Anjo da Cara Suja - betada escrita por Celso Innocente


Capítulo 12
Triste realidade


Notas iniciais do capítulo

Ah! O título se refere à realidade humana na desvalorização de seu semelhante, tratando-o como se fosse simples e descartável objeto de pouco valor.



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Três dias depois, sem receber sequer uma única pista, já eram quase sete horas da noite, Luciano se encontrava em sua sala de estar, sentado na mesma poltrona de sempre, com seu filho nos braços, olhando sem muito interesse para a televisão, já que havia abandonado a ideia de assistir Vitória Bonelli, enquanto Sara continuava seus afazeres domésticos, na cozinha.

De repente, ouviu alguém mexendo no portão de entrada e quando se levantou para saber quem era, notou Paulinho, que mesmo sem pedir licença, já adentrava seu quintal, em direção à porta da sala.

— Oi! — Cumprimentou-o, enxergando nele, a mesma fisionomia bonita e triste do irmão desaparecido.

O menino entrou em sua sala e sentando-se na mesma poltrona, a qual o irmão costumava se sentar, onde começou a chorar sentido, pedindo:

— Moço, devolve meu irmão. A minha mãe nunca para de chorar!

Embora aquela poltrona fosse de apenas um lugar, Luciano sentou-se apertado a seu lado, tentando abraçá-lo; o que ele assustado recusou, talvez imaginando que aquele homem fosse o responsável por tamanho sofrimento. Na verdade, Luciano se sentia mesmo culpado. É comum todos se sentirem assim, quando algo terrível acontece a alguém de seu convívio.

Como o menino recusou seu abraço, Luciano saiu da poltrona, abaixou-se diante dele, ficando de cócoras e passando as mãos sobre seu rostinho cheio de lágrimas, insinuou:

— Não se preocupe, o Regis se perdeu no caminho da escola e está difícil para encontrá-lo. A gente continua procurando por ele.

— O senhor não está procurando!

— Ouça: Eu continuo procurando por Regis todos os dias! Só não estou agora, porque está de noite!

— De noite não dá pra achar ele?

— Não! Fica escuro.

— Amanhã na hora que o senhor for procurar ele, eu posso ir junto? Eu sei a cara dele!

— Não dá! — O homem esboçou leve sorriso, porém com os olhos se enchendo de lágrimas — Você é pequeno e é melhor ficar com a mamãe. Você precisa dar uma ajuda a ela. Pra que ela não fique sofrendo.

— Eu dou. Fico sempre perto dela. Mas ela chora toda hora.

— Outra coisa: você veio aqui sozinho. Você é muito pequeno, pra andar na rua sem companhia. Principalmente agora que já está de noite. Vamos pra casa, que eu vou com você.

Na manhã seguinte, sem saber o que fazer e tendo que mostrar a um menininho inocente, que não havia abandonado seu irmão, Luciano descobriu com o serviço de auxílio à lista, o telefone de uma rede de televisão de São Paulo, ligando imediatamente:

— Tevê! — Atendeu uma mulher.

— Bom dia! É Luciano quem está falando. Gostaria de falar com alguém responsável por telejornalismo.

— Vou transferir a ligação.

Alguns segundos depois, um homem lhe atendeu:

— Luis Fabiano.

— Bom dia Luis! Eu sou do interior do estado e gostaria de ver com você, a respeito de uma reportagem, sobre o desaparecimento de uma criança.

— Desaparecimento de criança? — Luciano percebeu ironia naquelas palavras — Já informou a polícia?

— Eu sou a polícia! — Insinuou ele.

— E você é do interior e quer que eu mande uma equipe até aí, pra fazer uma reportagem, sobre uma criança desaparecida?

— É a missão de um jornalista! Não é?

— É obrigação da polícia! — Riu Luis Fabiano.

— E quando já se esgotaram todas as possibilidades de pistas e buscas pra polícia?

— Em que cidade você está? Quantos quilômetros até aí?

— Quinhentos quilômetros.

— Eu vou deslocar uma equipe por quinhentos quilômetros, pra falar sobre uma criança que resolveu fugir de casa?

— Ele não fugiu de casa! — Negou Luciano, nervoso.

— Se eu for fazer um jornal, falando de todas as crianças que somem em São Paulo todos os dias, eu não falo de outra coisa.

Só então, Luciano se tocou, de que a situação era muito cruel.

— Desaparecem muitas crianças em São Paulo?

— Aqui é o lugar aonde mais somem crianças no mundo! Em média, de dez a quinze por dia.

— Então pra você, isto não significa nada?

— Seu caso? É apenas mais um número, nas estatísticas criminais.

— Seu jornalismo não pode me ajudar?

— É melhor você fazer a polícia trabalhar.

— Já lhe disse, eu sou a polícia!

— Então é melhor tirar a bunda da cadeira e fazer alguma coisa — gracejou o jornalista.

— Se você falar assim comigo de novo, vou até aí pessoalmente, lhe prender por desacato.

— Não vou deslocar uma equipe, pra fazer uma reportagem, sobre uma criança desaparecida, a mil quilômetros de São Paulo, sendo que aqui, tenho dezenas delas em pior situação.

— Tudo bem! Tomara que este drama, jamais aconteça contigo.

— Calma aí! — Pensou o jornalista — Posso lhe dar algum apoio. Se você quiser me mandar uma foto, com detalhes sobre o menino e sua fuga, eu posso encaixar em um noticiário.

— Se você me garantir que fará isso, levo a foto aí pra você, pessoalmente.

— Vou aguardar.

— Não me fará levar a foto até aí e depois deixá-la perdida numa gaveta. Certo?

— Traga a foto e a mostrarei na tevê.

Naquela mesma noite, em ônibus das Empresas Reunidas Paulista, Luciano dirigiu-se à capital, aonde chegou às seis horas da manhã e como era leigo em andar por tamanha metrópole, tomou um táxi e antes das sete horas já estava em seu destino. Foi a um bar ali próximo e tomou o famoso cafezinho da manhã, que por tradição entre todos os paulistanos, era um copo americano de café com leite, chamado de pingado e um pão francês com manteiga, na chapa.

Às sete e meia, já estava na recepção daquela emissora de televisão:

— Bom dia! — Cumprimentou ele a recepcionista: moça branca de cabelos negros compridos, um sorriso bonito e um arco de fone de ouvido sobre a cabeça, com microfone descendo até próximo aos graciosos lábios, em batom vermelho.

— Bom dia! — Respondeu ela, cordial.

— Preciso falar com Luis Fabiano. Na área de jornalismo.

— Ele ainda não chegou — explicou ela, sorrindo.

— Será que demora?

— Costuma chegar às nove horas.

— Posso aguardá-lo?

— Fique à vontade. Daqui a pouco chega um cafezinho.

Luciano sentou-se confortavelmente em poltrona branca, muito macia, ali mesmo na recepção, apanhou o jornal “A folha de São Paulo”, que estava sobre uma mesinha de centro, junto à dezenas de outros, jornais e revistas e sem muito interesse, passou a folheá-lo.

Como aquele jornal, era então dividido em vários cadernos: Política, esportes, cidade, polícia... Deu preferência ao caderno policial, lendo praticamente, apenas os títulos das reportagens, se atentando para algumas, com referência a seu mesmo caso: Criança desaparecida.

Percebeu que só naquele caderno, havia quatro reportagens similares, sendo que em nenhum deles, houvesse, pelo menos até então, uma solução policial.

Noventa minutos, parece passar muito rápido quando se está em atividades, porém experimente permanecer noventa minutos ocioso, sentado em uma poltrona, aguardando alguém. Parece um século. Luciano já havia folheado todos os jornais e revistas daquela mesinha; alguns, por mais de uma vez. Porém, como um século também passa, faltavam poucos minutos para as nove horas da manhã, depois de muita gente passar por ali, um homem alto, moreno, de uns trinta anos de idade, usando terno preto, passava e foi interrompido pela linda recepcionista, que lhe informou, apontando para o visitante:

— Fabiano, aquele senhor o aguarda.

Aproximou-se com certo sorriso. Luciano se levantou e lhe estendendo a mão direita o cumprimentou:

— Bom dia!

— Bom dia! — Respondeu-lhe cordialmente — O senhor é?

— Vim trazer-lhe a foto sobre um menino desaparecido.

— Ah sim! Você é o policial que ontem queria me prender! — Riu ele — Venha comigo.

Seguiram juntos até uma linda sala, repleta de quadros nas paredes, ilustrando algumas reportagens especiais, tais como: Jairzinho, com seu uniforme azul e amarelo, segurando a taça Jules Rimet, conquistada definitivamente em Guadalajara, no México por ocasião do tricampeonato mundial de futebol; o assassinato de John Kennedy, em novembro de mil novecentos e sessenta e três; a bomba atômica que devastou Hiroshima e Nagasaki...

O jornalista sentou-se por detrás de uma bela escrivaninha, oferecendo a poltrona à frente para o visitante.

Sem demora, Luciano tirou de sua valise, a foto, o cartaz e o panfleto, que teria levado consigo, colocando-os sobre a mesa. Fabiano apanhou o cartaz e disse:

— Pode guardar a foto. Talvez a família não tenha outra semelhante. Fico com o cartaz e o panfleto, que diz tudo. Vou encaixar a nota no jornal da tarde e também no da noite. Quem sabe possa ajudar em alguma coisa.

— Você tem razão sobre o problema. Eu não tinha me ostentado para o grande número de casos, que acontecem aqui na capital.

— Realmente é preocupante. Acontecem entre dez a quinze casos por dia! Felizmente, a maioria é solucionado rapidamente. Geralmente são crianças que fogem de casa, após ter brigado com os pais. Muitos deles, os pais sequer fazem queixa e tais crianças, acabam jogadas no centro da cidade, onde perambulam dormindo nas calçadas, cheirando cola de sapateiro, roubando e deixando se explorar em prostituição. Muitos casos passam anos e acabam esquecidos, sem solução. A maioria, como já disse, acaba com final feliz. Um grande número, também é solucionado rapidamente, porém com final trágico...

— O que vem a ser os finais trágicos?

— Sequestros por extorsão, onde após receberem o resgate, os demônios acabam matando a criança, porque os reconheceriam no futuro... Sequestro para serem mandadas ao exterior em adoção ilegal...

— Regis não se encaixa aí — negou convicto Luciano.

— Esta probabilidade é menor, mas existem muitos casos — Explicou o jornalista;

— Jamais teriam uma criança feliz. Nove anos de idade, já tem sua índole afetiva definida.

— Realmente. Porém ele se encaixa em algo ainda mais cruel.

— Violência por maníaco sexual? — Insinuou triste Luciano.

— É! E mais um também muito cruel. Sequestro para tráfico de órgãos. A idade dele é ideal pra este tipo de crime demoníaco, que rende milhões de dólares no exterior.

— Isso não aconteceu com nosso Regis — se negou a acreditar Luciano, emocionado.

— Meu amigo, existem demônios humanos pra tudo!

— Sei disso.

— Inclusive, capazes de fazer rituais macabros com sacrifício de crianças!

— Nosso mundo é podre!

— Têm misticismos que até comem carne de criança e bebem seu sangue, como se fosse um néctar sagrado.

— Um néctar Sagrado é? — Especulou Luciano. — A vida é Sagrada! Sagrada pra ser amparada.

— Não pra certos demônios, intitulados de humanos.

— Regis sumiu sem deixar pistas. A gente conseguiu seguir algumas pegadas. Pegadas que de repente desapareceram, como se ele tivesse evaporado no ar.

— Helicóptero!

— Era no mato e não ficaram marcas do trem de pouso.

O jornalista se levantou e lhe estendendo a mão, insinuou:

— Vou encaixar a nota nos jornais. Tomara que você encontre seu menino. E com saúde!

Pouco depois das treze horas, Luciano já estava sentado em uma cadeira da estação rodoviária, bem no centro da grande São Paulo, aguardando o ônibus, que o levaria de volta ao interior, quando o jornal, mostrado na tevê do terminal, lhe chamou a atenção, com o jornalista falando, enquanto mostrava o cartaz do desaparecimento de Regis. Então se levantou apressado, se aproximando da tevê, que ficava em suporte, fixado no alto do terminal, tentando ouvir o noticiário, porém o anúncio das próximas partidas, em som muito alto, interrompia a voz do jornalista, não lhe deixando ouvir praticamente nada. Aquilo, porém, não lhe importava tanto, afinal, o noticiário não era para si e sim, para quem porventura pudesse ajudar.

Chegou ao terminal rodoviário, no centro de Penápolis, às oito horas da noite, de onde, caminhando pelos próximos dois quilômetros, chegou à sua casa, pouco antes das oito e meia. Sara estava sentada no sofá da sala, assistindo ao telejornalismo, balançando de leve, o carrinho que fazia o nenê dormir. Este, alheio ao mundo, mexia tanto a boquinha, mostrando que, com certeza, estava sonhando que sugava o seio da mamãe.

Beijou-os carinhosamente na testa.

— E então? Cansou muito? — Questionou-lhe Sara.

— Estou cansado. Mas consegui.

— Eu vi o noticiário da tarde.

— E agora à noite, eles falaram?

— Não!

— Me disseram que iriam falar!

— Você vai pro banho?

Sentou-se a seu lado, dizendo:

— Vou ver o final do jornal.

Em menos de um minuto, veio à notícia, repetitivo do apresentado à tarde, mostrando o cartaz do desaparecimento do menino e o jornalista falando:

“CRIANÇAS DESAPARECIDAS”.

“É alarmante o grande número de crianças que desaparecem todos os dias no estado de São Paulo. Este número varia diariamente, entre dez e quinze casos registrados pela polícia. Sem contar alguns casos, onde a família não registra o desaparecimento. Regis Fernando de Araujo tem nove anos de idade e desapareceu misteriosamente, quando retornava da escola, na cidade de Penápolis, a quinhentos quilômetros da capital. Segundo informou a policia, Regis saiu da escola às onze e meia da manhã do último dia vinte e um e ao contrário do costume, resolveu tomar um caminho diferente, atravessando pelo terreno baldio do aeroclube municipal da cidade, onde desde então não foi mais visto. A polícia informou ainda, que seguiu as pegadas deixadas pelo menino em chão molhado e as mesmas desapareceram, aproximadamente no meio da trilha de denso cerrado. Os familiares descartam a possibilidade de Regis ter fugido de casa, uma vez que o menino vivia em ambiente de harmonia. Qualquer pista a respeito deste e qualquer outro caso, envolvendo a triste estatística policial, sobre crianças desaparecidas, avise a polícia, em qualquer unidade militar ou civil, ou pelo telefone um nove zero”.

— É isso — se levantou Luciano. — Vou pro banho.

— E agora? — Questionou Sara — Será que isso pode ajudar em alguma coisa?

— Estou desanimado. Apesar de o Brasil inteiro ter visto isto, não acredito que nos traga alguma pista e eu já não sei mais o que fazer.

— Se você não acredita no noticiário, então por que se sacrificou pra isso?

— Pra mostrar pra mim mesmo e pra ele, que eu não desisti — se emocionou, sentando-se novamente. As lágrimas escorreram devagar por sua face. — Menino, onde você se meteu?

— Calma meu bem! — Pediu Sara, levemente emocionada — Assim dá a impressão que ele seja o culpado de ter sumido. A gente se esquece que ele com certeza, está sofrendo tanto quanto, ou até pior do que nós?

— Por que estas coisas têm que acontecer com crianças?

— O pior, é que aqui, a gente está em muitas pessoas e todos sofrem! Imagine ele, sabe-se lá onde! Em poder de quem! Menininho tímido, sozinho... Assustado...

— Sabe, eu já não tenho mais o que fazer por ele!

— Você não vai desistir! Eu não vou deixar!

— Não é que vou desistir! É que eu já não sei o que fazer! Não tenho pistas... Argumentos... Imaginação... Não sei mais aonde procurá-lo!


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Notas finais do capítulo

Ah se alguém se atrevesse em fazer um breve comentário!



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