Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 82
Capítulo 82: POV William Owens


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Kissin' U" da Miranda Cosgrove.
Sim, bem diferente da última música que eu ouvi para escrever. Haha.



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"Minha parte preferida foi conhecer um lugar tão diferente do que eu já tinha visto," Príncipe Charles dizia, equilibrando seu copo, "e ainda assim ter plena consciência de que tudo ali era muito bonito."
"Veneza tem esse efeito nas pessoas," comentei. "É mesmo muito diferente de todas as cidades illéanas, mas não é um diferente que assusta. Não é bizarro."
"Não, exatamente!" Ele exclamou, animado por eu concordar. "Não é estranho, é interessante."
"E vocês conheceram outros lugares por lá?" Perguntei, enquanto ele tomava um gole da sua cerveja.
Nós estávamos bem no meio da festa. Era ele mesmo que tinha puxado conversa, já a direcionando à Itália, sabendo que meus pais eram de lá. Eu nunca tinha falado com ele assim antes, nada casual desse jeito. Já tinha conhecido a família real, mas só por apertos de mãos e jantares onde nossas mesas ficavam bem distantes uma da outra. Nada íntimo. Nada de eu me hospedar no castelo e ter conversas sobre turismo em Veneza. Mas estava gostando daquela casualidade dele.
"Nós começamos na França," ele começou a explicar, "depois fomos para a Itália e terminamos na Espanha," ele olhou em volta de nós, depois se aproximou de mim. "Não conte à Gabrielle, mas eu preferi a Itália!"
Ele riu de leve e eu o acompanhei. "Ela ficaria muito ofendida de não ter escolhido a França?"
"Levando em conta que visitamos sua cidade preferida no mundo inteiro, acredito que sim!" Seus olhos se perderam no chão, enquanto ele parecia ser invadido por lembranças.
"Vocês demoraram para sair de lua de mel, não?" Eu queria prolongar a conversa. "Lembro de falarem na época."
"Ah, sim," ele suspirou, cansado só de pensar. "Nós estávamos começando os planos de eliminar as castas cinco e quatro, então preferíamos não priorizar algo que poderia ser aproveitado em qualquer outra época."
"Sua Majestade será um ótimo rei," e, com essa frase, eu consegui tirar toda a casualidade da conversa.
Charles a absorveu com cuidado, assentindo enquanto isso. "Espero," disse, como se eu fosse só um amigo que o incentivava.
Não queria desviar tanto do assunto ou até mesmo perdê-lo. Sua presença ali era quase uma confirmação de que o passado de meu pai não assombraria a minha carreira durante o reinado de Charles. E aquilo era tudo que eu queria, poder construir minhas opiniões e cometer os meus erros e não ter que carregar bagagem dele, mesmo que tivesse aprendido com suas péssimas decisões. Queria começar do zero, livre para ser julgado pelo que eu faria, tanto de bom, quanto de ruim.
"Espero que tenham conseguido visitar Florença," falei depois de alguns segundos em silêncio. Charles até me olhou como se não entendesse do que eu falava, mas logo levantou as sobrancelhas e sorriu.
"Eu não perderia a chance de conhecer uma cidade tão importante e magnífica," disse. "Na verdade, Gabbie queria ir direto à Roma, mas eu fiz questão-"
Eu ainda ouvia o que ele dizia. Algo sobre as cúpulas, a arquitetura e a arte que estava para todos os lados em Florença. Mas meus olhos estavam desconectados dos meus ouvidos e foram distraídos pelos cabelos familiares que apareceram atrás de Charles.
Era Carol a uma boa distância de nós. Ela foi até o buffet, encheu um prato, se serviu de bebida, sempre dando espaço e a vez para quem quer que aparecesse do seu lado. E, quando tinha a chance de poder escolher o que comeria, ela se apressava. Quase como se não devesse estar ali. Ou se sentisse intrometendo.
Eu não a conhecia muito bem. Tinha tido poucas chances de falar com ela. Depois daquela festa, a tinha encontrado no jardim, no corredor e tinha a vez em que fui atrás de me desculpar. Mas já se somavam as horas em que tínhamos passado conversando. E podia jurar que a entendia bem.
Ela era o tipo de garota que não sabia bem como era. Ela se jurava como simples, invisível, insignificante. Ela nunca tomava nada, não deixava ninguém ficar sem algo que ela conseguia. Tinha muito orgulho de seu trabalho, pareceu se sentir ofendida quando eu perguntei porque as criadas precisavam sempre nos perguntar se podiam ajudar. Mas podia também apostar que ela se achava boa somente para isso, o que me deixava um pouco triste por ela. Carol não se enxergava direito, encobria todas suas qualidades como se não fossem mais do que sua obrigação. E se esforçava muito para que não percebessem seus defeitos polidos com treinamento e experiências que a faziam se sentir nada mais que uma criada. Ela tinha cultivado um amor por um cara que estava praticamente no seu nível, uma casta acima, mas nada mais. Ele comia, dormia e vivia no mesmo ambiente. E ela ainda assim achava que ele estava completamente fora de seu alcance. Tudo porque ela tinha decidido há muito tempo que não merecia nada que lhe fosse entregue, que só poderia aceitar o que ela criasse. Nem elogios ela gostava de receber, indo contra eles firmemente. Não por eles a deixarem tímida, mas porque ela realmente não conseguia acreditar. Nem nos menores que eu tinha lhe oferecido. Ela não acreditava em nenhum encorajamento a deixá-la livre para pensar, sentir e ser o que quisesse. E eu tinha uma vontade enorme de provar que ela estava errada.
"-queria que tivéssemos algo aqui assim," Charles dizia, quando eu voltei a mirá-lo.
"Algo assim?" Perguntei, tentando me lembrar do que exatamente ele falava.
Ele franziu as sobrancelhas, apesar de que escondia um sorriso. Devia ter percebido que eu não estava prestando atenção.
"Castelos," disse, me observando engolir a seco.
"Ah, mas não tem como comparar!" Continuei, como se estivesse na ponta da língua. "O castelo de Illéa é muito novo, enquanto os da Europa são bem antigos e passaram por épocas diferentes de arquitetura. Não dá para comparar."
"É verdade," ele concordou. "Por mais que o nosso país tenha mais de 700 anos, o castelo tem bem menos."
"Exatamente! No começo, não havia a necessidade de construir um lugar com esse! Aliás, a ideia do povo era bastante diferente. Eles queriam se libertar da monarquia."
"Charles!" Era a voz do Príncipe Sebastian, que se aproximou de nós, colocando um braço em volta do pescoço do seu irmão e olhou dele para mim. "Desculpa, interrompi alguma conversa importante?"
"Só estávamos falando sobre como chegaram a Illéa," Charles explicou. "Ou melhor, aos Estados Unidos, como éramos chamados bem no começo-"
Dessa vez, eu não precisava mais prestar tanta atenção à conversa, não estava deixando o futuro rei falando sozinho. Apesar de que minha intenção era conseguir criar uma certa relação com ele e que, de certo modo, conhecer seu irmão não fosse nada ruim, meus olhos se voltaram para Carol, ainda no buffet.
Ela estava tentando carregar seu prato e um copo, quando seu chapéu de praia caiu na cara. Ela parou de andar, tentando fazer movimentos com a cabeça que deveriam ajudar a levantá-lo e tirá-lo dos olhos. Mas não conseguiu, intensificando a força do movimento a cada vez. Até que ela o fez tão bruscamente, que quase seu prato inteiro foi para o chão.
Eu senti uma inclinação de ir até ela na hora. Se não desse para salvar alguma coisa, pelo menos dividir a vergonha de pegar a comida do chão. Mas antes que pudesse me mexer, um cara chegou até ela.
Loric, reconheci quando ele levantou o rosto para sorrir para ela, logo depois de pegar o prato antes que uma catástrofe acontecesse. Ela lhe devolveu o sorriso, nervosa. E então ele levou a mão ao chapéu dela, provavelmente com ela falando que aquele era o problema. Ele o levantou com cuidado, fazendo seu melhor para aproveitar e tirar seu cabelo da cara. Ela até perdeu o sorriso, só o observando.
Era difícil pensar que aquele era um cara que não conseguia vê-la de verdade. Ele tinha movimentos mais rápidos, como se nem pensasse naquilo. Conversou com ela enquanto ela estudava os seus, quase com medo de eles serem bruscos demais e ela deixar passar algo que não devia.
Ela deu de ombros e eu continuei os observando. Ele lhe ofereceu seu braço, ela o aceitou, relutante, o deixando levar seu prato para ela até a mesa que nós dividíamos com outras duplas. Cada olhar dela parecia apreensivo. Era o que eu esperava dela, como se ela tivesse medo de ser pega olhando para algo que não devia. Como se não tivesse o direito de gostar de quem quisesse.
E ele nem a percebia como devia. Ele só a deixou na mesa como se ela fosse só mais uma amiga, se distraiu com qualquer coisa e foi embora sem se sentar e criar a conversa que ela provavelmente já imaginava em sua cabeça. Ela o acompanhou com os olhos até que já tivesse sido o suficiente. Teve até que virar o rosto, mas não fez questão de esconder seu interesse quando já tinha voltado a se tornar invisível para ele.
Ele era idiota, isso eu já tinha entendido. Ele ajudava a criar aquela imagem dela na sua cabeça, ajudava a provar que ela realmente não ganharia sua atenção. E ela merecia sim. Ela era linda e tinha um coração enorme, o que ela fazia questão de esquecer pela falta de interesse que ele demonstrava. Ela não merecia aquilo. E ele definitivamente não a merecia.
"Com licença," pedi aos príncipes, o que eles me concederam rapidamente.
Bebi mais um gole da cerveja que segurava, enquanto começava meu caminho até ela. Ia perguntar o que ele tinha falado, talvez dizer que ele parecia gostar dela, pelo menos de longe. Mas ela não acreditaria em mim. Ela nem me ouviria.
Parei de andar ainda longe dela e me virei de costas. Não tinha o que eu fazer. Não estava muito ao meu alcance. Como conseguiria fazê-la entender que era bem mais do que imaginava se não estaria falando por mim mesmo?
Voltei a olhar para ela, que comia sem demonstrar qualquer desânimo, mesmo que eu apostasse que sentia. Ela desistiu do chapéu, o tirando e deixando ao seu lado na mesa, que estava vazia a não ser por ela. E então seu cachos caíram soltos nos seu olhos, a irritando sem que ela soubesse o quanto aquilo a deixava bonita.
Ela realmente merecia saber o quanto era linda. Mesmo que não soubesse quem tinha percebido.
Me virei de volta de costas para ela e de frente para a mesa de correio elegante. Olhei bem em volta antes de me aproximar. Peguei o mais simples de todos, para que ela também não ficasse tão curiosa para saber quem se importava tanto. E então comecei a pensar no que diria.
Precisava que ela soubesse que era linda, mas sem declarar nada que a fizesse ir atrás de Loric para perguntar. Ela provavelmente acharia que era dele. Ou pelo menos torceria para que fosse. Eu precisava ter certeza de que aquilo criaria dúvida, mas não o suficiente para ela investigar. Só mesmo para que se sentisse um pouco menos invisível.
Eu não era escritor. Ou editor, ou nada que trabalhasse com livros. Sempre os tinha reservado como hobby. Mas não pude evitar de me deixar ser pelo menos um pouco criativo ao escrever. Resolvi ser honesto, mas um pouco mais enfático do que o normal.
"Querida Carolyne," escrevi, tentando disfarçar o melhor que podia a minha letra, "a melhor parte do meu dia é poder te ver e perceber que você não sabe o quanto é bonita nas pequenas coisas que faz."
Li e reli mil vezes, me questionando se aquilo era mesmo o que eu devia mandar para ela. Mas era ótimo. Era verdade, eu gostava mesmo de ver como a beleza dela era mais forte do que sua insegurança. Mas também funcionaria perfeitamente para Loric, quem ela via todos os dias. E não teria jeito de ela ir até ele perguntar se era verdade. Ela simplesmente teria que acreditar.
Escrevi seu nome do outro lado e comecei meu caminho até lá, desviando só para passar pela menina que entregava os cartões e jogar dentro de sua cesta sem que ela percebesse.
"Olá," cheguei perto de Carol, puxando minha cadeira e sentando do seu lado.
Ela se apressou para tirar o chapéu da minha frente, o deixando na cadeira à sua direita. "Oi, Will," disse, cuidadosamente cortando sua melancia.
Quem cortava melancia com garfo e faca? Como podia ter tanto medo de se sujar?
Eu ia começar um assunto que não tivesse nada a vê, só para despistar qualquer envolvimento meu com o cartão que ela receberia. Mas antes de falar uma palavra, Dylan entrou na tenda do nosso lado, parecendo bem bravo, fazendo todos em volta o acompanhar com os olhos.
Ele foi direto ao bar, batendo forte na bancada para chamar a atenção do barman e o servi-lo.
"O que será que aconteceu?" Carol perguntou, também o observando.
"Vai saber, ele fica assim por qualquer coisa," respondi.
E logo a menina do correio elegante apareceu do nosso lado. "Carol!" Ela exclamou, toda feliz, quase fazendo-a dar um salto. "Alguém te mandou um cartã-ão," ela cantarolou, deixando-o do lado de seu prato. Ela praticamente saiu saltitando, depois de levantar as sobrancelhas duas vezes para Carol e rindo.
Carol só pareceu assustada. Ela olhou da menina para o cartão, depois de volta para a menina, que já se ocupava de outra pessoa. Devia estar querendo dizer que tinha alguma coisa errada, mas depois que pegou o cartão e viu seu nome, não poderia ter dúvidas.
"De quem é?" Perguntei, fingindo não me importar e focar só na minha cerveja.
"Não tenho ideia," disse, parecendo bastante atordoada. "Não está assinado."
"O que diz?" Insisti, apesar das palavras ainda estarem frescas na minha cabeça.
Quando ela não respondeu, me inclinei para ler, mas ela tirou o cartão o mais rápido possível de vista e o escondeu em um bolso qualquer.
"Nada demais," disse, voltando a se concentrar em sua melancia.
Talvez não tenha dado certo. Ela ainda lutava contra ela mesma para acreditar e preferia continuar ali do que se deixar sentir minimamente admirada. Por que era tão difícil para ela simplesmente aproveitar que alguém a olhava e gostava do que via? Por que não conseguia nem se deixar se sentir bonita? O que mais eu poderia fazer?
Me levantei em um impulso. "Carol?" Chamei, fazendo-a olhar para cima até encontrar meus olhos. "Dança comigo?"


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