Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 88
Capítulo 88: POV Margaret Degrasse


Notas iniciais do capítulo

Escrevi a primeira parte ouvindo "Burn" da Ellie Goulding e a segunda ouvindo "Stop Right There" da Lily Allen.



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Aquela tinha que ser a melhor festa que já tinha acontecido no castelo. Mesmo com todos os aniversário e todas as comemorações que a família real illéana já tinha celebrado, nenhuma tinha sido tão descontraída, tão livre quanto essa. Ninguém ali parecia da realeza, seria impossível descobrir quem era da criadagem. Ninguém sabia onde estava a Princesa Lola e ninguém parecia se importar. Todo mundo falava com todo mundo, ninguém parava para se preocupar com porquê estávamos ali. Até mesmo a mais comportada das criadas dançava sem parar. Precisaria me lembrar de ir falar com ela depois e dizer que era bem daquilo que eu sempre insistia que ela precisava. Carol realmente merecia aquele descanso e olhos daquele selecionado nela pelo tempo que durasse.
Madison era outra que eu não conseguia encontrar. Não éramos exatamente amigas, mas ela era uma das pessoas que eu via todos os dias. Era natural que eu me importasse com ela, ainda mais depois de um dos selecionados entrar todo bravo e fazer todo mundo comentar sobre ele. Isso, porque ele era bem o cara que eu tinha visto com ela.
Mas eu não sabia de nada. Absolutamente nada. E não ia acreditar no que estavam falando. Para alguns, a fofoca só deixava a festa ainda mais interessante. Mas, para mim, era a única coisa que ameaçava estragar tudo. Preferia não ouvir o que diziam e me concentrar na música.
Abri os braços, dançando, tentando focar na letra e não nas duas princesas perto de mim, que discutiam sobre o que poderia ter acontecido com Dylan. Mas não estava funcionando como eu tinha planejado, o que me forçou a ter que dançar um pouco mais, fechar os olhos e me imaginar como se praticamente gravasse o clipe para a música.
Até que meu braço bateu em alguém. Aquele seria o momento em que o diretor gritaria 'Corta!' e todos nós começaríamos de novo.
Me encolhi de vergonha, já colecionando na minha cabeça as mil palavras de perdão que eu jogaria para cima de quem quer que fosse.
Mas era Dane. E só de olhar para ele, eu já esqueci de todas as palavras que conhecia.
"Margaret," ele disse, abrindo um sorriso com sua intenção de me fazer corrigi-lo.
Eu só lhe retribuí o sorriso, dessa vez nem tentando demonstrar o quanto odiava que minha mãe tivesse escolhido o nome mais velho do universo para a sua filha.
Mirei o chão, torcendo para que um buraco se abrisse e me engolisse. Não, eu não tinha só passado a maior vergonha torcendo para ele na frente de todos. Eu ainda tinha sido vista por ele, dançando de braços abertos e olhos fechados. E nem tinha bebido um gole de álcool.
"Desculpa," pedi, sentindo minha vergonha subir queimando pelas minhas costas. Não consegui evitar de imaginar o que poderia ter passado pela cabeça dele me assistindo e aquele pensamento me embrulhou o estômago.
"Na verdade," ele começou, "eu que queria te pedir desculpas."
Olhei para ele por um segundo, logo desviando para mirar as princesas que ainda estavam do nosso lado.
"Como é?" Perguntei, fazendo uma careta que só poderia demonstrar que eu não tinha entendido.
Ele ainda estava confiante, como se tivesse planejado tudo que diria. Não segurava nada, tinha suas mãos enfiadas nos bolsos da bermuda que eu mesma tinha feito para ele.
"Vem aqui," disse, tirando uma só das mãos para colocá-la em meu ombro e me puxar para o canto.
Eu o acompanhei, mas parei quando ele abriu um dos buracos da tenda. Ia perguntar porque ele queria sair, mas só a ideia de não ter que passar por qualquer conversa com ele na frente de todo mundo já me animava.
Saí antes que pudesse abrir a boca e estragar tudo. E não pude evitar de praticamente cruzar os braços, como se me abraçasse. Se ele perguntasse, decidi, diria que tinha frio.
Assim que ele passou também para o outro lado do jardim e soltou o tecido da tenda, eu percebi o quanto estava escuro ali sem a luz da festa. Poderia jurar que ele também não tinha pensado naquilo, pois olhou à nossa volta, um tanto curioso.
Eu acompanhei seu olhar, só porque não tinha ideia do que fazer.
"Está frio aqui, né?" Eu também não tinha ideia do que falar.
Ele me mirou, o que eu pude perceber só pelo canto dos olhos.
"Margaret, eu queria te pedir desculpas," ele falou outra vez, dessa vez não me deixando brecha alguma para me fingir de tonta.
"O que você poderia ter para se desculpar?" Dei com um ombro só.
Ele ficou em silêncio por dois segundos, deixando só o som da sua respiração entre nós. E, quando falou, tinha um tom que me impedia de olhar para qualquer lugar a não ser ele. Era como se pensasse em voz alta, ou lesse algum diário, ou estivesse, pela primeira vez na vida, se entendendo.
"Preciso me desculpar por ter pensado em desistir," ele disse, olhando para a noite atrás de mim, enquanto eu mirava seus olhos. "Na verdade, eu fiz mais do que pensar," ele continuou. "Não tenho ideia se você sabia disso, se pode ler mentes," nessa hora, ele fez questão de me olhar, mas desviou os olhos logo em seguida, "mas você apareceu em boa hora."
"Apareci?" Minha boca babuciou sem minha permissão.
"Na hora exata em que eu estava para desistir," ele continuou, quase sem perceber minha interrupção. "Se eu não tivesse ouvido sua voz, eu teria saído no meio dos jogos."
"Ah," finalmente eu tinha entendido do que ele estava falando. Minha mente idiota tinha se deixado levar por cada palavra de duplo sentido e encaixado-as no que eu queria ouvir. Mas, fácil assim, agora eu sabia do que ele estava falando e podia corrigi-lo. "Eram só jogos tontos," falei, dispensando-os com um gesto de mão.
"Não," Dane estava sério. "Quer dizer, talvez sejam. Mas o que você fez não foi tonto."
"Eu não fiz nada," estava praticamente cochichando.
Ele deu um passo firme em minha direção. "Você fez tudo," disse, me mirando como se quisesse forçar as palavras a entrarem na minha cabeça. "Você me deu forças para continuar. E mesmo que sejam jogos tontos," ele correu para acrescentar, quando eu abri minha boca, "se eu não conseguisse levá-los até o final, o que eu conseguiria?"
Deixei meus olhos buscarem o chão, sem saber como responder. E o silêncio que se instalou entre nós só deixava ainda mais altas as batidas do meu coração, que Dane insistia em acelarar. Ele deu outro mínimo passo à frente, chegando mais perto de mim. Eu já estava ficando mais nervosa só por isso, mas praticamente senti meu estômago despencar quando ele levou uma mão ao meu queixo e levantou meu rosto, me forçando a encará-lo. Nem consegui me manter de braços cruzados, já não tinha forças para isso.
"Às vezes a gente só precisa de alguém que acredita em nosso potencial cegamente para conseguir continuar," ele disse.
Engoli a seco, sentindo cada vez que respirava ameaçar ser a minha última. Ele me mirou e sorriu, mas era um sorriso cansado, que o fez tirar sua mão do meu queixo e baixar os olhos para o chão outra vez.
"O que você precisa continuar?" Perguntei, mas até eu não consegui entender do que estava falando. "O que te impede de continuar, quer dizer?"
Ele respirou fundo, se preparando para me contar. Mas, quando eu achava que ia falar alguma coisa, ele só levou uma das mãos ao ombro, acompanhando com os dedos o caminho de uma enorme cicatriz que ele tinha lá.
"Tá, mas qual o problema?" Insisti e ele sorriu.
Mas outra vez não era um sorriso normal. Não era só cansado, era quase como se ele estivesse cansado de mim, de me explicar as coisas.
"Tudo," respondeu, fazendo cara de quem tinha preguiça de explicar. Mas essa expressão durou pouco em seu rosto, sendo rapidamente substituída por uma de tristeza pura e suprimida. "Por isso que eu precisava te agradecer," continuou, voltando a me mirar e a tentar sorrir o mais verdadeiramente possível. "Eu não posso desistir de tudo. E você fez uma diferença enorme para mim."
Senti minhas pernas amolecerem, mas não me atrevi a pensar por mais de um segundo que aquilo também poderia ter um duplo sentido. Ele só estava falando dele mesmo, dos problemas dele. E, por mais que me desse vontade de cuidar dele e fazer tudo na sua vida voltar a brilhar como em um desenho animado, eu não era nada dele. E ele não era nada meu. E eu nem deveria ser a pessoa que o impedia de querer desistir.
Ia explicar que não tinha problemas, que ele conseguiria o que quer que quisesse. Mas fui interrompida. E nem precisei ouvir a voz de Marlee Woodwork para saber disso. A luz que veio da tenda foi o suficiente. Quando levantei o rosto, já olhava na sua direção.
"Margaret, preciso de você," ela disse, olhando de mim para Dane.
"A gente se fala então. E obrigado outra vez," ele assentiu com a cabeça na minha direção, depois sorriu para ela e entrou na festa.
Eu ia o seguindo, mas ela me empurrou para fora outra vez, vindo comigo.
"Pelo amor de deus, me diga que não tem absolutamente nada acontecendo entre você e aquele selecionado," ela falou tão rápido e direto, que eu senti como se todos os pensamentos que eu já tinha tido na minha vida em relação a Dane estivessem expostos, escritos em meus braços.
Mas os poucos segundos em que eu fiquei em silêncio, os quais tive que passar com seus olhos de águia me observando e analisando minha reação, foram o suficiente para eu entender que podia mentir. Eu podia mentir. Podia simplesmente falar que não tinha nada entre nós.
E nem seria mentira, percebi a tempo. Todas as vezes em que tínhamos estado juntos tinha sido na minha cabeça. E ela poderia contar com a minha saniedade de bloquear cada pensamento assim que brotavam.
"Margaret!" Ela me chamou, forte e já bem irritada.
"Não tem nada entre nós!" Respondi. "Eu não seria louca. E ele nem está interessado."
Não é? Ele nunca estaria. Ele tinha uma princesa. A princesa. Para ele. E quem era eu? Eu não era ninguém. E nem queria ser alguém.
Por sorte, não falei nada disso em voz alta, mesmo que minhas bochechas estivessem pegando fogo, arriscando me denunciar.
Marlee me observou por um tempo, esperando ver alguma coisa na minha expressão que provasse que eu estava mentindo. Mas deve ter acreditado, pois não falou mais nada. E só me fez andar no jardim escuro até encontrarmos uma porta lateral para o castelo e seguirmos até o ateliê.
Tinha imaginado mil cenários e mil razões que a faria me levar até lá. Tinha pensado até que ela quisesse que eu consertasse alguma coisa. Seria bem típico de todos no castelo chamar logo a mim quando alguma coisa estragava. Quer dizer, alguma roupa.
Mas logo que estávamos chegando, ela me explicou o porquê daquele desvio da festa. Era verdade. Tudo que eu tinha ouvido, todos os rumores sobre Madison e o selecionado irritado. Tudo aquilo que as princesas tinham tentado falar o mais baixo possível, mas que ainda tinha conseguido chegar aos meus ouvidos. Madison tinha sido pega com o selecionado. Dylan, se eu não me enganava. O mais alto, mais forte, o que nos tinha obrigado a reformar cada um dos seus ternos e até refazer um do zero. O cara que eu tinha encontrado com ela no ateliê.
E, pior de tudo, ninguém conseguia encontrar a princesa. Ele estava puto da vida, como tinha demonstrado para todos que estivesse na festa e quisessem ver. Mas Madison estava pior. Marlee disse que ela tinha batido portas, derrubado manequins e que chorava incontrolavelmente. Disse ainda que não conseguia nem falar direito, mal respirava. Estava do outro lado da porta do ateliê, a imaginando jogada no chão, quando Marlee bateu.
O que nós encontramos quando entramos não era uma Madison despedaçada. Pelo contrário, ela estava sentada em sua mesa, todos os manequins de pé e seu caderno à sua frente. Até chamaria Marlee de mentirosa, mas, quando chegamos mais perto, pude ver em seu rosto o rastro do seu choro. Suas bochechas estavam vermelhas, mas não do jeito que as minhas ficavam a cada dois mintuos. Elas pareciam quase em carne viva, destoando completamente da expressão calma e serena que habitava seu rosto.
"Madison?" Chamei, fazendo-a levantar a sobrancelha numa tentativa de me avisar que estava ouvindo sem ter que desviar os olhos do caderno em que escrevia. "Está tudo bem?"
Ela bufou uma risada, que mais parecia um engasgo. "Tudo ótimo," ela disse. "Eu acabei de perder meu emprego por um cara que nem lembra meu nome," ela parou por um segundo, de falar e de escrever. Depois continuou, seu sarcasmo intacto. "Mas está tudo ótimo."
"A princesa veio falar com você?" Marlee perguntou, puxando uma cadeira e se sentando do lado dela. Não tinha mais lugar nenhum para mim e eu tive que ficar de pé.
"Não," Madison admitiu, voltando a escrever em seu caderno. Eu percebi que ela escrevia o número de telefone e nome de todos os contatos que ela tinha em seu computador, que, lembrei na hora, pertencia ao castelo. "Mas não deve demorar. Ela provavelmente só está querendo se divertir na festa e lidar com isso mais tarde."
Seu nariz ainda apresentava vários rastros de choro, e ela o assoou quando escorreu.
"O que você quer que eu faça?" Perguntei, fazendo-a me mirar como se quisesse me bater.
"Não tem nada para fazer, já era, Maggie," disse.
Eu não merecia nada daquela raiva que estava tão claramente direcionada a mim. Mas sabia porque ela falava assim e não a culpava.
"Eu sei," falei, fazendo-a revirar os olhos. "O que eu posso fazer para te ajudar a sair daqui com o máximo de coisas que possam te conseguir outro emprego?"
Ela me mirou por alguns segundos em silêncio, metade tentando pensar, metade tentando me fazer pensar.
"Você pode continuar copiando para mim todos os contatos que a gente tem," ela disse, me empurrando o caderno e a caneta.
Marlee olhou dela para mim, que o aceitava e já o apoiava em um braço para escrever.
"Eu tenho uma ideia melhor," ela disse, fazendo com que nós duas a olhássemos. Sua expressão séria tinha sido substituída por uma esperançosa e até animada demais para uma situação como aquela. "Você quer ficar, Madison?"
Era uma pergunta idiota, mas Madison respondeu mesmo assim.
"Muito," disse, tendo que assoar o nariz rapidamente outra vez.
"Então prove," Marlee falou. E nós duas só franzimos nossas testas. "Mostre para a Princesa Lola porque você quer ficar. Mostre porque deve ficar. Coloque seu talento à prova. Crie algum vestido que seja tão incrível que ela não conseguiria te demitir."
"Em uma noite?" Perguntei.
"Em uma noite," Madison que respondeu, seus olhos já perdidos pelo ar, aceitando a ideia e já começando a imaginar o que faria e como faria. Mas ela se virou para mim, uma pergunta pairando entre nós, que ela não quis fazer em voz alta.
E nem precisava.
"Pode contar comigo."


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