Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 97
Capítulo 97: POV Chris Collins


Notas iniciais do capítulo

Escrevi outra vez ouvindo o CD "Nothing Was The Same" do Drake (um dos meus favoritos de todos os tempos e a melhor coisa quando eu estou escrevendo qualquer capítulo!)



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Algumas pessoas tinham problemas em viver vidas decididas para elas por seus pais. Outras iam contra o que a sociedade impusesse. Lembro de ouvir meu pai contando sobre como era ótimo que o Rei Maxon estava desfazendo as castas. Segundo o que todos diziam, em jornais e qualquer fofoca trocada em corredores, aquilo dava uma chance a todos de seguir o caminho que quisessem. E eu pude presumir por aquilo que algumas pessoas preferiam não ter sua vida decidida por outros. Algumas pessoas queriam poder escolher.
Não me consideraria alguém conformado, nem recusaria o direito de escolher o que eu quisesse. Mas eu sabia que era diferente. Isso, porque eu sabia que, com ou sem escolha, com ou sem castas, estava satisfeito. Andava pelo mundo com um segredo guardado dentro de mim: eu era a pessoa mais sortuda que existia. Porque no meio de tudo que os outros consideravam ruim, eu ainda era feliz. Se tudo desse errado, eu ainda continuaria no caminho certo. Não havia nada que eu queria fazer além de ser guarda. E nem gostaria de me mudar do castelo. Não me importava de dividir meu quarto, nem de ter que viver sempre na ala dos criados. Não precisava de ambições ou sonhos, eu gostava do que era, de quem era, por título ou coração. Concordava com a cabeça todas vezes que meu pai dizia que aquela era a realização dos sonhos do povo, mas a honra de ser um guarda real era muito mais valiosa para mim.
Mas não tinha sido sempre assim. Quando mais novo, tinha me arriscado a imaginar um futuro como médico. E até minha ex-namorada, Nik, tinha feito absolutamente tudo para tentar colocar esse sonho de volta na minha cabeça. Ela tinha negado, mas eu poderia apostar que essa era uma das razões para ela ter me deixado, minha falta de ambição. Ela mesma passava seus dias querendo mais. Me perguntava isso sempre. "Você não quer mais, Chris? Mais oportunidades, mais experiência, mais vivência?" E me olhava com os olhos brilhando, como se pudesse ver na sua mente tudo aquilo que ela mais queria e, para alcançar, tudo que ela precisava fazer era se esticar.
Mas eu olhava à minha volta, ao castelo, ao corredor, ao meu quarto, e eu estava bem. Estava melhor do que bem. Sempre fui feliz. E isso a decepcionava. Eu podia ver em seu rosto quando eu abria um presente dela para descobrir que era um livro de medicina. E o desânimo era recíproco, porque ela simplesmente não me entendia. Ela simplesmente não conseguia imaginar alguém que não quisesse o mesmo que ela, que não fosse como ela. E isso me entristecia. Eu tentava ver pelo lado dela, louco para não cometer os mesmos erros que a via cometendo comigo. Mas a única coisa que eu conseguia pensar era que não deveria nunca ficar com alguém que não conseguia ver a beleza do que ela tinha.
E aquilo foi a coisa que mais me encantou em Clarissa. De primeira, ela não tinha me percebido. Ou, se tinha, sabia disfarçar. Mas eu a observei de perto, trocando turnos para conseguir uma chance de ter que patrulhar seu andar, tentando conseguir todas as chances de olhar para ela. E eu a ouvia falando com os criados, o jeito que ela ficava feliz por tudo, por cada pequena demonstração de consideração que eles eram obrigados por contrato a demonstrarem a qualquer um que cruzasse seu caminho. Ela notava tudo. E ela apreciava tudo.
Meu pai era outro que tinha falado incrivelmente bem dela. Para ele, o assunto era comida. Mas eu a tinha visto com ele. Eu a tinha visto provando cada um dos temperos como se fosse a coisa mais maravilhosa que já tivesse sentido. E o jeito que seu sorriso aumentava a cada dica simples que meu pai lhe dava, apesar de eu poder apostar que ela já sabia de todas.
Até o seu jeito de andar no corredor era diferente. A maioria dos convidados passavam por nós sem nem se dar de conta de que estávamos ali. Mas ela acenava para todos, nos oferecendo o mais bonito dos sorrisos só por ter passado por nós. E ela olhava todo o corredor, todo o cômodo. Ela tinha vivido a vida inteira dentro de um castelo bem mais antigo, bem mais tradicional que o nosso. Mas ela ainda olhava cada detalhe como se fosse único. E eu queria aquele olhar para mim.
Sabia que era incrivelmente sortudo por ela ter me dado a chance de jantar comigo. E a cada palavra que ela falava na noite anterior, mais eu queria que esse jantar chegasse logo. A risada dela, o jeito que se encolhia quando achava algo engraçado demais para manter seus modos, como mordia o lábio toda vez que pensava, como parecia que não conseguia acreditar que alguém a via como eu via. Eu queria aquilo tudo. Queria poder ver cada uma das suas manias, cada um dos seus trejeitos milhares de vezes e colecioná-los na minha cabeça. Eu queria alguém do meu lado que eu pudesse mimar e apreciar pro resto da minha vida. E alguma coisa me dizia que ela podia ser exatamente essa pessoa.
A porta da sala de música se abriu e eu me virei para olhar para ela. Já fazia quase meia hora que eu tinha estado ali, de pé e pronto, olhando o jardim pela janela enquanto esperava, e já estava mais do que pronto para encontrá-la.
O Príncipe Sebastian foi o primeiro a entrar e eu lhe fiz uma reverência. Por um segundo, achei que vinha sozinho. Mas logo ela entrou, acompanhada da Princesa Nina, me obrigando a reverenciar outra vez. Para todos efeitos, era pela princesa, mas desde o momento em que me abaixei até me esticar outra vez, meus olhos estavam presos nos de Clarissa. E, para minha sorte, ela me retornava o olhar.
Ela usava um vestido simples e branco que realçava seu tom de pele e valorizava cada curva dela. Foi impossível não sorrir ao vê-la andando até mim, mas ela me imitou, desviando o olhar quando chegou à minha frente.
"Clarissa," falei, pedindo sua mão e a beijando logo que ela a deixou na minha.
"Acho que está na hora de nós os deixarmos sozinhos," Sebastian disse, saindo da sala. "Mas antes," ele entrou de volta, conduzindo um carrinho de comida como se fosse um criado. "Seu jantar."
Clarissa e eu o observamos levá-lo até a mesa perto da janela e depois se virar para nós.
"Se precisarem de qualquer coisa, podem nos chamar," ele disse, voltando até a porta e segurando na maçaneta.
"Bom jantar," Nina nos desejou logo antes de nos deixarem sozinhos.
Os olhos de Clarissa já estavam hipnotizados pela mesa, contornada por luzes de natal que contrapunham a falta de luminosidade dali. Ela foi até lá, andando devagar, seu rosto virando para os detalhes da parede, depois subindo até a pintura do teto, a forçando a girar nos calcanhares. Era quase como se o ouro de tudo ali estivesse refletindo em seus olhos e ela simplesmente não conseguisse olhar para mais lugar algum.
Até eu me colocar na sua frente e ela me mirar de volta. "Gosta?" Perguntei.
"Eu gostaria se você tivesse me preparado um café na sala comunal dos criados," ela disse. "Isso daqui é," ela olhou outra vez à nossa volta, suspirando como se até o ar dali fosse encantado, "perfeito," terminou, me fazendo sorrir largo. "Eu não sei como te agradecer."
Eu lhe ofereci meu braço para guiá-la pelos dois últimos metros entre nós e a mesa. "Eu que preciso te agradecer por ter me dado a oportunidade de jantar com você."
Ela sorriu, olhando para baixo, aonde praticamente esmagava o vestido com o punho. Eu a soltei e puxei sua cadeira, a ajudando a se sentar. Ela hesitou antes de aceitar, mas depois se deixou levar. E então eu dei a volta na mesa.
"Coq au vin?" Perguntei, tirando a tampa do primeiro prato, que ainda cozinhava bem devagar em um fogo portátil minúsculo.
"Por favor," ela disse, sorrindo de orelha a orelha, enquanto eu servia nós dois.
"E, para beber, champanhe."
"Estamos comemorando alguma coisa?" Perguntou, pegando sua taça e segurando para que eu despejasse a bebida.
"Você," eu disse. "Estamos comemorando o fato de você existir."
Ela olhou para baixo na hora, desviando para não ter que me encarar.
Uma vez que eu tinha servido minha taça também, me sentei e a levantei no ar. "A você, Clarissa. Por ser essa pessoa maravilhosa que você é."
"Mas você nem me conhece," ela protestou, apesar de deixar sua taça bater de leve na minha e tomar um gole logo em seguida.
"Eu posso ver que é."
O champanhe estava maravilhoso, mas eu só percebi o quanto estava nervoso quando tentei dar o primeiro gole e minha garganta estava levemente fechada. Respirei fundo logo depois e sorri, o que Clarissa imitou.
"Me diga," eu pedi, olhando em volta. "Você toca algum instrumento?"
Ela tinha pegado no garfo, mas não tirou pedaço algum. Ficou mais preocupada em olhar também à nossa volta o cravo antigo que ficava no canto e os vários violinos usados pela Rainha America que estavam pendurados pela Sala de Música.
"Não, na verdade," disse, desanimada. "Não é meu tipo de hobby."
Eu tirei um pedaço do coq au vin e o finquei, mas parei com o garfo no ar. "Qual seu tipo de hobby então?" Perguntei, o levando à boca logo em seguida.
Hm. Não era das melhores comidas que eu já tinha provado.
Ela levou uma mão para cobrir o rosto. "Se eu te dissesse, você não acreditaria!"
"Me conte!" Pedi, dando outra garfada.
A carne estava estranha. Na verdade, estava um pouco ruim. Amarga. Mas eu não entendia nada de culinária, muito menos francesa. Tinha passado o dia inteiro só tentando aprender a falar o nome do prato. O problema devia ser comigo, que não estava acostumado com aquilo. E eu realmente não queria decepcioná-la sendo leigo.
"Patinar!" Ela exclamou, enquanto eu tentava engolir o segundo pedaço que eu tinha colocado na boca. Levantei as sobrancelhas, como um jeito de pedir que ela falasse mais. "Gosto bastante de patinar no gelo! Em cimento também, mas simplesmente amo o gelo! Metade do trabalho está feito e parece que você vai perder o controle completamente a qualquer segundo." Eu concordei com a cabeça, sentindo que aquele gosto já estava começando a me fazer ficar com o estômago embrulhado. Peguei minha taça e dei um grande gole no champanhe, para fazer o gosto da carne desaparecer. "Mas é isso que eu gosto!" Clarissa continuou, não percebendo como era difícil eu me concentrar no que ela estava falando. Parecia que meu cérebro simplesmente não conseguia focar em nada além daquele gosto no fim da minha garganta, que parecia me subir até à cabeça como uma onda de calor. "Sabe, a sensação de estar livre e quase cair, mas ainda assim continuar."
Concordei outra vez com a cabeça, tentando alcançar a garrafa para me servir mais champanhe. Mas minha mão se fechou no ar. Ela estava bem mais longe do que eu tinha calculado.
Me estiquei outra vez, a mirando, mas acabei a derrubando, obrigando Clarissa empurrar sua cadeira para trás para fugir do líquido que despejava.
"Chris, está tudo bem?" Ela perguntou, me fazendo olhá-la, mesmo enquanto corria para levantar a garrafa.
"Tudo ótimo!" Falei, forçando meus olhos a abrirem.
Era estranho. Eu estava segurando o champanhe com toda a força que eu tinha nas duas mãos. Mas olhei para baixo até a garrafa e parecia que nem a estava sentindo.
"Chris?" A voz de Clarissa penetrou meus ouvidos outra vez e eu senti como se estivesse balançando dentro de um navio. "O que está acontecendo?"
Meus olhos caíram no meu prato. Olhei dele para o carrinho de servir, enquanto o resto do mundo parecia balançar quilômetros com cada centímetro que eu movia da minha cabeça.
"Clarissa," a chamei, tentando apoiar a garrafa na mesa. "Não co-coma..." minha voz estava fraca demais ou meus ouvidos que não funcionavam direito. Eu me segurei à mesa, tentando fazer tudo parar por um segundo, só para eu falar para ela. "Clari..." Me levantei, apoiando com as duas mãos na mesa e bufando para conseguir respirar, apesar de nem conseguir abrir direito mais os olhos.
Do nada, senti suas duas mãos nos meus braços. Ela estava bem na minha frente. Ela tinha se levantado.
"Chris?" Sua voz fazia parecer que estava chorando e eu quis abraçá-la e falar que estava tudo bem.
"Eu só vou-" tentei me virar para a porta, mas a parede dali era enfeitada demais para eu conseguir identificar para onde devia ir do jeito que estava. Meus olhos embaralhavam tudo.
Senti uma dor me subindo a cabeça como míssil outra vez e minhas mãos fraquejaram. Não pude me segurar nem à mesa. Tentei agarrar o que estava do meu lado, Clarissa, a cadeira, qualquer coisa, mas já não tinha mais a menor noção do que minha mão alcançaria e nem podia mais sentir meus dedos, minhas palmas, meus braços. Não sentia minha pernas. E quanto mais eu tentava abrir os olhos, mais tudo ficava embaçado.
"CHRIS!" Dessa vez, Clarissa gritou. "ALGUÉM AJUDA!"
Eu sorri, deitado no chão, a pintura do teto parecendo estar a poucos centímetros de mim.
Gostava da Clarissa. Eu gostava dela. Ela era legal. Ela estava jantando comigo.
Sorri mais largo ainda, o que me forçou a fechar os olhos, feliz. E apagar completamente.


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