Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 94
Capítulo 94: POV Dylan Stroud


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Good Riddance (Time of Your Life)" do Green Day.



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Um dia antes de ter entrado para a Seleção, um dia antes de ter vindo para o castelo, eu ouvi uma conversa entre meus pais. Já tinha passado por entrevistas, já tinha assinado contratos e passado por uma única aula rápida a domicílio para me preparar para tudo. Já estava de malas prontas, já tinha ouvido os conselhos das minhas irmãs e prestado bastante atenção aos avisos de minha mãe. Estava pronto para ir. Mas ainda tinha uma noite para passar em casa. Uma última noite. E foi quando eu ouvi uma conversa entre meus pais.
Eu nunca tinha sido o melhor dos filhos. Já sabia disso, não era segredo. Nunca ouvia muito meus pais e não fazia questão de seguir seus conselhos. Sabia que só seria jovem uma vez e queria aproveitar. Eles não entendiam, sentiam aquela urgência para eu virar adulto porque já não tinham o tempo que eu tinha. Mas eu não me importava. Nunca havia trazido problemas de verdade para eles, nada no nível que os meus amigos levavam para as suas casas. Ainda sabia que não era dos piores. Na minha opinião, meus pais estavam no lucro.
E, mesmo quando não estavam, mesmo quando reclamavam de mim, eu sabia que não era completamente sério. Podiam tirar sarro e falar que eu nunca conseguiria ter responsabilidade nenhuma. Mas, no fundo, eu sabia que acreditavam em mim, que me apoiavam por mais do que só ser seu filho.
Ou pelo menos era o que eu achava. Haviam poucas palavras da conversa que eu tinha ouvido que ainda guardava comigo. Mas uma frase me atormentava mais do que tudo. Ainda tinha a imagem clara na minha cabeça, mesmo que nunca a tivesse visto. O suspiro da minha mãe foi fundo, podia imaginá-la esfregando a testa como costumava fazer, com o cotovelo para deixar as mãos livres para continuar a cozinhar. E então ela disse, com todo o desânimo do mundo:
"Bem que podia ter sido o Joel."
Eu estava pronto, de malas feitas e vôo marcado. Todos na minha província queriam falar comigo, queriam ir até o restaurante, queriam poder me conhecer. Todos que já tinham cruzado o caminho comigo estavam torcendo por mim. E meus próprios pais queriam que tudo isso estivesse acontecendo com meu irmão.
Não poderia apostar no que minha mãe tinha dito logo depois, mas era algo como eles não tendo que se preocupar com o restaurante se meu irmão fosse um dos selecionados, que ele não jogaria fora algo que tinha sido construído pelo meu avô do zero. Eles não tinham a menor esperança de que eu fosse me dar bem no castelo. Pelo contrário, eles tinham a certeza absoluta que minha presença ali fosse o suficiente para destruir tudo que a nossa família tinha. Eles não acreditavam em mim. Eles não me apoiavam. Nem mesmo só por ser seu filho.
E eu mal podia culpá-los. Não tinha feito nada para poder provar o contrário. Eu tinha imaginado muitas vezes como seria naquela Seleção, antes e depois de ouvir a conversa deles. Mas, em nenhuma delas, eu seria o primeiro eliminado. Se nada mais, eu sabia que, pelo menos, eu era dos mais bonitos ali. E tinha certeza de que aquilo me manteria pelo menos até a elite. Eu realmente não enxergava porque meus pais achavam ser tão ruim eu ter sido selecionado. O que eles achavam que eu ia fazer? Por que eles achavam a ideia de eu conseguir chegar a algum lugar ser tão ridícula?
Eu podia ter feito uma besteira. Eu podia ter feito bem o que eles esperavam de mim. Mas mesmo ali no Salão dos Homens, olhando em volta, ainda sabia que era dos melhores ali. Tinha cometido um erro, mas nem conhecia a princesa. Se ela tivesse me dado uma chance, perceberia que me eliminar não era uma boa ideia. Mas ela não tinha me dado nem uma semana direito. Como poderia decidir que eu não servia para ela tão rápido?
Suspirei fundo. Não que eu a quisesse. Não faria diferença para mim. E a verdade era que eu não tinha tido a menor inclinação de ir atrás dela desde a noite da festa. Por que eu iria, se tinha uma garota bem mais bonita e menos complicada comigo? Não. Eu não conseguia ser forçado assim. Mesmo que a princesa quisesse, mesmo que meus pais achassem que era o que eu devia fazer, eu simplesmente não forçaria.
Me levantei do sofá, mesmo fazendo poucos minutos que nós tínhamos chegado ali. Não queria continuar aquela rotina. Já tinha passado a manhã inteira com praticamente todos os outros e o almoço também. A princesa sabia que eu estava esperando. Ela me encontraria se quisesse.
"Eu vou para o meu quarto," avisei os outros selecionados. "Se eu não os ver outra vez, quero que saibam que foi uma honra servir com vocês." Dane foi o único que assentiu, mas quase todos sorriram ou pelo menos abaixaram o rosto.
Eu não tinha virado amigo de nenhum direito. Não tinha nada contra eles, pelo contrário. Achava que Will era da hora. E Thor também, mesmo quando me seguia pelo castelo. Mas ali, sentindo que aquela era a última vez que eu ia vê-los, podia muito bem ter me virado e ido sem falar nada. Não fazia tanta diferença. Nenhum deles era a única pessoa naquele castelo com quem eu podia contar. Ou, pelo menos, sentia que poderia.
Não andei com pressa. A maioria do castelo parecia sempre vazia. Só um guarda a cada dez ou vinte metros, dependendo da importância do corredor. Mas eles mal se mexiam e nunca falavam nada com a gente, então já tinha me acostumado a nem percebê-los, como eu sabia que a maioria das pessoas fazia.
Quando cheguei em meu quarto, minhas duas criadas estavam lá. Elas se levantaram na hora, tendo estado sentadas nas duas poltronas que ficavam perto de uma pequena mesa de café.
"Devo perguntar, Senhor Dylan?" Rebecca foi a primeira a falar.
"Nada aconteceu ainda," disse, sem espantar o desânimo delas.
Se tinha alguém que tinha torcido por mim eram elas. Desde o começo, desde que tinham me visto, elas tinham colocado na cabeça que eu seria o ganhador. E, por mais que nem tivéssemos ficado próximos, tinham me acordado naquela manhã com cara de quem sabia o que tinha acontecido. E de quem estava realmente abatido por aquilo.
Mas isso era fácil. Qualquer pessoa que não fosse meus pais, que não tivesse decidido anos atrás que eu fazia tudo errado, torceria por mim.
"Há algo que poderíamos fazer pelo senhor?" Paola ofereceu.
Antes que eu pudesse responder, uma batida veio à porta. As duas olharam para ela, parecendo não querer ser quem a abriria. Então eu mesmo fui até lá.
A cara de espanto da Princesa Lola por me ver direto durou dois segundos. Depois ela levantou o queixo e abriu o menor dos sorrisos.
"Newcastle," ela disse. "Poderia entrar?"
Eu não respondi, só abri mais a porta. Minhas duas criadas já tinham entendido que aquela era a hora e saíram sem eu ter que pedir. Na verdade, eu ainda não tinha decidido se preferia que elas ficassem ali ou não.
Lola se manteve de pé, apesar de olhar pelo quarto antes de me mirar.
"Newcastle," ela começou outra vez, mas eu a cortei.
"Dylan," falei. "Acho que podemos parar com essa farsa agora."
Ela não esperava aquilo. Pelo contrário, pareceu ofendida.
Mas, logo em seguida, ela bufou uma risada. "Você acha que isso é uma farsa," não era uma pergunta. "Se eu soubesse disso, teria acabado com tudo muito antes."
Eu fui até minha cama, não estando nem um pouco afim de ouvir bronca. "É, bom. Não é como se você me conhecesse, não é?"
"Não," ela concordou. "E eu acredito que você nunca teve a intenção de me deixar. Não tenho ideia do porquê resolveu se inscrever e não posso evitar de desejar ter escolhido outro cara em seu lugar. Mas nada disso importa, Dylan," ela pronunciou meu nome como se fosse a parte mais importante do que tinha falado. "Você está oficialmente eliminado da minha Seleção. Faça suas malas, deixe tudo que não veio com você e saia do castelo até o anoitecer. Você pode se despedir dos outros. Mas tem uma coisa que eu gostaria de te pedir."
Levantei os braços no ar e os larguei, dando de ombros. "Diga."
Ela respirou fundo. "Tem uma câmera te esperando do lado de fora da porta já," ela continuou. "Eles vão te perguntar porque você está sendo eliminado, o que foi que aconteceu entre nós. Crie a desculpa que preferir, mas te peço para não contar a verdade para ninguém. Não preciso que saibam que você cometeu uma traição. E acredito que você também não precise dessa reputação."
Na hora, eu me lembrei dos meus pais. Era isso que eles estavam esperando de mim, alguma mancha enorme para acabar com a reputação de toda a família. Iríamos de restaurante respeitado a piada da província. E o que tinha acontecido entre Madison e eu era o suficiente para fazer isso acontecer.
Mas não se ninguém soubesse.
"E os outros? Todo mundo está sabendo," eu disse.
"Todo mundo também será instruído a não falar nada disso lá fora," ela explicou. "Isso é só uma formalidade. Vocês todos assinaram contratos dizendo que não comentariam nada que acontecesse aqui dentro que não fosse propriamente filmado. Estou avisando-o que sua vida não será mais a mesma. Não haverá um lugar para onde poderá ir sem ser reconhecido. Será convidado para entrevistas, novelas, qualquer coisa ridícula que celebridades fazem por aqui," ela deu um passo na minha direção, como se firmasse o que falava. "Se você quer ter algum futuro, se quer que essa Seleção te ajude em alguma carreira, qualquer que seja, você precisa se certificar que não quebrará seu contrato e sua reputação admitindo porque foi mesmo eliminado."
"Entendi," falei, e ela assentiu.
"É só isso," ela respirou fundo. "Adeus, Dylan," completou, indo até a porta.
"Espera," pedi, me levantando e indo até ela. "Eu-" cortei a mim mesmo, pensando. Aquilo só parecia errado. Era isso então? Estava mesmo acabado? Como se nunca tivesse acontecido? "Obrigado," falei, e ela franziu as sobrancelhas. Nem eu sabia que era aquilo que queria dizer. "Mesmo que me odeie agora, obrigado por ter acreditado em mim. Nem que só durante a escolha dos selecionados."
Ela mirou o chão por alguns segundos. Depois assentiu. E continuou seu caminho até a porta.
Em menos de um minuto depois, minhas criadas já tinham voltado, com o mesmo desânimo de antes. Nós começamos a arrumar minhas malas, enquanto elas me perguntavam o que eu planejava fazer dali em diante. Eu disse que queria ser famoso, não importava muito como. Era a única coisa que eu queria fazer.
Quando terminamos, elas chamaram dois guardas para levarem minhas coisas até o hall e eu pedi para ficar sozinho.
Uma das coisas que eu não tinha levado era papel e caneta. Nem tinha tido a chance de escrever para os meus pais, apesar de eles mesmo do castelo fornecerem tudo de que seria preciso.
Me sentei em uma das poltronas e apoiei na mesinha ao lado. O que eu tinha para falar era rápido. E pouco. Eu nem sabia direito como seria. Mas escrevi mesmo assim.
"Querida Madison," comecei, só porque era o normal. "Espero que eu não tenha estragado tudo para você. Iria me despedir que nem gente, mas nem sei aonde você pode estar. Não sei o que a princesa poderia fazer com você. Se é que já não fez.
Precisa saber que não era essa minha intenção. Não queria que nada acontecesse com você. E que você foi a melhor parte de eu ter vindo para cá.
Espero algum dia poder te ver outra vez. Boa sorte,
Dylan."
Quando passei pela porta, minhas duas criadas me esperavam. Eu abracei cada uma, parando um pouco mais em Rebecca e pedindo que entregasse aquele bilhete pessoalmente à Madison Hunter, se ela ainda estivesse no castelo. Também fiz questão de agradecê-las, uma a uma, por tudo que tinham feito para mim. E pedi para que começassem a torcer por Will agora que eu estava indo embora.
Descendo as escadas, tudo já começava a parecer mais leve, quase como se aqueles lugares fossem de brincadeira. Fiquei surpreso ao ver que todos os outros selecionados me esperavam no hall, provavelmente tendo ouvido que eu ia embora. Não importava se eram poucas as palavras que eu tinha trocado com cada um, ou o pouco que éramos amigos. Nós tinhamos estado no mesmo barco. E eles tinham feito questão de se despedirem de verdade.
Depois de abraçar cada um, desejar e receber de volta vários 'boa sorte', eu me virei uma última vez para ver o castelo. Já estava despreocupado. Sabia que poderia chegar em casa e dizer para meus pais que eu não tinha sido expulso pelo que eles imaginavam. Não, eu não tinha sido eliminado por ter ficado com outra garota que não a princesa. Tinha decidido a história que ia contar. E podia já imaginar a cara deles e de todos no país quando a ouvissem.
Afinal, eu diria, percebi que não estava pronto para a responsabilidade de ser um rei. E não seria justo da minha parte contiunar em uma competição como aquela e tirar a chance de alguém que queria de verdade. Não quando eu sabia que aquele não era meu lugar.
Aquele definitivamente não era meu lugar.


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