Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 50
Permanência forçada


Notas iniciais do capítulo

A nevasca não poupa ninguém



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Permanência forçada

A nevasca não poupa ninguém

A parada forçada em Rivendell devido à nevasca demorou quase duas semanas, durante as quais Thorin oscilava entre ir à loucura ou levar seus anfitriões a ela. O tempo começou a dar sinais de melhora bem na hora.

Felizmente, havia um elfo cuja companhia não irritava os três khazâd: Eldrin. Ele parecia quase simpático, disposto a sempre fornecer histórias de Anna e Darin durante sua estada em Rivendell e também em Mirkwood, onde ambos foram hóspedes do rei Thranduil. Graças aos relatos de Eldrin, Thorin era capaz de acalmar seu coração aflito e ansioso para deixar o vale.

Um outro encontro deixou Thorin intrigado. Não foi por acaso: o antigo soberano de Erebor recebeu uma visita.

— Eu queria me desculpar — disse o menino humano, de penetrantes olhos verdes, numa postura constrangida. — Fui muito descortês.

Thorin ouviu o rapaz — Estel — e garantiu:

— Não há do que se desculpar.

O jovem quis saber:

— Você é o pai de Darin, não é? É o marido de Anna.

— Isso mesmo. Soube que ficaram muito amigos.

— Ela é simpática. Fácil de gostar.

— Meu filho também se apegou a você, pelo que soube.

— Você vai ficar? Agora?

— Desculpe, mas não entendi.

Estel indagou, os olhos profundos brilhando:

— Anna disse que você estava ocupado, longe, por isso não podia ficar com eles. Agora vai ficar com eles?

Thorin sentiu um impacto pelo tom de cobrança implícito no jovem. Respondeu:

— Sim. Agora não vou mais deixá-los.

O rapaz mudou de fisionomia, relaxando:

— Bom. Ela esteve muito triste. Por favor, não deixe que ela fique triste.

Thorin aproximou-se e garantiu:

— Farei o impossível para que isso nunca mais aconteça.

Estel sorriu:

— Isso me deixa feliz. Desejo uma boa jornada.

Fez um cumprimento élfico e saiu. Thorin ficou a olhar a figura que se afastava, tentando descobrir exatamente quando em sua vida ele se deixou ser interrogado daquela maneira por um menino que mal podia ser chamado de adolescente. E que rapazinho era aquele que possuía tamanho poder de intimidação?

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O tempo finalmente melhorou, e os três anões se prepararam para voltar à estrada. Houve uma despedida formal (o que desagradou Dwalin, embora ele fosse discreto em seu desprazer em deferência a Thorin). Foi uma ocasião que deixou Thorin surpreso consigo mesmo, pois sentiu sua antiga aversão a elfos diminuir significativamente.

Mais dias na estrada, e os dias de sol animavam Thorin. Embora Kíli reclamasse da demora ("eu não me lembro de ser tão longe na ida", queixou-se), Thorin ficava feliz cada vez que o sol se punha: era um dia mais perto de sua ghivasha.

Após dias, chegaram a Bree, nas fronteiras do Shire. Thorin tinha estado muitas vezes na cidade, indo e vindo de Ered Luin. Sempre parava no Pônei Saltitante. Lá tinha encontrado Gandalf, anos atrás, para uma conversa que dera início a tudo: a missão, a conquista de Erebor, e Anna. Era um bom lugar para se preparar antes do reencontro com sua khebabînh.

Os três anões entraram na taverna, sentaram-se, negociaram refeições e pouso por uma noite. Kíli foi pegar as cervejas e viu o dono da estalagem, da raça dos homens, conversando com um hobbit agarrado a seu caneco de cerveja ale:

— Boa noite, Mestre Chubb. Como vai a família? E os negócios?

O pequeno pegou sua cerveja, respondendo:

— Todos bem. Os negócios prosperam, com a graça de Yavanna e minha mulher. Ela tem me ajudado na marcenaria.

— Mas e os pequeninos? Lembro de ter dito da última vez que seus filhos davam muito trabalho a sua senhora.

O hobbit garantiu:

— Oh, mas agora há uma moça encantadora em Hobbiton que toma conta de vários pequeninos. Ela tem o dela, claro.

— Homessa! — exclamou o homem. — Nunca tinha ouvido falar de algo assim.

— As crianças a adoram. Pobre moça tem uma história trágica, dizem. Eu não sei qual. Só quem sabe é Bilbo "Biruta" Baggins, mas ele não diz para ninguém.

O barman falou:

— Sr. Bilbo não tem vindo muito aqui, se não eu perguntaria.

— Ah, Bilbo. Ele é meu primo, sabia? Nunca mais foi o mesmo desde que voltou da tal "aventura". Loucura, isso sim! Onde já se viu? Deixar sua casa boa e confortável para sair por aí numa "aventura"...!

— É — disse o dono da estalagem. — Nunca ouvi falar de um hobbit fazer isso antes.

O hobbit parecia intenso na cerveja quente, e acrescentou, um tanto desorientado:

— Mas eu não o culpo, e sim o mago, esse Gandalf. Ele é que deve ter arrastado meu primo inocente nisso. Bilbo é uma boa pessoa, aquela moça também é. Gandalf colocou todos eles nessa posição desconfortável, aposto! Ainda bem que ele já se foi.

Kíli decidiu que ouvira o suficiente e voltou para a mesa com os três canecos. Relatou o que ouvira e indagou:

— Acha que falavam de Anna?

Thorin assentiu:

— Tudo indica que sim.

Dwalin rosnou:

— Vou dar uma lição nesse sujeitinho! Ele não pode ficar falando assim de minha rainha!

Thorin o impediu, observando:

— Ele não falou nada além de coisas boas. Não há motivo para briga.

Dwalin se deu conta que era verdade, mas resmungou:

— Hum, mas ainda assim o nome da rainha não deve surgir em ambientes assim...

Thorin convidou:

— Então vamos dormir logo. Amanhã, a esta hora ou antes disso, estaremos com ela se sairmos cedo.

Foi o que fizeram. Não tinha amanhecido quando deixaram a estalagem. As horas viajadas de Bree até Hobbiton foram as mais ansiosas da vida de Thorin. Ele conhecia aquelas estradas, após tê-las usado tantas vezes nas idas e vindas de Ered Luin. Mas naquele momento, ele só pensava em Anna, em revê-la, em tocá-la. Como estaria? Darin deveria estar grande, talvez andando.

Kíli dissera ter ouvido que Anna cuidava de crianças de outros. Estaria ela feliz? Poderia ela rejeitar Thorin?

Sim, ele temia que o tempo e a distância pudessem ter levado sua pequena a procurar outro. Por menos que quisesse acreditar, havia uma sombra de dúvida. Se ela não pretendia voltar a morar em Erebor e não imaginava que Thorin pudesse desistir do trono, ela poderia ficar tentada a procurar um pai para Darin. Talvez o próprio Bilbo, de quem ela tanto gostava.

Conscientemente, Thorin não acreditava que Anna pudesse fazer tal coisa, mas em seu íntimo. Thorin temia aquilo. Era uma fantasia devastadora. Sem Anna e sem trono, Thorin não sobreviveria, tamanho desgosto.

A tarde começava a morrer quando localizaram a porta verde e redonda de Bag End. Tocaram a campainha, e em seguida a porta se abriu.

Viram Bilbo reconhecê-los e espantar-se.

Thorin...?! Oh, por Eru, eu... Nem sei o que diz- — Ele se interrompeu ao ver os demais. — Kíli! Dwalin!

Então de repente o hobbit abraçou-os com força, emocionado. Thorin disse:

— Eu gostaria de ter mandado um recado, mas as estradas...

Bilbo se horrorizou:

— Minha Yavanna, vocês pegaram a tempestade?

Kíli disse:

— Mestre Boggins, não vai acreditar!

Bilbo o interrompeu:

— Oh, que péssimo anfitrião eu sou! Vamos, entrem, entrem! Deixem suas coisas aqui no átrio e vamos tomar um chá. Oh, Anna vai ficar tão feliz!...

O coração de Thorin batia tão forte e rápido que parecia ser capaz de pular para fora de seu peito.

— Onde ela está?

Bilbo sorriu e respondeu:

— Ela está tomando conta das crianças. Não demora a chegar. Sentem-se, contem-me tudo enquanto faço um chá.

Thorin confessou, aflito:

— Desculpe, Mestre Baggins, mas no momento não posso me sentar. Onde ela está? Qual o caminho?

Bilbo entendeu ao ver a angústia no rosto de Thorin e aquiesceu:

— Claro. Ela costuma vir pela estrada da esquerda. Se seguir o caminho, deve encontrá-la. Estou certo de que ela vai chegar a qualquer momento.

O ex-rei não perdeu tempo em seguir a direção, notando que o sol se punha. Ele tomou o caminho indicado, de olho em volta, coração acelerado. Não demorou até enxergar duas figuras solitárias ao longe, uma delas bem pequena. Tinha que ser ela, o cabelo solto, o vestido rodado... Sem se conter, coração ainda mais acelerado, Thorin apressou o passo naquela direção.

O tempo pareceu correr de maneira diferente quando Thorin se certificou que eram eles, sim. O restinho de sol às suas costas iluminava o rosto que ele tanto amava, e ela olhava para ele de modo inseguro, como se duvidasse de seus olhos, a visão prejudicada pela luz direta. Aí mesmo é que ele começou a correr, chamando:

Ghivashel...!

Então Thorin viu quando Anna pareceu cair lentamente no chão, o corpinho de Darin se desequilibrando com a queda dela. Os dois foram ao chão praticamente juntos. Thorin se alarmou e arremeteu o mais rápido que podia até sua família, registrando Anna inconsciente no chão e Darin caído, chorando, assustado.

Foi aí que as coisas ficaram muito estranhas. Muito mesmo.

Assim que Thorin se aproximou, Darin começou a berrar a plenos pulmões. Antes que Thorin pudesse encostar neles, foi repelido por uma força intensa que o jogou para trás e o derrubou no chão, onde caiu sentado. Thorin ficou zonzo alguns segundos com a intensidade do impacto, sem saber direito o que o atingira.

Então ele viu.

Ao lado da mãe imóvel, Darin chorava no chão, envolto numa bolha dourada brilhante e translúcida que isolava o menino e a mãe. Thorin arregalou os olhos, num átimo entendendo o que se passava. Seu filho, tão único e especial, era capaz de proteger a si mesmo e também a sua mamãe.

Thorin aproximou-se o máximo que pôde, dizendo:

— Darin? Filhinho, é o papai. Você se lembra do papai? É o papai, Darin.

Darin respondeu, em prantos:

— Ma-madad!

Thorin recuou, assustado. O menino falava Khuzdul?

Ele tentou mais uma vez, em voz calma, como se falasse com um animal arisco:

— Darin, meu filho, preste atenção. Eu não quero fazer mal a sua amad. Sou eu, seu adad. Eu jamais farei mal a você ou a sua mãe. Por favor, filhinho.

Parece que Darin estava assustado demais para responder, mas felizmente para Thorin outros personagens se juntaram à trama.

Atraído pelo choro de Darin, Bilbo correu até lá, acompanhado de Kíli e Dwalin. O hobbit se alarmou:

— Por Eru! O que houve?

— Anna desmaiou — explicou Thorin, aflito. — Darin está tão assustado que criou uma espécie de muralha, e não consigo chegar a ela!

Bilbo explicou:

— Ele só está assustado. Já fez isso antes. Deixe-me tentar. — Ele se aproximou com um sorriso. — Ei, amiguinho, tudo bem agora. Sou eu. Está tudo bem, Darin. Viemos ajudar sua mãe, tá bom?

Darin gritou, esticando os bracinhos:

— Bibi! Bibi!

E a barreira se desfez para que Bilbo o pegasse no colo. Imediatamente, Thorin foi até Anna, desvirando-a com cuidado, afastando a sujeira do rosto que amava.

— Oh, minha ghivasha...

Foi quando mais gente chegou: especificamente, hobbits.

— Ei! O que estão fazendo com Dona Anna? — Era Gordy Brandybuck, acompanhado do filho Rory. — Deixem-na em paz, anões!

Bilbo balançava Darin no colo e garantiu:

— Está tudo bem, primo Gordy. Este é o marido de Anna, ele trouxe seus parentes. Acho que ela desmaiou de emoção.

O jovem Rory arregalou os olhos:

— São os parentes de Dona Anna? Vieram levá-la?

Gordy voltou a gritar:

— Não vamos deixar que levem Dona Anna!

Dwalin rosnou:

— Ela é nossa rainha!

Bilbo tentou dizer:

— Calma, Gordy, Dwalin. Vamos ficar calmos. Está tudo bem.

Kíli estava impaciente e indagou:

— Será que podemos tratar de minha tia primeiro?

Thorin ergueu Anna nos braços, dizendo:

— Vou levá-la para casa.

— Sim, vamos — concordou Bilbo. — Gordy, Rory, voltem para casa. Está tudo bem.

Voltaram apressadamente a Bag End, deixando para trás hobbits muito confusos. Mas Thorin mal prestou atenção.

— Ponha-a naquele sofá — indicou Bilbo a Thorin. — Kíli, pegue água da moringa e umedeça um pano da cozinha. Vamos esfregar na pele dela.

Darin acompanhava tudo com os olhos, choramingando agarradinho em Bilbo. Thorin sentou-se no sofá, ajeitando-a. Kíli lhe trouxe o pano úmido e ele se pôs a passá-lo na pele da esposa, sussurrando:

Ghivashel...

Então dois olhos cor de mel se abriram e se fixaram no rosto dele, reconhecendo-o. Ela o encarava, como se não conseguisse saber se aquilo era real ou não. Na verdade, o momento era tão intenso que não parecia haver mais ninguém no mundo, exceto os dois.

Thorin deixou o pano úmido de lado e acariciou o rosto dela, murmurando:

Âzyungâl...

Os olhos de Anna se encheram d'água, e suas mãos tremiam quando ela fez as pontas de seus dedos tocarem o rosto de Thorin, com medo de que fosse um sonho. A voz dela era tão fraca que era menos que um sussurro:

— T-Tho... rin...? É você...? É você mesmo...?

Ele capturou os dedos dela entre os seus, respondendo:

— Sim, sou eu, minha pequena. Estou aqui.

Lágrimas escorreram pelo canto dos olhos claros de Anna, sem que ela as detivesse. Ela ainda sussurrava:

— Meu Deus... Eu rezei tanto... tanto. Nem acredito... É só um sonho... Ou é mesmo verdade...?

Thorin encostou sua testa na de Anna, um gesto tradicional de afeto. Anna chorou, abraçada a seu marido. Ele a envolveu em seus braços, dizendo como se falasse com uma criança:

— Shhh... Eu estou aqui, está tudo bem agora, khebabînh. Vai dar tudo certo.

Entre soluços, ela dizia:

— Oh, meu amor... Meu amor, meu grande amor...!

Ficaram abraçados por um bom tempo, absolutamente alheios a todo o mundo exterior. Se estivessem em condições de prestar atenção, veriam que todos os demais tinham ido até a cozinha para dar privacidade ao casal.

— Oh, Deus... — Anna afastou-se, alarmada. — Desculpe. Estou molhando suas roupas.

— Não se preocupe com isso. — Thorin não se cansava de acariciá-la, e cada toque era como um bálsamo para Anna. — Estou aqui, mizimel. Vim para ficarmos juntos.

Anna o encarou, alarmada, e indagou:

— Thorin, o que isso quer dizer? Não diga que veio nos levar, por favor, eu disse que-

Ele pôs um dedo nos lábios dela, garantindo:

— Não, eu disse que vim para ficar. Não para voltar. Se você não quer morar em Erebor, não tenho nada a fazer lá.

Anna arregalou os olhos, admirada:

— Thorin...! Você é o rei!... Não pode- — Ela se interrompeu, boquiaberta, dando-se conta. — Thorin, você...? Não...! Thorin, não...!

Ele assentiu, confirmando:

— Entreguei o trono a Fíli.

Ela estava chocada:

— Mas Thorin, seu reino... seu pai!... Sua terra natal, seu lar...!

Ele sorriu:

— Nada é mais importante do que você, ghivashel. Minha vida perdeu o sentido. Quando você surgiu para mim naquela noite, vinda dos mortos, como um sonho, não tive dúvidas em correr até onde você estava. Minha vida voltou a ter sentido, e eu sabia para onde ir.

— Oh, Thorin...

Ele se sentou e convidou:

— Se estiver em condições, vamos ver os outros.

Anna deixou que ele a ajudasse a se erguer, indagando:

— Tem mais gente?

— Não me deixaram vir sozinho.

A voz de Darin a atraiu para a cozinha. Com surpresa, ela viu seu filho no colo de Bilbo, sorrindo curiosamente para o filho mais novo da irmã de Thorin. Dwalin e Bilbo a viram chegar.

— Darin, olha só quem chegou.

O menino reconheceu Anna e gritou:

— Ma-madad!

Os dois anões arregalaram os olhos ao ouvir Khuzdul, e Bilbo explicou:

— Ele está aprendendo a falar.

Dwalin e Kíli continuaram de olhos arregalados, e voltaram-se para Anna, buscando uma explicação. Ela deu de ombros, sorrindo.

Thorin podia jurar que ia estourar de tanto orgulho de sua pequena.

Palavras em Khuzdul

adad = pai, papai

âzyungâl = amada

amad = mãe, mamãe

ghivasha = tesouro

khebabînh = forjada, alma gêmea

ghivashel = tesouro de todos os tesouros

mizimel = joia de todas as joias

PS - Gostaria de dar uma breve palavrinha a todos os que estão acompanhando nossa história. Obrigada por seu apoio, sua leitura e suas reviews. Não quero alarmar ninguém, mas nossa jornada começa a se aproximar do fim....


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