Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 96
Capítulo 96: POV Kyle O'Malley


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo o CD "Nothing Was The Same" do Drake.



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Já passava das sete quando eu voltei para o meu quarto, deixando rastros de pingos por todo o caminho. A festa na noite anterior tinha deixado quase o castelo inteiro de ressaca, mas eu não. Pela primeira vez em muito tempo na minha vida, eu tinha sido um dos primeiros a ir pro meu quarto. Não o primeiro, porque a Lola nem fez muita questão de aparecer. Mas não fui o último nem de longe.
Essa viagem para Illéa estava sendo menos do que eu tinha imaginado. Por um lado, ainda podia ver a Seleção da Lola, mas não era como se muita coisa estivesse acontecendo. E, se estava, ela nunca me contaria. Ela mal aparecia durante os jantares de todos e eu não tinha tido a chance de tirar sarro dela com a frequência que tinha planejado. Além do mais, não tinha quase ninguém interessante o suficiente ali para curtir as festas que ela estava dando. E ainda tinha que aguentar as ligações do meu irmão perguntando se eu estava me aproximando dela e ficar inventando que eu estava passando mais tempo com ela do que os próprios selecionados.
Mas, por outro lado, estava sendo melhor do que eu podia esperar. Logo de primeira, eu tinha conhecido Karen. E, por mais que ela não me entendesse e nem me desse a chance de vê-la outra vez para provar que ela não era só mais uma, só de tê-la conhecido já valia a pena. E eu tinha a esperança de que minhas cartas fossem ajudá-la a me dar outra chance. Pelo menos para me explicar.
Mas, por enquanto, ela ainda preferia se esconder. Eu a tinha procurado que nem louco durante a segunda festa, mas sem sinal dela. E a única outra pessoa ali com quem eu poderia conversar tinha decidido passar horas com um mesmo cara, que, aliás, estava perto demais dela. Clare era boa demais, ela nunca perceberia que algum cara tinha más intenções. E eu ainda precisava falar com ela sobre ele, alertá-la do que ele provavelmente estava fazendo. Porque o jeito que ele olhava para ela não era normal. E ela era inocente demais para entender o que aquilo significaria. Eu precisava ficar de olho para ele não se aproveitar da minha amiga.
Mas ela também tinha desaparecido depois do café da manhã e eu não a vi outra vez durante o resto do dia, então resolvi que ia passar a tarde na piscina do castelo. Mesmo a ideia toda da festa tendo sido minha, eu não tinha tido a oportunidade de aproveitar como os selecionados. E não tinha nada melhor do que simplesmente ficar jogado embaixo d'água o dia inteiro.
Só que eu tinha adormecido sem querer. E, tendo dado ordens de não me perturbarem, nenhum criado foi me acordar para dizer que eu precisava me arrumar para o jantar. Me levantei e saí correndo escada acima, deixando o rastro de água por onde passava. Quando entrei no meu quarto, o criado que me ajudaria a vestir já estava lá, arrumando meu terno em cima da cama. Mas a primeira coisa que eu fiz foi tomar um banho.
Nem tive a chance de usar aquele tempo para pensar, como faria normalmente. Tive que usar o chuveiro, que seria mais rápido. E olhava constantemente para o relógio para saber as horas. Mesmo tentando não demorar, quando saí já eram quase sete e vinte.
Não queria perder aquele jantar. Lola devia ir, já que tinha feito questão de aparecer até no café da manhã, enquanto o primeiro eliminado ainda estava entre nós. E isso significaria que Clare também iria. Ela poderia ter alguma carta para mim. Eu tinha esperanças de que Karen teria me respondido. Ou que, pelo menos, ela pudesse me falar mais alguma coisa dela, como o que ela pensou do que eu tinha escrito, a cara que ela fez, qualquer coisa assim.
Além do mais, tinha escutado Clare comentando com Lola que aquele jantar seria especial para ela. Pelo que tinha visto, o cara que ficou enchendo ela na festa ontem era um guarda. Só podia imaginar que ele fosse aparecer durante o jantar. Ou que fosse ser o guarda que ficaria na Sala de Jantar. Ou então-
Não. Ela não chamaria ele para se sentar com a gente e jantar como um convidado. Precisaria perguntar para ela porque aquela noite seria diferente.
Quando o criado me ajudou a vestir, pude perceber que ele também estava com pressa. Era um reflexo no trabalho dele se ele não conseguisse me vestir a tempo de eu estar pontual para alguma refeição. Mas ele foi ótimo, logo antes das sete e meia, eu estava de pé na frente do espelho, ajeitando as mangas da minha camisa, enquanto ele passava uma escovinha pelos ombros do meu terno, finalizando.
E eu teria saído dali naquela hora, pronto para correr escadas abaixo, se uma criada não tivesse batido na porta.
Ela nem disse nada, só entrou com uma bandeija pequena de metal e foi até mim. Estava para perguntar o que era, quando vi o envelope com meu nome nele.
Eu o peguei com as duas mãos, pedindo para me deixarem sozinhos. Eles se entreolharam, querendo questionar, mas aceitaram e, com um aceno de cabeça de cada um, eles saíram de lá.
Era uma cara da Karen! Ela tinha me respondido! Sua letra era bonita, redonda e quase caprichada. Ela tinha pensado e escrito meu nome. Ela devia ter aceitado me dar uma chance! Antes mesmo de abrir o envelope, eu já sabia que eram boas notícias! Ela parecia ter tido cuidado demais em indicar que era para mim para simplesmente dizer que estava recusando tudo aquilo que eu tinha pedido.
Fui para a varanda para ler, tentando ficar o mais sozinho possível. A luz ali não era muita, mas era o suficiente. Me sentei em um das poltronas e abri o envelope, tirando a carta de dentro. Depois a segurei com as duas mãos bem firmes e comecei a ler.
"Querido Kyle,
Devo começar dizendo que é uma honra para mim receber uma carta sua. Saiba que não a desprezo de jeito algum e que entendo o que significa para você tê-la escrito.
Mas a verdade é que não tem o que você possa dizer que me faça mudar de ideia. Nós dois somos de mundos muito diferentes. Por mais que eu queira acreditar que tudo dará certo e que você possa mesmo gostar e se importar comigo do jeito que eu queria, preciso ser realista. Você faz parte da realeza e de um país que nem é o meu. E eu estou tão longe desse mundo, que estaria me enganando se dissesse que é possível. Não, não irei me iludir e nem posso te dar esse direito.
Não sei se posso dizer que te conheço, mas acho que a única coisa que te faz querer levar o que tivemos adiante é o fato de que não daria certo. Ou talvez por puro desafio de conquista. E, mesmo que não seja, precisa de muito mais do que simples atração para quebrar as barreiras que separam nossos mundos e, isso, eu acho que você nunca sentiria por mim, mesmo que eu sentisse por você.
Saiba que eu te admiro em níveis absurdos. Consigo ver a bondade que você guarda dentro de si e a inteligência que você prefere esconder daqueles que não te entendem. Acho que seria um ótimo rei um dia e, mesmo que nunca chegue lá, sei que será um homem extremamente bom por toda a sua vida. A mulher que tiver a sorte de se casar com você e ser amada por você será a mais sortuda de todo o mundo. E espero poder ver sua felicidade e sua vida se desenvolverem de perto, mesmo que nunca perto o suficiente.
Mas nós simplesmente nunca daríamos certo. E eu acredito ter deixado toda essa ilusão se prolongar mais do que deveria. Vou voltar para a minha casa, sem meu antigo emprego, e continuar a minha vida. Peço que não responda essa carta e nem pertube mais Clarissa por outras informações sobre mim. Sua vida será brilhante e você sempre será importante para mim, mas precisa me deixar viver a minha com o mínimo de chance que eu tenha de ser feliz longe de você.
Espero que me entenda e respeite meus desejos.
Boa sorte
Karen."
Tive ler a carta várias vezes para acreditar que era aquilo mesmo que ela tinha falado! Será que ela não entendia? Eu não me importava com a realeza! Não seria rei, não precisava me preocupar com aquela responsabilidade que meu irmão tinha. Eu poderia escolher quem eu quisesse e eu queria ela! Por que ela não podia pelo menos me dar uma chance de conhecê-la melhor? Por que ela tinha que achar ser tão impossível assim eu não ser elitista como ela parecia me imaginar?
A porta do meu quarto abriu do nada, parecendo que alguém queria derrubá-la. Eu ainda estava tão concentrado na carta, que dei um salto de susto, achando que estava sendo atacado e me empurrando contra a grade da varanda com tanta vontade, que mais um pouco eu cairia. Cinco, seis, vários guardas entravam pela outra porta, guardas reais. Um deles veio até mim, sem perguntar nada, colocou uma mão no meu ombro e começou a me empurrar para fora do quarto, deixando os outros fazerem um círculo à nossa volta.
"O que está acontecendo?" Perguntei, tentando entender.
No corredor, vários guardas estavam acompanhando outras pessoas. O Príncipe Charles e o Rei Maxon saíram do escritório e chegaram o mais perto possível de mim, mas eles também tinham uma barreira de guardas à sua volta e nem olharam na minha direção. Pareciam saber o que estava acontecendo, conversavam preocupados e o rei dava ordens a um dos guardas.
"Para onde estamos indo?" Insisti em perguntar, enquanto os que estavam à minha volta seguiam os outros até o final do corredor, onde um pedaço de uma parede estava aberto como uma porta secreta. "O que é aquilo?"
"Tudo que eu posso dizer nesse momento é que precisamos ter certeza de que todos os membros da realeza estão seguros," o guarda falou, sua mão pesada no meu ombro.
Nós chegamos perto do buraco e o rei e o príncipe entraram, cada um com dois guardas. O que me segurava ficou para trás, mas dois outros me empurraram para dentro, não se importando se estava escuro e se eu conseguia ver o caminho ou não. Não estavam preocupados com o que eu estava pensando, aonde estava pisando e se eu pelo menos aceitaria aquilo se me perguntassem! Só mantinham uma mão em cada ombro meu e me empurram para frente, cada vez mais fundo naquela escada mal iluminada.
Ainda segurava a carta da Karen, mas agora a amassava, descontando ali todo meu nervosismo. Se eles estavam nos mandando para algum tipo de porão de segurança, alguma coisa devia ter acontecido. E ninguém se dava ao trabalho de falar o quê! Aquilo me deiava louco! Eu era um dos que estavam em perigo, aparentemente, mas preferiam me manter no escuro do que me informar o que estava acontecendo! Que tipo de ideia idiota era aquela? Eu precisava saber! Como queriam que eu ajudasse, como queriam preservar minha vida se eu nem sabia o que a estava ameaçando?!
O caminho de escadas acabou depois de vários lances escuros em um cômodo grande, iluminado e simples. Tudo que tinha ali dentro eram as princesas illéanas, os príncipes, o rei e a rainha.
"Espera, por que não vem mais ninguém?" Eu perguntei para um dos meus guardas, mas ele fez cara de paisagem e parou perto de uma parede.
Os dois príncipes se sentaram em um dos bancos e começaram a conversar. Eles eram os que mais pareciam discutir o problema, já que o rei preferia ir beijar a sua mulher e as princesas pareciam estar mais em pânico do que eu. Então fui até eles.
"Mas será possível alguém me explicar porque eu estou aqui, ao invés da Sala de Jantar?" Perguntei, soando tão irritado e mal educado quanto eu me sentia.
Os dois olharam para mim em silêncio por um segundo, questionando minha sanidade mental em cada uma das suas cabeças, provavelmente. Depois Charles falou.
"Nós acreditamos que tenha acontecido uma tentativa de assassinato."
Senti minhas pernas fraquejarem e acabei me dando por vencido e sentando em um dos bancos.
"Assassinato de quem?" Perguntei. "Quem tentou o quê? Por que só estamos nós aqui?"
"Foi direcionado a alguém da realeza," o rei falou, se aproximando de nós. "Ainda estão investigando o que está acontecendo, mas, por enquanto, ficaremos aqui."
"Mas-" Olhei dele para as escadas de onde eu tinha chegado. Tinha mil perguntas na minha cabeça. Primeiro, por que alguém iria querer nos assassinar? Depois, quem que queria algo assim? E por que só a nós? E se os outros não estivessem a salvo? E se alguma coisa pudesse acontecer com Clare? Ela não era da realeza e eles não a tinham trazido, mas ela era praticamente parte da família! Da família de Lola, mas mesmo assim! Era o mais próximo que poderia chegar da realeza! Ela devia estar ali também! Não podia ficar perdida pelo castelo quando tinha um assassino solto por aí!
Sem perceber o que fazia, eu fui até as escadas, com toda a intenção do mundo de ir buscá-la ou pelo menos me certificar de que estava bem. Mas um dos guardas se colocou na minha frente, me impedindo.
"Eu preciso ir buscar Clarissa Simpson!" Falei, ou melhor, gritei. Ele trocou olhares com outro guarda.
"Por que precisa buscar logo ela?" Perguntou, apertando os olhos para mim, como se eu tivesse algum segredo perigoso.
"Ela é..." tentei parar para pensar no que poderia dizer. Se falasse que era uma amiga, eles não levariam a sério. E ela não era, infelizmente, parte da família real de lugar nenhum. "Importante," terminei. "Ela é importante. Eu preciso saber se ela está bem!"
"Ela está," o rei apareceu outra vez do meu lado. "Venha, Kyle. Vou te explicar tudo que aconteceu. Mas preciso que confie em mim e se acalme."
Ele colocou uma mão nas minhas costas, me indicando para voltar aos bancos. Eu fui andando sozinho, sem a menor ideia do que poderia ter acontecido, do que o rei poderia saber da Clare. Algo me dizia que era ruim, que era muito, muito ruim. Senti meu estômago embrulhando por todas as coisas que eu imaginava e rezava para não terem acontecido.
E, tentando cochichar para eu não ouvir, o rei virou para o guarda. "Achem Lola Farrow agora!"


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