Eu estava em casa, já tinha me acostumado com a luz. As pessoas me enchiam de perguntas, sentia que minha cabeça iria explodir, e tudo o que eu fazia era chorar. Sentir dor, chorar, sentir dor novamente, era esse o ciclo.

Certa hora, alguém grita que chegou uma ambulância. Não consigo enxergar direito, mas sei que me colocaram na maca da van, um dos médicos coloca uma máscara e eu apago imediatamente, talvez seja melhor assim.

Acordo com o barulho de um monitor cardíaco, olho para baixo e percebo que minha visão está normal. Uso uma roupa de hospital, estou ligada ao soro.

– Lisa! - Ouço minha mãe gritar.

Viro a cabeça, sem se importar com o soro e nem meus ferimentos, ela se joga em meus braços.

– Ai - Gemo

– Desculpa, desculpa. Lisa o que você fazia na casa do vizinho? O que aconteceu?

– O que te contaram? - Falo, minha voz soa esganiçada.

– Igor foi quem te resgatou, ele chegou em casa gritando, dizendo que estava procurando o pai dele e então, de alguma forma, te achou. Você estava escondida, amarrada a amordaçada. Todas as suas necessidades estavam sujando a roupa, você estava frágil, sangrando. Daí ele te pegou no colo e levou para casa.

– Então... ele foi o meu herói?

– Sim, ele foi.

Começo a chorar, mas nem sei o porquê. Eu tenho medo, medo de que isso seja só um sonho e de que eu acorde naquele lugar, que a tortura volte.

– Vou chamar o seu pai, ele está tomando café.

Ela beija minha testa, depois vai até a porta do quarto do hospital .

– Não - Digo,antes que possa impedir. - Não me deixe sozinha,por favor.

– Ah, o psicólogo disse que isso aconteceria.

– Quanto tempo faz que estou aqui? Digo,no hospital.

– Chegou essa tarde.

Ela se senta na cama, ficando mais baixa do que eu, então encosto minha cabeça no seu ombro e choro, assim como fazia quando eu tinha oito anos e tinha pesadelos, assim como fazia quando tinha um dia ruim na escola.

Só choro, e depois de certo tempo meu pai se junta à choradeira.

Diego entra no quarto, corre até a cama para me abraçar. Naquele momento, nenhuma brincadeirinha tosca do passado importa, ele é meu irmão,e não me importo de chorar na sua frente.

– Você fez falta, Smurf.

* * *

O dia inteiro foi de choradeira, sono, remédios e dor. Conversei com a família e uns policiais vieram aqui, mas por ordem dos psicólogos, eles vão falar comigo só amanhã. Eu não queria isso, queria que eles falassem comigo logo, queria que prendessem aquele retardado.

E então começo a chorar de novo. Já tive minha vida toda mudada por causa do crime que testemunhei, e agora ela se ferrou toda por conta de um retardado que teria coragem de torturar e matar sua própria filha?

Não era justo! Eu nunca tinha feito nada de ruim para os outros, não era a garota má da escola, sempre fui boa. Por que eu? Por que duas coisas?

Por que?

Estou cansada de chorar, cansada de sentir medo, cansada de ser manipulada, de sentir dor. Eu só quero desaparecer.

Olho para a janela, e todo aquele medo que a psicologia tinha tirado de mim retor, duas vezes mais forte. Tenho medo do assassino, medo do pai de Igor e Dafne, e mais do que tudo, medo de mim mesma, medo do que posso atrair.

Estou cansada de sentir medo.