Anjo da Cara Suja - betada escrita por Celso Innocente


Capítulo 11
Em busca de pistas




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Ainda naquela tarde, Luciano esteve caminhando por toda extensão do córrego Maria Chica, desde sua nascente, no final da vila Santa Cecília, para quem vai para o bairro da Jacutinga, passando por todos os terrenos de horticultura ali existente, parando coincidente-mente para conversar com um dos proprietários, que estava preparando um canteiro, lhe perguntando:

— Por acaso, na última quarta feira, não viu uma criança por estes lados?

— Por acaso, o senhor está procurando o menininho que desapareceu? — Questionou-o o horticultor.

— Isso mesmo! — Se animou Luciano — O senhor sabe alguma coisa?

— Sei que ele é meu afilhado — foi incisivo o homem, em um tom muito alto, parecendo estar falando com um surdo. — Antes ele vinha sempre à minha casa, geralmente no período da tarde. Só que agora faz um bom tempo que não aparece. Fiquei sabendo que ele sumiu, porque vendo legumes nas ruas e sempre passo na casa dele.

— Por acaso, ele não teria vindo nadar aqui no Córrego Maria Chica?

— Não! Ele nunca nadou aqui! Mesmo quando vinha à minha casa.

— Pescar?...

— Regis nunca gostou de pescar.

— Tudo bem — desanimou Luciano. — Qualquer novidade nos avise.

— Moço — implorou-lhe o horticultor. — ache esse menino pra nós. Por favor!

Luciano continuou caminhando pelas hortas e chácaras, depois, cortando por dentro da cidade, se deparando com a água represada, em viaduto recém-construído pela prefeitura, sobre a Rua Mato Grosso, depois em nova represa, aos fundos da fábrica Incopa de papéis reciclado, onde vistoriou com cuidado, devido, além de ser o local preferido pela criançada, Regis mesmo já lhe dissera, que por diversas vezes, escondido da mãe, já estivera ali, nadando, completamente nu, com outros meninos de sua faixa etária. Ao ser interrogado por ele, o porquê de nadar nu, o menino simplesmente respondeu: “Se é doido! De que adianta a gente nadar escondido se chegar em casa com a roupa molhada?”

Como, além das lembranças que o fazia rir, nada foi encontrado, continuou seguindo por aquele trecho ermo, passando por vasto mamonal nativo, adentrando depois, ao trecho urbanizado da cidade e seguindo até onde aquele pequeno rio desaguava no rio Lajeado, dez quilômetros de sua nascente.

Na manhã seguinte, embora muito descrente, continuou sua busca, seguindo pelo rio Lajeado, por outros quase dez quilômetros, em vão.

Chegando a sua casa para o almoço, ainda na entrada da sala, Sara lhe dissera ansiosa:

— Querido, o Rafael esteve aqui e disse que tem novidades pra você. Acho que ele prendeu um suspeito.

— Prendeu alguém? Encontrou o menino?

— Não encontrou Regis. Só que prendeu um suspeito.

Luciano, desesperado, seguiu até a cozinha, tomou um copo de água rapidamente e como ainda não era meio dia, resolveu:

— Vou lá agora!

— Almoce primeiro — insistiu a esposa. — Já está pronto.

— Nada disso! Preciso encontrar o Rafael antes que ele saia pro almoço.

Como ele estava com o automóvel da Vara da Infância, em menos de dez minutos já estava na delegacia de polícia civil, onde entrou quase correndo pela recepção e encontrou o investigador Rafael, sentado defronte a uma escrivaninha, datilografando alguns documentos.

Assim que o viu, Rafael se levantou, dizendo:

— A gente recebeu uma denúncia, de que um indivíduo, esteve rondando a escola do seu menino, no dia do desaparecimento, poucos minutos antes do final das aulas. Solicitei um mandado e o recolhi para investigá-lo. Já falei muito com ele. É um tremendo safadão. Só que nega veemente que conheça Regis.

— Cadê ele?

— Está sob detenção provisória. Deverá ficar uns quatro dias comigo.

— E Regis? — Luciano estava ansioso.

— Nada dele! — Negou o investigador.

— Posso falar com o suspeito?

— Não é de sua competência legal, interrogar suspeitos.

— Que se dane a competência legal! — Ficou nervoso Luciano — Regis é de minha competência legal. E se há um suspeito de ter lhe feito algum mal, quero falar com o fulano. Dar-lhe um murro na cara, se preciso for.

— Espere aqui que vou buscá-lo.

Luciano seguiu por um corredor, indo até uma cela da cadeia pública, abrindo-a e solicitando que o suspeito: jovem, cor parda, magro, cabelos encaracolados, aproximadamente vinte e cinco anos, o acompanhasse.

Na mesma sala em que Luciano os aguardava, sentou-se em sua poltrona, diante da escrivaninha, enquanto o suspeito sentou-se em uma cadeira de madeira e Luciano permaneceu em pé.

— E então — cobrou Rafael. — agora que já refletiu, está disposto a me dizer o que fazia rondando o Marcos Trench no horário das crianças saírem das aulas, na data do desaparecimento do garoto?

— Eu já lhe disse, eu não estava rondando a escola. Eu moro perto da escola e passo por lá quase todos os dias.

— Na hora da saída das crianças?

— Em qualquer horário. Não marco horas pra passar por lá!

— Por que você mexe com crianças?

— Não fiz nada com tal menino — negou o suspeito — Não o conheço.

— E o que você faz com outros meninos?

O suspeito baixou a cabeça e não respondeu.

Luciano, nervoso, grudou em sua garganta e gritou:

— O que você fez com Regis?

Rafael se levantou rapidamente, socorrendo o suspeito de tal agressão.

— Não conheço Regis, senhor — continuou negando. — Nunca vi esse menino! Eu não faço nada errado com crianças! Simplesmente tenho amizade com algumas delas.

— Que espécie de amizade suja, você tem com as crianças? — Insistiu Rafael. — Depravado!

— Todo mundo tem amizade com crianças e adultos — Insistiu o suspeito.

— Todo mundo tem amor por crianças! — Insinuou Luciano — E as protege.

— Eu também tenho amor pelas crianças — insistiu o suspeito. — Amor saudável!

— O que você tem por Jardel... Richard... Luis Inácio... — Especulou Rafael.

— Apenas amizade normal.

— Todos meninos! Vou trazê-los pra uma conversinha conosco.

— Tenho amizade também com adultos. Só amizade.

— Com quantos adultos você tem amizade? — Insistiu Rafael. — E com quantos meninos?

Luciano tirou do bolso, uma foto de Regis e apresentando ao suspeito, perguntou-lhe:

— E com este menino? O que você tem?

— Nunca o vi antes — negou o suspeito, convicto. — Já lhes disse.

— O que você quis dizer com “gosto de dente pequeno”? — Insistiu Rafael um tanto nervoso.

— Nunca disse isso! — Negou o suspeito.

— Tá me dizendo que estou inventando?

— Não disse nada! — Negou o suspeito — Só disse que nunca disse tais palavras.

— Se eu descobrir que você seja o responsável pelo desaparecimento deste menino, eu lhe mato — ameaçou com raiva Luciano. — E se eu descobrir que você esteja abusando de qualquer criança, eu lhe mato também.

©©©

De volta em casa, Luciano almoçou nervoso, sempre amparado pela jovem e dedicada esposa, que se preocupava com seu jeito ansioso, em tentar resolver tudo de uma só vez:

— E o cara preso? — Especulou ela — Alguma novidade?

— É um safado maldito, que abusa de crianças inocentes com certeza. Mas felizmente, não foi ele quem sumiu com Regis.

— O Rafael disse que ele estava rondando a escola de Regis.

— Isso realmente me deixa cabreiro. Só que o maldito insiste que mora lá perto.

— Mais um motivo pra ficar rondando a escola.

— Pode ser! Mas eu conheço Regis — riu Luciano, convicto. — Embora pequeno e simples, não se deixaria levar por um cara idiota daquele.

— Esses caras têm muita lábia — insistiu Sara.

— Não com Regis — se convenceu Luciano, com sorriso. — Lembra quanto tempo demoramos a cativá-lo?

— É! O danadinho é um tanto desconfiado.

— Boa notícia. Pois nosso menino não é vitima desse depravado.

Convicto de que o suspeito preso, não fosse o responsável por tal desaparecimento, logo após o almoço, Luciano continuou suas buscas, por grande extensão do rio Córrego Grande, passando aos fundos do Curtume Canta Galo e Matadouro Municipal, depois, deixado por um companheiro de seu trabalho, caminhou por quase dez quilômetros de estrada férrea, desde a chegada à cidade, pela zona do baixo meretrício, vindo dos lados de Avanhandava e cortando toda sua periferia, até seguir para Glicério, chegando ao viaduto da Rodovia Assis Chateaubriand, onde novamente com apoio do mesmo companheiro de trabalho, retornou para a cidade, dirigindo o fusca lentamente, pelo acostamento da rodovia.

À tarde e noite, quem sempre amparava dona Odete em seu sofrimento, era então Amélia, a querida tia do menino, que uma vez com ajuda dos três filhos maiores, trabalhando na olaria do senhor Erminio Lopes, desde a madrugada até metade da parte da tarde, estava em casa nestes horários, para cuidar de seus afazeres domésticos e levar palavras de otimismo à cunhada e irmão.

— Calma mulher — pedia ela, com seu jeito especial de ser. — Esse peraltinha se perdeu por ai e tão logo a polícia o encontra. Loguinho ele vai estar de volta pra fazer das suas.

— Eu bati muito nele.

— Se apanhar fizesse a criança sumir, os meus teriam sumido todos! — Tentou brincar titia Amélia.

Na verdade, nem ela acreditava muito em seu otimismo.

Na quarta feira, fazendo uma semana de seu desaparecimento, sem saber mais o que fazer, Luciano mandou imprimir na gráfica, dois milhares de panfletos, semelhantes ao anúncio vinculado na rádio e voltando ao hangar do aeroporto, pediu a um amigo aviador, que também sem lhe cobrar nenhum centavo, na mesma tarde, fazendo uso de seu famoso teco-teco, espalhou todos os panfletos, tais qual, uma graciosa chuva de papéis, por toda querida Penápolis.

©©©

Apesar do anúncio vinculado à programação da Rádio Difusora e da chuva de panfletos, sujando as vias públicas da cidade, com exceção do suspeito preso por Rafael, não houve nenhuma outra pessoa presente ou telefonando para a polícia, dando qualquer pista que pudesse auxiliar na solução de misterioso desaparecimento.

Sem ter alternativas e como prometera a si mesmo e à esposa Sara, que jamais abandonaria o caso, sem apresentar uma solução plausível, retornou à gráfica, decidindo criar um cartaz com foto; só que isto demoraria pelo menos três dias, devido eles encaminharem a foto para São Paulo, aonde seria produzido o fotolito, para depois ser transportado para o papel impresso.

Segunda feira de manhã, esteve novamente com Rafael, onde tomou ciência de que o tal suspeito tivera sua prisão revogada, por falta de provas.

— E os meninos que você traria pra depor? — Insistiu Luciano.

— Os pais não autorizaram.

— Como não!? — Se revoltou Luciano. — Nossas crianças são violentadas por um monstro, que acaba entrando na cadeia, mas acaba sendo libertado pra violentar outras, porque os pais não querem expor seus filhos.

— Alegaram que os meninos já estão traumatizados.

— E o que vai acontecer com o fulano?

— Vamos continuar com o tal processo. Mas duvido que cumpra alguma pena.

Segunda feira à tarde, de posse dos trezentos cartazes, em tamanho offset, anunciando e mostrando uma foto recente de Regis, Luciano foi até sua casa e encontrando todos seus familiares, com tal fisionomia de dar desânimo em quem quer que seja. Entregou-lhes quase todos os cartazes, dizendo:

— Precisamos trabalhar juntos. Preciso que colem estes cartazes por toda a cidade. Todos os bancos, bares, lojas, estação de trem, rodoviária, farmácia. Todo lugar em que haja concentração de pessoas. Os que sobrarem, colem em alguns postes, em lugares estratégicos.

— A gente vai fazer isso — animou-se o pai do menino. — Vamos começar agora! Só falta a cola.

— Eu faço cola com farinha — se prontificou Leandro, que sempre se mostrara ser o inventor da família.

— Tudo bem! Vocês podem usar cola pra afixar os cartazes em postes e alguns muros — explicou-lhes Luciano. — Só que dentro das lojas, é conveniente usar um tipo de fita adesiva. Ninguém vai concordar em sujar as paredes com cola.

Imediatamente, o pai e os dois irmãos maiores, saíram a pé, seguindo em direção ao centro da cidade, no intuito de que os cartazes tomassem seus devidos lugares.


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Notas finais do capítulo

Como este capítulo era extenso resolvi dividí-lo em dois, portanto faltam mais três capítulos para resolvermos este mistério na vida do pequeno Regis.
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