essa penitência, mesmo que aos olhos do mundo, por diferentes motivos.

Ainda assim, odiava o homem a sua frente por acreditar que podia aconselhá-la, que a conhecia.

–O juiz concedeu uma chance para você recomeçar do zero. Todavia, é necessário que haja progresso. Ainda que não queira falar hoje, é uma escolha sua, peço que durante a semana busque motivação. Algo que te retire dessa inércia. Pode tentar isso? - Dr. Hansel perguntou com um sorriso gentil.

Kate fez que sim com a cabeça antes de se retirar do consultório desejando nunca mais voltar para lá.

Todavia, durante o trajeto ao colégio, ela pensou nas palavras do psicólogo. Ela precisava de algo que a motivasse, que a movesse.

Uma onda de desânimo a atingiu ao observar os muros do colégio. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria que encarar Paul e Adam novamente. Como sua tia havia lhe dito que permaneceria no colégio, não havia o que fazer.

Repentinamente, um lampejo de ideia a acertou.

Ela teria que ficar no colégio, mas isso não significava que Adam e Paul não podiam deixá-lo, principalmente se tivessem mais problemas com as regras da instituição. Eles seriam expulsos.

Acreditava que não seria difícil depois do que aconteceu no semestre passado. Só o que precisava era da gota d´água. Afinal, o copo dos Burtons já estava quase transbordando.

Lembrou se da força com que Paul a prendeu no chão, das acusações que recebeu, do maldito sorriso convencido. Ele merecia a expulsão. Então, se lembrou do sorriso doce de Adam, dos seus braços a envolvendo, de suas palavras, das doces carícias em suas bochechas antes que eles se beijassem. Ele merecia a liberdade.

Assim que chegou ao quarto que ainda dividia com Mary, não encontrou a energética amiga em lugar algum. Aproveitando a privacidade, resolveu dar seguimento ao seu plano. Tudo que ela precisava era de alguma substância ilegal e plantá-la no quarto deles, ou em suas mochilas. Sorriu, começando a se animar, enquanto buscava nos pertences de Mary algo que pudesse incriminá-los.

Ela ouviu passos no corredor, mas antes que fechasse as gavetas e tivesse tempo de arrumar a bagunça que havia criado, a porta se abriu exibindo o visitante.

Para a sua irritação, o visitante se tratava de Paul.

– Mary não está. - avisou sem encará-lo.

– Que bom, porque não era ela quem eu estava procurando - o garoto replicou, entrando no quarto sem ser convidado.

Kate o observou com os olhos semicerrados. Não queria vê-lo, achou que isso havia ficado muito claro quando se recusou a recebê-lo.

O que você quer, Paul? - disse, sem rodeios.

Ele observou o caos instalado no quarto. Roupas ao chão, uma vaso de vidro quebrado no canto da janela, camas reviradas. Não pôde perder a oportunidade de provocá-la:

–Vejo que já deu o seu toque pessoal ao quarto.

–Tenho a ligeira impressão de que você não veio até aqui para discutir sobre decoração. - Kate sibilou, tendo a raiva presente em cada sílaba. - Então por que não vai direto ao ponto?

–Certamente. Prevejo que Kate será tão desagradável quanto a Melissa foi.

A garota suspirou, farta de suas palavras hostis.

–Ah não, agora me parece óbvio. Você veio aqui para me ofender. - disse, caminhando em direção a porta e abrindo-a, convidando-o a se retirar. - Bom, eu sugiro que saia antes que eu sinta o impulso de lançar outros artigos da mobília para bem longe, só que dessa vez você será o alvo.

–Por mais que eu gostaria de te ver tentar, terei que ir direito aos negócios. Apesar de ter convencido todos que está feliz, você nunca conseguiu me convencer com sua atuação. Eu quero parte no que está armando.

Ela sufoca uma risada sem humor.

–Você quer parte em o quê exatamente? Atirar objetos na parede? Olhar frustrada para os lados quando me dizem a mesma coisa? Ou são as sessões de terapia que te interessa? Não posso dizer que não precise de algumas...

Paul simplesmente ignorou a última insinuação e prosseguiu como se não tivesse sido interrompido:

–Sei que Anabelle tem lhe falado a mesma coisa que meu pai tem contado a mim. Por trás da sua máscara de garota sonsa, penso que não acredita em uma palavra. Eu também quero respostas. Você quer descobrir se seu pai realmente fez aquela receita, já eu quero saber se você realmente teve motivos para forjar seu nome. Eu ouvi quando disse que nós, os Burton, teríamos motivos para matar sua família e que você viu acontecer. Afinal, pelo volume de voz, você não estava tentando ser discreta.

Kate revirou os olhos. Paul não confiava nela para acreditar que ela realmente viu o assassinato. Contudo, aparentemente tinha dúvidas. Era o mesmo que ocorria com ela desde que ele lhe contou sobre o seu pai.

– E por que eu deveria confiar em você? - ela o indagou, não escondendo sua desconfiança. - Da última vez que chequei você é um Burton.

–Porque eu tenho contatos que você não tem. É evidente que não falo apenas do livre acesso nessa escola, mas também das câmeras do sistema de segurança da minha casa. Coisas que não importa o que faça com Adam, ele jamais conseguirá colocar as mãos.

A garota se sentiu enrubescer diante da frase.

–Eu não sou uma acompanhante de luxo, se é isso que está insinuando - esclaresceu.

–O que você faz para manter Adam interessado não me diz respeito. - ele retrucou, sacudindo os ombros.

Kate sentiu o rosto corar, contra a vontade. Estava odiando cada segundo daquele encontro. Porém ainda havia algo que precisava saber:

–Esses seus recursos... Foram eles que você usou para encontrar o meu verdadeiro nome? Porque eu nunca consegui entender como você descobriu a verdade.

Paul a encarou, sob uma expressão impenetrável.

–Espero que não esteja esperando que eu me sente e conte tudo a respeito - ele em tom solene. - Porque isso não vai acontecer. Eu não confio em você e posso ver que é recíproco. Ou por acaso vai me dizer o porquê o tamanho interesse com a bibliotecária?

Kate sentiu que deveria retroceder. Seus motivos para encontrar Susan eram pessoais e ela ainda tinha esperança que a mulher poderia ser um trunfo contra os Burton, uma carta a ser usada mais tarde e ela não daria sua maior vantagem de bandeja para o time adversário.

–Ótimo, não confiamos um no outro. - ela concedeu essa pequena vitória. - Mas o conheço suficiente para saber que não me ajudará de graça. Então o que você quer de mim?

–Eu quero o acesso para o hospital onde seu pai trabalhava, quero falar com os colegas dele, com os outros pacientes. Só você pode me dar isso. - falou seco enquanto andava despreocupado pelo quarto e completou de forma cretina - Acredite, se houvesse outra pessoa, eu não estaria aqui.

Kate imediatamente fechou a cara, apenas observando o garoto andar de um lado para o outro.

– Agradeço a preferência. - foi sua resposta sarcástica.

–Mas há uma condição. - Paul a alertou, subitamente ficando sério. - Adam não pode saber disso.

–Tenha um pouco de fé no seu irmão, Paul - Kate o repreende. - Acho que ele consegue encarar o tranco.

–Essa não é a questão. Porém, nós sabemos que isso o corromperia. Adam não foi feito para enganar, dissimular. Ele é correto demais para isso. Você não tem problema algum em cruzar algumas barreiras morais para conseguir o que quer, e eu tampouco.

– Posso não ser como Adam - Kate ressaltou. - Mas, dificilmente sou como você.

A declaração foi suficiente para que ele parasse de circular pelo cômodo e se aproximasse dela.

–Ah é? – Desafiou e um brilho de divertimento cruzava seus olhos. - Me diga então que ideia que você tem de mim. Eu sou o horrível irmão do seu namorado que desde que te conheceu a acusa de ser quem não é, te advertiu que não foi convencido pelo seu teatro. Claro, que no final das contas, minhas suspeitas se confirmaram. Você escondia outro nome, um que está suspeitamente entrelaçado com a morte da minha mãe. Por mais que insista, sei que seus motivos para se envolver com meu irmão passam longe do romance juvenil. Então me diga, minha cara, como você não é igual a mim? Ardilosa, manipuladora, oportunista.

A jovem mantinha seus braços cruzados.

–Existe uma grande diferença entre nós, Paul. O que você faz por capricho, eu fiz por necessidade.

–Ah, é isso que fala a si mesma para se convencer? Você precisava usar os sentimentos de Adam para o que exatamente? Salvar uma vida? - ele retrucou, cético.

–Sim, salvar a minha! - ela exclamou, começando a se aborrecer.

Paul comprimiu os lábios, pensativo.

–Mas essa é a questão, Kate. Você costuma falar de tudo como se fosse uma espécie de corajosa sobrevivente. No entanto, olha que engraçado, eu não recordo de ter alguém apontando uma arma em sua cabeça na hora de aceitar as investidas do meu irmão. Ou era algo que queria arrancar dele? Talvez tenha sido sim apenas capricho, ficou com raiva porque eu não te contei o que sabia de Susan?

Ela o fitou tentando manter o rosto impassível.

–Eu não...

–Poupe-me de sua saliva, Adam me contou que o sondou em busca de respostas. Ainda bem que imaginei que faria isso e lhe dei outra versão da história. Lamento que todo seu trabalho tenha sido em vão.

Kate, ao invés de se constranger, sustentou seu olhar penetrante:

–Lamento que ainda esteja aqui.

Paul cruza os braços, cansado do pequeno embate.

–Qual sua resposta?

–Também tenho minhas condições. - Kate lhe propôs - Se eu aceitar, você vai parar de se meter no meu namoro com Adam.

Paul estreitou os olhos.

–Acha mesmo que vou ficar sentado e inerte enquanto você brinca com ele?

–Eu sei que não acredita em mim quando digo que me importo com ele, mas eu realmente estou tentando dar uma chance. Eu preciso disso - ela pede, sem saber se aquilo realmente importava. - Prometo que não vou feri-lo.

Paul quebrou o restante da distância entre eles e Kate podia sentir sua respiração de tão próximos que seus rostos estavam. Ela tinha consciência de que era uma estratégia do garoto para intimidá-la.

–Se eu descobrir que o está manipulando para conseguir alguma coisa, nem que seja uma moeda, eu vou me voltar contra você. Tenha certeza, atriz, que estou nesse jogo há mais tempo que você.

Kate recuou, mas manteve o contato visual.

–Você tem minha palavra. Satisfeito?

Paul ainda se deteve, até se dar por convencido.

–Nem um pouco, mas terei que confiar no seu senso de autopreservação - fala num esgar e Kate sentiu o peso ameaçador nas entrelinhas. Suspirando, ele deu a discussão por encerrada - Você vai saber quando eu quiser falar com você.

Sem qualquer tipo de cumprimento, ele se vira para a porta, prestes a sair.

Até que a voz frágil de Kate o impede.

–Paul...

Não sabendo se por mera surpresa ou por nunca ter escutado qualquer som parecido vindo da garota, algo tão genuíno, retorna para encarar sua expressão insegura.

–O que foi? - demanda, sem paciência.

Sentindo-se idiota por permitir ser vista assim, especialmente por ele, tentou prosseguir, mas pigarreou algumas vezes até encontrar a voz e a força para falar.

De outra forma, ao vislumbrar um pedaço de vulnerabilidade na garota, Paul buscou compreender porque não tinha vontade de usar aquilo contra ela. Estranhamente, lhe parecia cruel demais se aproveitar da atriz que finalmente se desfez da máscara. Ou talvez, ele só estivesse com medo que se a assustasse, ele não o veria mais daquela maneira.

–Eu preciso que me diga algo. O que mais me perturba é que apesar de ter convicção que meu pai não seria capaz de matar alguém, sinto que você não tem a mesma certeza sobre o seu. Eu estou errada em pensar assim?

Paul demora um pouco para responder, mas não desviou o olhar. Não queria perder um segundo da Kate real, sem esquemas e falas ensaiadas. Sabia que podia piscar e encontrar a sua versão de plástico no lugar, quis prolongar o raro momento de confidencialidade por mais algum tempo.

A tensão no quarto se tornou mais palpável, como se a distância entre eles fosse quase sólida naquele momento.

Contudo, o breve momento de clareza dispersava em parte da neblina, agora Paul e Kate, ora inimigos, ora aliados podiam encarar seus dilemas na face do outro.

–Suponho que todos nós possuímos incertezas. - o garoto se pronunciou, olhando para fora da janela.

Kate o acompanhou com o olhar, mas seus pensamentos estavam longe, acerca de seu plano de vingança. Até onde ela poderia seguir como aliada de Paul nesse perigoso jogo de interesses? Até que ele fosse expulso, como ela planejara? Ou até ela ser pega?

Não havia como saber.

Abaixando os ombros, ela finalmente o respondeu.

–É, suponho que sim.


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Notas finais do capítulo

Eu quero agradecer à Miss Caroline que betou maravilhosamente como sempre esse capítulo. Sério, fico muito impressionada como você consegue transformar o texto.
Meus agradecimentos também para Unwordly pela capa enigmática e misteriosa, tal como o capítulo - espero.
Estava muito ansiosa para que vocês chegassem nesse ponto da história e estou me contorcendo aqui para saber o que acharam de tudo. E minha mãe viajou, então estou sozinha em casa. Falem comigo, pessoas, comentem e me alegrem! :)
O próximo capítulo deve chegar em duas semanas, porque minhas aulas começam logo logo e então a postagem vai ficar impossível de vir nesse ritmo semanal. Mas não vou sumir, nem abandonar.
Muito obrigada por todo carinho e todo suporto que vocês me deram até agora! :)
Quem ainda não sabe da página da fic, é www.fb.com/acompanhekate
Beijos e até a próxima!