Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 98
Capítulo 98: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi esse capítulo ouvindo "Down" do Blink-182 na maior parte e "Behind the Music" da Cher Lloyd no final. E eu preciso agradecer a eles por essas músicas, pois sofri bastante antes de encontrá-las e conseguir entrar no clima do capítulo!

E sim, o capítulo está bem grande! Muito, estou batendo um recorde pessoal meu! E sei que muitas pessoas odeiam isso porque fica cansativo e dá preguiça. Mas realmente espero que esse não seja assim para vocês, pois eu mesma o amo com todo meu coração!
Boa leitura!



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Depois de longas considerações e algumas observações cuidadosas, eu finalmente tinha formado algumas teorias sobre Marc. E a primeira delas era a mais clara: ele tinha quase uma doença que o impedia de falar de si mesmo. Não que isso significasse que ele era inseguro, pelo contrário. Tinha a impressão que a sua opinião de si mesmo era brilhante. E ele parecia saber bem quem era, aonde começavam seus princípios e as limitações que ele mesmo criava para ele. Não era o tipo de pessoa que pensava muito antes de dar sua opinião, devia ter decidido há muito tempo atrás que não se inibiria e vinha desde então cumprindo sua promessa. Mesmo se fosse algo que o colocasse em um posição estranha, ele preferia falar a remoer, sem a menor hesitação. Era quase como se já se conhecesse tão bem, que tivesse a plena certeza de que não era possível falar algo que não acreditasse.
Mas sua doença ainda estava ali. E ela era a única coisa que o bloqueava. Como seu jeito de fechar a cara quando eu perguntava da família e mudar de assunto. Era pessoal demais para se discutir abertamente. Ele preferia decidir cuidadosamente quem mais teria a chance de conhecê-lo. Eu mesma achava que podia ser algum trauma seu, algum segredo que tivesse sido descoberto e o convencido a passar o resto da vida guardando certas coisas só para ele. Mas ainda não tinha desistido de desvendá-lo.
Minha segunda teoria sobre ele era que ele preferia não se apegar a nada. Até seus discos, que os amigos diziam que era a coisa que ele mais amava na vida estavam jogados pelo seu quarto. Nada lá dentro parecia muito dele, nada era bem cuidado. Como se demonstrar que se importava com alguma coisa fosse lhe trazer fraquezas. Até o gato, com quem ele realmente parecia se importar, ele negava que era seu. Ele não se importava com nada.
Mas isso era o que ele falava, era o que ele queria que todos acreditassem. O pouco que eu tinha passado com ele e seus amigos já tinha dado para ver que, mesmo sem querer, ele era capaz sim de criar algumas relações com outras pessoas. Ele tinha amigos de verdade, pessoas com quem se importava que se importavam com ele. Ele nunca se daria por vencido, mas tinha o que perder, tinha pessoas importantes na sua vida.
Mas a coisa que mais o diferenciava de todos que eu já tinha conhecido era também a de que eu mais gostava. Era quase como um brilho que ele tinha, um cheiro que exalava. Não era preciso muito tempo do seu lado para se sentir atraído pelo seu jeito de juventude transviada. Ele tinha uma imensa vontade de viver.
E estava em absolutamente tudo que ele fazia, pois tudo que ele fazia era por isso. Ele parecia inspirar e expirar a viver. E vivia para se sentir vivo. Eu poderia procurar milhares de palavras, mas olhando para ele e seu sorriso torto que lhe dava rugas em volta dos olhos, tudo que eu conseguia pensar era que ele queria viver. E essa vontade parecia não caber dentro dele. Era como um urgência que ele parecia sentir para fazer cada respiração valer a pena, cada movimento ser significativo, nada, absolutamente nada ser só por fazer. Quase uma necessidade de se sentir vivo, de chegar ao limite e não ter nenhum arrependimento. Ele parecia sempre querer mais, arriscar mais, errar mais, tropeçar mais, simplesmente fazer mais. Apostaria tudo que eu tinha que ele já tinha agido muito mais do que pensado antes na sua vida. E que, não, jamais tinha se arrependido de ter se arriscado e aproveitado o momento. Ele era incansável, inquieto. Parecia não conseguir por nada ficar parado e se conformar. Estava até no jeito que ele sentava, contra qualquer tipo de cordialidade do resto da população. Ele era ele, completamente ele e sempre seria ele. Sozinho, perdido, ou não, sabia sempre aonde estava indo. Porque não tinha rumo e era isso que queria. O que cruzasse seu caminho era uma experiência bem-vinda, no bom, no ruim e no inesperado. A única coisa que importava para ele era viver.
E ele era invencível. E destemido. Era impossível não perceber isso, do jeito que ele entrava nos lugares e olhava para todos como pessoas que não tinham ideia do que estavam perdendo e que não o entendiam, até o jeito que pegava no travesseiro e não pensava duas vezes antes de mirá-lo e jogá-lo na minha cabeça. Estava no jeito que ele virava vinho atrás de vinho, subia nas mesas e chutava tudo para fora. Estava em como ele nem pensava antes de começar a escalar o corrimão da escada até o segundo andar e em como se pendurava para ajudar os amigos a colarem uma mesa de ponta cabeça na sala. Era impossível não olhar quando ele expunha tão claramente essa sua necessidade de fazer algo diferente, perigoso e novo a cada segundo. Impossível não ficar admirada e até um pouco receosa com seu jeito inconsequente. Mas, ao mesmo tempo, era estranhamente viciante.
Quanto mais eu ficava do lado dele, mais eu queria segui-lo, mais queria acompanhá-lo. Ia contra tudo que eu já tinha imaginado fazer na minha vida, mas já tinha passado há muito tempo do ponto de desistir ou negar que eu gostava de como me sentia ao seu lado. Eu queria aquilo. E queria cada vez mais daquilo.
Mas eu ainda não me comparava a ele. Eu lhe devolvi as travesseiradas na cabeça e virei cada um dos cinco vinhos direto da boca sem pensar duas vezes. E, até mesmo quando um deles caiu na minha camisa branquinha, tudo que eu fiz foi rir! Talvez já tivesse bebido demais ou só achasse graça por não estar nem aí com algo que antes teria me deixado louca. Poderia buscar dentro de mim aquela garota que preferia nunca nem ver seu cabelo fora do lugar. Mas as reuniões e obrigações do castelo tinham ficado para trás, milhares de quilômetros para trás. Era quase como se já não me pertencessem, era até difícil de acreditar que já tinham feito parte da minha vida. Ali, eu já não era mais aquela garota. Ali, eu só fazia o que tivesse vontade e não passava um segundo me importando com minha aparência ou meus modos. Era como Marc tinha dito. Ninguém me via como princesa, eu só era quem quisesse ser. Ali, eu só precisava existir.
E me agarraria a essa sensação enquanto tivesse forças nas minhas mãos.
A noite só pareceu começar de verdade depois de quase uma hora de bagunçar o quarto da menina da família e ouvir Rolling Stones no repeat, quando Marc e eu já estávamos no meio de uma batalha épica de travesseiros e saímos correndo de lá para o corredor, cada um com um na mão. Eu estava fugindo dele, que era bem mais forte que eu e estava ganhando de longe. Já tinha deixado meus sapatos para trás e minha meia me fazia escorregar a cada passo. Mas eu me mantinha em pé, rindo como uma desvairada quando quase caía e sentia o pânico de me machucar me subir até a nuca. Quanto maior a chance de escorregar de vez, mais histeria me atacava com o alívio de ter me aguentado de pé.
Tinha acabado de desviar vitoriosamente de um ataque de Marc, quando Max saiu de um quarto e eu trombei com ele. Mas meu instinto de batalha me fez esconder atrás dele antes que pudesse ser atingida outra vez.
"Me proteja, Max!" Implorei, rindo, apesar de mal o conhecer.
Ele tirava um colchão do quarto com o irmão dele e nem parou para me ajudar. Mas colocá-los entre eu e o Marc era o suficiente para me manter a salvo até eles pararem na escada e o soltarem.
"Quem vai primeiro?" Max perguntou, enquanto Marc e eu ainda nos encarávamos, cada um com um sorriso nervoso no rosto e nervos à flor da pele, antecipando o próximo movimento do oponente.
"Vai aonde?" Quase não deu para entender o que eu queria saber, do jeito que eu sorria largo e nem fiz questão de desviar o olhar na direção de Max para mostrar que era com ele.
Meu estômago estava quase embrulhando com o frio que eu sentia me perfurando por dentro. E eu praticamente me contorcia de pé, mas era bom. Era um nervosismo muito bom!
"Eu vou!" Dillon se ofereceu bem na hora em que Marc deu um passo para frente, me obrigando a me abaixar e dar a volta nele correndo, rindo que nem louca.
Eu tive quase a sensação de ter sentido seu travesseiro fazendo um vento nas minhas costas, mas mantinha meu equilíbrio e me pus de pé outra vez, agora olhando para a escada.
Foi impossível não olhar para Dillon. No começo, ainda tinha voltado a mirar Marc de volta e resistir a todas as vezes em que ele levantava uma sobrancelha só, tentando me desconcertar. Mas aí Dillon subiu em cima do colchão como uma prancha, enquanto seu irmão lhe empurrava.
E ele o surfou como profissional, fácil e perfeito, parando só no primeiro andar, com as duas mãos no ar.
Antes que eu pudesse me virar para olhar para Marc outra vez, minha cabeça já era jogada para o lado com uma travesseirada que me fez cambalear.
"Não vale!" Reclamei, apoiando nos joelhos para voltar ao meu equilíbrio normal. "Eu estava distraída!"
"Problema seu!" Marc riu alto como um vilão de desenho animado, jogando a cabeça para trás e criando várias rugas em volta dos olhos. Para quem sempre parecia reprimir sorrisos com medo de demonstrar felicidades completas, ele não estava se segurando nem um pouco. E, mesmo que estivesse rindo de mim, era impossível eu resistir e não imitá-lo, ainda que revirasse os olhos.
Até tentei lhe devolver a travesseirada, por vingança e uma certa irritação de saber que ele conseguia me contagiar a rir quando eu estava perdendo. Mas ele desviou a pouco centímetros, acrescentando um brilho quase insano aos seus olhos quando me mirou de volta.
"Quem é o próximo?" Dillon perguntou, terminando de subir as escadas enquanto carregava o colchão.
Quase não deu para ouvi-lo. A música estava super alta e tocava pela casa inteira. Segundo Felix, uma das melhores partes de invadir as mansões do um por cento era que todas tinham sistemas de som maravilhosos - e quase nunca usados. Palavras dele, que eu estava começando a fazer virarem minhas.
"EU!" Gritei, levantando um braço no ar e jogando meu travesseiro na barriga de Marc, que fez questão de encenar como se eu o tivesse atingido com uma bala.
Nunca tinha feito aquilo na minha vida. Quando era menor, até tinha cogitado a ideia. Nosso castelo no Reino Unido tinha escadas maravilhosamente longas que dariam perfeitos escorregadores. Mas, na única vez que tinha sugerido a ideia à minha mãe, ela tinha insistido que era loucura e não o tipo de coisa que uma princesa deveria fazer.
E era exatamente por isso que eu estava ali, subindo no colchão e olhando escada abaixo. Dava medo só de ficar parada ali, vendo o primeiro andar me esperando. Eu chegaria até ele de um jeito ou de outro, fosse no colchão ou rolando sozinha. Podia imaginar milhares de sinais brilhando à minha volta, dizendo que aquilo ia dar errado, muito errado. Mas, mesmo assim, eu respirei fundo.
"Pronta?" Max perguntou, e eu concordei com a cabeça, respirando fundo e sorrindo.
Ele fez menção de se aproximar para começar a empurrar e eu simplesmente entrei em pânico.
"Espera, espera, espera!" Pedi, me agachando. "Posso ir sentada?"
Marc riu atrás de mim e eu olhei por cima do ombro na sua direção com o que só poderia ser chamado de expressão assassina.
"Quer que alguém segure sua mão também?" Ofereceu e depois piscou com um olho só quando eu revirei os meus.
"Ignora ele," Max disse. "Vai como quiser."
Eu me sentei de vez, com as pernas esticadas, depois as encolhi e segurei os joelhos. Mas aquilo me deu a impressão de que viraria uma bola bem fácil de rolar sozinha, então os larguei e preferi agarrar ao tecido do colchão como conseguia. Aquilo não ajudava muito, não oferecia a menor segurança. Mas, ao mesmo tempo, não existia medo no mundo que me consumisse por dentro que me faria mudar de ideia.
Olhei para os degraus na minha frente. Eu estava mesmo fazendo aquilo?
"Pronta?" Max perguntou outra vez e eu concordei com a cabeça, fechando os olhos.
Antes que pudesse falar outra coisa, já sentia o colchão escorregando pelos degraus naturalmente, tomando velocidade, virando para a direita, espera, virando demais para a direita, eu estava caindo, rolando para fora no último degrau e acabando deitada no chão, com ele em cima de mim, quase inteiro virado. Tinha sentido a escada dura nas costas, no braço e o chão mais ainda. E, mesmo com a dor me incomodando, quando finalmente senti que estava parada, tudo que eu consegui fazer foi rir.
Marc estava no segundo andar, olhando para mim assustado e preocupado, como se eu tivesse me machucado de verdade. Mas relaxou quando percebeu que eu gargalhava de dar dor na barriga.
Eu era muito desajeitada mesmo! Dillon, que parecia ser vários anos mais novo que eu, tinha surfado maravilhosamente bem e eu não conseguia nem me manter sentada!
Marc desceu os degraus para tirar o colchão de cima de mim, enquanto eu ainda tentava me recuperar das risadas.
"Devo ficar preocupado que você está indo à loucura?' Ele perguntou, sem conseguir parar de sorrir ele mesmo.
"Deve, por favor!"
Ele me ofereceu sua mão e me puxou para cima. Se antes eu tinha estado tonta com o risco que tinha tomado e a minha falta de habilidade para aproveitar aquilo ao máximo, quando bati de frente com ele, me senti voltando os pés ao chão. Ele até sorria ainda, provavelmente dos barulhos esquisitos que eu tinha feito rindo. Mas seus olhos continuavam preocupados, me observando como algo com que ele se importava e precisava cuidar.
E ele continuou segurando minha mão enquanto estava na minha frente, quase como se fosse o que me mantivesse segura. Meu riso já tinha morrido, mas só a sensação de que, por alguns segundos, eu tinha visto aquilo nos olhos dele já era suficiente para me deixar sorrindo.
"Acho que você precisa de uma bebida," ele disse, se afastando em direção à cozinha e trazendo de volta aquela sensação de desamparada que me atacava toda vez que ele soltava da minha mão.
Eu o segui, enquanto Max aparecia para buscar o colchão. "Por quê?"
"Porque aí pelo menos você vai poder culpar o álcool pela sua falta de sanidade mental," ele chegou na frente da geladeira e tirou um vinho de lá.
Eu protestaria, mas bem na hora em que ele falou isso, senti um impulso de subir na ilha da cozinha e não o segurei. Quando ele se virou para mim, eu já estava de pernas cruzadas e com um sorriso amarelo no rosto.
"Tá vendo do que eu to falando?" Perguntou, apontando para mim com a garrafa.
"Mas minha gente! Que falta de educação!" Era Aidan, que chegou com mais duas garrafas em cada mão. "Nós temos aqui um buffê especial para a nossa convidada de honra e nem tive a chance de servi-la! Majestade, qual gostaria de provar?
Fiz a melhor pose de realeza que podia, estando sentada em cima de uma bancada na cozinha de um estranho. "Que tal," olhei de um a um, que ele enfileirou à minha frente, "todos?
Aidan abriu um sorriso e se virou para Marc, apontando para mim. "Gosto dela!"
Os olhos de Marc se desviaram para mim, me olhando de cima abaixo e fazendo-o se distrair do seu sorriso a ponto de quase ficar sério. Quando eles encontraram os meus, eu franzi minha sobrancelha, querendo entender o porquê de ele me olhar daquele jeito.
Mas sua mão já estava em volta de uma garrafa e ele a virou, me ignorando. Aidan fez o mesmo e eu os acompanhei.
Cada um de nós segurava seu vinho pelo bico, levando direto à boca. E depois o trocávamos, passando para um próximo. Era relativamente nojento saber que outra pessoa tinha bebido do mesmo e eu fiquei esperando me importar e acabar desistindo, mas não aconteceu. Ainda fiz questão de limpar a minha boca na manga da blusa entre goles.
Logo antes da última, da quinta garrafa, que parecia ter o mesmo gosto que todas as outras, eu desabotoei as mangas da minha camisa e as puxei para os cotovelos. Aquilo, para mim, era o máximo de descontraída que eu achei que chegaria. Mas virei o último vinho rápido demais, já no autómatico de trocar garrafas de mão, e ele acabou caindo mais para fora da minha boca do que dentro.
Limpei meus lábios como um vampiro, os contornando com os dedos. Marc olhava para mim com as duas sobrancelhas arqueadas no máximo e eu acabei seguindo seus olhos até minha blusa, aonde a gola estava praticamente inteira roxa.
E só piorou quando eu ri, ainda tendo vinho na boca e sendo obrigada a tampá-la com uma mão para não aumentar o estrago.
"Quem quer tequila?" Felix perguntou, aparecendo do nosso lado, enquanto Marc balançava a cabeça para mim, me reprovando.
Mas não tinha sido logo ele que tinha dito que ninguém ali se importava se eu era princesa? Aidan tinha derrubado bem mais do que eu e a camiseta do próprio Marc tinha alguns furos espalhados por sua costura. Suja daquele jeito só deixava mais fácil ainda eu ser confundida como parte do grupo.
Ia até protestar, mas, além de que Marc também sorria de um jeito meio reprimido, os outros caras apareceram do nada. Era como se tequila fosse a palavra chave para todos se juntarem. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, mas estava mais que claro que aquilo era mesmo rotineiro para eles.
Antes que eu pudesse perguntar, todos eles subiram comigo na enorme ilha e se deitaram, deixando as pernas para fora, mas as cabeças apoiadas. Eu os imitei, mesmo que ninguém tivesse me falado nada. Demorei mais para deitar completamente, só cedendo quando Marc colocou uma mão no meu ombro e me empurrou para baixo.
E aí então eu entendi o porquê de tudo aquilo. Felix se aproximou de nós, despejando a tequila na nossa cara, mas errando completamente as bocas. Eu quase engasguei, mas porque, na hora, eu acabei rindo de tudo aquilo. Tinha tequila até no meu olho, o que ardeu um pouco, e eu podia senti-la escorrendo até alcançar meu cabelo na nuca, me dando aflição. Mas a música estava tão animada e todo mundo ali sofria mais ou menos dos mesmos problemas, os resolvendo com a mesma quantidade de risadas - e xingamentos a Felix. Nem tinha muito espaço para reclamar.
Além do mais, Felix prometeu mais cuidado da próxima vez e, como ninguém ali tinha desistido da bebida, todos nós deitamos de novo e abrimos a boca.
Quando finalmente uma boa quantidade de tequila chegou à minha garganta, eu percebi que receber daquele jeito, como fonte, enquanto estava deitada não era das melhores ideias do mundo. Me deu pânico de engasgar, o que só contribuiu para eu começar a rir de novo. E eu gargalhava tanto que até me encolhia para o lado de Marc, que parecia estar sofrendo da mesma histeria que eu.
Toda minha visão estava comprometida, meus olhos lacrimejavam, minha barriga doía e o mundo estava todo embaçado. E eu simplesmente não pensava em nada.
Até eu sentir as costas da mão de Marc na palma da minha, girando devagar para segurá-la. Eu parei de rir e me virei para ele, que me olhava sério. Podia ver em seu peito que ele respirava fundo, quase como se estivesse se recuperando de uma longa corrida. E eu o imitava, acelerando como inspirava e expirava a cada segundo, enquanto seus olhos pareciam observar todo o meu rosto.
Suas sobrancelhas se encontravam no meio da testa como se ele quisesse entender o que via, e, quanto mais tempo ele passava só olhando para mim, mais eu arqueava as minhas, querendo loucamente saber o que estava passando por sua cabeça.
Mas antes que pudesse perguntar, os caras se levantaram à nossa volta e chamaram nossa atenção. Nós dois não estávamos de mãos dadas, na verdade, elas só estavam levemente encaixadas uma na outra, como se faltasse força para ir até o final, ou talvez fosse comprometimento demais. Mas eu não queria sair dali. E, mesmo quando os outros ainda estavam se levantando, meus olhos continuaram em Marc por mais alguns segundos e eu me deixei bloquear todo o resto.
Mas ele não fez o mesmo e se levantou, escorregando para fora da ilha antes que eu mesma tivesse me recuperado ou pelo menos entendido o que tinha se passado nos últimos segundos.
A sala não estava mais a mesma. Enquanto tínhamos ficado lá no segundo andar ouvindo Rolling Stone, Aidan e Felix tinham feito questão de pendurar estátuas pelo pescoço, trocar tapetes por quadros e empurrar o sofá meio caminho para fora da casa. E, quando eu me juntei a eles, já o estavam quase tirando completamente.
O quintal tinha suas luzes discretas, mas eram poucas para o seu tamanho. Em compensação, a piscina tomava conta praticamente de todo o terreno e fazia questão de refletir na água toda a luminosidade possível. Ela nem era retangular e normal. Era cheia de curvas, como se deixar um espacinho de grama ali fosse um pecado maior do que os donos daquela casa pudessem aguentar.
Eu era a que menos ajudava a deslocar o sofá, a mais fraca ali. Mas os acompanhei com minhas mãos nele, sem ter a menor ideia de suas intenções, até o último empurrão para dentro da piscina.
E, o observando afundar, eu abri a boca, logo a cobrindo com as duas mãos. Ele pareceu ir em câmera lenta, o que me deu a impressão de que eu estava imaginando tudo.
Porque eu tinha que estar imaginando tudo. Eu não podia mesmo ter acabado de ter feito aquilo! Era um sofá! Estofado, pertencente a outra pessoa que eu nem conhecia! E eu tinha ajudado a jogá-lo dentro da piscina?
Comecei a rir alto, o que fez todos me olharem e logo me imitarem, em níveis mais moderados.
Aquilo era loucura! Realmente loucura! Marc estava certo, eu devia me preocupar! Porque, mesmo sabendo com toda a certeza do mundo de que aquela ideia era absurda e o que nós tínhamos feito era errado, eu não consegui evitar de achar divertido! Tanto, que, se pudesse, traria o sofá para fora outra vez e o empurraria de novo, mas com ainda mais força! Estava até torcendo para eu poder ter outra chance na minha vida de fazer aquilo de novo!
"Seguinte, seguinte, competiçãozinha básica," Aidan anunciou, se virando para a gente, apesar de eu ainda estar mirando o sofá submerso, hipnotizada. "Cada um tem que pegar a coisa mais da hora para jogar dentro da piscina. E o primeiro que chegar aqui ganha."
Eu finalmente olhei para ele. "Começando quando?"
Nem tinha terminado de perguntar e todos eles já berravam, "Agora!" e corriam em direção à casa.
Eu fiquei muito para trás, mas não desanimei! Enquanto outros até preferiam procurar coisas no andar de baixo, eu subi as escadas de dois em dois degraus, odiando minha calça por ser tão justa, mas não parando um segundo para reclamar. Fui direito no quarto da menina, o único que eu conhecia, e peguei todos os quatro potes de glitter em cores diferentes que ela tinha. Ia sair só com isso, mas vi um urso de pelúcia enorme e tive que levá-lo junto comigo, mesmo sendo obrigada a colocar os potes embaixo do braço.
Podia já ver que tinha perdido pela varanda que dava para a sala, mas a emoção de participar era o suficiente para eu descer as escadas correndo outra vez. Cheguei junto com Dillon na piscina, enquanto Aidan pulava fingindo tocar uma guitarra, Felix empurrava outra poltrona e Max já estava tentando subir em cima do colchão encharcado que mal boiava. Qual era o problema deles com estofados e piscinas?
Marc, em compensação, não estava com pressa de se jogar na água. Ele tinha buscado um skate, que aproveitou para dar umas voltas ao redor da piscina antes de se deixar rolar para dentro. E eu ali, segurando um urso enorme de pelúcia.
Eu o deixei no chão, lhe dando dois tapinhas na cabeça, depois coloquei os potes de glitter ao seu lado.
E aí eu tive uma ideia. Olhei do glitter para os caras na piscina, que se jogavam água e ainda tentavam sentar cada um em um estofado.
Não. Eu não estava mesmo pensando em fazer aquilo, não é? Eu nem era parte do grupo, era a estranha ali. Nem sabia se eles seriam do tipo que aceitariam de boa. Era melhor deixar para lá.
Mas meus dedos descordavam, segurando em volta de um dos potes com força.
Eu podia arriscar. Não era isso que Marc faria no meu lugar? Não era isso que qualquer um deles faria? Arriscar? Eu estava pensando demais. Precisava só fazer.
Eu fui até lá, segurando um dos potes nas minhas costas. Desrosquei a tampa e, parando atrás de Felix, despejei todo seu conteúdo na sua cabeça. Até fiz uma careta quando vi o glitter caindo, querendo loucamente voltar atrás.
Os outros caras ficaram boquiabertos, de olhos esbugalhados.
"Sacanagem!" Aidan gritou, rindo e fazendo todos os outros o acompanharem, até Felix, que xingava ao mesmo tempo e mergulhava para tentar se livrar dos brilhinhos.
Marc não ria exatamente, não como os outros. Mas ele sorria torto, um dos cantos do lábio puxando mais para baixo do que qualquer outro lado, e seu rosto estava inclinado, como se ele estivesse me vendo pela primeira vez, mas tivesse já certo orgulho de mim.
Por dentro, eu ainda sentia que andava em vidro. Não sabia se tinha ido longe demais, se eles me perdoariam. Mas, em uma nova onda de euforia, eu fui até os outros potes.
Assim que eles perceberam minhas intenções, começaram a correr para longe de mim, saindo da piscina e quase quebrando a cara quando escorregavam em seus pés molhados e calças pesadas.
"Marc!" Eu gritei, jogando um dos vidros para perto dele na água. "Me ajuda?"
Ele o pegou e levantou no ar. "Com prazer, Majestade," falou, fazendo uma reverência curta com o que sobrava dele para fora da piscina. E até que era bastante, ele era o mais alto dali.
Seus olhos seguiram o caminho que os outros faziam como de águia, planejando o ataque. E nossa caça virou de dois contra quatro. Ou, melhor, três, já que Felix tinha sido atingido antes e ainda tentava se livrar do glitter.
Marc era bem melhor do que eu e tinha conseguido atingir Aidan e Dillon bem mais do que o braço de Max que eu pintei de brilhinhos cor-de-rosa. Depois de eles se jogarem na piscina, determinados a lavarem cada um deles, eu fui atrás, feliz que já não tinha o que eles usarem para revidar.
Ou era o que eu pensava, pois Marc deu um jeito e pegou um punhado do glitter rosa que eu tinha derrubado na grama tentando acertar Max. Eu estava de pé na frente da piscina, me perguntando se seria seguro simplesmente me jogar, quando percebi o glitter rosa caindo à minha volta, tomando conta do meu cabelo.
Quando me virei para olhá-lo, Marc ria loucamente, mas teve forças para desviar de mim quando tentei bater nele. Era incrivelmente irritante como o sorriso dele conseguia ser irresistível mesmo quando era às minhas custas. Eu não sabia se queria lhe bater por minha falta de capacidade de ser mais forte que seu charme ou por ele ter me traído na guerra de glitter.
Mas antes que eu tivesse a chance de tentar alcançá-lo para um tapa merecido, ele pulou na piscina, espirrando água em mim.
Eu fui logo atrás dele, já tendo desistido da minha vingança. A água tomou conta de mim devagar, alcançando cada centímetro da minha roupa, puxando meu cabelo para cima. Mas era bom. Era ótimo o jeito que refrescava a minha nuca e me abraçava ao mesmo tempo. Até cheguei a bater o braço de leve no sofá quando cheguei ao fundo, mas não me importei. Sabia que, quanto mais tempo pensasse na dor, mas doeria. Então resolvi nem começar.
Assim que cheguei à superfície, Marc estava me esperando para jogar água na minha cara. Eu revidei na hora, atingindo os outros e trazendo todo mundo para a competição. Depois, quando finalmente tínhamos proclamado paz, Aidan teve a ideia de tentarmos fazer onda.
Eu nunca nem tinha ideia de que aquilo existia. Mas ele explicou bem. Cada um tinha que juntar as duas mãos em um triângulo à nossa frente e empurrar a água para baixo conforme pulávamos várias vezes. No começo, eu observei mais do que fiz. Mas não demorei para entender e os imitar.
E era incrível como funcionava! Ou eles eram muito fortes ou a ideia era simplesmente brilhante! Parecia que estávamos em alto mar, a água balançando muito até quando paramos, a ponto de vazar bastante para fora da piscina.
Eu me abaixei, deixando-a chegar nos meus ombros. Não só porque tinha acabado de perceber que minha camisa estava transparente demais, mas também porque queria curtir o movimento que eu só tinha tido a chance de conhecer nas poucas vezes que tinha ido à praia. Meu cabelo caía na minha cara, me obrigando a tentar arrumá-lo. Mergulhei várias vezes até estar satisfeita, com ele de lado e todo certinho.
E passei tanto tempo preocupada com isso, que tinha perdido a conversa dos caras, discutindo o que faríamos em seguida. Felix tinha já saído da água para mudar a música que tinha começado a tocar, quando os outros o seguiram e Dillon veio me perguntar se eu o ajudaria a empilhar as cadeiras.
Eram oito e eram bem comuns. Mas eu nunca tinha feito aquilo antes, ainda mais molhada. Nós até trocamos algumas toalhas que eles tinham achado por aí, mas não secavam tão bem por cima das roupas. Mesmo assim, eu sabia que aquele era o trabalho considerado fácil, já que tinham alistado Dillon e eu para executá-lo. Eu não fazia parte do grupo e Dillon era claramente o café-com-leite deles, estando lá mais pelo irmão e para seguir os outros três.
Mas isso não me importava tanto. Ele me olhava com olhos de quem tinha encontrado seu ídolo e até era bonitinho isso. Sem contar que, independente do desprezo que os outros podiam sentir por ele, Dillon me ajudou bastante, praticamente fazendo todo o serviço. Eu só servi mesmo de ajudante.
Ainda mais quando eu percebi o que os outros estavam fazendo. Eles levaram a mesa principal para o segundo andar, mas Marc e Felix ficaram para trás, começando a escalar o corrimão pelo lado de fora. Eu achei que eles estavam brincando, mas só pararam quando estavam no segundo andar e pegavam uma ponta da mesa cada um de Aidan e Max, que estavam seguros do outro lado. Tudo porque eles queriam a colar no teto, de ponta cabeça.
Eu larguei a cadeira que estava segurando, mesmo Dillon esperando por ela. Só percebi que meus pés tinham começado a andar até lá, quando estava logo embaixo deles. Eu não sabia quais eram meus planos, se achava mesmo que conseguiria segurá-lo caso caísse, mas simplesmente não conseguia tirar os olhos de Marc. Aquilo parecia errado, muito errado. Mais do que todo o resto. Não conseguia ver a menor graça naquilo e teria pedido para ele descer, se não achasse que minha voz pudesse assustado e ter o resultado contrário.
Estava já amassando uma mão na hora, começando a roer uma das minhas unhas, quando eles soltaram a mesa. E ela ficou parada, estável. A cola tinha funcionado.
Só então eu voltei a respirar, expirando profundamente e começando a bater palmas. Marc procurou por mim na sala e eu estava logo abaixo dele. Ele segurou meu olhar, mesmo a metros de distância, a ponto de obrigar Aidan a lhe dar um soquinho no ombro e quase derrubá-lo para lembrar que ele já podia descer.
Só quando ele estava de novo na minha frente, que eu consegui me acalmar. Até ele colocar seu braço em volta do meu pescoço e me abraçar, eu ainda estava bufando de nervosismo. Sua camiseta estava molhada e gelada, mas, estranhamente, poder enterrar minha cara nela e colocar meu braço em volta dele era bastante reconfortante. Nós não falamos mais nada sobre aquilo, mas definitivamente não era necessário. Ele sabia que eu tinha estado preocupada e eu entendia que seu abraço era seu jeito de me agradecer e me acalmar.
Enquanto andávamos até Dillon para ajudá-lo a terminar de empilhar as cadeiras, eu fiz uma anotação mental de não passar embaixo daquela mesa de jeito nenhum para o resto da noite.
Os donos daquela casa tinham bebidas. Várias, não eram poucas. Mas a gente se esforçou para deixá-los com quase nada. Já fazia horas que estávamos ali e achamos que merecíamos uma folga. Então decidimos nos sentar pelo chão da cozinha e virarmos todas as bebidas possíveis.
"Verdade ou desafio?" Felix perguntou a Dillon, uma vez que a garrafa vazia tinha apontado para ele.
"Desafio," ele declarou, todo corajoso.
Só levou um segundo para Felix decidir qual seria. "Você tem cinco minutos para colocar um dos vestido da menina que mora aqui!" Mandou, fazendo Aidan rir como louco.
Eu mal prestava atenção. Marc estava sentado do meu lado, bebendo sua cerveja com dois copos ao mesmo tempo e me desafiando a fazer o mesmo. Um copo ia direto à boca, enquanto o outro repunha no primeiro o que ele esvaziava.
Quando fui me arriscar a imitá-lo, achava que ia ser a coisa mais difícil do universo. Ainda mais que Marc fazia questão de me dar cotoveladas na costela de leve para me distrair. Mas, mesmo assim, foi fácil! Aliás, tão fácil que eu não conseguia parar! Pelas próximas horas, só consegui beber daquele jeito, virando a cerveja como água, gole atrás de gole.
Marc bateu palmas quando eu terminei os dois copos e todos se juntaram a ele. Achava que era para mim, mas, na verdade, Dillon tinha aparecido no pé da escada, usando um vestido de tulê rosa claro por cima das suas roupas. Estava apertado e pequeno demais, o que fazia ser ainda mais engraçado! Os caras riam de jeitos descontrolados, o que deixava bem claro que já tinham bebido demais! Eu mesma já estava começando a sentir o álcool me afetar bastante e era a que menos tinha bebido ali.
"Está muito bonito, Dillon!" Eu disse, enquanto ele se sentavam, levantando meus dois copos no para ele.
Mas ele só revirou os olhos para meu brinde, então eu os voltei para Marc, que fez o favor de enchê-los outra vez.
Felix girou a garrafa outra vez e eu nem olhava para ela, até todos eles gritarem, "OH!" ao mesmo tempo.
E foi quando eu percebi que ela apontava para mim.
"Verdade ou desafio, Majestade?" Aidan perguntou, estando sentado do outro lado dela.
Eles estavam animados, batendo nas pernas e rindo alto.
Menos Marc. Ele parecia incomodado, nem sorria direito e preferiu ficar olhando para o próprio copo, que estava apoiado no chão logo à sua frente.
"Vai, verdade ou desafio?" Aidan repetiu, voltando minha atenção de Marc para ele.
"Verdade," falei, sentindo que nenhum dos dois poderia me oferecer qualquer segurança, mas tendo certeza de que era mais fácil escapar de uma pergunta do que uma aposta.
Aidan pareceu desanimar, relaxando os ombros e olhando à nossa volta. Até que uma ideia lhe ocorreu e ele voltou a se enrijecer e me olhar com cara de louco. "Vossa Majestade está em nosso humilde país para escolher um marido-"
"Verdade!" Respondi, levantando os copos no ar. "Só isso? Foi fácil!"
"Não, não, não," Aidan riu, apesar de contrariado. "Não tinha terminado. Então, está aqui para escolher seu marido. E, se a Seleção acabasse hoje, qual dos selecionados você escolheria?"
Eu ri, jogando a cabeça para trás, olhando para o teto. Com o canto do olho, podia ver Marc se virando só um pouco para mim, como se não quisesse ter que admitir que estava curioso, mas tão pouco queria perder minha resposta.
Nem era difícil aquela pergunta. Eu já tinha bebido o suficiente para nem conseguir entender qual seria o problema de eu responder a verdade. Quer dizer, estavam filmando meus encontros! Eu tinha eliminado um cara por traição! Minha vida amorosa já estava praticamente na lama. Aquilo seria o mínimo.
Mas, ao mesmo tempo, parecia tão sem graça responder.
Engoli a seco e mordi o canto do lábio, tendo outra ideia que eu não sabia se guardava dentro de mim ou falava em voz alta. Mas, antes de começar a pensar muito nela, eu simplesmente arrisquei.
"O Marc," falei, fazendo-o virar o rosto de vez na minha direção.
Eu sorria de orelha a orelha, achando mesmo muita graça na minha piada. Mas os caras pareciam imóveis, congelados, trocando olhares para terem certeza de que eu não estava falando sério.
"É brincadeira!" Falei, quase sem conseguir acreditar que eles não tinham entendido!
Aí todos começaram a rir, mas não era nem um pouco natural. Tudo bem que não tinha tido tanta graça, mas o mínimo que eles podiam fazer era não terem me deixado no vácuo.
Percebi quando Aidan olhou para Marc e levantou as sobrancelhas. Marc só deu de ombros, como se dissesse, "Fazer o quê?".
Depois dessa gafe, Felix fez questão de acelerar a próxima vez que ele giraria a garrafa. Nós passamos horas ali, girando uma, duas, várias vezes, até terem me desafiado a usar uma gravata amarrada na testa, virar várias bebidas e responder qual país eu gostaria de bombardear. Respondi que nenhum e que eles eram loucos. Mas eles só riram mesmo, da minha reação e deles mesmo.
Dentre os castigos dos outros, estava Max admitir que preferia dormir sozinho a aguentar o ronco da sua mulher, Aidan beijar Felix por dois segundos e Marc tocar uma música na guitarra, inventando a letra. Detalhe, ele não sabia tocar absolutamente nada. E ela nem estava conectada a um amplificador, já que estava molhada e eu tinha insistido em tentarmos não dar curto-circuito em todo o sistema elétrico da casa antes da hora.
A letra da música de Marc era tocante. Ele falava sobre como álcool era legal e que ele o amava. Falou nomes de bebidas que estavam à nossa volta, completamente sem ritmo ou coordenação direito, e ainda terminou ajoelhando no chão como um rockstar. Todos nós aplaudimos, mais por estarmos felizes de ter acabado do que por ele ter sido bom.
"Droga, meus dedos estão doendo," Marc reclamou quando se sentou ao meu lado outra vez.
Ele esfregou cada ponta na sua blusa, a levantando sem saber que deixava sua barriga à mostra. Era idiota eu estar olhando, no dia anterior ele tinha passado a tarde toda sem camisa. Mas também não era como se eu tivesse tentado evitar.
"Quem mandou ser tão ruim?" Soltei, virando outra garrafa de vinho e desviando o olhar.
Os caras riram, Aidan quase engasgando na sua cerveja e me fazendo chegar perto de imitá-lo.
"Ela responde as coisas na cara, né?" Felix falou, como se eu não estivesse ali.
Dei de ombros, sentindo todos os olhos em mim. "É, é um defeito meu," admiti.
"Não, eu gosto," Marc fez questão de apontar, apesar de nem olhar na minha direção.
Eles todos se concentraram em girar a garrafa mais algumas vezes, aplicando castigos e trazendo segredos à tona. Mas eu não prestei atenção em nenhuma das verdades ou dos desafios. O comentário de Marc tinha sido jogado como se não fosse nada, mas eu queria pegar suas palavras no ar e abraçá-las. Mesmo que não fosse nada demais, significava muito para mim. Já tinha minha teoria de que ele não gostava de mostrar que se importava com alguma coisa, então qualquer elogio como aquele não tinha só valor por ser raro, mas pelo que significava para ele o falar em voz alta.
E, além de tudo, aquele era sim um defeito meu. Eu respondia as coisas demais, às vezes à beira da educação. Tinha a paciência um pouco curta e simplesmente não tolerava engolir comentários só para que a outra pessoa gostasse de mim. E saber que alguém gostava desse lado meu era bem legal.
Tanto, que eu fiquei torcendo meu nariz e amassando um dos meus copos vazios durante vários minutos, perdida entre meus pensamentos e olhares na direção de Marc, que parecia completamente alheio a tudo que eu estava sentindo naquele momento.
"Eu Nunca!" Aidan gritou um tempo depois, declarando que mudaríamos de brincadeira. Ele colocou uma garrafa de tequila no meio da roda, mas a puxou para si logo depois. "Eu nunca..." ele apontou para mim e fechou um olho só, como se quisesse me ver melhor, "usei um vestido."
Depois de ele dar um gole, Dillon e eu o seguimos, deixando a garrafa acabar na mão de Felix.
"Eu nunca passei batom," ele disse, bebendo e me devolvendo para outro gole.
"Não vale fazer marcação comigo!" Reclamei, mas obedeci.
Marc praticamente arrancou a garrafa da minha mão. "EU NUNCA," ele começou, quase gritando, "peguei a irmã do meu amigo no aniversário dele, enquanto ele estava desmaiado na sala." Marc deu um gole grande e rápido e depois entregou a garrafa sem perguntar nada de volta para Felix. "Vamos lá, admite."
"Espera, você tá falando da minha irmã?!" Aidan perguntou, inconformado, enquanto Felix bebia com cara de culpado e olhos fechados.
"Uou, uou, sem treta," Max pediu, tirando a garrafa da boca dela.
Mas, para mim, o mundo tinha se resumido a Marc, que discretamente tinha me salvado. Ele nem me olhou de volta, preferiu fingir que estava distraído. Mas eu acabei lhe dando um toque na perna, o fazendo virar para me encarar.
"Obrigada," falei bem baixo, só para ele escutar.
Ele franziu as sobrancelhas, como se não soubesse do que eu estava falando. Mas eu fiz cara de quem não achava graça e ele acabou sorrindo de lado, se dando por vencido.
Ele voltou a olhar para a frente, prestando atenção no que quer que os outros estavam falando que nunca tinham feito, mas eu simplesmente não consegui tirar meus olhos dele. Ele tinha uma perna dobrada para cima, com o braço apoiado no joelho, e seu cabelo ia em todas as direções. Dali, era impossível não ver duas de suas tatuagens, que combinavam tanto com ele, que pareciam terem nascido juntos.
Mas era seu jeito despojado, despreocupado que me chamava a atenção. Ele me soltava elogios, me salvava de marcação dos amigos dele, será que ele sabia o quanto aquilo me fazia sentir importante?
Nós ficamos mais uma ou duas horas, não sei, ali, sentados naquela roda. Eu Nunca era uma brincadeira muito melhor para nos obrigar a secar várias e várias garrafas bem rápido até perdemos a conta. Mas também era o tipo de brincadeira que ficava maliciosa rapidamente e eu acabei não durando muito e só assistindo mesmo para o final. Até aproveitei que estava de fora para ir ao banheiro.
Já fazia algum tempo que eu estava precisando, mas as brincadeiras estavam legais demais e eu não queria perder nem um segundo. Mas acabei tendo que me dar por vencida.
Quando estava saindo do lavabo do primeiro andar, peguei meu reflexo no espelho.
Eu estava horrível! Minha maquiagem ou estava borrada ou tinha desaparecido! Meu cabelo tinha secado de todos os piores jeitos possíveis, em texturas e direções aleatórias. E minhas bochechas estavam rosadas do álcool, meu lábio parecia inchado. Até meus olhos estavam vermelhos, todas suas veias aparecendo, provavelmente por causa da piscina. Era cara de ressaca e eu nunca tinha estado tão ruim daquele jeito. E o que me fez rir foi perceber que não tinha muito o que eu fazer!
Tirei a gravata da minha testa e o borrado da maquiagem. Depois usei um pouco mais de água para ajeitar mais ou menos meu cabelo. Até tentei lavar um pouco da minha camisa, mas não adiantou nada. Pelo menos pude ver que ela estava secando e, nas partes ainda molhadas, meu sutiã me oferecia alguma segurança.
Quando saí de lá, os meninos já tinham desanimado do Eu Nunca e estavam mais ou menos reunidos em volta do bar. Eu até tinha começado a ir na direção deles, mas eu gostei da música que estava tocando e resolvi dançar. Peguei uma das garrafas que estava na ilha da cozinha e comecei a andar pela sala, me balançando. Até tinha a impressão de que poderiam estar me olhando, mas eu fiquei mais concentrada em como estava tonta.
Escorregava pelas cadeiras empilhadas quando tive uma ideia. Parei de dançar, de beber, de me mexer. Simplesmente parei no meio da sala, olhando para todos os lados, me perguntando se funcionaria.
E então comecei a colocá-la em prática.
Empurrei cada uma das mesinhas, de centro ou canto que tinha ali para perto da lareira, junto com as duas últimas poltronas que tinham se safado de serem jogadas na piscina e as almofadas.
"O que você tá fazendo?" Ouvi Marc me perguntar atrás de mim.
Me virei para olhá-lo, que tinha as duas mãos no bolso. Ele balançava de leve, lutando para se equilibrar.
"Você vai ver," falei, curtindo finalmente estar na posição de não contar alguma coisa para ele. Eu empurrei meu vinho no seu peito e ele o segurou, depois fui até os outros caras. "Preciso de água. Baldes de água! Alguém pega para mim?" Todos bateram continência de brincadeira e obedeceram. "E joguem pela sala!" Gritei, quando eles já estavam no quintal.
Eu mesma saí abrindo as portas do primeiro andar até encontrar a lavanderia. Quando finalmente encontrei o sabão em pó em um dos armários, Marc apareceu na porta.
Ele olhou da minha cara, para o sabão, para os caras na sala, de volta para mim.
"Não, não é possível!" Disse, começando a rir tanto que teve que se abaixar, apoiando na parede com uma mão.
Ele claramente tinha entendido minha ideia, eu só não esperava aquela reação.
"O que foi?" Perguntei, parando na sua frente com duas caixas embaixo do braço.
E ele gargalhava, de um jeito que me obrigou a rir também. "Você!" Disse, mal conseguindo fazer sua voz sair.
"Eu?"
Quanto mais alto ele ria, mais parecia que nunca iria voltar ao normal. E aquilo era contagiante demais! Ele estava me fazendo gargalhar com ele, a ponto de sentir minhas pernas enfraquecerem e eu ter que me agarrar a sua camisa para me manter de pé. Toda vez que imaginava minha ideia sendo posta em prática, me dava ainda mais vontade de rir e minha barriga já estava doendo muito quando ele se levantou e segurou meu rosto com as duas mãos bem firme, o levando para relativamente perto do seu.
"Você é demais, sabia?" Falou, seus olhos lacrimejando de tanto que tinha rido.
Aquilo foi como desligar as minhas próprias risadas como um interruptor. Mas ele não me deu tempo de reagir, roubou uma das caixas de mim e voltou para a sala. Eu o segui devagar, ainda um pouco desconcertada. Ele já estava completamente confortável perto de mim, mas tinha uma coisa dentro de mim que me incomodava.
E tinha me incomodado desde que o tinha encontrado no seu quarto naquela noite. Mas eu a tinha ignorado e ainda continuaria ignorando. Porque qualquer impressão que eu tivesse seria ainda só impressão. Eu estava imaginando aquilo. Ele só estava confortável, nós só tínhamos virado amigos. Não estávamos próximos demais.
Além do mais, ele estava bêbado e nem tinha pensado muito no que tinha dito. Seria perda de tempo se eu mesma ficasse remoendo aquilo para melhor ou para pior. Mas, sendo aquilo a última coisa que eu o imaginava dizendo, o fato de ser tão inesperado fez ser também uma das que eu mais queria ouvir.
Além disso, eu tinha mesmo a teoria de que ele era super difícil de conquistar, como amigo ou qualquer coisa. Aqueles quatro garotos que estavam ali se importavam com ele. Mas ele ainda parecia meio desligado, tentando loucamente não se apegar a nada. Só de pensar que ele estava me considerando daquele jeito era bem legal.
E improvável. Ele chutava o sabão no chão, a espuma subindo e eu não conseguindo parar de sorrir. Sabia no fundo que eu tinha uma sorte enorme de tê-lo conhecido e tinha certeza absoluta de que nunca mais conheceria alguém assim. O máximo de tempo que eu pudesse ficar do lado dele, quanto mais eu pudesse conversar com ele, melhor. Eu já estava colecionando na minha cabeça as chances que eu tinha de cruzar seu caminho, ansiando pela próxima vez. E ele podia não ver isso, mas eu sabia que seus amigos concordariam comigo. Ele era único em tantos níveis diferentes e completamente cativante. Mesmo que fosse só o sorriso, só as rugas que apareciam para provar o quanto ele conseguia parecer a pessoa mais feliz do mundo, ele ainda era extremamente cativante. E mesmo ali, estando a alguns metros dele, eu ainda sentia uma vontade enorme de chegar mais perto, de ter ele olhando para mim, de ouvir alguma coisa sair da boca dele, de poder interagir com ele. Chutar espuma pela sala não teria sido nada se ele não estivesse ali para contagiar todo mundo com aquela sua vontade de viver que parecia nunca esgotar ou se cansar.
Incansável. Inquieto. Invencível.
E Improvável.
Uma outra música começou, mais rápida e agitada, me trazendo de volta à realidade com um baque. Nem tinha ideia de quanto tempo eu tinha ficado ali, só olhando para ele.
A minha caixa de sabão em pó já estava aberta e eu cheguei jogando tudo o que podia pelo chão e me mexendo o mais rápido que conseguia para contribuir com alguma espuma. E estava funcionando. Depois de eu ter me juntado a eles, nós aceleramos nosso ritmo e nossos movimentos frenéticos faziam o trabalho de seis máquinas de lavar.
Depois de um tempo, nós só começamos a dançar no meio da espuma, jogando um pouco um no outro, colocando na cabeça, fazendo a graça que dava. E eu tive a brilhante ideia de pegar uma das poltronas e levar para o meio da sala, subindo em cima dela para dançar. Aidan me imitou com a única outra que tinha sobrado.
Eu fingia cantar a música, mas tinha que parar para entrar em pânico todas as vezes que fazia um movimento que mexia a poltrona e me ameaçava derrubar. E sempre que isso acontecia, o Marc chegava mais perto de mim, constantemente de olho no que eu estava fazendo, quase só esperando para eu cair e ele me ajudar.
Mas aquilo só me deu ainda mais liberdade. Era como se, cada vez que eu percebesse que alguma coisa era uma péssima ideia, eu simplesmente precisava colocá-la em prática para testar. E, se antes eu tivesse algum receio, agora ele tinha feito questão de me provar que estaria do meu lado se desse errado.
Nem tinha percebido que Felix tinha desaparecido até ele aparecer com duas boias enormes de piscina mal enchidas. Max foi ajudá-lo, enquanto Dillon continuava dançando com a gente, virando garrafas sem nos importarmos se caía no chão ou não. Ele também era o que nós mandávamos buscar mais bebida quando precisávamos.
Felix e Max estavam terminando de encher as boias, quando eu desci da poltrona e deixei Dillon tomar meu lugar. Uma vez sem a preocupação de ter que se certificar de que eu voltaria inteira para o castelo, Marc se distanciou de nós, indo até o bar.
Eu o segui. "O que você tá fazendo?" Perguntei, enquanto ele pegava uma caixa e enchia com o máximo de garrafas de champanhe que ele conseguisse, mesmo que tivesse que equilibrá-las.
"Quero testar uma coisa," disse, começando a andar em direção ao segundo andar, comigo em seu calcanhar.
Tive que subir as escadas apoiando nos degraus à minha frente, pois minhas meias escorregavam loucamente. Mas logo nós chegamos até o quarto principal, indo direto ao banheiro.
Era enorme, parecia quase um banheiro real. Mas a banheira era ainda maior.
"Meu deus," eu disse, sem conseguir resistir a entrar nela, mesmo vazia. "Que tipo de festa eles dão aqui? Deve caber umas cinco pessoas aqui dentro!"
Marc riu. Começou como uma risada jogada fora, mas logo virou uma gargalhada desenfreada, que o obrigou a parar de abrir a garrafa de champanhe que estava na sua mão e jogar a cabeça para trás. Eu lhe dei um empurrãozinho no ombro para ele parar de ser bobo, mas era muito legal saber que eu que o tinha feito rir daquele jeito.
"Quê?" Perguntou, pelo meu empurrão. "Eu gosto do jeito que você pensa."
Ele piscou com um olho só para mim, meio segundo antes de estourar a primeira rolha.
Nem foi tão emocionante, ele não tinha balançado nem um pouco a garrafa. E logo a virou dentro da banheira, me fazendo entender sua ideia e molhando meu pé. "Aqui, segura para mim," pediu.
"Que desperdício," reclamei, apesar de obedecê-lo.
Ele abriu outra e me entregou. Eu continuei enchendo a banheiro, apesar de roubar alguns goles de vez em quando. Tá, talvez constantemente. Depois ele segurou duas e foi trocando comigo conforme as minhas acabavam.
"Esse é seu jeito de se sentir parte do um por cento?" Perguntei, só para provocá-lo.
Mas ele abriu um sorriso, voltando a exibir suas rugas de felicidade. "Algo desse tipo."
A banheira era grande demais e nem a caixa toda deu para encher até em cima. Ou talvez o problema fosse eu e ele termos bebido em serviço.
Uma vez que tínhamos acabado, ele entrou junto comigo e nós sentamos em lado opostos, de frente um para o outro. Nossos pés se encontraram no meio, começando a travar uma batalha por espaço logo que se tocaram. Mas, depois de um tempo, nós simplesmente apoiamos um no outro, os intercalando, e ficamos assim.
"E agora?" Perguntei, olhando em volta. "Não é como se pudesse beber o que está aqui dentro"
Ele chutou o champanhe na minha direção acertando na minha cara e me obrigando a cobri-la com as duas mãos e revidar logo em seguida.
A bebida, que antes devia ficar dentro da banheira, acabou por todo o chão, já que nós protagonizamos uma verdadeira guerra de champanhe. Usamos as duas mãos e olhos fechados, mas não paramos para respirar nem por um segundo até começarmos a perceber que já não sobrava muita coisa à nossa volta - ou ar nos nossos pulmões.
Da próxima vez que nos sentamos, foi lado a lado. Eu estava tão tonta da bebida, que já nem olhava muito para as coisas. Achava mais fácil presumir que estavam na minha frente. E, quando seu ombro encostou no meu, senti um impulso de apoiar minha cabeça nele. Até dei uma escorregada para baixo, mas não era necessário. Eu encaixei bem normalmente.
"Posso te perguntar uma coisa?" Pedi, olhando fixamente para o azulejo na nossa frente.
Pude senti-lo rindo só pelo movimento que seu peito fez. "Não," disse.
Eu respirei fundo. "Você nunca pára para pensar no que os donos da casa vão ter que fazer para arrumar tudo? No que pode ter sido estragado?"
"Posso te fazer uma pergunta?" Ele pediu, ao invés de me responder. Eu só murmurei que sim. "Se essa fosse a sua casa, o que você faria para arrumar?"
Eu bufei uma risada, levantando o rosto para olhar para ele. "Nada. Marcaria umas férias e deixaria os criados arrumando."
Ele abriu um sorriso, triunfante. "Exatamente," disse. "Apesar de que eu acho que esses daqui vão ter que contratar uns especialistas depois de hoje."
Por mim, teria ficado ali bem mais tempo. Gostava dos amigos dele, mas preferia quando estava só nós dois.
Mas Marc tinha outros planos e eu não protestei quando ele falou que devíamos voltar para a sala.
Estávamos saindo no corredor, quando ele parou na porta do quarto principal.
"Não," ele disse, seus olhos presos em alguma coisa lá dentro. "Não pode ser!"
"O quê?" Eu já estava chegando perto das escadas, mas ele entrou de volta no quarto. Quando apareceu de novo, tinha uma máquina antiga nas mãos. "Isso é uma polaroid?" Perguntei.
"Vamos ver," ele falou, a levando ao rosto e mirando na minha direção. E então ouvi o barulho da foto sendo tirada e, logo em seguida, começando a ser impressa. Ele a pegou e balançou no ar para secar. "Não é que é uma polaroid?"
Nós descemos as escadas com ele tirando mil fotos de mim e depois as colocando no bolso. Eu e os degraus, eu e a mesa pendurada, eu e os travesseiros, no meio da espuma, com as cadeiras empilhadas, as garrafas vazias. A cada foto, mais tonta minha pose ficava. E eu ri entre elas, sem conseguir me segurar, enquanto Marc aproveitava para tirar outras e me fazer sair com cara de idiota.
Ele também fez questão de tirar dos caras, do Dillon e do Aidan ainda dançando em cima das poltronas e do Felix e do Max beijando as boias de jacaré e baleia.
Eu os tinha deixado com as fotos na sala, indo até a ala da cozinha beber água. Mas Marc acabou me seguindo lá, tirando uma foto minha com a mão na geladeira, outra com ela aberta, eu me inclinando para pegar alguma coisa, tirando a garrafa de água. Cada parada era bem longa, para ter certeza de que a foto tinha saído. E, depois de cada uma, ele as balançava e guardava no bolso.
"Já chega!" Falei, batendo a garrafa em cima da bancada e indo até ele. Eu tirei a máquina das suas mãos. "Minha vez."
As primeiras fotos que eu tirei foram dele colocando a mão na minha frente, depois tentando arrumar o cabelo. Depois ele pegou sua blusa e tampou o rosto até o nariz, fazendo pose de mal. Eu pulava em volta dele, tentando tirar o máximo possível, mas quase todas saíam tremidas e terríveis, ainda mais quando eu ria.
E tudo ia perfeitamente bem, até um número chamar minha atenção.
"Uou," falei, parei e levando a máquina para mais perto do rosto para ver se não estava ficando louca.
"O que houve?" Ele perguntou, se aproximando de mim também.
"Isso daqui está certo?" Apontei para o número. "Só tem mais uma foto?"
Ele ficou quieto por alguns segundos. "Tá." Depois começou a rir. "Nós acabamos com as fotos dele e não vamos poder deixar nenhuma aqui."
"Por quê?"
"Você quer que eles vejam sua cara espalhada pela casa deles?" Ele perguntou, tirando a máquina de mim, enquanto eu balançava a cabeça e arregalava os olhos. "Então. Agora vamos guardar essa última."
Eu ia perguntar para quê, mas Felix dava berros do outro lado da sala e nós fomos até lá ver o que era.
Ele tinha uma caixa na mão, que ele parecia ter encontrado em uma das mesinhas de canto que eu tinha colocado na frente da lareira. Nós tínhamos ido até ele só para termos que voltar até o bar depois.
"Olha só!" Ele disse, todo animado, quando levantou a tampa e todos nós à sua volta podemos dar uma boa olhada nos charutos alinhados ali.
Eu sorri de primeira, mas logo seu cheiro chegou ao meu nariz e eu senti um aperto no coração. Até dei alguns passos atrás, tentando escapar ou simplesmente voltar a respirar normalmente. Os caras trocavam charutos, os segurando como inexperientes, mas animados pela oportunidade que tinham. E eu só conseguia pensar em meu pai.
Era o cheiro dele, o cheiro do abraço dele, de quando ele tinha um tempo livre e eu entrava no seu escritório para jogar conversa fora e reclamar sobre princesas e rainhas de outros países. De repente, eu estava dentro de uma bolha, me afastando cada vez mais do bar e do clima dos outros. Eu estava tão longe dele e tentava ao máximo lhe escrever ou contar o que estava acontecendo, mas ainda era impossível não ter saudades suas. E estava começando a me sentir pequena e encolhida de tristeza, quando senti duas mãos me segurarem pelos ombros.
Me virei para encontrar Marc, que parecia bem preocupado comigo.
"Tá tudo bem?" Ele perguntou, e eu até comecei a concordar com a cabeça, mas percebi que uma das suas mãos segurava um charuto.
"Não," falei, dando um passo atrás e me afastando dele. "Você tem mesmo que fumar?"
Ele olhou de mim para o que segurava. "Qual o problema?"
Eu respirei fundo, mesmo minha garganta parecendo fechada. "Você sabe porque eu estou aqui? Porque eu preciso encontrar alguém tão rápido?" Ele concordou com a cabeça, apesar de quase imperceptível. "Esse cheiro me lembra demais meu pai."
"Ah," Marc voltou a mirar o charuto, dessa vez parecendo tão desanimado quanto eu. Quando voltou a olhar nos meus olhos, já sorria. "Não preciso fumar. Não hoje, nem agora, nem isso."
Ele voltou para o bar e o guardou na caixa. Mesmo que os outros não soubessem do que estava me incomodando e tivessem a mesma atitude, só de ele fazer aquele pequeno sacrifício para mim já tinha sido o suficiente. E ele ainda fez questão de me abraçar pelo ombro e começar a indicar o caminho da cozinha.
"Vem," ele disse. "Vamos procurar alguma coisa para comer que eu estou morrendo de fome!"
Ele me soltou para vasculharmos armários e acabamos juntando várias bolachas, bolos prontos e outros doces, que comemos como desvairados. Eu até teria me conformado com tudo ali, se não tivesse avistado um negócio azul em cima do armário.
"Ai, meu deus!" Soltei, sem conseguir e nem querer me controlar.
Era alto demais para mim, mas não me importei de afastar algumas garrafas na ilha e me esticar para tentar alcançar. E, quando eu não consegui, Marc subiu na pia e o pegou sem problemas.
"É isso que você quer?" Ele perguntou, virando o pote no ar enquanto eu concordava com a cabeça como uma criança.
Peguei dele com as duas mãos, o mirando como ouro. Era algodão-doce em um pote! Me sentei na ilha, abri e tirei o primeiro pedaço, o amassando nos dedos antes de colocar na boca. Enquanto ele derretia, eu fechei os olhos.
"Nossa, quanto amor," ouvi Marc falar.
Levei uma mão ao meu coração. "Algodão-doce é minha fraqueza."
Ele bufou uma risada. "Então o Reino Unido está perdido," e fez questão de terminar jogando várias batatas na boca e sorrindo.
"Ei," Aidan apareceu do seu lado, bem na minha frente. "Vocês já pensaram no que vão escrever?"
"Eu tenho que escrever também?" Perguntei, antes de colocar um pedação de algodão-doce na boca, deixando sair para fora, definitivamente não me importando com nada que não fosse segurar o pote o mais firme possível e aproveitar o gosto dele derretendo na minha língua.
"Se quiser," Aidan disse.
"Aqui," era voz de Felix, ele apoiava suas tintas na ilha do lado de onde eu estava sentada. "Tem spray, líquida, caneta, o que vocês preferirem."
Eu ainda não tinha terminado completamente de comer, mas quando ele tirou a tampa de uma tinta preta novinha, não pude resistir. Passei o dedo nela rapidamente e descontei no nariz de Marc, que tinha chegado perto demais para sua própria segurança.
"Eu só não revido," ele disse, apontando para mim e limpando o nariz em uma toalha da cozinha, "porque eu sou legal."
"Você? Legal?" Eu ri, jogando a cabeça para trás, propriamente imitando uma vilã de desenho animado. "Posso passar um pouco?" Perguntei para Felix.
"Aonde?"
"Assim," enquanto Aidan já levava alguns sprays para o segundo andar, os outros para o hall de entrada, eu peguei mais um pouco de tinta, dessa vez verde limão e usei a geladeira como espelho para fazer dois riscos em cada bochecha.
"Tipo guerra, então?" Marc perguntou, me olhando e sorrindo de lado. Ele conseguia até fazer um lado ficar sério enquanto o outro mostrava os dentes. Era realmente uma proeza!
Felix só bufou uma risada. "Bom, vocês cuidam aqui da sala. Eu vou lá para a fachada." Ele pegou um spray e foi até o quintal, o chacoalhando.
"O que é para nós escrevermos?" Perguntei, engolindo o último pedaço de algodão-doce, enquanto Marc virava o saco de salgadinhos que tinha terminado de comer.
"'Nada que dinheiro não resolva'?" Ele sugeriu, quase com a boca cheia demais para falar.
"Levemente tonto," falei. "Mas pode ser!" Pulei para fora da ilha, enquanto ele escolhia uns dois sprays.
Nós tivemos que empurrar espumas para liberar uma parede, mas chegamos lá. E Marc insistiu que teria que ser alto, então eu tive que subir em seus ombros.
Aquilo definitivamente não era algo que eu gostava de fazer. Pelo contrário, me deixava instável e propensa a cair a qualquer segundo. Mas ele prometeu me segurar. E eu já tinha feito tanta coisa àquele ponto que eu nunca nem imaginaria fazer antes, o que era só mais uma?
Ele me segurou pelas pernas, firme como tinha jurado fazer, apesar de balançar um pouco. E eu escrevi a nossa frase. Outra coisa que nunca tinha feito antes era usar uma tinta spray. Primeiro, não saía nada. Aí, quando apertei mais forte, fez uma bola de tinta na parede e começou a escorrer. Marc riu embaixo de mim, me balançando e obrigando a me segurar na sua cabeça, enquanto apoiava a base do spray na parede.
Eu respirei fundo e ele deu um único passo para o lado, onde eu comecei de novo. Dessa vez, fui mais devagar, mas nem tanto. No final, minha letra ficou horrível, cada palavra com uma grossura diferente. Mas o importante era a mensagem e ela estava dada.
Quando ele me apoiou no chão e se levantou, minha camisa enrolou para cima soltando quase quatro botões, que me fizeram entrar em pânico e ir até o canto para fechá-los de volta.
Me virei para ele depois, que me observava com cara de quem queria muito rir dos meus problemas.
"Sabe do que eu to precisando?" Ele perguntou. Eu balancei a cabeça. "De um banho."
"SIM!" Eu praticamente gritei, levantando os braços o máximo que podia. Só de pensar naquela piscina, eu já ficava feliz. Era meio caminho andado para uma cama, quase tão relaxante.
Indo para lá, nós passamos perto do rádio e eu tentei aumentar o volume, mas já estava no máximo. Quando cheguei perto da piscina, não me joguei, nem pulei. Simplesmente me soltei e me deixei afundar. Quase me deitei no fundo e não me mexi por alguns segundos, deixando a água alcançar e relaxar cada um dos meus músculos. Eu estava exausta! E nem tinha percebido até então!
Marc parecia também estar, pois fechou os olhos e deitou tanto para trás que achei que fosse tentar boiar.
"Posso falar que essa é uma das melhores noites da minha vida?" Eu pedi, fazendo-o voltar a se endireitar e olhar para mim.
Ele tinha pulado a alguns metros de distância, mas nadou para mais perto de mim. "Verdade?" Perguntou, quando já estava na minha frente.
"Verdade," falei, respirando fundo, como se até o ar daquele momento fosse valioso.
E depois eu mergulhei outra vez, tentando deitar no sofá. Mas não conseguia! Fazia o maior esforço, mas assim que achava que estava para encostar nele, não o sentia e voltava devagar para a superfície.
Mas não tinha problema, não precisava daquilo. Porque, quando eu mergulhei, vi o brilho do glitter que infestava a piscina refletir na luz que vinha de fora. E era mágico! Contornava a superfície como ouro, na sua maioria dourado e eu senti que podia ficar ali olhando para ele para sempre.
Mas precisava de ar e acabei voltando a colocar a cabeça para fora. E meu cansaço parecia só piorar ali dentro, então fui me sentar no primeiro degrau da escada submersa que tinha na beirada da piscina. Ele era grande, com uns dois metros quadrados. Marc me seguiu, mas continuou boiando dentro d'água, só se segurando pelas mãos na minha frente.
"O que será que deve estar acontecendo no castelo à essa hora?" Eu perguntei, apoiando minha cabeça para fora da piscina, sentindo meu pescoço doer.
Ele deu de ombros, sua camiseta flutuando à sua volta. "Quem se importa?"
"Nem deve estar acontecen-" Eu mesma me cortei quando percebi o que tocava e me levantei. "Eu AMO essa música!" Gritei. "No, you don't stand a chance for a second in my world. The same old song, it won't last long if you can't stand behind the music."
"Tá brincando?" Marc subiu e se sentou no degrau. "Você foi de Rolling Stones para esse pop qualquer aí?"
Não me importei, continuei cantando. "All the fame, all the girls and all the money in this world. They don't mean shit, better admit, if you can't stand behind the music."
Já tinha me levantado, mas bati um pé no chão.
"So stand up, show them how we do it. We won't back down until I see your hands up," e eu sentia a letra como se fosse escrevendo pela minha pele, arrepiando meus braços, minha nuca. "Tell them what the truth is and stand behind the music."
Marc balançava a cabeça, mas eu me sentei na sua frente. "You gotta get behind, cross your heart, hope to die. Splash of hype, dash of pretty, that don't mean I'll buy."
O problema era que o Marc não entendia. Aquela música tinha algo a dizer, mesmo que fosse simples, mesmo que fosse o que ele chamava de pop qualquer. A cantora não deixava uma frase passar sem cantá-la parecendo querer gritar aquilo a plenos pulmões para todos no mundo.
E era assim que eu me sentia. Conforme ia cantando, mais eu falava como se estivesse declarando algo a ele. Era como se aquela fosse minha última chance de falar alguma coisa, o resto da minha voz. Eram meus últimos segundos de vida, minhas últimas palavras. E, a cada uma, minha urgência de fazer aquilo ser entendido aumentava, se intensificava, viajava pelo meu corpo em arrepios que eu não conseguia controlar. Até meus olhos lacrimejaram porque eu sabia, eu sentia, no fundo do meu coração, que aquela música me fazia flutuar, mesmo sentada ali, me fazia existir, mesmo que não me pertencesse.
"I'm a big dreamer, I'm a believer," eu continuava. Marc já tinha parado de me observar como se me reprovasse e agora só me assistia, sério, sem uma sombra de sorriso em seu rosto. "I know just who I am and I know just who I'm not."
Seu olhar sério em mim, aquela sua vontade de viver e a urgência de ser tudo que eu podia ser que a música me trazia, tudo aquilo parecia não caber em mim. Eu queria mais, queria cantar mais, queria que ele entendesse, queria me olhasse. Eu já tinha me tornado aquele momento, já o sentia como se estivesse vivo e pulsasse com cada uma das batidas do meu coração e a cada palavra que eu falava.
"Stand behind the music," era isso que eu queria. Eu queria poder cantar algo que significasse alguma coisa para mim. Queria ter uma voz, queria poder berrar aquilo que eu era, aquilo que me preenchia.
E Marc começou a concordar com a cabeça devagar, respirando fundo e acompanhando meu ritmo como se estivesse entrando na mesma sintonia que eu. Seus olhos percorreram meu rosto e eu percebi que estava escorregando na sua direção. Já nem pensava mais no que estava fazendo, cantava por puro hábito, porque já tinha repetido aquelas palavras milhares de vezes dentro do meu próprio quarto. Já nem pensava em como eu continuava chegando mais perto dele, sentindo seu cheiro me atraindo para ele. Meus olhos estavam fechados e eu sabia que a música estava para terminar, pois ela ficou mais calma, me dando uma sensação de que eu tinha me entregado completamente, disposta a desfalecer pelo jeito que ela me fazia sentir que nada no mundo poderia me vencer. Invencível.
Como ele.
A música acabou e eu olhei em seus olhos. Não demorou para ele me mirar de volta, depois de ter parecido tomar nota de cada centímetro do meu rosto. Ele abriu a boca, inspirando devagar e pude ver sua respiração refletindo profundamente em seu peito. Eu mesma já segurava a minha, sentindo as batidas do meu coração me subirem até a garganta, aumentando em força e velocidade a cada segundo. Foi ele engolir a seco, que eu senti uma onda de calor me subir pelas costas, me empurrando para ele. Inclinei minha cabeça devagar e resolvi não lutar contra o que parecia ser inevitável. Era mais forte do que qualquer racionalização que eu pudesse criar. E era mais importante também. Era praticamente a única coisa que eu ainda lembrava que existia no mundo. Ele. E aquela força que eu sentia me atraindo para ele.
E, por um milésimo de segundo, achei que ele também sentisse o mesmo. Ele chegou mais perto de mim, fazendo sua respiração roçar minha bochecha delicadamente e eu me inclinei ainda mais para ele, deixando nossas pernas se encontrarem sozinhas embaixo d'água.
Ele levou uma mão à minha nuca, a segurando de leve e soltando arrepios pelas minhas costas. E, quando achei que fosse encaixar com ele, senti o calor de sua bochecha passando de leve na minha até sua boca estar ao pé do meu ouvido.
"O que você tá fazendo?" Perguntou em um tom só um pouco mais alto que um sussurro, apesar de que eu ainda podia ouvi-lo respirando na mesma velocidade e intensidade que eu.
Me afastei dele, sem entender o que ele quis dizer. Ele soltou da minha nuca e levou o corpo todo para trás, franzindo a sobrancelha como eu fazia.
"Nada," falei, fugindo completamente de encontrar seus olhos.
Me levantei antes que pudesse falar outra coisa e saí da piscina. Meu pé doía, meu corpo doía e minhas roupas pesavam. Mas eu precisava sair dali. Eu precisava ficar o mais longe possível dele. Eu só precisava sair dali!
Entrei direto no banheiro sem falar nada, apesar de passar pelos outros caras no caminho. Tranquei a porta e me sentei no chão ali mesmo, deixando meu cabelo embolar conforme me abaixava. Passei as mãos pela cabeça várias vezes, tentei esfregar meus olhos, meus ombros e até esmurrar meus joelhos.
Mas nada faria aquilo desaparecer, nada faria aquilo não ter acontecido. Eu nunca, nunca conseguiria voltar no tempo e simplesmente me manter longe dele.
Mas-
Tinha mesmo acontecido alguma coisa? Porque, para todos efeitos, eu só estava cantando.
Era só isso. Eu estava cantando. Estava no calor da música, não do momento.
Mas nem era uma música romântica. Nem era para ser nada demais, era pessoal. Qual era meu problema?
Nada tinha acontecido, tentei me convencer mais algumas milhares de vezes. Eu podia sair lá e me fazer de idiota. Se ele perguntasse alguma coisa, eu diria que ele estava louco!
Só de pensar nele tocando naquele assunto, eu senti meu estômago embrulhar. Não era possível ninguém na história da humanidade já ter sentido um frio na barriga como aquele! E por algo que nem tinha acontecido! Imagina se tivesse!
Soquei meus joelhos mais algumas vezes. Droga, droga, droga! Nem me doía. Não estava funcionando!
Depois de provavelmente já tê-los deixado marcados para sempre, eu parei, cansada. Ele estava certo, o que eu estava pensando? O que eu pensava que estava fazendo? Eu estava me deixando levar demais. Era legal estar ali, era algo tão incrível que eu já estava começando a misturar as coisas. Sim, a ideia era eu me esquecer de quem era e simplesmente fazer o que me desse na telha. Mas eu ainda sabia sim o que estava fazendo em Illéa. Eu ainda me lembrava do meu pai e certas coisas simplesmente estavam foram do limite. Eu não estava ali brincando, não podia me deixar tomar decisões que pudessem estragar tudo.
Ele estava certo. E eu precisava pensar um pouco melhor antes de me deixar levar por uma música ou até o jeito que ele olhava para mim.
E ele era o Marc, me ocorreu de repente. Estava faltando uma teoria que eu precisava estabelecer sobre ele. Marc era mesmo o tipo de cara que não gostava de se apegar a nada, mas ele era cativante. Até demais para não usar isso a seu favor. Pelo que Azalea tinha dito, pelo seu jeito quando algum de nós mencionava Madison, ele tinha muita história guardada, com muita garota diferente. Ele não se apegava, mas isso não significava que ele não aproveitava.
Me levantei e olhei no espelho. Eu precisava sair de lá. Não poderia me esconder no banheiro para sempre. Mesmo que conseguisse ir embora sozinha, ele ainda estaria pelo castelo. E eu nunca, jamais me deixaria levar por algo tão estúpido como vergonha.
E, se eu tivesse que admitir, não tinha porque ter vergonha. Claro que ainda a sentia me fazendo ter vontade de encolher e contorcer, mas eu preferia ignorá-la. Eu escolheria ignorá-la. Tinha que ser mais forte do que isso. Tinha que entender que aquilo ter passado pela minha cabeça pelo único segundo em que passou não era motivo de vergonha. Foi uma distração. Ele não era feio, pelo contrário. Ele era bem bonito. E cativante. Mas eu não esperava nada. Absolutamente nada. Eu só queria curtir a noite, como tinha feito até então.
Mirava meus olhos como se fossem os dele, tentando convencê-los do que estava pensando.
Eu não queria nada de mais. Podia me divertir, não é? E ele não precisava me querer de volta. Eu entendia. Ele tinha garotas demais à sua volta e eu tinha nove caras me esperando no castelo que estavam dispostos a se casarem comigo. Era normal, fazia parte da vida algumas pessoas simplesmente não me quererem. Seria impossível que todos se encantassem comigo. E eu precisava entender isso.
E precisava entender que aquele jeito dele era natural. Ele não me olhava diferente, eu que enxergava coisas demais atrás de cada sorriso seu. Era seu jeito, cativante, conquistador como se nem soubesse seu efeito. E agora que eu sabia disso, não precisava mais me preocupar.
Era isso. O que quer que tinha acontecido tinha servido para me ajudar a clarear as ideias. E eu não precisava ter vergonha disso, não é?
Mesmo assim, quando finalmente saí do banheiro, eu andava devagar pelo corredor. Cheguei até a torcer para ele ter decidido ir embora e eu só ter que pegar uma carona com seus amigos.
Mas ele estava lá. Parei de andar antes de chegar à sala, onde ele jogava baralhos com os outros. Eles tinham trazido uma mesa do quintal para dentro e espantado a espuma que precisava. Não sabia se devia continuar andando e me juntar a eles, ainda sentia meu coração latejar dentro de mim.
E então Marc levantou a cabeça, seus olhos encontrando os meus. Por um segundo, nós só nos olhamos, como se cada um ainda estivesse tentando entender o que tinha acontecido e como reagir. Mas então Aidan chamou sua atenção para o jogo e ele desviou o olhar, me deixando respirar fundo sozinha.
Eu estava bem, repeti para mim mesma algumas vezes. E já o tinha visto desde então. O pior já tinha passado. Eu era uma princesa, pelo amor de deus. E humana! Só precisava levantar o queixo e encarar aquilo de frente.
Ia começar a andar, com uma energia até renovada, quando algo me chamou a atenção. Dei alguns passos na direção de um quadro pendurado no corredor, uma família de quatro pessoas sorridentes me mirando de volta. E o mais alto deles, o pai, me era familiar.
Não. Ele era mais do que familiar, eu percebi de repente. Eu o conhecia! Não podia ser que aquela casa fosse dele! Seria coincidência demais!
Mas dei outros passos e parei na frente de uma segunda foto. Era ele outra vez, seu braço em volta da menina a quem devia pertencer o quarto rosa.
Era ele mesmo. Só podia ser ele. E ele morava ali com a sua família.
Olhei de volta para os caras, que riam de alguma coisa do jogo. Marc até encontrou meus olhos outra vez e me fez um sinal para me juntar a eles, parecendo ter decidido ignorar qualquer momento estranho que tivesse passado por nós. Ele voltou a jogar uma carta na mesa, que fez todos rirem, menos Max.
Eles estavam felizes, bêbados e se divertindo. Mas será que algum deles sabia que nós tínhamos invadido a casa do conselheiro real de Illéa, Josef Ward?


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Notas finais do capítulo

Não me matem pelo que aconteceu! Sei o que estavam esperando, mas, acreditem em mim, por enquanto, é melhor assim! Não vou decepcioná-las por mais muito tempo!

Agora, QUERO COMENTÁRIOS. Quero saber o que estão pensando! Eu escrevi um capítulo de mais de 13 mil palavras, o mínimo que vocês podiam fazer é me escreverem um comentário (mesmo que pequeno e sem graça!) falando o que vocês acharam! Eu realmente sinto falta disso, de ouvir a opinião de vocês. Espero que entendam!
E saibam que eu adoro vocês! Obrigada por lerem!