Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 92
Capítulo 92: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi esse capítulo ouvindo "Nervous Girls" da Lucy Hale (estou adorando o cd dela!).
Mas, na verdade, não escrevi esse capítulo sozinha. Por ter ganhado o concurso do vestido da Madison/Lola, a Amanda Carla Ramos pode me ajudar a escrever, decidindo as coisas que iam acontecer! Obrigada, Amanda!



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Tinha uma postura que eu sempre usava quando precisava fazer alguma coisa importante e desagradável no Reino Unido. Era uma expressão, uma pose que minha própria mãe tinha. Ela não tinha feito questão de passá-la para mim ou me ensinar, mas eu a observara desde pequena durante suas tarefas e costumava imitá-la em meu quarto. E aquilo era um orgulho meu, conseguir entrar naquela pose, me manter daquele jeito e não deixar nada me afetar. Era como uma decisão escrita em pedra. Eu faria o que tinha decidido, fosse aquilo difícil, desagradável ou até mesmo complicado. Era a expressão de quem sabia o que fazia, e eu a mantinha mesmo que não fosse verdade. Tinha me convencido há muito tempo de que ser um regente não era sempre fazer a coisa certa, mas sim tomar decisões que o povo não conseguiria sozinho. Então, não, eu não tinha muita ideia se aquilo seria provado como um equívoco da minha parte em algum futuro próximo, mas naquela manhã, eu tinha já feito uma escolha. E a levaria até o final.
O caminho da Sala de Jantar até o ateliê foi longo e silencioso. Até preferia não ter passado por nenhum selecionado. Não queria distrações. Ainda que estivesse determinada, eu tinha plena consciência de que estava indo até lá para despedir alguém, e aquilo não era para ser fácil.
Definitivamente não tinha sido o jeito que eu tinha imaginado que aquela festa na piscina acabaria. Não que tivesse tido tanto tempo para antecipar e me preparar, mas nunca teria pensado que chegaria àquela posição depois dela, depois de só uma semana de Seleção. Muita coisa boa tinha acontecido no dia anterior, eu precisava admitir. Durante a tarde, o tempo que eu tinha me dado ao luxo de passar com o Alaric, até mesmo a sessão de recuperação a qual Marc tinha me oferecido.
Ele tinha tido a habilidade de transformar aquilo que deveria ter sido um grande problema em um simples detalhe. Mesmo com a decisão fresca em minha mente, eu já tinha bloqueado as lembranças da traição. Ou talvez Marc simplesmente tivesse conseguido encher minha cabeça de conversas interessantes e não sobrasse espaço para nada tão desagradável. O fato era que toda vez que eu pensava na noite anterior, aquele problema era a última coisa da qual eu lembrava. E até quando eu cheguei na frente da porta do ateliê, a coisa que mais me incomodava era deixá-lo fazer parte de uma noite que tinha tudo para ter sido ótima.
Respirei fundo e hesitei por um segundo antes de bater. Não precisava de muita preparação, mas só queria ter certeza de que minha postura estava de volta no lugar. Não deveria demonstrar fraquezas. Seria direta, mas não cruel. Ela merecia a punição. Eu não estava errada. Eu só precisava avisá-la.
Bati firme na porta de madeira e esperei uma resposta. Mas não veio. Bati outra vez, agora sem esperar que ela me atendesse, a abri e entrei.
O lugar estava vazio, o que me deu um alívio momentâneo. Mas logo eu me reprimi. Sem fraquezas, Lola, repeti para mim mesma.
Eu nunca tinha estado ali, mas não era tão diferente do que eu imaginava. No castelo no Reino Unido, o ateliê era maior e o número de estilistas também. Mas a confusão característica estava ali, espalhada pelo que eu julguei ser a mesa de Madison. O mural atrás dela estava vazio, mas eu podia imaginá-lo em toda sua glória facilmente. Era bem parecido com nosso ateliê inglês, realmente.
Olhando para o resto do grande cômodo, pude ver que o tinham organizado especialmente para a Seleção, separando mesas e estações para cada selecionado. Mas tinha outra coisa entre eu e elas que chamou mais a minha atenção.
Pendendo levemente em um manequim, estava um vestido cinza chumbo azulado. Mas a profundidade de sua cor tinha sido desmanchada em um tecido leve e delicado, que brincava com intensidades diferentes de transparência durante todo seu comprimento. E ele era comprido, suas mangas provavelmente chegariam até os pulsos. E, mesmo todo coberto, tinha um ar provocante.
Sem que tivesse percebido o que fazia, eu já andava até ele, querendo muito poder ver cada detalhe de perto.
Ele era enfeitado com mais do que só uma cor instigante. Pequenas pedrinhas que se atreviam a parecer estrelas estavam em quase todo o tecido, mais parecendo flutuantes ao seu redor do que propriamente costuradas. Tive que tocá-las para ver que não eram feitas de mágica e, mesmo ao senti-las na palma da minha mão, ainda era difícil acreditar que eram de verdade. Era tão delicado, até quase romântico, completametne minucioso e perfeitamente executado.
Dei um passo atrás, querendo vê-lo por inteiro e inspirando profundamente. Não conseguia pensar em um só vestido que eu já tinha visto na minha vida que era tão bonito. Para falar a verdade, naquela hora eu não conseguia pensar em nenhum outro vestido. Esse tinha um ar de elegância que eu só achava possível vir da realeza. Era como todo o peso de ser regente, mas a serenidade de confiar em seu próprio julgamento. Ele não era grandioso, mas imponente, como um sonho transportado à realidade para tomar seu lugar de direito no mundo e ser admirado livremente.
Dei a volta nele, sem deixar de tocá-lo. Tinha a impressão de que estava passando dos limites, me dando o direito de admirá-lo sem nem saber a quem pertencia, mas era uma indulgência à qual eu já tinha me entregado. Mas então eu vi um pedaço de papel sendo segurado no manequim por um alfinete. Com meu nome escrito nele.
Aquilo me fez parar de tocá-lo. Até dei um passo atrás.
Era para mim. Madison o tinha desenhado, provavelmente passado intermináveis horas o criando do zero para mim. Cada parte cortada e costurada, cada uma das pedrinhas delicadas costuradas à perfeição. Eu nem conseguiria imaginar o tempo que devia ter levado, mas sabia que não era o tipo de coisa que se faria de qualquer jeito. Era preciso mais do que só dedicação para trazer aquilo para fora do papel. Precisava ter paixão por aquilo. E muita.
Era a paixão de Madison, percebi de repente.
Estava tão hipnotizada pelo vestido, que nem reparei que ela tinha entrado até que estivesse bem na minha frente.
"Madison Hunter," eu disse, levantando o queixo e tentando rapidamente voltar àquele estado que eu tinha tanto me preocupado em entrar.
Fria, sem ser cruel, Lola. Sem mostrar fraquezas.
Mas não era fácil, não quando o vestido estava entre nós.
"Majestade," ela disse, fazendo uma reverência rápida e descuidada. Ela evitou meus olhos ao se esticar outra vez e continuar seu caminho até sua mesa. "Imagino que gostaria de falar comigo."
Eu a segui até lá devagar, deixando cada passo meu me influenciar de volta à minha postura tão importante. Mas ao chegar perto da mesa, fiz questão de dar uma meia volta e me posicionar de um modo que conseguiria ver o vestido. Os poucos segundos que eu tinha passado de costas para ele já tinham me feito questionar se ele era de verdade, se eu não o tinha imaginado.
Mas forcei meus olhos a focarem nela. "Sim," respondi, respirando fundo. "Eu não tive a oportunidade de te conhecer propriamente-"
"Majestade, se me permite te interromper," ela disse, me cortando e finalmente encontrando meus olhos. "Eu sei o que dirá. Quero poder fazer o favor de pelo menos poupar essa humilhação para nós duas, de certo modo."
Ela voltou a se ocupar do que sobrava em sua mesa, e eu fiquei em silêncio, a observando. Não, não gostava que me interrompessem. Mas podia entender sua intenção. Até o jeito que ela olhava para os papéis que juntava era envergonhado, como se quisesse se mesclar a eles e desaparecer. Não era de se espantar que ela quisesse diminuir aquele momento ao mínimo possível de minutos.
Mas mesmo que seus olhos estivessem rodeados de olheiras e vergonha, mesmo que eu pudesse ver a sua exaustão em seus ombros e a falta de força em todas as vezes que ela segurava algo, ela ainda era bonita. Bem bonita. Daquelas garotas que faziam ser injusto com o resto do mundo. Até em seu pior estado, era praticamente impossível não perceber aquilo nela.
Ela colocou o cabelo atrás da orelha como algo que já estava chegando ao limite da sua paciência, focando a mesa com mais convicção do que o que seria considerado suficiente para a tarefa que desempenhava. E eu me lembrei de Marc.
Ele era outro que achava que eu não devia fazer nada em relação a ela. Ele e Clarissa. Mas as razões dela eu conhecia. Se ela pudesse encontrar um jeito de fazer curvas e criar desculpas, ela tentaria me convencer de deixar até o próprio selecionado ficar. Se dependesse dela, ninguém nunca seria demitido, ninguém nunca teria o coração partido, ninguém nunca teria que encarar algo tão frio quanto rejeição. Eu sabia que ela queria que eu perdoasse Madison porque era o que ela faria. Enquanto pudesse destribuir perdões, era isso que ela faria.
Mas e Marc? Eu só podia supor que ele gostava dela andando pelos corredores. Ainda tinha o tom de Azalea naquela festa bem fresco na minha mente. E, por menos que ele falasse no assunto, eu conseguia imaginá-lo no seu dia-a-dia, colecionando garotas complicadas e indisponíveis. Só não sabia se Madison tinha sido uma delas, se era por isso que ele a tinnha defendido.
"Na verdade," eu voltei a falar, mas ela continuou mexendo em suas coisas, "eu ia dizer que não tinha te conhecido propriamente. E queria que você me desse a chance de te conhecer agora." Ela olhou para mim e eu continuei. "Como puder."
Ela puxou um banquinho que estava atrás dela sem nem olhar para ele, soltando tudo que tinha estado segurando e depois se sentando.
"Vossa Majestade gostaria de me conhecer?" Perguntou e eu assenti com a cabeça. "O que quer saber?"
"Quero saber como chegou aqui," falei. "No castelo."
Ela respirou fundo, deixando seus olhos buscarem por respostas no teto. "Como estilista, você quer dizer?" Uma olhada rápida na minha direção a indicou que estava no caminho certo. "Na verdade, comecei como modelo. E até gostava quando era mais nova. Mas eu queria mais. Tinha coisas demais dentro da minha cabeça para deixá-las lá, sabe? Eu sempre encontrava defeitos no que me faziam vestir. Não conseguia parar de pensar no que eu mudaria se pudesse. E então, um dia, enquanto tirava algumas fotos para May Singer pela Singer Revolution, eu deixei isso escapar. Ela ouviu e me disse que eu podia, sim, mudar o que queria. Que eu podia fazer o que queria."
"Foi ela que te trouxe para trabalhar aqui?" Perguntei, e ela concordou com a cabeça. Eu já tinha ouvido falar bastante de May Singer, a irmã da rainha. Mas raramente tinha tido a oportunidade de ver algo de sua criação, a não ser por lojas populares que tinham se espalhado até pelo Reino Unido.
Achei que fosse responder com algo mais, mas seus olhos se viraram para a janela e ela ficou imersa em pensamento. Quando voltou a falar, tinha voltado a tentar acabar com aquilo o mais rápido possível.
"Majestade," ela disse, se virando para me olhar. "A verdade é que não faz diferença o que eu pensei, quem eu sou ou nada desse tipo. Nem quantas vezes eu disse para mim mesma que o que eu estava fazendo não era certo. Quando realmente importava, eu fiz a escolha errada. Eu me arrependo, te garanto que a última coisa que queria era lhe causar qualquer tipo de dano," nessa hora, ela se levantou, se colocando praticamente da mesma altura que eu, mas com uma mesa inteira ainda entre nós. "Mas eu não posso negar o que fiz e nem a minha culpa. Não fui vítima de nada. Fiz a escolha errada, mas ainda fui eu que a fiz. Eu te entendo, qualquer que seja a sua decisão para mim."
Atrás dela, o sol chegou a algumas das pedrinhas e me distraiu por alguns segundos, fazendo seu reflexo tentar me cegar. Mas quando voltei a olhá-la, sabia o que queria perguntar.
"Está dizendo que, se estivesse em meu lugar, escolheria se demitir?"
Ela me encarou por alguns segundos sem falar nada. Mas acabou abaixando os olhos. "Queria muito poder responder que não, se é que isso ainda tem qualquer influência na sua decisão. Mas a verdade é que eu não me perdoaria se resolvesse deixar no castelo uma garota que fez algo como eu fiz. Não porque é a pior coisa que poderiam fazer nem nada desse tipo," ela levantou o rosto para me encarar. "Mas eu sei o que é certo e o que é errado. E, por mais que queira abrir uma excessão para mim mesma, acredito que as pessoas precisam ter noção da responsabilidade de seus atos," não pude evitar de sorrir, mesmo que de lado e discretamente. Era algo com o qual eu inevitalmente me identificava. "E eu tenho dos meus. Eu me demitiria, sim," terminou.
"E você gosta dele?" Até então, ela tinha conseguido se manter calma, quase inalterada de um certo desânimo que ela devia ter adquirido há muito tempo. Mas ao perguntar dele, ela respirou fundo, parecendo momentaneamente perdida.
"Eu-" Ela começou, se cortando. "Não sei," admitiu. "Faz alguma diferença?"
"Não," respondi. "Acho que não."
"Posso perguntar algo a Vossa Majestade?" Ela pediu. Eu assenti. "O que faria no meu lugar?"
Aquilo realmente me pegou de surpresa, ameaçando completamente a postura que eu lutava para manter no lugar.
"Em que sentido?" Quis saber.
"Se você tivesse encontrado alguém que te fizesse deixar todas as suas convicções e princípios de lado e, sem querer, tivesse te feito," ela pausou, buscando a palavra certa.
"Se apaixonar?" Tentei.
Ela me mirou, parecendo bastante assustada. "Você se deixaria levar?" Continuou.
Não precisei pensar para responder. "Eu nunca tive a sorte e o azar de passar por algo assim," admiti.
"Mas se tivesse passado, se tivesse se deixado levar," ela nem pareceu se importar muito com minha resposta, como se sua próxima pergunta fosse urgente demais para isso, "você também acharia que merece uma punição?"
Minha intenção era pensar no assunto. Mas um só segundo considerando sua pergunta me trouxe outra conclusão.
"Você é bem inteligente, Madison," falei, começando a andar em direção à janela. "E não precisa se preocupar, eu já tinha me colocado em seu lugar. Mas o fato é que não fui que me deixei levar. Foi você. E mesmo que passássemos o dia inteiro discutindo hipóteses, minha responsabilidade é tomar uma decisão para algo que realmente aconteceu."
Desviei meu andar e fui até o vestido, sem nem pensar direito no que estava fazendo. Só sabia que logo aquela conversa terminaria e, junto com ela, iriam todas as oportunidades que eu tinha de tocá-lo outra vez. Eu a demitiria, ela certamente não o deixaria ali, como um presente de despedida.
"Você gosta?" Ela perguntou, quando eu cheguei perto dele outra vez. Não respondi, mas ela não pareceu se importar. "Marlee me disse que tem um evento nesse sábado. Achei que gostaria de algo assim."
Ela também chegou até o vestido, o tocando mais livremente, puxando seu tecido de lado, fazendo-o se movimentar.
"Eu tenho outros, se preferir," disse, provavelmente se preocupando com meu silêncio.
"Não consigo imaginar nada que poderia ser mais encantador do que esse vestido," admiti, sem tirar os olhos dela.
E mesmo assim, tão concentrada em outra coisa, ainda pude ouvir quando ela respirou aliviada.
Mas fiz questão de deixá-lo de lado. Soltá-lo e me indireitar o máximo que podia. "De qualquer modo," falei, "não estou no direito de pedir-lhe para deixá-lo comigo. Não quando vim aqui com a intenção de te demitir."
Era a primeira vez que eu falava a palavra em voz alta e ela estremeceu, apesar de tentar esconder.
"Ele é seu," falou, com toda a convicção que conseguia juntar. "Eu o fiz pensando em você. Não existe ninguém no mundo que lhe faria juz a não ser você. Independente do meu futuro, ele é seu e eu ficaria honrada de vê-la com ele."
Em meu coração, aquilo era o suficiente. Eu o queria, eu o desejava, como nunca tinha desejado coisa alguma em minha vida. Eu queria poder vê-lo em minha cama, poder tocá-lo quando me desse vontade. Queria vesti-lo só para me lembrar que algo tão bonito como ele existia. Queria senti-lo na minha pele, queria que virasse parte de mim, sendo usado na frente de todo mundo para que todos tivessem a chance de saber que um vestido tão maravilhoso como ele era meu.
"Como você consegue?" Perguntei, ainda sem conseguir tirar os olhos de cada uma das pedrinhas que brilhavam. "Como você consegue juntar tecido e transformar em algo assim?"
"Honestamente, eu não penso muito, só faço. E não sei fazer mais nada também."
"E nem precisa saber," admiti, sem conseguir evitar de me imaginar podendo vesti-lo.
Respirei fundo e me afastei dele o suficiente para não voltar a ficar ocupada com sentir cada centímetro dele com meus dedos.
"Madison," comecei, sentindo praticamente em minha pele cada segundo que passaria até eu falar em voz alta a decisão final. Já não precisava desviar meu olhar, poderia me lembrar do vestido, já que era meu de qualquer jeito. E até ela mesma concordava comigo, até ela faria a mesma coisa se estivesse na minha posição. Eu tinha basicamente todos os melhores argumentos do meu lado. Razão, motivo, literalmente direito de demiti-la. E não faltava mais nada. Eu só precisava falar as palavras. Ela se põs na minha frente e eu respirei fundo outra vez, deixando nossos olhos se mirarem. "Quero que fique," falei, quase para meu próprio espanto. Ela levantou as sobrancelhas, surpresa. "Não está demitida. Pode ficar no castelo e manter seu emprego. Mas eu preciso que entenda o que fez. E não garanto que algum dia eu terei a mesma admiração por você que poderia ter tido se não tivéssemos sido forçadas a nos entender no meio de algo tão pouco convencional."
"Eu entendo," ela disse, rapidamente. "E, se me permite dizer, Majestade, farei tudo a meu alcance para te provar que tomou a decisão certa."
Na hora em que falou isso, não pude evitar de olhar para o vestido. Estava ali a grande razão de eu não conseguir demiti-la. Sim, eu estava certa, tinha razão, motivo e o que quer mais que pudesse nomear. Mas o que eu realmente nunca perdoaria de mim mesma era desperdiçar um talento como aquele. Mesmo que ela fosse movida a tropeços, o que era algo que eu conseguia usar para nos diferenciar, ainda podia ver em seus olhos, em suas mãos maltradas que ela era completamente apaixonada pelo que fazia. E mesmo que eu a odiasse em todos os outros sentidos, ainda devia algum crédito para ela.
"Você não está saindo completamente ilesa," a garanti, me virando para olhá-la. Ela concordou com a cabeça. "Não vou puni-la pessoalmente, mas, infelizmente, acredito que seja impossível não deixar o que aconteceu influenciar minha opinião de você. E, se algum dia isso fora importante para você, saiba que está perdido. E espero que pelo menos seu emprego sirva de algum consolo."
"Sua bondade não passa despercebida," ela disse, me fazendo querer rir.
"Não é bondade," garanti, pensando que, afinal, eu estava mesmo fazendo o que a melhor pessoa que eu conhecia teria feito. "Mas é minha decisão. E eu gostaria que esse assunto acabasse aqui."
"Como preferir," ela disse, olhando para baixo com tal vontade, que eu achei que faria uma reverência.
"Muito bem," falei, começando a andar em direção à porta, mas parando para observar uma última vez o vestido.
"Pode deixar que eu o levarei ao seu quarto agora mesmo," ela disse, acompanhando meu olhar. "E estará em perfeito estado para o evento no sábado."
Eu até tinha me esquecido daquele evento, que Maxon tinha me convidado e insistido para que eu escrevesse um discurso. Mas só a ideia de poder usar aquele vestido já me animava ainda mais a ir.
"Esse não é seu estado perfeito?" Perguntei.
Ela olhou de mim para ele. "Não!" Exclamou. "Eu nem tive a chance de terminar os acabamentos e passá-lo de leve," disse, pegando em sua saia com cuidado, a puxando e depois deixando-a cair sozinha de volta a ao seu estado natural.
Ela estava fazendo ficar cada vez mais difícil sair dali.
"Bom," falei, antes que pedisse para experimentá-lo bem naquela hora. "Isso é tudo."
"Muito obrigada, Majestade," ela disse, fazendo uma reverência, essa bem melhor do que a que tinha feito para me receber.
Eu abri a porta do ateliê com cuidado e saí devagar. Nenhuma outra palavra foi falada entre nós. Eu não queria dizer que não precisava me agradecer e tinha medo de acabar voltando atrás.
Assim que estava sozinha no corredor, eu imaginei o que meu pai pensaria de mim. Não consegui pensar no que ele diria, mas pelo menos sua expressão estava clara na minha mente. Eu podia praticamente vê-lo me observando e sorrindo, não só de orgulho, mas de admiração. Ele tinha sempre me dito que eu era racional demais, que algumas decisões precisavam ser influenciadas pelas coisas fugaz e subjetivas da vida. A arte, o talento, a música, uma sensação. Talvez simplesmente uma esperança ou vontade de mais. E eu teria certeza de que ele passaria o braço em volta do meu pescoço e caminharia comigo pelo castelo, me explicando porque eu tinha tomado a decisão certa.
E foi com essa sensação de acolhimento que eu andei até o Salão dos Homens, pronta para cumprir o segundo item na minha lista. Não era só o apoio de meu pai que me animava. Eu também tinha feito questão de planejar os acontecimentos daquele dia para que não tivesse que lidar com duas rejeições seguidas. Ainda precisaria falar com Dylan e, provavelmente, era isso que pensaram que eu queria quando apareci na frente do Salão dos Homens. Mas eu deixaria aquilo para depois do almoço. Por enquanto, eu precisava de boas notícias, interações sem conflitos. Queria poder usar minha posição para oferecer algo a alguém, ao invés de simplesmente usá-la para tirar.
Pedi para um guarda chamar Dane e ele me obedeceu. Os poucos centímetros que a porta ficou aberta foram o suficiente para todos lá dentro me notarem e eu poder ver também Dylan. Ele parecia pronto para ouvir que tinha que fazer suas malas e eu quase queria dispensar a conversa e dizer que já podia ir. Mas me segurei. E resolvi voltar a concentrar em Dane.
Não foi difícil quando ele saiu e fechou a porta atrás de si. Diferente do dia anterior, ele usava agora um terno simples e reto, com uma gravata vermelha. Ele realmente combinava com a cor. E até o jeito que abriu a boca por um segundo antes de começar a falar me fazia lembrar de Liverpool.
"Majestade, gostaria de falar comigo?" Ele perguntou retoricamente.
"Sim," falei. "Aceita caminhar um pouco?"
"Com todo prazer," ele me ofereceu seu braço e eu o aceitei, colocando o meu em volta dele. Nós começamos a andar. "Desculpe perguntar, mas não consigo pensar no que poderia querer falar comigo."
"Para falar a verdade," quis dizer seu nome, mas me restringi. Também não me deixei chamá-lo de Liverpool, por mais que ainda pensasse nele assim. Por mais que fosse uma conversa com boas intenções, não sabia se seria fácil. E tinha plena consciência de que estaria dando vários passos em direção a uma intimidade que ainda não tínhamos. Definitivamente não precisava apontar aquela distância entre nós. "Eu queria falar com você sobre algo que aconteceu ontem."
"Qualquer coisa," me garantiu, sorrindo para si mesmo, os olhos perdidos no horizonte.
Só por teoria, eu já gostava dele. Dane era bonito, tinha boa postura e parecia ser o tipo de cara que levava integridade a sério. Ou então era só a ideia que eu tinha dele, já que também era muito resguardado e mal tinha me contado um pouco dele no único encontro em que tivemos.
"Pude perceber durante a competição ontem que você não está na sua melhor forma," na hora em que eu falei, ele parou de andar, olhando para tudo, menos para mim. "Não é minha intenção lhe ofender, mas gostaria que entendesse que pode me contar caso tenha alguma coisa errada. Principalmente algo relacionado à sua saúde."
Ele continuou olhando para os lados, focando nas duas portas de vidro que levavam ao jardim e que estavam a alguns metros de nós.
"Não tem nada que Vossa Majestade possa fazer," me garantiu.
"Por favor, me chame de princesa," falei. "E você não pode saber o que eu conseguiria ou não fazer sem me contar qual é o problema."
Ele se virou para me olhar. "Tem certas coisas que eu não posso contar, coisas que aconteceram durante missões militares."
"Não precisa me explicar o que causou sua dor, só como ela é."
Ele respirou fundo, claramente não gostando de ter que me contar. Mas eu sabia meus planos e sabia que era para o bem dele.
"Eu sofri um acidente," ele começou. "Nada grave. Pelo menos, não comigo. E acabei machucando meu ombro. Mas já fiz a cirurgia que podia e já tive meses de fisioterapia. O que podia ajudar já ajudou."
"Mas você ainda tem dor?" Me lembrei na hora do dia anterior e o quanto parecia insuportável para ele.
"Mais ou menos," disse, dando de ombros.
"Dane," mesmo sabendo que estava chamando-o pelo nome, achava necessário. Outra coisa que era indispensável era meu tom, que o obrigou a encontrar meus olhos. "Dói muito?"
Ele trancou os dentes e concordou com a cabeça. Por um segundo, achava que ele estava lacrimejando, mas era claramente coisa da minha cabeça.
Deixei minha mão escorregar pelo braço dele, sentindo o tecido de seu terno. "É esse daqui?" Perguntei.
"É."
"O que você não consegue fazer por causa disso?"
Ele bufou uma risada. "Eu não consigo dirigir o próprio helicóptero que consegui para um encontro com você," ele disse, parecendo ter toda a intenção de deixar aquilo escapar.
"O que mais?" Mantive meu tom sério, apesar de querer sorrir só pelos planos dele para a gente.
"Ultimamente, tudo," ele admitiu, esfregando a testa com sua outra mão. "Não que eu não consiga fazer as coisas," correu para se explicar. "Mas as mais simples estão ficando cada vez mais difíceis."
"Entendo."
"Eu sei que isso não é o que você gostaria de ouvir," ele pareceu ansioso quando continuou. "E se decidir me eliminar, eu entenderia. Ninguém gostaria de um rei assim."
"Não fale bobagens," praticamente ordei, o assustando. "Eu nunca te eliminaria só por isso. O que eu quero fazer é bem o contrário. Quero poder te ajudar."
"Como? Eu já tive todos os médicos que poderiam me ajudar."
"Nem todos," garanti. "Quando meu pai teve um problema no joelho, todos os médicos lhe falaram que ele nunca poderia caminhar do mesmo jeito outra vez. Que ele teria que diminuir os passos que dava durante o dia, que precisaria de uma cadeira de rodas para conseguir ir de um lado ao outro do castelo todos os dias."
"Nossa."
"Exato," na hora, me lembrei de como aquela história não era exatamente pública. "Como suas missões, isso é algo que não pode ser espalhado," falei, e ele concordou com a cabeça. "Mas o que importa é que ele encontrou o único médico que lhe garantiu que isso não existia, que sua recuperação só dependia dele mesmo. E, com bem menos tempo do que os outros tinham previsto, ele se recuperou à sua forma perfeita. E eu quero trazer esse médico aqui para ajudar você."
"Não acredito que fará muita diferença-"
"Não peço que acredite," minha mão procurou a dele e lhe deu um aperto. "Só peço que me deixe trazê-lo, que tente escutá-lo, que não desista ainda de melhorar."
Ele abriu a boca, parecendo respirar pela primeira vez há muito tempo. "Não," disse, por um segundo, me dando a impressão de que ia rejeitar a minha ideia. "Não desisti ainda," completou.
Eu sorri, satisfeita. "Ótimo," falei, voltando a passar meu braço pelo dele e o indicando para continuar caminhando comigo até o jardim. "Porque eu já liguei para ele e seu avião pousa amanhã de manhã."


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Notas finais do capítulo

Link do vestido: http://ffw.com.br/app/uploads/desfiles/2015/01/valentino-pre-fall-2015-fotos-97.jpg

Tenho más notícias, meninas. Eu comprei um computador há exatamente dez dias atrás. E, desde o primeiro dia, ele estava dando problema. E hoje eu finalmente entendi o que era (depois de ele se recusar a ligar umas mil vezes seguidas). O HD dele está zuado. Veio zuado de fábrica. E vai demorar umas duas semanas para o novo chegar e o técnico vir arrumar.
Eu consigo escrever do computador da minha mãe, ou o do meu pai. Eu me viro. Vou fazer meu melhor para não dar nem pra perceber que eu estou tendo problemas. Mas se eu desaparecer daqui, mas continuar no Facebook e no Whatsapp, é por isso!
Espero que entendam!



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