Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 95
Capítulo 95: POV Marc Hynes


Notas iniciais do capítulo

Escrevi no começo ouvindo "Own It" do Drake, depois mudei para "Big Daddy" da Nicki Minaj e terminei ouvindo "I Can't Get No (Satisfaction)" do Rolling Stones.

Vocês podem achar que eu passei dias sem nem lembrar da fic, mas a verdade é que eu demorei para escrever esse capítulo. Aliás, ao todo, deve ter dado uns quatro dias de trabalho, estudo, escrever e reescrever. Mas eu estou extremamente feliz com o resultado final. Vamos brincar de shippar Lorc? Haha, então vamos brincar direito. Espero que as cabeças de vocês explodam (de amor) até o final! Leitores fantasmas e aqueles que já nem comentam mais, está na hora de vocês aparecerem!

Quero dedicar esse capítulo à Amanda Ramos e a Rubia, duas das minhas melhores amigas da fanfic que fizeram aniversário esse dia 12! Também quero agradecer às duas por todo o apoio que elas sempre demonstram - mesmo sem precisar



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Eu sabia que do outro lado da porta estava um caos. Por definição, eu não tinha que trabalhar muito de noite e aproveitava para ficar no meu quarto. Mas era o pico para o resto do castelo, ainda mais naquele dia. Sabia que estava um barulho de gente indo e vindo e reclamando que os outros não estavam ajudando. Sabia que Ed estava chegando ao limite da sua paciência, que era impossível controlar tudo que acontecia, mas que ele e Marlee tentariam mesmo assim. Sabia de tudo isso e podia imaginar toda a gritaria e os milhares de passos.
Mas eu não os ouvia. Não. Estava satisfeito com a minha música. E o volume estava no máximo, bloqueando tudo que não me interessava. Eles que se matassem lá fora, minha responsabilidade era só com o café da manhã e, no máximo, um lanche da tarde.
Aquela era uma das coisas que eu mais gostava de fazer. Não pensava muito em quando me deitar na cama e ficar mirando o teto, mas se passava dias sem ter tido a chance de ouvir música sozinho, já começava a ficar irritado por qualquer coisa. E eu não precisava fazer nada, planejava uma playlist e só ficava parado, completamente imóvel. Nem pensar eu não pensava. Quase até parava de respirar. A música era o suficiente.
E ela estava tão alta que eu só percebi que não estava mais sozinho quando Lola entrou no meu campo de visão.
Na verdade, nem percebi de primeira. Ela me olhava como se eu fosse louco e, por um segundo, eu estava convencido que era e só estava imaginando-a ali. Mas então ela abriu os braços e falou alguma coisa que eu não escutei.
Me sentei, tirando os fones.
"-quando alguém bate?" Foi tudo que eu consegui entender. Olhei dela para a porta, que ela tinha casualmente deixado aberta. Toda a loucura de fora ameaçava entrar no meu quarto e eu me levantei para fechá-la. "Espera," Lola disse, "você não está pensando em desistir de hoje, não é?"
Fiz questão de olhar para os dois lados antes de fechar a porta completamente. Ninguém ali parecia tê-la visto entrando. Ou então não se importavam.
"Não, não vou desistir," falei, me virando para ela. Ainda dava para ouvir minha música vindo dos fones de ouvido como se fossem auto falantes.
"Ainda bem," ela disse, dando uma rápida olhada em volta do quarto e voltando a me mirar.
Só percebi que tinha estado parado que nem idiota quando ela levantou as sobrancelhas para mim, me desafiando a mexer.
"O que você está fazendo aqui?" Perguntei. "A gente tinha combinado de se encontrar do lado de fora do castelo." Percebi que minha cadeira estava longe demais da mesa e a empurrei, pegando a camiseta que tinha estado apoiada nela e a jogando no armário entreaberto.
Lola bufou. "Admito que estava um pouco ansiosa demais," falou, se sentando na minha cama e colocando um fone de ouvido, só para ver qual era a música. Um segundo depois ela fez uma careta e o largou. "Mas ninguém me viu, pode ficar tranquilo. Estão alucinados demais lá fora para isso. E se alguém perguntar se eu sou mesmo sua amiga, eu rio na cara deles de como a ideia é ridícula." Ela terminou sorrindo, claramente para me provocar.
"Nós somos amigos agora?" Desliguei a música e guardei meus fones, enquanto ela cruzava a perna como se estivesse sentada em um trono.
"Não!" Disse, rindo. "Que ideia mais ridícula!" Ela fez questão de piscar com um olho só para completar.
"Convincente," falei, olhando no relógio.
"Por que você não está pronto, aliás?" Ela apontou para mim, de cima a baixo, me forçando a olhar para mim mesmo.
"Nós temos meia hora ainda. Quanto tempo exatamente você acha que demora para eu vestir uma camiseta?" Sem querer, olhei por cima do ombro para o armário, depois de volta para mim. "Na verdade, eu ia assim mesmo."
"Mas será possível que você tem alguma coisa no seu guarda-roupa além de camiseta branca e calça jeans?"
"Olha quem está falando!" Foi minha vez de apontar para ela, que usava uma camisa masculina branca abotoada até o pescoço e uma calça jeans justa. Ela estava praticamente vestida como eu, apesar de que as roupas dela pareciam ter acabado de sair da loja, enquanto o lugar aonde eu tinha comprado as minhas nem devia existir mais. "E, se te interessa saber, eu tenho outras roupas sim. Por sua causa, eu tenho agora uma bermuda vinho feita especialmente para mim."
Abri um sorriso amarelo para ela, fazendo-a revirar os olhos.
"Faça o que quiser então," ela disse, levantando uma mão no ar e dispensando o assunto.
Mesmo assim, eu fui até meu guarda-roupa, ver se não tinha nada melhor para eu vestir ou até mesmo menos pior.
"Mas e aí, eliminou o tal cara lá?" Perguntei, para não lhe dar chance de falar que eu estava levando sua opinião a sério demais. "Fez um escândalo básico? Jogou as coisas dele pela janela?"
"Fico incrivelmente honrada de saber que é isso que você pensa de mim," ela disse e eu olhei por cima do ombro para vê-la com uma mão no peito. "De qualquer jeito, ele já até deve estar em casa agora," ela suspirou.
Levantei camisetas, abri gavetas, mas tudo estava embolado e nada parecia estar muito limpo. Tive até que me apoiar discretamente na porta para tentar cheirar a roupa que eu usava e saber se estaria ganhando ou perdendo colocando alguma outra.
Por sorte, nem estava ruim. Mas, mesmo assim, peguei um agasalho, o mesmo que ela tinha usado quando nós fomos ao racha, e o vesti. Depois peguei uma toca, mais pelo disfarce do que qualquer outra coisa. E ainda joguei outra para ela.
"O que eu faço com isso?" Ela perguntou, a pegando e mirando como se fosse um extraterrestre.
"O que você quiser."
"Ótimo," ela sorriu e jogou a toca de volta no armário, que eu tinha deixado aberto.
Não pude evitar de rir. "Isso, despreza," falei, pegando meus sapatos e indo até a cama. "Mas saiba que essa toca também foi feita especialmente para mim. Madison disse que demorou dez minutos, o que não é para qualquer um."
O sorriso que Lola tinha desapareceu na hora e ela engoliu a seco. Eu tinha me esquecido que Madison não era dos assuntos preferidos dela.
"Aliás," continuei, "ela também já está em casa agora? Ou melhor, procurando uma casa nova?"
"Quer saber se eu a demiti?" Lola perguntou, me olhando com os olhos apertados e o rosto inclinado. Ela parecia bem desconfiada das minhas intenções e resolvi nem pensar no porquê daquilo.
Talvez alguém tivesse falado para ela sobre Madison e eu.
Dei de ombros. Caso não tivesse ouvido nada, preferia que continuassem assim. "Eu não a vi hoje o dia inteiro. Só estava me perguntando se você tinha mesmo a mandado embora."
Ela esperou para responder, seus olhos deixando os meus para mirar o chão, apesar de parecer completamente aleatório e distraído. Depois ela pegou seu cabelo com as duas mãos e o colocou do lado esquerdo do rosto, dando com um ombro só. "Ela ainda está por aí," falou. "Não a mandei embora."
Podia jurar que ficaria mais aliviado com aquela notícia. Não pensava na Madison como alguém que merecesse algo assim. Mas, no final das contas, era problema dela. E nem me incomodou tanto.
Lola suspirou fundo, quase como se declarasse que estava entediada. "Aonde a gente vai, aliás?" Perguntou, se inclinando no pé da minha cama. Ela tentou apoiar o cotovelo, mas não ficou tão confortável. E mesmo depois de parar de se ajeitar, ainda parecia que só estava segurando a posição para não ter que admitir que não estava bem.
"Você vai descobrir lá," falei.
Ela voltou a se sentar direito. "Você sempre diz isso."
"Sempre? Falei duas vezes, o que não é a mesma coisa que uma rotina," me defendi. "E você vai mesmo ver," sem querer, já a imaginava chegando lá na casa, o que ela faria. Algo me dizia que ela não gostaria muito da ideia. Mas eu queria a chance de convencê-la. "Para você, tanto faz aonde vamos, não?" Ela deu de ombros. "Exato."
"Mas vai ter alguma coisa para comer?"
"Provavelmente," falei, pensando na geladeira cheinha que devia estar nos esperando naquele momento. "Mas eu contaria mais com bebidas."
"Típico," ela respirou fundo. "Mas eu queria comer alguma coisa agora."
"Agora?"
"Sim! Você sabia que eu estou pulando meu jantar para ir com você?"
Eu bufei uma risada. "Imaginei, já que marquei de a gente sair quando eles começarem a servir. Mas também esperava que você fosse comer alguma coisa antes."
"Bom, já que você adora me mostrar o outro lado do mundo aonde a realeza não vive," ela se inclinou para a frente, na minha direção, "deixe-me contar que eu quase nunca decido quando vou comer o quê. E que eu estou morrendo de fome agora."
Eu revirei os olhos, mas fiquei parado. Meus sapatos estavam do meu lado no chão, mas eu ainda não os tinha vestido. Não ia falar nada, mas ela abriu os braços, levantando as mãos e as sobrancelhas, como se perguntasse o que eu estava esperando.
"Vai você pegar!" Falei, apontando com o dedão para a porta.
"Com prazer," ela disse, se levantando e passando as mãos pela calça e pela blusa, como se precisasse alisá-las. "Vai ser ótimo poder entrar na cozinha agora e ficar vasculhando por comida. Se alguém perguntar porque eu não consigo ir até a Sala de Jantar e esperar, o que eu devo dizer?"
"Que você vai ficar aqui enquanto eu vou lá," corri para colocar os dois pés do sapato, apesar de não amarrar nada. "Complicado, viu," resmunguei, indo até a porta, enquanto ela se sentava outra vez na cama. Mas, antes de sair, me virei para ela. "Não mexe em nada, hein?"
Ela fez cara de quem não precisava ouvir aquilo e eu a deixei para trás.
O corredor ainda estava a loucura de antes. Era tanta, que tive que esperar para ter uma chance de começar meu caminho sem bater em todo mundo. E, mesmo assim, não foi das missões mais bem sucedidas.
Era quase um campo minado. Eu precisava contar o tempo que levava para cada movimento, parar quando alguém passava, ir com paciência e uma boa estratégia, quase como se pulasse lasers de segurança. E nem teria que lidar com aquele tipo de coisa aonde íamos daqui alguns minutos.
Depois de tantos passos calculados, era até difícil de acreditar que eu tinha chegado a salvo na padaria.
Aquele era um lugar praticamente meu. Era grande, apesar de não tanto quanto a cozinha, e tudo ali era arrumado por mim. Eu que decidia aonde ia o quê. Muita gente me ajudava durante o dia, mas à noite quase ninguém entrava ali.
Fui até a cesta aonde mantinha os pães para madrugadas em claro e peguei alguns pedaços. Não estavam muito quente, mas tão pouco estavam duros e velhos. E tinha ouvido boas coisas sobre o de escarola, achava que Lola poderia gostar.
Embrulhei tudo em um pano, que era o máximo de prato que eu conseguiria ali sem ter que ir até a cozinha de verdade. E então fiz meu caminho de volta.
Foi bem mais rápido até, tive menos problema para chegar até meu quarto. Estava planejando entrar e jogar o pão no seu colo para ela reclamar dos meus modos e das migalhas voando, mas, quando eu abri a porta, ela não estava mais na minha cama.
Merda. Ela estava de pé na frente do meu espelho, braços para trás, mãos se segurando nas costas, mas o rosto e seus olhos o mais perto possível da foto que eu tinha encaixado na moldura.
Sabia que não devia tê-la colocado ali. Mas ficava perdendo quando deixava dentro de um livro. E uma ideia melhor teria sido simplesmente não deixar Lola entrar.
"Falei para não mexer em nada," disse, praticamente batendo a porta atrás de mim.
Ela deu um pulo, mais pelo que eu tinha falado do que o barulho da porta, mas não se virou e nem se afastou muito do espelho. Minha vontade era ir puxá-la até estar sentada na minha cama e longe daquela foto.
"Não se preocupe, eu não mexi em nada," ela falou tão calma e distraída que deu a impressão de que não perceberia se parasse a frase no meio. "Estou determinada a não deixar uma só impressão digital minha no seu quarto," se virou para mim e apontou para a foto. "São seus pais?"
"Não," falei, indo até a cama e deixando o pão ali. "Eu até pensei em tirar a foto com meus pais, mas achei mais divertido contratar dois estranhos no lugar."
Ela acabou abrindo um sorriso, indo até mim e abrindo o pano para descobrir o pão. O cheiro estava muito bom e eu senti uma pontada no estômago de fome.
"Ótima ideia," ela disse, tirando um pedaço com as mãos, apesar de tentar ainda se manter o mais educada possível. Ou simplesmente não queria sujar os dedos, pois fazia questão de só encostar o necessário. "Eu falei para meu pai trocar o retrato da nossa família no castelo por um de atores, mas ele não aceitou."
Ela estava tentando ser engraçada, mas eu não via graça. "São meus pais," falei, cortando o assunto e tirando também um pedaço do pão para mim.
"Aonde eles estão agora?" Ela fez questão de perguntar, antes de dar uma primeira mordida. Na hora em que sentiu o gosto, ela fechou os olhos e sorriu. "Isso daqui está divino," disse assim que engoliu.
"Eu sei," sorri, convencido.
"Mas, e aí, aonde estão seus pais?" Ela insistia, tirando outra mordida depois.
Eu me apoiei na cabeceira da cama, enquanto ela se distraía com o pão. "Vai saber."
Esperava que ela fosse falar mais alguma coisa do assunto. Apesar de nem querer pensar naquilo, nem me deixar começar a lembrar sozinho, já não me incomodava mais que ela perguntasse. Só que ficasse vasculhando meu quarto quando eu não estava lá.
Ela ajeitou seu cabelo outra vez, apesar de que não tinha muito o que mudar. Já estava completamente de um lado só e eu podia jurar que ela sabia disso. Era mais uma mania nervosa, que ela intercalou com olhares pelo meu quarto, enquanto nós continuávamos comendo.
Acompanhei sua atenção para a minha cômoda, aonde uma das gavetas estava torta, mal encaixada. Eu tinha derrubado uma meia e a tirado para poder alcançar. Devia ter colocado de volta direito, agora parecia que estava quebrada.
Depois seus olhos percorreram o quarto, passando pela minha vitrola, o armário de discos e chegando até minha escrivaninha. Eu quis rir. Se minha cômoda estava zuada, a mesa estava mil vezes pior. Já nem via a cor dela há meses. Era aonde eu empilhava roupas e qualquer coisa que precisasse. Até tinha alguns discos ali, CDs perdidos, anotações de coisas que eu já tinha feito anos atrás.
Lola não percebeu, mas tinha uma carta da minha mãe que ficava em cima de tudo. Sempre que jogava mais alguma coisa lá, fazia questão de pegá-la e colocá-la no topo. Não queria nada a amassando.
Ia me levantar para pegar e colocar dentro do livro que estava na minha cabeceira, mas Lola já tinha desviado o olhar e eu preferia não chamar a atenção.
"Que horas são?" Ela acabou perguntando, olhando para mim e depois para o despertador que eu apontei no meu criado-mudo. "Sete e vinte e cinco."
"A gente precisa ir," falei, me levantando e indo pegar meus documentos em algum lugar na escrivaninha.
"Senão vamos perder o ônibus?"
"Algo desse tipo," ri.
Se ela ao menos soubesse que a gente ia de um jeito bem menos confortável, mas mais barato.
Ela se levantou também, espalhando migalhas da sua calça no chão quando a alisou outra vez. Podia ser impressão minha, mas ela parecia diferente da outra vez que nós tínhamos saído do castelo. Menos presunçosa, mas também mais confortável. Talvez até demais. Nem ansiosa ela parecia.
Eu fiquei de costas para ela só por alguns segundos, colocando a toca na frente do espelho. Mas a percebi me olhando estranho, quase como se tivesse aproveitado para se dar a liberdade de me observar quando eu não estava vendo.
Me virei para ela e ela abriu a boca, pronta para falar alguma coisa. Ela franziu a sobrancelha, torcendo um pouco o nariz dela que tinha bem mais sardas do que eu lembrava. Depois ela desviou o olhar como se não conseguisse pensar em como começar. E tudo aquilo estava me deixando curioso. O que ela poderia ter para me falar? E por que ela simplesmente não falava?
Dei alguns passos até chegar na sua frente, sem parar de olhar para ela. Quando virou o rosto e me mirou de volta, ela engoliu a seco e eu a imitei. Vistos de perto, seus olhos pareciam ainda mais feitos de pequenos pedaços de vidro azul quebrado. Nem pareciam reais, para falar a verdade. Não quando refletiam a pouca luz do meu quarto em todas aquelas tonalidades.
"O que foi?" Perguntei, tão baixo que nem sabia se tinha falado algo mesmo ou só pensado.
Ela respirou fundo, levantando o rosto. "Nada," disse, sorrindo, em um humor completamente diferente daquele que tinha habitado seu rosto segundos antes. "Só estou cansada."
Aquilo era estranho. Não tinha parecido só cansaço, eu jurava que era algo direcionado a mim. Mas a gente não tinha tempo para conversar, não ali. E ela mesma sabia disso, pois foi até a porta e esperou eu me juntar a ela.
E aquilo era ainda mais estranho. Ela ficou de pé, mirando a porta, mesmo eu tendo que amarrar meus sapatos e demorando para aparecer do seu lado.
Eu ri sozinho.
"Quê?" Ela perguntou, olhando por cima do ombro. Parecia quase ofendida.
"Nada," falei e fui até a porta.
Abri e coloquei a cabeça para fora para ver se alguém estava por perto, mas o corredor estava incrivelmente vazio. O barulho continuava ali, mas vinha completamente da cozinha, aonde Ed provavelmente distribuía pratos e reclamava que ninguém estava pronto ou os carregava direito.
Antes de sair de lá, senti Lola apoiar uma mão no meu ombro, chegando perto para ver o corredor também.
Quando começamos a andar, eu não olhei, mas sabia que ela vinha logo atrás, só porque podia sentir sua presença. E estávamos virando um corredor quando ouvimos um barulho de alguém derrubando alguma coisa.
No susto, eu parei de andar e ela trombou comigo, sua mão roçando na minha. Eu a segurei sem pensar, voltando a andar e a puxando comigo quando percebi que o barulho vinha de trás de nós.
Quando chegamos à saída dos caminhões, eu podia tê-la soltado. Na verdade, teria sido bem lógico. Até mesmo quando Lola se afastou um pouco de mim e nós dois tivemos que esticar o braço para passar por uma pilha de caixas, eu sabia que devia soltá-la. Mas simplesmente não soltei.
Fui até o painel e abri a porta da garagem. Costumava ter que abrir só um pouco, mas não achei que ela fosse querer rolar para o outro lado.
"Pode ir," falei, quando já estava aberta inteira. Ela soltou da minha mão e foi. E então eu apertei o botão de fechar e saí antes que me deixasse preso do outro lado.
Mas eu tive tempo. Nem tive que correr. Normalmente, teria que sair correndo e arriscar prender minha mão dentro. Dessa vez, foi tranquilo.
Assim que estava fora, Lola começou a andar. Mas eu a segurei pelo braço e a puxei de volta para o mais perto possível da parede, nos escondendo em um canto.
"O que foi?" Ela perguntou, enquanto eu a segurava de costas para mim.
Ela era mais baixa do que eu, mas não muito. Só o suficiente para sua cabeça ficar na altura perfeita para encontrar meu nariz. E era impossível não sentir o cheiro do seu cabelo, que ela tanto insistia em colocar de lado. Ou então vinha do seu pescoço que acabava ficando à mostra.
Desci minha mão pelo seu braço até segurar na sua. "Câmeras," falei ao mesmo tempo, esperando que ela não me questionasse.
Nós ficamos em silêncio e imóveis. Era estranho ela estar de costas para mim, mas ao mesmo tempo eu praticamente a abraçava. Não que fosse desagradável, pelo contrário. Era mais desconcertante do que qualquer outra coisa.
"E nós só vamos ficar aqui?" Ela perguntou, cochichando.
"Não se preocupe, as câmeras não gravam som," falei, imitando seu tom de voz. "E nós estamos esperando uma coisa."
Ela concordou com a cabeça, me deixando perceber que eu já estava chegando a minha perto demais dela, a ponto de arriscar fazê-la bater em mim.
"O quê, exatamente?" Perguntou.
Por sorte, naquela mesma hora eu vi os faróis do carro de Aidan iluminarem as árvores que estavam diretamente na nossa frente.
"Aquilo," falei, dando a volta nela e trocando a sua mão nas minhas.
Eu a puxei rápido até o portão por onde os caminhões normalmente saíam. Quando chegamos lá, apertei o botão que eu sabia que o deixava solto e tive que largar da mão dela para empurrá-lo o suficiente para que nós dois saíssemos.
Quando o portão já estava de volta ao seu estado normal, eu busquei sua mão outra vez e a guiei mais alguns metros para a esquerda.
"Fala Marc," Felix disse, abrindo a porta do carro e se esmagando para nos deixar passar por trás do seu banco. Eu entrei primeiro, sentando do lado de Max e Dillon, mas Lola ficou imóvel na calçada.
"Vem," falei para ela, fazendo um sinal para me acompanhar. Mas ela ficou com as mãos na cintura, queixo levantado, só nos observando. "Você é louca? O que você está esperando?"
"Não tem lugar para mim," ela disse, seu tom indicando que aquilo era óbvio.
Os caras trocaram olhares, enquanto Aidan se manteve distraído com a direção, fingindo que nada estava acontecendo.
"Senta no meu colo," falei.
"Ou no meu. Você pode sentar no meu," Dillon ofereceu, levantando uma mão.
"Eu não ando sem cinto," Lola insistiu, fazendo Felix e Aidan rirem e Dillon voltar a se encolher. "Sou inteligente demais para morrer por algo tão idiota."
Isso, pelo menos, fez os caras concordarem com a cabeça, parecendo achar que ela até tinha alguma razão.
Eu saí do carro, empurrando Felix outra vez contra o painel, e me coloquei na sua frente. "A escolha é simples," falei, apesar de realmente querer que ela aceitasse. "Ou você vai sem cinto, ou pode voltar para o castelo."
Ela me mirou fundo, rangendo os dentes. Nem estava indecisa, pelo contrário, parecia só ter que aprender a se dar por vencida. Quando ela bufou, seus olhos caíram no meu peito e eu tive a impressão de que ela iria acabar o esmurrando. Mas só falou, "Tá!"
Sem pensar, já a tinha pegado pela mão de novo e a puxava para o carro. Entrei e, mesmo parecendo não ter ideia de onde pisar e como se fazer encaixar, ela conseguiu se sentar no meu colo. Ainda fez questão de olhar torto para o teto quando percebeu que não cabia direito ali. Mas eu mesmo estava mais preocupado em caber junto, já que não era dos mais baixos naquele carro.
Teria sido bem mais simples mesmo se ela tivesse se sentado no colo de Dillon. Mas eu não iria fazê-la mudar agora.
"Não é que ele a trouxe mesmo?" Aidan perguntou assim que Felix tinha fechado a porta. "Quando você falou que ia trazer a princesa britânica, Marc, já estava apostando que você finalmente tinha ido à loucura."
"Não, ainda não," respondi, sem conseguir vê-lo direito com ela na minha frente.
"Espera, vocês sabem quem eu sou?" Lola perguntou, olhando para Dillon, que não tinha parado de encará-la desde que ela tinha aparecido na sua frente, e depois para os outros. Ela se apoiou no banco da frente, quase tocando em Felix, mas sem parecer se importar. "Ele falou que ia me trazer?"
"Eu achei que ele tava zuando," Felix se virou o máximo que podia para olhar para ela.
"Marc não é nada senão sincero," Max fez questão de comentar. "Nem se tiver que ser no meio do meu casamento."
Praticamente todos ali riram, menos Lola. Até eu tive que esconder um sorriso.
"Eu ainda não sei como sua mulher deixa você sair com a gente," Aidan disse, fazendo uma curva com o carro que me obrigou a segurar Lola pela cintura para ela não cair.
"Eu falo para ela que o Marc não vai," Max explicou, se contorcendo para conseguir me dar um soco no ombro.
Ele era forte até quando estava na pior posição possível. E, enquanto Lola olhava de um para o outro tentando entender o que estava acontecendo, eu coloquei um braço entre eu e ela e esfreguei meu ombro.
"Valeu," falei.
"Então vocês se conhecem faz tempo?" Ela perguntou, fazendo Aidan e Felix trocarem olhares.
"Alguns anos aí," Aidan disse.
Ela se apoiou no banco da frente outra vez, se segurando antes da próxima curva. "E vocês podem me falar alguma coisa sobre ele? É praticamente impossível conseguir que me fale até seu sobrenome!"
"Hynes," eu falei.
"Moriarty*," Aidan e Max fizeram questão de falar junto, fazendo Felix rir tanto que ele bateu nas pernas como um louco.
Lola se entortou para olhar deles para mim. "Sherlock Holmes?" Perguntou.
"Kerouac," expliquei, olhando para fora da janela. "Dean Moriarty*."
"Ah, tá," ela deu uma risada rápida. "Mas eu estava exagerando. Quero saber outras coisas. De onde vocês se conhecem?"
"Max é dono de uma loja de discos," Felix explicou. "Dillon é seu irmão. E eu e Aidan nos conhecemos desde pequenos. Quando ele começou a fazer música, andou trombando o Max."
"Espera, quem é Max?' Lola perguntou e ele levantou a mão. "Aidan? Dillon?" Todos fizeram o mesmo. "E você?"
"Felix Aubergine, prazer, Majestade," ele disse, se virando o máximo possível para lher oferecer e apertar sua mão. Pude ver seus olhos quando eles encontraram os dela e os dois ficaram um segundo em silêncio.
Podia jurar que tinha visto algum interesse. Mas devia estar louco, Felix não era tão desiludido assim. E a Lola tão pouco o encorajaria. Ou ela simplesmente não tinha percebido.
"E Marc? Aonde ele entra nessa história de discos?" Ela insistiu, me fazendo bufar atrás dela tão forte que seus cabelos voaram.
Mas nem era algo tão difícil. Eu estava a alguns centímetros de suas costas, meu nariz praticamente roçando em seu cabelo toda vez que ele resolvia tentar me fazer espirrar. E eu não estava planejando me afastar. Não sabia se era o assunto ou o cheiro bom que vinha dela, mas eu me mantinha o mais perto possível sem ter que enterrar minha cara nas costas dela.
"Como assim?" Felix questionou a pergunta de Lola, enquanto os outros riam. "Marc é a pessoa mais viciada em discos da história da humanidade.
"Ah, é?" Ela parecia bem interessada, enquanto eu só bufei de novo, fazendo seu cabelo voar ainda mais.
Estava saindo completamente daquele jeito que ela parecia gostar que ele ficasse, já nem dava para ver seu pescoço. Como se eu tivesse toda aquela liberdade ou até mesmo por puro hábito, levei uma mão até a base da sua cabeça e o juntei como conseguia, trazendo-o para o seu lado esquerdo, como ela faria. Ela tentou olhar por cima do ombro na minha direção, mas sua atenção foi roubada por Max do nosso lado.
"Discos, CDs, qualquer coisa que reproduza música," ele explicou.
"Ah, por isso que ele tem uma vitrola no quarto!" Ela fez outro esforço para me olhar, mas Max não tinha terminado.
"Não que eu o questione, acho seu gosto bastante louvável," ele completou. "E ótimo para os negócios."
"E que tipo de música ele ouve?" Ela continuou, fazendo os caras rirem.
"Ele realmente não te fala nada, hein?" Felix perguntou.
"Ele está bem aqui," apontei para mim mesmo, apesar de estar escondido atrás dela. "Pode perguntar direto para ele."
"Não posso, ele não me responde," ela se inclinou de novo para frente, dessa vez apoiando o queixo no banco de Felix. "O que ele gosta de escutar?"
"Rap," respondi antes que ele pudesse de novo ter a sua atenção. "Rock. Jazz. Reggae. Música, oras."
Ela tentou olhar por cima do ombro para mim, mas logo nós sentimos o carro diminuir a velocidade e seus olhos buscaram algum sinal do lado de fora da janela de onde nós estávamos.
Felix não esperou nem um segundo para começar a trabalhar no sistema de segurança da casa.
"O que ele está fazendo?" Lola perguntou. "Onde estamos?"
Aidan riu, inconformado, e se virou para nós assim que desligou o carro completamente. "Você não falou para ela?" Eu só balancei a cabeça. "Você tira a menina do castelo para invadir a casa de um cara e nem avisa?"
"Como é que é?" Dessa vez ela fez questão de se virar para me olhar, sem se importar se estava machucando a minha ou a sua perna. "A gente vai invadir a casa de alguém?"
"Tecnicamente," falei.
"Completamente," Felix me corrigiu. "E a gente já pode entrar."
Lola ainda estava toda torta para conseguir me olhar quando Aidan ligou o carro de novo e o portão da casa começou a se abrir. Ela ficou me encarando, mas não falou nada enquanto estávamos no carro. Uma vez estacionados no caminho que levava à garagem e o portão fechado, nós saímos.
"Que ideia é essa?" Ela perguntou, assim que eu pisei fora depois dela. "Isso daqui é uma mansão! Como é que a gente entrou aqui? Tem câmeras, pessoas morando aqui!"
"Primeiro que não tem ninguém em casa. Segundo que as câmeras não vão mostrar nada que não tenha acontecido nas últimas duas horas," falei, enquanto os caras indo até a porta e usavam o código para abri-la. "Felix tomou conta disso. Ele hackeou o sistema e conseguiu todos os códigos que podíamos precisar. E, terceiro, que a gente não veio roubar nada, se é isso que você pensa de mim."
Eu a deixei para trás, os seguindo para dentro da casa. Aidan me entregou dois pares de luva e eu vesti as minhas.
"Quem mora aqui?" Ela perguntou, me fazendo perceber que tinha me seguido de perto.
"Não sei," falei, virando o rosto para olhá-la e entregar as suas luvas. "E não importa."
Quando nós entramos, todo mundo tirou alguns segundos para examinar o lugar. E, quanto mais ela olhava, mais Lola parecia ficar admirada e animada como o resto de nós. A diferença era que ela ainda não tinha entendido todo o potencial que aquela casa tinha, não tinha notado tudo que nós poderíamos usar na nossa missão.
"Tá, agora chega de mistério, Marc," ela disse, quando chegamos na grande sala de estar branca que tinha um pé direito de uns três andares. "O que exatamente nós viemos fazer aqui?"
"Se me permite, Majestade," Aidan pediu, dando alguns passos largos para longe dela e abrindo os braços quando se virou outra vez para mirá-la. "Bem-vinda a uma das casas do um por cento," ele completou, fazendo uma reverência. "Sabe como é, você é parte deles."
"Um por cento de quê?" Ela perguntou.
"Um por cento da população que vive com muito mais dinheiro do que todo o resto," Max explicou, já que todos tinham parado ali perto.
"Você é parte deles," Aidan repetiu. "Mas isso não vem ao caso."
"E o que vocês pretendem fazer aqui?" Lola olhou em volta outra vez.
"Nós, Alteza," Aidan a corrigiu. "Nós viemos emprestar a casa por algumas horas para lembrá-los dos outros noventa e nove por cento."
Ela franziu as sobrancelhas, sem entender todo aquele discurso manjado do Aidan. Tive que me colocar na sua frente e a segurar pelos cotovelos de seus braços cruzados.
"Seguinte, a gente faz algumas modificações na casa," comecei. "Empilhamos cadeiras, mudamos quadros de lugar, nada que estrague as coisas completamente, nem levamos nada para casa. Só fazemos," pausei, olhando em volta, buscando a palavra certa, "interferências," completei.
"Pense em nós como artistas!" Só percebi que Dillon subia as escadas com o irmão quando a voz dele ecoou pela sala toda.
"Espera," Lola pediu, relaxando tanto que descruzou os braços. "Então vocês só mudam coisas de lugar?'
"Algo assim," Felix disse, se aproximando de nós. "Só bagunçamos mesmo. É um protesto pacífico. Enquanto damos a festa mais exclusiva que você conhece. Ou seja, de nós seis."
"Menos pior," Lola ameaçou sorrir e se afastou de mim, vestindo suas luvas. Ela deu outras olhadas gerais e acabou indo até uma cômoda, onde ela pegou uma estatueta e carregou com ela até o parapeito de uma janela, a depositando ali cuidadosamente. "Assim?"
Aidan e Felix riram, enquanto eu escondia um sorriso.
"Algo maior que isso," falei, indo até ela.
Peguei a estatueta e segui caminho até o aquário enorme que servia de divisória com o hall de entrada. Me virei para olhar para Lola antes de abri-lo e jogá-la dentro. E ela abriu a boca de espanto, enquanto observava a estatua grega e comum afundando no meio dos peixes.
Quando voltei para ela e passei uma mão na outra freneticamente, ela estava rindo.
"É," Aidan disse. "Talvez maior que isso também." Seus passos ecoaram conforme ele foi até o grande bar de madeira que ficava no canto da sala. "Agora, alguém com sede?"
"Eu!" Falei, passando pela Lola e indo até ele, que tirava algumas garrafas do armário de vidro, lia cada rótulo e enfileirava em cima do bar.
Enquanto isso, Felix tirava algumas coisas da mochila dele. Tinta em spray, em potes, coisas assim. Vi que Lola foi falar com ele e o ajudou, mas a sala era grande e não conseguia ouvi-los de onde estava.
"Marc, Marc, Marc," Aidan disse quando me aproximei, sem tirar os olhos das bebidas. "Em um milhão de anos, eu nunca pensaria que te veria assim."
Eu estava me sentando, mas parei antes de encostar no banco. "Assim como?"
"Amigo do um por cento," ele disse, indicando a direção da Lola com a cabeça, enquanto servia alguns copos com tequila. "Deus abençoe bares refrigerados," falou, depois pegou um e o bateu no outro, que eu virei logo depois dele.
"Amém," concordei, me sentando.
Ia continuar falando outra coisa, mas uma música começou a tocar, animada e alta a ponto de fazer Aidan estremecer.
Eu me virei para ver Felix com Lola perto do rádio, ele girando o botão do volume sem parar, apesar de eu já achar que tinha chegado no máximo.
"Se eu fosse você, me apressava," Aidan falou, servindo os copos outra vez.
"Senão o quê?"
"Senão o Felix rouba a princesa de você," ele disse, levantando as sobrancelhas duas vezes e virando a tequila.
Eu olhei de volta para ela, que ria, apesar de ainda parecer estar bem distante dele. Virei meu copo com calma dessa vez, curtindo o gosto da tequila de qualidade. E nem estava pensando em sair dali, até que Felix colocou as mãos nos bolsos e deu um passo na direção da Lola, encurtando a distância entre eles.
"Aqui," falei, deixando o copo no bar. "Vou dar uma explorada."
Deixei Aidan para trás e andei até os dois, parando rapidamente do lado dela.
"Quer ir conhecer a casa comigo?" Ofereci.
Ela abriu um sorriso. Qualquer receio que ela tinha, Felix fez o favor de fazer desaparecer. "Claro!" Ela disse, e eu voltei a andar, com ela do meu lado.
Ele só me fez um aceno com a cabeça.
Nós íamos na direção da escada a certa distância um do outro. Segurar sua mão devia estar virando um hábito meu, pois quase me estiquei outra vez para buscar por ela com a minha.
"Odeio a ideia de entrar na casa de outra pessoa," apesar de ela falar isso, Lola sorria, nervosa. "Não sei mexer nas coisas dos outros."
Eu ri. "Não tem o que saber. Finge que você conhece a pessoa."
"Isso não ajuda! Que tipo de gente vasculha as coisas dos outros?" A sua pergunta parecia retórica, mas eu desviei o olhar. "Ah, verdade. Você. Você vasculhou o meu quarto! Eu devia saber que era desse tipo mesmo!"
"Ei, eu não vasculhei seu quarto!" Apesar de estar tentando me defender, eu não conseguia parar de rir. "Eu só entrei e dei uma olhada. Qual outro jeito eu poderia usar para te conhecer?"
"Você queria me conhecer, é?"
"Curiosidade mórbida," falei, quando chegamos ao segundo degrau. "Não deixe subir à sua cabeça. Mas, e aí," olhei em volta. "Para qual quarto vamos primeiro?'
Ela segurou meu olhar por alguns segundos, um sorriso de lado e o rosto inclinado, como se ela ainda tivesse muita coisa para dizer, muitos jeitos de me contestar e toda a ideia da conversa nunca dita a divertisse demais.
Mas, escolhendo outra vez guardar para ela, Lola se contentou em olhar para as portas e apontar aleatoriamente para uma.
Nós fomos até ela e eu a abri, para encontrar Max e Dillon mexendo em uma pilha de revistas pornográficas.
Eu a fechei na hora, apesar de Lola já ter percebido o que eles faziam.
"Então é por isso que vocês invadem casas, é?" Ela perguntou, rindo.
"Não," garanti, indo até a próxima porta. "Mas eu falo por mim, não posso dizer nada deles."
Ela jogou a cabeça para trás, sorrindo largo como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo. Não pude evitar de imitá-la e até ficar com a mão parada na maçaneta por alguns segundos, deixando meus olhos presos nela.
"Majestade," eu disse, quando finalmente abri a porta e dei espaço para ela passar. Ela me fez um aceno cordial com a cabeça e entrou.
Era um quarto de alguma menina, pois era rosa em tudo que aceitava cor. Ela olhou para a mesa, depois para um mural de fotos, depois a cama, uma estante com livros. Eu me contentava em olhar para ela. Podia jurar que, nunca na sua vida, ela imaginaria que invadiria a casa de alguém. E era exatamente isso que ela estava fazendo, mesmo que não parecesse muito interessada em nada.
"Vá em frente, abre alguma coisa!" Incentivei, fazendo-a se virar para me dar um olhar de quem realmente não precisava daquele comentário.
Mas ela ainda manteve suas mãos longes até chegar na escrivaninha, que também era rosa. Observou as coisas de perto, como tinha feito com a minha foto, e eu percebi que ela nunca daria o primeiro passo.
"Aqui," falei, indo até ela e abrindo a primeira gaveta. "CDs. Essa menina gosta de CDs."
“Vocês têm muito em comum," ela disse sarcástica, arriscando tocar neles para afastá-los.
Mas eles estavam quase todos sem espaço entre si, mal dando para alguém conseguir tirar um dali.
"Eu gosto de música," me defendi. "Isso daqui," apontei para os CDs, praticamente todos de boybands adolescentes, "isso eu não sei o que é."
"Acha que devemos mudar todos de caixinha para ela nunca conseguir encontrar o que quer?" Ofereceu, como se aquela fosse a melhor ideia de todos os tempos.
"Acho que o Aidan vai acabar ficando louco com essas suas mini intervenções-"
"AH!" Ela soltou um grito do nada, me cortando e me obrigando dar um pulo de susto. "Eu não acredito que ela tem esse CD!"
Ela fez todo o esforço possível, amassando seus dedos, empurando como podia, mas conseguiu tirar o tal CD de dentro, segurando-o depois com as duas mãos e o encarando como se fosse ouro e seu brilho a hipnotizasse.
Eu tentei ver de quem era, mas ela o escondeu, indo até o pequeno rádio (também rosa) do quarto e o colocando para tocar. Tive que ficar imaginando que era alguma boyband da adolescência real dela e nem me animei. Pelo contrário, me sentei na cama, já cansado antes mesmo de qualquer música encher o quarto.
Mas, para a minha surpresa, Rolling Stones começou a tocar.
Até achei que estava imaginando. Mas ela começou a mexer a cabeça no ritmo da música e depois se virou para mim, abrindo um sorriso.
"De todas as músicas do mundo," comecei.
"A melhor!" Ela terminou, levantando os braços no ar o máximo que podia, girando nos calcanhares e se deixando cair na cama.
Eu realmente devia estar imaginando aquilo. Ou então ela mesma tinha se esquecido completamente de quem era. A princesa real do Reino Unido estava jogada em uma cama rosa cheia de bichinhos de pelúcia, de olhos fechados e sorriso prazeroso por causa de uma banda de rock do século vinte? Que mundo era aquele?
"Vem," falei, me levantando e começando a me mexer no ritmo da música. Qualquer que fosse aquele mundo, eu já estava dentro mesmo. Não tinha a menor pressa de sair.
Ela se apoiou nos cotovelos para me olhar. "Eu não danço," disse, sem perder o sorriso.
"Como assim, você não sabe dançar?" Eu ri, me virando. "Não te ensinaram no castelo?"
"Não falei que não sei dançar," ela se sentou de vez agora. "Só que não danço. Por opção."
Eu parei na hora. "Por que escolheu '(I Can't Get No) Satisfaction'?" Perguntei, me referindo à música.
Ela deu de ombros, como se fosse óbvio. "Porque é a melhor música de todos os tempos por uma banda inglesa," respondeu, praticamente fechando os olhos para mostrar como aquilo era pretensioso.
"Prove."
"Como é?"
"Prove," repeti. "Prove que é a melhor. Porque, se for mesmo, ela tem que ser capaz de ser mais importante do que qualquer tipo de regra que você tenha inventado para si mesma. Qualquer limitação."
Cruzei os braços, esperando.
Ela revirou os olhos, apesar de ainda sorrir, e se levantou. A música tinha acabado, mas eu me estiquei e voltei para começar de novo. E lá foi ela, balançando a cabeça como ela considerava ser dança.
Não que eu entendesse alguma coisa. Pelo contrário. Mas ela também estava naquele mundo bizarro nosso. E eu queria vê-la se divertindo.
"Feche o olho," falei, obedecendo a mim mesmo. "Não existe saber dançar, se é com isso que você tá preocupada. E ninguém aqui te vê como princesa. Você não é nada além de si mesma. E não tem mais nada em volta. Não existe mundo, não existem outras pessoas. Feche o olho que e só existe você e a música."
Ela ria, como se não acreditasse em mim, mas, quando abri os meus para vê-la, seus olhos já estavam completamente cerrados.
E então ela começou a se deixar levar, como eu fazia. Só soltando os braços mesmo, fingindo cantar a música, qualquer coisa que não precisasse de preparação ou regras.
Eu não sabia o que ela estava fazendo, pois me deixei levar pelas minhas próprias palavras e o amor que já cultivava por aquela música. Só voltei a abrir os olhos depois de um tempo.
E ela estava mesmo dançando. Tanto, que nem sabia como não tinha esbarrado em mim ainda. E não era só dançar, era como se ela participasse do show, batendo o pé no chão, esquecendo da sua mania e jogando o cabelo para os lados. Eu fiz questão de girar o botão de volume mais um pouco, e ela sorriu ainda mais, sem abrir nem um pouco os olhos.
Mas ela levantou os braços no ar, pontuando a batida da música. E, sem pensar no que estava fazendo, eu cheguei perto dela, parando de dançar. Ela não tinha a menor ideia da pouca distância entre nós, o que era bom, porque eu não tinha ideia do que estava fazendo. Só sabia que tinha alguma coisa em como ela sorria, em como ela parecia sentir a música em seus ossos que me atraía para ela. E, por menor e mais traiçoeira que fosse a urgência que eu sentia para chegar ainda mais perto dela, era forte demais para eu ignorar. Sentindo um calor me subir pela nuca, eu resolvi não questionar.
Até que ela abriu os olhos, seu sorriso congelando por um segundo. Ela não pareceu nem se incomodar com a minha proximidade, mas eu dei um mínimo passo atrás, respirando fundo.
Qualquer loucura que tivesse passado pela minha cabeça já tinha desaparecido e eu sorri de volta.
"Bem-vinda aos noventa e nove por cento."


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Notas finais do capítulo

*Dean Moriarty é um personagem do livro On the Road (Na Estrada) do Jack Kerouac (autor favorito do Marc - dos anos cinquenta). É, aliás, um dos personagens no qual eu me inspiro para escrever o Marc. A referência ao Sherlock Holmes é porque nas histórias de Sir Arthur Conan Doyle também tem um personagem com o sobrenome Moriarty (dizem que o do Kerouac foi inspirado no de Doyle).

Outra coisa que eu queria dizer: o negócio que a Lola fala do cinto de segurança é algo que eu SEMPRE falo. Não conheço a grande maioria de vocês pessoalmente, mas, se não são do tipo que SEMPRE usam cinto de segurança (sem exceções), espero que virem! Porque é verdade, morrer pela falta dele é uma coisa muito, muito idiota. E ninguém devia ter uma vida inteira jogada fora só por isso. Eu mesma sou BEM chata e não me importo de atrapalhar absolutamente todo mundo (ou até andar a pé), mas não ando sem cinto. Aqui, a Lola andou, mas espero que vocês não levem isso como exemplo! Prefiro que ouçam o que eu digo.

Espero que, no mais, tenham amado o capítulo como eu amei! E desculpa a demora, só não queria ter postado qualquer coisa. E tive que reescrever, sim, do zero. Mas é bem melhor do que postar um capítulo que não estava nem perto de caprichado e feito com amor (como normalmente haha).



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