Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 49
A estrada continua


Notas iniciais do capítulo

De volta ao começo



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A estrada continua

De volta ao começo

Ao fim do desjejum, o trio de anões voltou à estrada, bravando a estrada coberta de neve. Caminharam em silêncio, quebrado apenas por palavras soltas. Por isso ouviram a aproximação de estranhos. Era uma patrulha de elfos a cavalo. Logo foram cercados. O comandante abordou-os:

— Alto! Vocês estão invadindo território élfico. Quem se aproxima? Amigo ou inimigo?

Thorin fez uma reverência.

— Saudações. Somos amigos. Respeitosamente requisitamos uma audiência com Lord Elrond.

O elfo os encarou, dizendo com desprezo:

— Que anões pedem audiência com o Senhor de Imladris?

Dwalin rosnou, mas Thorin ignorou-o e apresentou:

— Este é Kíli, imão do rei Fíli de Erebor e herdeiro do trono. Com ele viaja Dwalin, capitão da guarda de Erebor.

— E você, anão?

— Meu nome é Thorin. Não tenho título.

O elfo rondou-o com o cavalo, estudando-o com cuidado.

— Você diz não ter título, mas pretende obter uma audiência com Lord Elrond.

— Ouso pensar que ele vai nos receber — Thorin responder. — Ele sabe quem sou.

Ele o circundou um pouco mais, ainda estudando-o com ar altivo e desdém nada pequeno. Thorin sabia que a atitude tinha por objetivo intimidá-los, mas ele achava uma perda de tempo.

Elfos, pensou, irritado.

Finalmente os guardas decidiram levá-los para o vale. Formaram uma fila indiana e foram escoltados por entre árvores até uma encosta conhecida: foi a mesma rota que usaram para deixar o vale no meio da noite quando estavam indo rumo à Montanha Solitária. Contudo, foram levados a um caminho diferente, e entraram em Rivendell por um portal que nunca tinham visto.

— Esperem aqui — instruiu o chefe da patrulha antes de entrar no complexo, e Dwalin rosnou de novo.

Em minutos, Thorin reconheceu o assistente de Elrond, em seus trajes azuis e olhar assustado, correndo até eles. Qual era mesmo o nome dele? Lindir. Isso mesmo, Lindir.

O elfo parecia intrigado e inquieto. Fez uma reverência, quase pedindo desculpas:

— Milords, não soubemos de sua vinda.

Thorin comentou:

— Não houve tempo para mandar mensagens, e eu lamento. Preciso falar com Lord Elrond.

— Ele os receberá assim que voltar — disse Lindir. — Por favor, venham comigo e descansem.

Desta vez, ao invés de acamparem num dos salões, eles foram levados a aposentos, onde puderam se esquentar e se lavar.

Thorin deixou os companheiros para perambular cuidadosamente pelo local, onde não pôde deixar de se lembrar de Anna e dos momentos passados com ela ali. Intensas emoções tomaram conta do ex-rei.

Naquele local, em pleno solstício de verão, ele se entregara a Anna e ela a ele. Ali Darin fora concebido, e ali Thorin encontraria o caminho para se reunir de novo com sua família. Ele não tinha como negar que, reino de elfos ou não, Rivendell era parte fundamental de sua vida com Anna.

Ao perambular pelo local, lembrando-se dos momentos vividos e da emoção de seu amor ainda jovem e balbuciante, Thorin notou estar num aposento jamais visto. Havia uma estátua sob a qual jazia uma espada quebrada, seus fragmentos cuidadosamente dispostos sob um tecido fino e delicado. À frente, ele viu uma pintura na parede, e a cena lhe pareceu conhecida, de um homem com uma espada quebrada (a mesma ali disposta) enfrentando um guerreiro em armadura e elmo. Thorin reconheceu a cena e o que retratava: o guerreiro era Sauron, Senhor do Mal e das Trevas. O homem certamente era Isildur, que derrotou o Mal mas sucumbiu a ele. A batalha tinha sido há milhares de anos. Tinha sido uma das últimas vezes que anões, elfos e homens lutaram juntos — até a retomada de Erebor, claro.

Em suas aulas quando era um jovem príncipe em Erebor, Thorin fora instruído sobre os grandes reis e os grandes reinos da Terra Média. Ele ficou imaginando o que a espada de Isildur, rei de Dunedáin, estaria fazendo com os elfos, e não com os homens, seus herdeiros legítimos.

Uma voz o interrompeu de seus pensamentos:

— Não devia estar aqui.

Thorin virou-se e viu um jovem, pouco mais que uma criança, a encará-lo. O ex-rei notou:

— Você não é elfo.

— E você também não — respondeu o rapaz, sem se intimidar. — Por que está aqui?

Thorin achou o menino interessante e curvou-se:

— Não tive intenção de invadir, jovem Mestre. Meu nome é Thorin, e vim de Erebor falar com o Senhor de Rivendell.

O nome era conhecido do rapaz, que arregalou os olhos. Contudo, antes que o jovem conseguisse dizer alguma coisa, o referido Mestre de Rivendell soou:

— Perdoe meu jovem protegido, Mestre Thorin. Sua curiosidade parece ser maior do que suas maneiras.

O rapaz enrubesceu e se curvou, dizendo em Sindarin:

— [Desculpe, Elrond.]

— Tenho certeza que seus estudos o esperam na biblioteca — finalizou Elrond ao jovem. — Pode ir agora.

O rapaz fez uma reverência élfica a cada um e saiu apressadamente. Elrond dirigiu-se a Thorin:

— Bem-vindo a Rivendell, Thorin, filho de Thráin, filho de Thrór, Rei Sob a Montanha.

Thorin curvou-se respeitosamente:

— Agradeço, Elrond, Senhor de Imladris, mas não sou mais rei.

Elrond ergueu uma sobrancelha e pausou um segundo antes de:

— Vejo que há muito a conversar. Venha, por favor. Fiz arranjos para conversarmos com acompanhamento de bebidas e comidas.

Mesmo com um arrepio ao se lembrar da comida élfica, Thorin o seguiu.

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Uma lareira grande rugia com fogo alto no meio da sala onde o grupo se reuniu. Sim, um grupo, pois Kíli e Dwalin foram chamados. O ambiente aconchegante combinava com as bebidas quentes para espantar o frio da noite. A neve caía em ondas espessas e o vento uivava selvagemente.

— Tem estado assim há semanas — lamentou-se Elrond, olhando para fora. — O inverno tem sido excepcionalmente rigoroso este ano. Imagino que o mesmo aconteça no Norte.

Thorin respondeu, calmamente:

— Na verdade, não está tão frio por lá. Ao menos quando saímos.

— Foi muito corajoso atravessar as montanhas nessas condições. As estradas estão fechadas. Mesmo o Caradhras oferece perigo.

— Tomamos outro caminho — disse Thorin —, graças a uma gentileza de Lord Gwaihir.

A revelação fez o elfo arregalar os olhos elegantemente, sem palavras. Kíli aproveitou a pausa para indagar, hesitante:

— O que temos ouvido é mesmo verdade? Minha tia... ela vive?

O elfo virou-se para o jovem anão, contraindagando:

— E se eu dissesse que sim? O que você faria?

Thorin quase rosnou internamente. Por que elfos pareciam ser incapazes de falar se não por círculos? Mas Kíli respondeu:

— Ora, iríamos até ela.

Elrond insistiu:

— E o que fariam quando chegassem até ela?

O jovem príncipe respondeu:

— Nós a veríamos, falaríamos com ela! Oh, temos tantas saudades!

Elrond continuou a questionar:

— E depois disso?

Thorin percebeu para onde a conversa ia e perguntou:

— Quer saber se pretendemos levá-la de volta a Erebor, não é?

O rosnado de Dwalin estava alto, mas Elrond não se intimidou e indagou diretamente a Thorin:

— E vocês pretendem levá-la de volta a Erebor?

— Só se ela quiser ir — garantiu Thorin gravemente.

Houve uma pausa, tensa e pesada. Thorin teve um insight. Sentiu seu coração acelerar e indagou, num sussurro, tentando conter a emoção:

— Anna está aqui? Ela teme que a forcemos a voltar? Eu jamais a forçaria a nada!...

Elrond ergueu uma mão antes que ele continuasse, dizendo:

— Sossegue, Thorin Oakenshield. Sua mulher não está aqui. Diga-me por que se apresentou como um homem sem título.

Ele informou:

— Por um motivo simples: não tenho títulos, não sou mais rei. Abdiquei do trono para ficar ao lado de Anna. De que me adianta um reino sem minha rainha? Não há nada mais para mim em Erebor.

— E quais são seus planos?

— Viver com Anna onde ela quiser. Talvez voltar a Ered Luin. Nem todos emigraram para Erebor.

Elrond ergueu-se, andando pela sala e indagando:

— Gandalf lhe contou sobre Anna, não?

— Sim. Ela também me contou sobre sua origem.

— Então você sabe o que ela é — disse Elrond. — Meu povo tem um nome para seres como ela: Eldalinossë. Quer dizer kin para os elfos. Ela é nossa parente, muito preciosa para nós, e nós a protegeremos ferozmente.

Dwalin garantiu, igualmente feroz:

— Nós também.

O elfo comentou:

— Aqueles que a ameaçaram anteriormente... Suponho que já tenham sido punidos.

— Aye — confirmou Thorin. — Todos os que detectamos.

Elrond disse:

— Os poderes de Anna aumentam, e os do pequeno também. Mãe e filho são duas dádivas para esta terra, Thorin Oakenshield. Ela poderia ser uma lenda, detentora de grande poder sobre os povos deste lugar. Provavelmente ela já lhe contou que recebeu um convite de Lady Galadriel para ser treinada, e recusou. Também Saruman, chefe da ordem da qual Gandalf faz parte, ofereceu-se para treiná-la pessoalmente, e desta vez Darin manifestou sua contrariedade.

Kíli repetiu:

— Darin? Darin, meu primo?

— E quem mais? — Elrond sorriu. — Muito interessante. A biblioteca só se recuperou há pouco tempo, e Gandalf achou tudo muito divertido.

Thorin concordou:

— Sim, ele acharia.

— De tudo isso — continuou o elfo —, poder, glória, prestígio, ela desistiu. Abriu mão das honrarias, das homenagens, e só por sua causa. Erulissë o valoriza acima de tudo, você e o filho. Todos os que a conhecem pelo que ela é gostariam de render-lhe as homenagens devidas, mas ela recusa. Espero que tenha consciência do privilégio que lhe foi concedido.

— Eu tenho plena consciência — garantiu Thorin. — Por isso estou disposto a fazer qualquer coisa por ela e ser merecedor de sua devoção.

Elrond o encarou longamente, avaliando suas palavras, antes de pedir:

— Pode me falar sobre Erebor? Infelizmente não pude ir à coroação.

Se alguém estranhou a súbita mudança de assunto, não demonstrou. Thorin não evitou dar um sorriso saudoso:

— Erebor prospera. Meu povo em breve estará produzindo gemas e ouro, garantindo prosperidade a toda região.

— Gandalf me disse que foi uma festa magnífica — comentou o elfo.— E não preciso mencionar a chegada de Darin.

— Foi o maior presente de Mahal, minha verdadeira coroação — confirmou Thorin, comovido. — Meu filho, nascido na terra de meus ancestrais, retomada de Smaug.

O Senhor de Imladris comentou:

— E você deixou tudo isso para trás.

— Sentirei saudade. Mas Anna, para mim, é ghivashel. É como eu a chamo. Pois ela é o tesouro de todos os tesouros, mais preciosa que todo o ouro de Erebor e todo o mithril de Khazâd-dum.

— Ainda assim — disse Elrond pausadamente —, acredito que deixar seu trono depois de tudo que se passou não deva ter sido uma decisão fácil. Eu conheci seu avô Thrór quando ele reinava sob a montanha. Imagino o que ele diria.

Thorin sorriu tristemente e respondeu:

— O amor pelo ouro levou meu avô à loucura e a um dragão, fogo e ruína para meu povo. Eu tive sorte: Anna estava comigo para me erguer quando sucumbi à doença. E essa é apenas uma das muitas razões pelas quais não tenho a mínima intenção de desistir de minha mulher.

Elrond assentiu, parecendo muito impressionado - ao menos tanto quanto um elfo podia parecer:

— Eu ofereci a ela um lugar em minha casa. Ela declinou, e concordei que assim seria melhor. Mas a oferta continua de pé. Ela passou um tempo aqui, muitos sentem falta dela. Estel, o garoto humano que viu, tem por Anna a afeição de um irmão, e Darin é fascinado por Estel.

— Seu protegido?

— Erulissë (é como a chamamos) tem muitos amigos em Rivendell — comentou Elrond. — Ela nos faz falta.

Thorin sabia que passava por um teste. Por isso, pronunciou, gravemente, como um compromisso sagrado:

— Lord Elrond, estou bem ciente da desconfiança de nossos povos. Não vale a pena elaborar nisso nesse momento, mas posso lhe garantir: Anna jamais será afastada de seu kin. Pois temos dívidas com seu povo, e Anna ajudou a diminuir a distância entre nós.

Mais uma vez os olhos penetrantes de Elrond encontraram os azuis profundos de Thorin. O elfo ergueu uma sobrancelha.

— Mais sábio que o avô — pronunciou. — Eu estaria lamentando que Erebor tivesse perdido um rei desse quilate, se eu não soubesse a alegria que isso provocará em Erulissë.

Thorin indagou, esperançoso mas constrangido :

— Então, acha que ela me aceitará de volta?

Elrond garantiu, admirado:

— Ela nunca esteve zangada com você, Thorin Oakenshield. Nunca o rejeitou. Mas ela acreditava que seu amor estivesse fadado a nunca se concretizar. Fico feliz em ver que ela estava errada, pois ela subestimou seu amor por ela.

Kíli indagou:

— Ela não está mesmo aqui? Onde ela está?

Elrond respondeu:

— Há poucas semanas ela e Darin partiram rumo ao Shire. Gandalf fez questão de acompanhá-los e visitar Bilbo Baggins.

— Mestre Boggins! — exclamou Kíli, com um sorriso.

— Devemos ir o quanto antes — disse Thorin.

— Temo que isso pode não ser tão fácil — ressaltou Elrond. — As patrulhas chegaram com notícias de que as estradas não estão seguras.

— Orcs?

— Grupos de lobos famintos, provavelmente wargs também, atacam viajantes. Os Guardiões do Norte temem que os animais consigam atravessar o rio Brandywine, que está congelado, e depois invadam o Shire. Houve um inverno assim há algumas décadas. Alguns hobbits morreram atacados pelas feras naquela ocasião.

Dwalin ressaltou:

— Não somos hobbits.

— Não, mas vocês são apenas três — lembrou o Senhor de Imladris. — Os relatos são de grupos numerosos de feras famintas. Dezenas delas.

Thorin franziu o cenho, preocupado. Havia lobos famintos rondando sua família, e ele não podia ir até eles. Ele sabia onde eles estavam, e não podia ir até sua ghivashel.

Como se lesse seus pensamentos, Elrond recomendou:

— Paciência, Thorin Oakenshield. Estamos há semanas com esse tempo ruim. Eventualmente, ele vai clarear. Até lá, são bem-vindos para permanecer em Imladris.

Não era o que nenhuma das partes ali reunidas desejava. Contudo, era assim que seria.

Palavras em Khuzdul

ghivashel = tesouro de todos os tesouros


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