Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 83
Capítulo 83: POV Amelia Woodwork


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Things I'll Never Say" da Avril Lavigne. Haha, sim, digno.



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Eu não deveria ter escolhido Geografia. Deveria ter estudado Psicologia. Lembro-me bem de quando eu e Elena estávamos terminando o colegial e ela me enchia o saco para fazermos o mesmo curso, na mesma cidade e dividirmos dormitórios. Não poderia esquecer, ela tinha feito várias listas sobre cursos que nós duas gostaríamos de estudar. E, no fim, acabamos escolhendo dois diferentes.
Mas eu deveria tê-la deixado me convencer de verdade a fazer Psicologia. Quem sabe agora eu entendesse qual era meu problema e o resolvesse rapidamente. Eu nem poderia perguntar para ela, tinha que descobrir sozinha. Sabia que admitir poderia me ajudar a resolvê-lo, mas a última coisa que eu conseguiria fazer era falar aquilo em voz alta. Ainda estava na fase de negar o problema e torcer para que ele desaparecesse sozinho.
Mas definitivamente tinha alguma coisa errada comigo. Nunca tinha sido muito de sentimentos, insisti minha vida inteira em fatos. Durante minha adolescência, declarava para quem quisesse ouvir que eu não era daquelas que ficavam loucas e bestas quando se apaixonavam. Aliás, eu nem me apaixonava. Mas tinha a certeza absoluta de que me manteria sã e esperta se acontecesse. E, mesmo depois de crescer, eu continuava com essa teoria firme dentro de mim. Claro, já achava desnecessário sair contando isso para todo mundo. Mas era a ela que eu me apegava todos os dias.
E agora essa teoria estava sendo ameaçada. E eu simplesmente não conseguia entender porquê! Levando os fatos em consideração, aquilo era impossível. Eu sabia muito bem - bem até demais - todas as razões para eu nem lembrar que Alex existia. Ele era só um cara, um cara qualquer, que eu tinha encontrado na festa. Um oi aqui, uma conversa ali, só isso. Nada mais. Já tinha passado meses morando com outros muito legais e nunca tinha tido problema algum.
Mas ele era diferente. Irritante e diferente. Eu simplesmente não conseguia me esquecer dele. Podia passar dias repetindo as mil razões para eu ter que esquecer de sua existência. Como, por exemplo, o simples fato de ele ter ido para o castelo para competir pela posição de marido de uma princesa, não só muito bonita, como muito legal.
Eu nem precisava de mais nada, aquilo era o suficiente. Aquilo era grande o suficiente.
Minha mãe tinha estado praticamente na mesma posição que ele. E ela tinha escolhido se apaixonar por alguém que não era o príncipe. Como Maxon a deixava morar ainda no castelo com toda a sua família, eu não tinha ideia. Mas eu não poderia nem usá-la como comparação. Esse era o tipo de coisa que acontecia uma vez em um milhão. E mesmo que eu quisesse muito ser essa uma, eu nunca me deixaria acreditar em algo tão improvável. Um raio nunca cairia duas vezes no mesmo lugar, não era isso que falavam? Minha mãe já devia ter roubado toda a sorte da família para ela.
E mesmo se ela não tivesse, mesmo se eu ainda pudesse me arriscar, eu não queria! Eu não queria, não queria, não queria! Eu realmente precisava esquecê-lo. Precisava voltar a colocá-lo exatamente aonde ele pertencia, na categoria de caras tão impossíveis que eu nem me deixaria fantasiar por um segundo.
Eu definitivamente deveria ter escolhido Psicologia. Ou poderia simplesmente ir até o quarto de Elena e procurar para saber se tinha alguma coisa falando de meninas que, quanto mais soubessem que não deveriam pensar em alguém, mais pensariam. Não queria ser um cliché, mas até enquanto eu tentava dançar com Elena na pista de dança da melhor festa que o castelo real de Illéa já teve em muito tempo, eu ainda só conseguia pensar nele. Se ele estava me observando, o que ele tinha pensado de mim, da minha roupa. Se eu estava dançando muito feio, se estava sendo ridícula, se tinha alguma coisa que eu tinha feito ou falado que ele veria e escutaria e desaprovaria. E a cada pensamento errado desses, a cada vez em que eu percebia que estava me importando mais do que qualquer pessoa sã se importaria, eu me mandava calar a boca.
Mas funcionava? Não. Em menos de meio segundo eu fazia outra coisa e me perguntava se ele estava me vendo ou pensando em mim, aonde ele estivesse.
Eu sempre sabia exatamente aonde ele estava. Involuntariamente, eu o procurava em todos os lugares assim que entrava. Me reprimia depois, mas ainda guardava sua presença como uma luz vermelha que atraía meus olhos em sua direção de tempos em tempos e queimava na minha mente mesmo quando eu não estava olhando para ela.
Era insuportável! Eu só queria poder me fazer entender que aquilo era inútil! E que era loucura! E que eu simplesmente não iria deixar aquilo ir adiante mais nem um pouco.
"Elena, vou buscar alguma coisa para beber, okay?" Falei, parando de dançar um pouco.
Ela só concordou com a cabeça, mas estava ocupada com Davi e não fez questão de me seguir. Eu não queria ir sozinha, preferia que ela tivesse se oferecido para me fazer companhia. Mas não faria tanta diferença. Eu ainda imaginaria Alex me acompanhando com os olhos no meu caminho até o bar.
Assim que cheguei, pedi uma limonada grande e bem gelada. Me sentei no banco e fiz questão de olhar para o barman e tentar me distrair.
Mas o fundo do bar era espelhado e acabei encontrando o reflexo de Alex, bem afastado de mim. Mal conseguia ver muito dele, mas ele tinha um jeito que era inegável. Mesmo que eu só visse suas pernas, já reconheceria seu andar.
Ele tinha um jeito desengonçado. Quando usava terno era até um pouco engraçado. Conseguia imaginá-lo na universidade onde trabalhava, usando calça social e sweater, para combinar com a modéstia dele. Ele parecia ser do tipo que nem sabia o charme que tinha. Podia apostar que várias de suas alunas eram apaixonadas por ele, pelo seu jeito desastrado e nada estudado. Era impossível não perceber o quanto aquilo era graça. E impossivel não perceber o quanto ele era bonito ali, enquanto usava nada além de uma bermuda.
Mas eu não pensaria naquilo, decidi, dando o primeiro gole na minha limonada. Eu esqueceria daquele jeito dele, que só estava ali para conquistar a princesa. Eu sabia que eu não era nada para ele, nada além de distração. E conhecia homens o suficiente para não acreditar que aquela pouca atenção que ele tinha me oferecido significava alguma coisa. Eu era um estepe. E mantinha a minha decisão de querer só quem fosse louco por mim, que fosse atrás de mim, não que participasse de competições para outras garotas.
Mesmo que o meu lembrete para aquilo fosse logo Viola, a esquila que ele mesmo tinha talhado e me dado.
Estava mesmo mais concentrada na minha limonada, que bebia toda vez que meus olhos insistiam em olhar na direção dele. Mas era difícil não me lembrar de quando ele tinha me chamado para ser a dupla dele.
E foi chato ter que falar não para ele. De qualquer jeito, eu preferiria assistir da arquibancada. Mas mesmo assim, ter aquela posição oferecida para mim e recusá-la tão descaradamente foi terrível. Eu tinha dado a desculpa de que era ruim, e ele fez questão de me falar que não queria ganhar, que estava procurando alguém para ajudá-lo a perder.
Mas aquilo era o que ele falava para mim. Duvidava que ele repetiria aquilo para a princesa. E era isso que eu queria, alguém disposto a desistir de tudo por mim. Não ia aceitar migalhas ou metade de uma afeição. E acabei deixando bem claro para ele que eu não participaria dos Jogos Aquáticos.
Como eu poderia imaginar que ele iria atrás logo da Elena depois? Aquilo não deixava tudo mais fácil. Tinha sido impossível assistir cada modalidade sem olhar para a minha melhor amiga. E a culpa não era minha que ele era a sua dupla, que ele estava do lado dela, puxando a corda do cabo de guerra sem camisa. No meio da multidão, eu tinha até me deixado ser fraca por alguns minutos. Me deixado olhar para ele de verdade, me encolhendo no meu lugar e jurando para mim mesma que aquilo não mudaria nada, que era sã o suficiente para não me deixar afetar por ele sem camisa.
Mas não funcionou tão bem. E agora eu sabia que estava enlouquecendo. Procuraria ajuda, nem que fosse nos livros da Elena. Alguma coisa estava errada e eu precisava parar de querer aquilo só porque não podia ter.
E a primeira parte seria parar de olhar para Alex. Parar de uma vez. Não me importava se ele tinha ido se sentar em uma mesa sozinho, se parecia desanimado e para baixo. Definitvamente não me importava nem um pouco que ele parecia tão infeliz.
Tá, me importava um pouco. Mas eu era humana! Eu não gostava de ver ninguém triste. E, por mais que eu soubesse bem das várias razões para eu nem me deixar me aproximar dele, não podia negar que ele era um cara bom de coração. Era o tipo de coisa que qualquer pessoa podia ver em seus olhos. Eles tinham aquele olhar bondoso que dava vontade de abraçá-lo depois de cinco segundos olhando para ele. E vê-lo triste daquele jeito era de partir o coração.
Tinha outra coisa naquela festa que brilhava incansavelmente na minha cabeça - e que eu estava tentando ignorar o máximo possível: o correio elegante. Na hora em que eu o vi, sabia que precisava me manter o mais longe possível de lá. Pessoas com problemas como o meu não deveriam chegar perto de álcool (grande razão para ter escolhido limonada) e nem poderiam chegar perto do correio elegante. Eu não era louca. Pelo menos não completamente. Forçava meus pés a ficarem no chão, mas tinha pelo menos algum sucesso. Escrever um cartão seria exatamente como contar para Elena que alguma coisa me incomodava. E eu já tinha decidido que aquilo era algo que eu nunca faria.
Mas eu não precisava necessariamente escrever um cartão romântico. Poderia só falar para ele se animar, algo assim. Poderia falar que ele ficava ainda mais bonito sorrindo. Ou só falar que ele parecia ser um cara legal.
Argh, aquilo era idiota. E, mesmo sem pensar direito, eu tinha me levantado e ido até a mesa aonde os vários cartões em branco estavam espalhados. Não tinha um só ali que não era romântico. Eles ou eram em formato de coração, ou tinham algum desenho em um canto, senão bem grande e bem no meio. Peguei o menos pior, por mais que soubesse que aquela minha ideia era péssima. Ele era retangular e pequeno, simples. O máximo que tinha era o recorte de um coração no canto.
Peguei uma caneta e fui me sentar na mesa mais perto que estava vazia.
Aquilo realmente era idiota. O que eu escreveria? 'Não fique triste'? 'Sorria'? 'Eu sou uma idiota que deveria nunca ter pegado aquela droga de cartão'?
Comecei com o nome dele. Alex. Vírgula.
O que mais?
"Amelia?" A voz da minha mãe me fez dar um salto, puxando o cartão para o mais longe possível dela.
"Mãe!" Exclamei, alto demais.
"O que você está fazendo na mesa da família da America?" Ela perguntou, olhando em volta.
Eu mesma deixei meus olhos caírem na plaquinha que estava bem na frente de onde eu apoiava meu cartão. Kenna.
Me levantei na hora. "Desculpa, foi a primeira que eu vi," disse.
Ela fez um gesto no ar, dispensando aquilo. "Não importa, agora eu preciso da sua ajuda."
Joguei minha cabeça para trás na hora. "De novo, mãe?" Assim que ouvi minha própria voz, percebi como estava sendo mimada. Queria me reprimir, mas a verdade era que eu estava mesmo cansada dos favores da minha mãe. Ela me obrigava a carregar os selecionados daqui pra lá, de lá pra cá e aquela era uma aproximação de Alex mais do que desnecessária.
"Sim, de novo, Amelia," ela disse, quase brava. Olhou em volta rapidamente e depois voltou e me mirar, baixando a voz quando falou outra vez. "Aconteceu uma coisa séria," ela engoliu, parecendo pensar se devia me contar ou não. Depois continuou. "Madison Hunter foi vista com um selecionado."
Eu não precisava de outras palavras, já sentia o chão fugindo dos meus pés. Mal conhecia Madison, mal tinha a visto na minha vida. Mas era como se minha mãe tivesse ouvido todos meus pensamentos, soubesse do que tanto me assombrava e tivesse inventado a história perfeita para me dissuadir deles.
"Por quem?" Perguntei, na hora imaginando tudo como o que tinha acontecido com minha mãe mesmo. "Qual deles?"
Ela olhou para baixo, respirou fundo, tudo me indicando que eu estava certa, tinha sido uma câmera que os tinha encontrado.
Mas quando ela voltou a me olhar, ela falou algo bem diferente. "Pela Princesa Lola," ela disse e eu senti minha pernas fraquejarem, me obrigando a sentar de volta. "E Dylan Stroud," completou, me dando uma mínima pontada de alívio, que desapareceu rapidamente.
Sem perceber, meu coração tinha acelerado. Eu não sabia para quê tanta compaixão, não tinha porque eu ficar tão abalada. Mas era impossível, era como se pudesse ver meu futuro bem à frente, e ter alguém me salvando no último segundo. Era quase como um sonho, impreciso e confuso, mas que pesava dentro de mim de um jeito dolorosamente real.
"Amelia, preciso que você vá procurar a princesa," minha mãe continuou, me fazendo olhar para ela. "Ninguém consegue encontrá-la. Imagino que ela não vá se esconder de você, como deve estar fazendo com os guardas."
"Mas e você?" Quis saber.
"Eu vou tentar acalmar Madison," disse. "Ela não está nada bem e America insistiu que eu conversasse com ela."
Por ela já ter passado por aquilo, pensei comigo mesma. Era o que eu faria, pelo menos, mandar logo minha mãe falar sobre isso com ela.
"Você pode me ajudar?" Ela perguntou.
Meus olhos caíram na mesa, encontrando meu cartão e 'Alex' escrito na minha letra terrível. "Claro," falei, me levantando. "Mas o que direi para a princesa quando a encontrar?"
"Que todos nesse castelo estão do lado dela," minha mãe falou, se forçando a sorrir o máximo possível. "Que é decisão dela sobre o que vai acontecer com eles. E que se ela precisar de alguma coisa, estamos aqui. Mas, principalmente, só queremos saber que ela ainda está no castelo e que está bem."
"Entendi," falei, retribuindo o sorriso logo antes de ela dar meia volta e ir fazer o que tivesse que fazer.
Dei uma última olhada na direção de Alex, finalmente sentindo que, de um jeito ou de outro, eu tinha conseguido o mais perto de cura para o meu problema que eu jamais iria encontrar.


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