Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 84
Capítulo 84: POV Alexander Dobrovisky


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Du" do Cro.



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Cada passo que eu dava agora poderia ser em falso. Nunca tinha sido a melhor pessoa do mundo para guardar segredos meus e mais uma vez eu tinha falado algo que não devia. Mal conhecia Elena, mas achava podia confiar que ela não tinha a intenção de me expulsar do castelo ou de me prejudicar. Meu problema não era que eu não acreditava em suas boas intenções, mas que talvez falar isso alto para alguém, quem quer que fosse, me colocaria um pouco mais perto de admitir para todos.
Eu contava os segundos e comemorava cada passo que eu dava sem ser descoberto, mas segurança era a última coisa que eu tinha dentro de mim. Eu pensava demais em Amelia, pensava demais durante as lições com a mãe dela, os jantares na frente da princesa, as noites em que eu deveria dormir sozinho, mas a imaginava do meu lado. E eu me deixava pensar, me deixava sentir sua presença mesmo quando estava do outro lado do cômodo. Ela vivia tão intensamente dentro da minha cabeça, que eu me apaixonava cada vez mais por ela, mesmo quando passava horas sem nem ter a chance de vê-la de relance.
E aquilo enchia minha mente de tal forma que, quando qualquer pessoa chegava perto de mim, para falar o que fosse, meu instinto era tentar colocá-la dentro da conversa. Elogiá-la, perguntar se a pessoa tinha tido a chance de conhecê-la, que deveriam, ela era alguém que realmente valia a pena de se ver. A cada vez que eu abria a boca, eu estava pronto para transformar o assunto nela. Mas sabia que não podia, então preferia nem falar nada, nem interagir muito com ninguém. Quanto mais queria contar o quanto ela era incrível, mais eu ficava sozinho. Me concentrava em meus bichinhos de madeira, colecionando-os nos meus bolsos e me perguntando quais nomes eles ganhariam em suas mãos.
E eu sabia bem o que as pessoas que me conheciam diriam. Peter, meu mentor, seria o primeiro a expor sua opinião, declarando que eu só estava sendo eu mesmo, mas que precisava ter mais cuidado. Ele tinha expressado seu medo de eu me apaixonar pela princesa rápido demais e não aguentar a pressão da seleção, tendo que vê-la com os outros selecionados enquanto já nutria algum sentimento por ela. Talvez rapidez fosse mesmo minha fraqueza, mas ele ficaria feliz de saber que a competição na qual eu estava era somente entre eu e minha falta de sorte de tê-la conhecido desse modo.
Eu sabia que me envolvia rápido demais, intensamente demais. Mas era tão raro encontrar alguém que realmente me fazia sentir como Amelia, que não conseguiria me censurar. Tinha plena consciência da minha posição naquela seleção e de todos os papéis que eu tinha assinado prometendo ser fiel à princesa. Mas Amelia me fazia querer acordar e torcer para vê-la, me fazia querer participar das aulas e das competições, só por mais uma chance de poder ser visto por ela. Como eu poderia ir contra algo que me fazia querer viver?
E mesmo me sentando do outro lado da festa, eu ainda só conseguia pensar nela. Sabia exatamente aonde ela estava e o que estava fazendo. Só a olhava com o canto do olho, não queria a intimidar. Mas era inevitável. Mesmo que quisesse me distrair com o que acontencia à minha volta, meus olhos a buscavam inevitavelmente.
E a perceberam quando ela se levantou do bar e foi até a mesa do correio elegante. Tolo como eu era, senti meu coração acelerar. Decidi que não podia ser por esperança, ela já tinha deixado bem claro para a melhor amiga dela que não estava interessada. Mas eu ainda podia senti-lo na minha garganta. Era medo, tinha certeza. Medo de que veria algo que eu realmente não queria. Medo de finalmente descobrir que a grande razão para ela ter negado ser minha dupla era porque ela já tinha alguém. E esse alguém estava ali, pronto para receber seu cartão.
Olhei para a mesa, me concentrando em sua toalha, nos pequenos detalhes. Não queria ver, nem queria pensar naquilo. Se ela estava disposta a escrever um cartão para outro cara, eu realmente não precisava ver. Não precisava daquela imagem na minha cabeça, nem queria aquele balde de água fria para me forçar a voltar à realidade.
Mas era impossível passar tempo demais sem tentar levantar o rosto para encontrá-la. E, quando finalmente me dei por vencido, aceitei o risco e a procurei pela festa. Ela estava sentada em uma mesa, sua mãe logo ao seu lado. Pude ver quando ela olhou rapidamente para seu cartão e depois levantou os olhos, quase encontrando os meus. Eu desviei o olhar antes que acontecesse, contando os segundos para tentar olhá-la de novo. Quando voltei a mirá-la, a mesa já estava vazia. E ela andava para fora da festa.
Nem pensei duas vezes, me levantei e comecei meu caminho até a mesa. Não achava que fosse encontrar nada ali, mas, a alguns passos de lá, avistei o cartão que ela devia ter pegado no correio elegante, deixado logo do lado de um dos pratos. Apressei meu passo, com medo de ser uma miragem ou de alguém o notar antes de eu chegar até ele. Passei minha mão por cima, o trazendo comigo, mas sem parar de andar.
Já a alguns metros dali, eu respirei fundo, com a intenção de me acalmar antes de ler. Tentei imaginar tudo que poderia estar escrito, para me preparar para o que tanto a mantinha afastada de mim, ou melhor, quem a mantinha afastada.
Mas ao olhar para o cartão, a única coisa que tinha escrito era um nome.
Meu nome. Alex. Em uma letra redonda e caprichada.
Senti meu corpo gelar.
Era para mim? Ela tinha mesmo ido até o corrieo elegante para escrever para mim? Era para mim que ela tinha escolhido aquele cartão? O que ela queria me dizer? O que estava planejando escrever? Era um cartão de correio elegante, um pequeno coração cortado em um dos cantos do retângulo arredondado. O propósito daquilo era tão claro, que sua mãe tinha praticamente nos ameaçado se não mandássemos todos pelo menos um para a princesa. E, ao invés disso, ela tinha estado planejando mandar um para mim?
Não passei mais nem um segundo naquela festa. Corri para fora da tenda, a procurando na piscina, nas arquibancadas, no resto de jardim que não estava ocupado pela festa. Estava bem escuro, só com algumas luzes esporádicas espalhadas. Mas eu a procurei o máximo que podia. E quanto mais rostos eu via que não eram o dela, mais nervoso eu ficava.
Eu precisava saber o que ela tinha para me falar. Nem se fosse algo idiota, nem se não estivesse perto daquilo que eu queria muito acreditar que era, ainda precisava ouvi-la falar. Precisava saber o que ela pensava de mim, o que eu era para ela, porque ela tinha escrito logo o meu nome naquele cartão. Porque, se existia a mínima possibilidade de ela sentir o que eu sentia, eu queria saber! Se existia a mínima possibilidade de ela pensar em mim do jeito que eu pensava nela, eu não precisaria de mais nada. Não precisaria ficar mais nem um segundo naquela seleção.
Corri pelo jardim, até entender que ela definitivamente não estava ali e entrar no castelo. Andei pelo corredor principal procurando nos que levavam até ele. Um atrás do outro, vazios, ou cheios de risadas que não pertenciam a ela. Fui até o final e nada. Subi as escadas de dois em dois degraus, deixando que a esperança acelerasse tudo dentro de mim. Tomei ainda mais velocidade quando cheguei no segundo andar e praticamente subia de três em três degraus quando resolvi ir pro terceiro.
Estava começando a achar que eu tinha me enganado. Ela devia ainda estar na festa e só eu que não percebi! Eu tinha sido idiota e perdido tempo demais indo atrás dela em um lugar aonde ela não estava! Eu era idiota. E se ela mudasse de ideia? E se já não quisesse mais me falar nada? E se tivesse perdido minha chance?
Estava no último degrau que levava ao terceiro andar, quando ela apareceu na minha frente. Foi tão repentino, que, no primeiro instante, achei que a estava imaginando. Mas então ela passou por mim, descendo as escadas, e seu vestido roçou pela minha mão, me trazendo de volta à realidade.
"Amelia," chamei, indo logo atrás dela.
"O que houve, Alex?" Ela perguntou, terminando as escadas e olhando para os dois lados. Será que era tão ruim ser vista comigo?
"Eu queria falar com você," pedi, correndo para a alcançar no segundo andar.
Ela parou e esperou que eu chegasse ao seu lado, se virando então relutante para mim.
Mas seu olhar em mim fez todas as palavras me fugirem. E o máximo que eu consegui fazer foi a encarar de volta.
"O que você precisa?" Ela perguntou, respirando fundo, seu olhar desanimado caindo até o chão.
"Eu-" comecei, tentando pensar na hora em algum jeito de começar. Mas o que eu diria? Que a tinha seguido e visto o cartão? Ou deveria simplesmente falar o que eu estava pensando?
Enfiei as mãos no bolso da calça, me ganhando tempo. E então senti a pequena coruja de madeira que tinha entalhado na noite passada.
"Eu queria lhe dar isso," falei, a tirando do bolso e segurando entre nós.
Ela olhou de mim para a coruja, suspirando, mas pegando-a de mim.
"Por que você faz isso, Alex?" Perguntou, quase retoricamente, balançando a cabeça. "Por que você tem que fazer isso?"
Sabia que ela estava perguntando dos bichos de madeira, sabia que ela queria saber porque aquilo não era uma coisa que só tinha acontecido uma vez.
Sabia disso. Mas assim que ela perguntou, senti as batidas do meu coração se intensificando como palavras que me subiam a garganta e me forçavam a falar o que eu queria. Senti meus ombros se levantando com a ansiedade e a urgência para soltar meus pensamentos em voz alta era tão grande, que não consegui segurar por mais nem um segundo.
"Porque eu gosto de você," falei, quase fraquejando no último segundo. Ela me mirou, olhos arregalados quase como se tivesse medo do que eu tinha acabado de dizer. Fiz questão de continuar antes que todo o meu nervosismo misturado em coragem desaparecesse. "Eu não consigo parar de pensar em você. E, mesmo se conseguisse, eu não quero parar," soltei uma risada engasgada, que pesou dentro de mim. Mas ela não se mexeu, no máximo mordeu o lábio, sem tirar seus olhos assustados de mim. "Eu adoro o jeito que você vê o mundo, como sente essa paixão enorme por coisas simples que passariam despercebidas por qualquer outra pessoa. Sei que estou na pior posição do mundo," engoli a seco quando ela mesma bufou uma risada, "mas eu me apaixonei por você."
Ela deixou seus olhos caírem no chão, mas sua cabeça balançou tão leve, que eu preferi acreditar que não estava mesmo acontecendo. Eu tinha mais para falar. Não sabia como, mas eu aquilo não era nem de longe tudo que eu sentia por ela.
Me estiquei para tentar pegar sua mão, mas ela não só a afastou de mim, como deu um passo para trás.
"Você não está apaixonado por mim," disse, quase como uma ordem.
O quê? O que eu tinha falado para ela não entender?
"Estou si-"
"Não, Alex!" Ela aumentou sua voz, me cortando. "Não está. E precisa parar de falar isso. Não tem como estar, você nem me conhece! E veio para cá para se casar com outra mulher!"
"Eu sei," falei, esfregando minha testa para tentar não perceber o quanto ela estava se afastando de mim. "Mas isso não importa-"
"Claro que importa!" Ela agora parecia realmente brava. "Você tem alguma ideia do que eu estou fazendo agora? Tem ideia do que está acontecendo nesse castelo?"
"Do que você tá falando? O que está acontecendo?"
Ela respirava fundo, estufando o peito e o esvaziando com vontade. Não parou de me observar, provavelmente pensando se deveria me contar ou não. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo no castelo e o que aquilo tinha a ver com a gente. Mas, não, para mim, não importava.
Ela acabou baixando os olhos e balançando de novo a cabeça. Eu precisava saber o que ela estava pensando, o que estava negando sem nem me falar em voz alta!
"Amelia, eu só-"
"Não adianta, Alex," ela disse, sua energia renovada quando voltou a me mirar. "Se você tivesse uma ideia do que estava falando, do que está arriscando..," ela deixou sua voz morrer, esfregando o rosto com as duas mãos. Quando eu fiz menção de me aproximar outra vez, ela se colocou em guarda "Isso é errado. Completamente errado e você precisa esquecer isso de vez."
"Esquecer você?"
"Sim," ela respondeu, engolindo a seco. "Você precisa me esquecer."
Fiquei esperando que falasse outra coisa, mas ela só me observou, franzindo suas sobrancelhas no meio da testa.
Ia dar outro passo em sua direção, mas não queria assustá-la. Respirei fundo, me recusando a ouvir o que ela tinha dito. Não, para mim aquilo não era errado. Ela que só não tinha me entendido.
"Eu sei que as circunstâncias que me trouxeram aqui não são das melhores," comecei, mas ela fez questão de me interromper com um só movimento.
Ela soltou os ombros, como se estivesse cansada e aquilo me quebrou. Eu a estava incomodando tanto assim? Era tão terrível ter que ouvir que eu me importava com ela?
Nem consegui continuar o que ia falar, mas, depois de alguns poucos segundos pensando, ela me mirou outra vez.
"Você assinou um contrato," disse, baixando bem sua voz, quase como se lhe faltassem forças para falar. "Como eu poderia confiar no que você diz se está declarando vontade de quebrar a primeira promessa que fez ao vir para cá? O que me prova que o que você disse é verdade? Se você não consegue manter um compromisso como o que lhe trouxe aqui, como quer que eu acredite no que diz sentir por mim?"
Eu não sabia respondê-la, não tinha nem ideia de onde começar. Entendia que tinha mesmo certo compromisso com a princesa, mas aquilo era diferente! Era simplesmente diferente! Eu sabia que não era a mesma coisa, só não conseguiria explicar, não quando ela me olhava impaciente.
"Não me arraste nisso, Alex, sendo que você nem sabe se está se preparando para nadar ou se afogar," ela continuou, mordendo seu lábio entre frases. "Você precisa esquecer qualquer sentimento que tenha inventado dentro de si e," ela respirou fundo uma última vez e então continuou, "e me deixar em paz."
Ela se virou devagar enquanto eu ficava imóvel com o que tinha acabado de ouvir. Quando me dei por mim, até tentei dar alguns passos com a intenção de segui-la, mas minhas próprias pernas desistiram por mim, parando logo em seguida.
Assim que me lembrei dele, enfiei minhas mãos de volta ao meu bolso, procurando o cartão onde ela tinha escrito meu nome.
Era isso que ela queria me falar. Para eu deixá-la em paz. E eu me odiava por ter corrido atrás dela para ouvir logo isso.


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