Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 79
Capítulo 79: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Out of the Woods" da Taylor Swift.



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Assim que Alaric fechou a porta atrás dele, eu me deixei respirar. Fundo, o mais fundo possível. Para tentar absorver o que tinha acontecido e, ao mesmo tempo, não me deixar sentir tudo que vinha dos sete minutos que tinham acabado de se encerrar. Eu não queria ficar muito feliz, nem me deixar lembrar demais. Não queria ficar nervosa e nem parecer uma adolescente que tinha acabado de se sentir querida pela primeira vez por alguém que ela também queria.
Estava começando a entender o grande problema da Seleção. Era uma decisão que eu precisava tomar com toda a certeza do mundo. Mas, ainda assim, o único jeito de chegar a ela era nebular meus pensamentos e meu bom senso, provar da coisa mais intoxicante do mundo e me deixar levar pela mais instável, sentimentos. Quem tinha inventado aquilo não tinha ideia do que estava fazendo. Mesmo no começo, mesmo quando o máximo que eu sentia era pura atração, ainda assim era difícil tomar decisões e mantê-las fde cabeça limpa.
Pensava naquilo, enquanto arrumava meu cabelo. Já tinha me secado mil vezes e aceitado que meu biquini nunca ficaria completamente seco só com toalhas. Já tinha até me dado por vencida e colocado o vestido mesmo assim. Mas as pontas do meu cabelo ainda estavam molhadas e aquilo me irritava muito. Fiz meu melhor para colocá-lo em um coque e fingir que estava perfeito. Por sorte, tinha um espelho ali e eu pude ver que acrescentar a pequena tiara que tinha escolhido para aquele dia disfarçava bem. Aproveitei e arrumei minha maquiagem, ignorando a adrenalina que Alaric tinha deixado em mim. Quanto mais tempo eu fingisse que tudo estava normal para mim, mais rápido tudo que tinha acontecido pararia de me afetar.
Assim que meu cabelo estava no lugar, comecei a apagar as velas. Não gostava de fogo esquecido, tinha medo, era verdade. Nem gostava de acender velas, preferia luzes elétricas, mesmo que não dessem o mesmo efeito.
Fui até a varanda, só para olhar para o jardim. Podia ouvir o barulho da festa, por mais distante que estivesse. Eu estava no segundo andar e a brisa da noite estava mais fresca que antes. Até demais. Senti meus braços arrepiarem, mas não me mexi logo em seguida. Me deixei sentir o frio, tentei focar na música, um pouco animada demais para o clima em que eu estava. Mas vinha de longe e não me incomodava.
Quando saí daquela sala, só sobrava uma vela, que eu fiz questão de observar antes de apagar. Vestindo meus sapatos outra vez, andei pelos corredores como nova. Não devia ter ficado tanto tempo tentando me arrumar e me acalmar naquela sala. A adrenalina em mim desapareceu quando eu descia as escadas. Era daquilo que eu precisava, me movimentar, deixar a cena do crime para trás.
Podia ver a festa antes mesmo de chegar ao primeiro andar. Não consegui ver Alaric, mas sabia que todos ali me olhariam estranho assim que me vissem entrar. Odiava aquilo. Tinha sido bom enquanto tinha durado, Alaric até tinha razão em certas coisa. Mas agora os sete minutos tinham acabado e eu estava de volta à realidade, onde todos me julgariam e observariam como se eu fosse um animal em exibição.
Assim que desci o último degrau, avistei Clare na festa pelas portas de vidro que davam ao jardim. Ela gostaria de saber que um selecionado tinha me beijado. Ela ficaria ainda mais animada do que eu. Podia marchar direto até ela, ignorando os olhos de todos nas minhas costas. Mas seria como provar que eles deviam me assistir. Aparecer depois daquele prêmio e ir direto à minha melhor amiga era como avisar que eu tinha mesmo o que contar. E todos iriam querer ouvir.
Uma criada passou por mim e eu rapidamente a segurei pelo ombro.
"Olá," eu disse, tentando amenizar o jeito brusco que tinha usado para chamar sua atenção. "Tem como você fazer um favor para mim?"
"Claro, Majestade," ela disse, fazendo uma reverência desnecessária.
"Eu preciso falar com a minha amiga, Clarissa Simpson," ela concordou com a cabeça, reconhecendo Clare pelo nome. "Tem como você avisar para ela que eu a estou esperando aqui dentro?"
A criada concordou com a cabeça. E eu até vi quando ela foi chegando perto de Clare e Kyle.
E então percebi que, se eu podia vê-los, quem estivesse ali também poderia me ver.
Corri para me esconder no corredor mais próximo. Mas ainda estava à mostra. E demais para o meu gosto. Eu não sabia muito bem esperar, não sabia o que fazer com minhas mãos ou meus pés. Fui para a primeira porta que encontrei. Me sentei no sofá. Mas estava ansiosa demais para ficar parada, então comecei a andar em volta dos móveis.
Não era uma sala normal, parecia mais um escritório. Eu não tinha acendido as luzes, mas dava para enxergar bem só pelas que vinham da festa. Fui até a mesa, onde vários desenhos de jóias estavam espalhados. E, junto deles, uma planilha de distribuição nas províncias. Tinha ouvido falar alguma coisa sobre a Princesa Nina criar uma coleção barata de jóias com fundos direcionados a instituições carentes, mas era a primeira vez que eu via alguma prova. Na época, tinha até achado que era boato inventado, já que ela nem comentou nada.
Quando ouvi vozes do corredor, achei que podia ser Clarissa. Era estranho. A menina que eu ouvia berrava. Clare nunca berrava, quase nunca levantava a voz, a não ser que estivesse inconformada com alguma coisa. Aí sim, mas de um jeito agudo e dramático, não bravo como eu ouvia.
E então um homem respondeu. Eu fiquei de ouvidos abertos, tentando entender o que falavam, tentando reconhecer a voz dele. E depois a dela, que me soou mais alto e me provou que estava errada.
Por instinto, me agachei atrás da mesa. Podia ser Sebastian e Nina. E eu não devia estar ali, mexendo em papéis que não eram meus, vendo planos dela que eram tão secretos, que até então eu nunca tinha tido a menor confirmação de que a coleção dela realmente existiria. Eu estava de intrusa no meio das coisas da princesa do país que me abrigava. Eu era tão inapropriada! Ultimamente andava pelos corredores como se o castelo fosse meu, achando que podia ir e vir para aonde eu quisesse! E tinha me esquecido completamente que tinha outra família real ali, a qual tudo pertencia. Era uma convidada. Convidada. Mas tinha deixado tudo me subir demais à cabeça.
Eu os ouvi abrindo a porta e abracei meus joelhos. Se pelo menos eles só estivessem dando uma olhada ali, poderia ficar quieta e ir embora logo depois deles. E eles nunca saberiam que eu tinha estado ali e visto o que tinha visto.
"Você não precisa me analisar," a voz masculina falou, desmanchando qualquer teoria que eu tivesse que era o Príncipe Sebastian que tinha entrado. "Não precisa tentar criar razões loucas para nada," eu conhecia aquela voz, mas de outro lugar completamente diferente. Não conseguia me lembrar exatamente de onde, até que ele continuou. "Eu quero você, simples assim. Por quê?" Meu subconsciente fez todo o trabalho por mim de reconhecê-lo. Na hora em que ele disse a última coisa que devia dizer a outra pessoa, eu sabia quem ele era.
Dylan Stroud. Ou melhor, o cara que tinha tido a honra de representar a cidade de Clarissa, Newcastle. E ele falava para outra pessoa que a queria. Ele não sabia que eu estava ali, não estava se censurando.
"Eu quero você porque me lembro disso," ele disse, me fazendo despencar por dentro.
Uma lembrança. Ele não só queria outra pessoa, ele já a tinha tido. Enquanto passava os dias como meu selecionado, como se estivesse ali por mim.
E se só Alaric estivesse realmente ali por mim?
"E disso," ele continuou, enquanto eu tampava minha boca com as duas mãos.
Eu não queria ouvir aquilo. Eu não queria ter que ver aquilo. Eu realmente não queria aquilo acontecendo comigo. Se eu simplesmente tivesse ficado de pé ou nunca entrado ali, não estaria me escondendo como uma criança que tinha feito coisa errada.
Mas eu não tinha feito nada de errado. Eles que tinham. Ele e quem quer que fosse. Não era para eu ter vergonha ou ficar agachada, rezando para não me perceberem. Eles que deviam ficar ofendidos, eles que deviam querer desaparecer. Eu não tinha feito nada de errado. E ouvir os dois se beijando era insuportável.
Respirei fundo, tentando ignorar o quanto aquilo me deixava nervosa. Quando me levantei, esperava que eles me vissem. Mas não, estavam atracados perto da porta e nem tinham me ouvido.
Era Madison, a estilista. Eu a reconheci, apesar das costas largas de Dylan entre nós. Esperava que ela fosse abrir os olhos, que algum deles fosse me fazer o favor de parar antes que eu tivesse que falar alguma coisa. Não queria me humilhar. Mas eu já estava naquela situação. O único jeito era sair dela.
Levantei o rosto e respirei fundo mais uma vez, forçando meus olhos a ficarem calmos e a não expressarem o quanto aquilo me enojava. Assim que vi Madison enroscar a perna dela em volta de Dylan, decidi que já tinha sofrido o suficiente.
"Com licença," pedi, meu tom completamente condescendente.
Ela praticamente o empurrou para longe dela. E a reação dela era bem o que eu esperava. Além de levar as duas mãos à boca, horrorizada, ela também pareceu passar mal com a situação, segurando a barriga logo em seguida como se estivesse prestes a sentir tudo dentro dela desmanchando.
Andei até eles devagar, mantendo meus olhos em Dylan. Ele também estava assustado, talvez mais que ela. Uma expressão que realmente não combinava com o corpo que ele tinha. Ficou esperando que eu falasse mais alguma coisa, mas eu cheguei até a porta e coloquei minha mão na maçaneta, pronta para sair dali.
"Lola," Madison me chamou, assim que eu a virei e podia ver o corredor.
"Alteza," a corrigi, me virando para olhá-la só por um segundo mais por cima do ombro.
Ela chorava e tremia, o que quase me fez ficar ali. Odiava pensar que tinha causado aquela reação em alguém, feito alguém sofrer daquele jeito.
Mas voltei meu rosto para o corredor. Eu não tinha feito nada. Nada além de confiar que aquilo não aconteceria. Qualquer sofrimento que ela tinha era por causa dela. E eu não aceitaria dividi-lo por mais nem um segundo.
Fiz questão de fechar a porta atrás de mim. E quando saí em direção à festa, tinha esquecido de tudo aquilo que tinha me incomodado antes com os convidados.
Esperava que pelo menos Clarissa estivesse no meio do caminho, ou até mesmo na porta, me procurando. Mas assim que saí no jardim, vi que estava na piscina. E ela ria de algo que o cara do seu lado falava. Um cara que não era Kyle.
Eu queria ir até lá. Não queria ter que tirá-la de perto de um cara que parecia prestar atenção nela, mas eu realmente precisava falar com alguém. Precisava falar com ela.
Esfreguei minha testa, pensando rápido. Ela era minha única amiga. Com quem eu poderia falar sobre aquilo? Charles? Ele nem me escutaria. Eu não tinha mais ninguém ali. E eu já não estava aguentando ficar parada na porta, deixando que todos me olhassem.
Até que eu vi o bar, logo do meu lado. Fui até o barman e pedi uma garrafa de tequila. Se era para eu passar por aquilo sozinha, eu precisava de algo mais forte do que eu para me aguentar. Iria passar a noite remoendo aquilo e precisava pelo menos da companhia de álcool. E então eu avistei Marc.
Ele podia não ser exatamente meu amigo, nem de longe tão próximo de mim como Clare. Mas assim que eu o vi, sabia que era atrás dele que devia ir.
Dei a volta no bar, ignorando os olhares na minha direção e lhe dei um toque no ombro.
"Princesa," ele disse, me fazendo uma reverência de gozação.
"Marc, Cardiff," só então eu percebi que ele não estava sozinho.
"Tá tudo bem?" Keon perguntou.
Eu pensei em responder, mas acabei me virando para Marc, ofegando com a minha própria necessidade de sair dali o mais rápido possível. Ele fez um gesto com a cabeça, indicando que Keon nos deixasse sozinhos.
"Tem como você me levar para algum lugar aonde ninguém nos encontre?" Pedi, falando tão rápido que tive medo que não me entendesse.
"Aconteceu alguma coisa?" Ele perguntou, arregalando os olhos quando o barman colocou a garrafa de tequila no bar na nossa frente.
Eu a peguei antes que ele a questionasse. "Eu só preciso ir para algum lugar aonde ninguém mais me encontre," expliquei. "E seria perfeito se fosse o tipo de lugar que eu pudesse ir sem ter que passar por aquelas portas."
Ele olhou de mim para elas, enquanto eu esperava que ele me respondesse. Olhei para o chão, balançando minhas duas pernas tão rápido que achava que ia cair. Ele estava demorando, e a cada segundo, eu ficava mais nervosa, apertando a garrafa de tequila com quase toda a força que eu tinha.
"Vem," ele disse, eventualmente.
Ele pegou dois copinhos de cima do bar e minha outra mão, me puxando para dentro da festa. Eu não sabia aonde ele estava me levando, mas parecia ser uma péssima ideia. Eu queria menos pessoas, não mais. Precisava ficar sozinha, não no meio de todo mundo.
Mas ele passou pela pista de dança e não parou até que estivesse segurando a barra da tenda para eu passar embaixo. O jardim do outro lado estava bem escuro, mas ele pegou de novo na minha mão e me guiou. Por mais que eu me preocupasse com o chão, com pisar em alguma coisa errada, ele parecia saber bem o que estava fazendo.
Nós chegamos a uma porta pequena na parede do castelo, quase escondida. Só acreditei mesmo que abria quando vi a luz do castelo saindo por uma fresta.
"Alguma razão em especial para você querer passar despercebida?" Ele perguntou.
"Toda do mundo," respondi.
Primeiro, ele só franziu as sobrancelhas, provavelmente pensando no que aquilo poderia significar. Mas depois se virou de volta para a porta, checou se vinha alguém e me fez entrar.
Não tinha ideia de qual era seu plano. Nós estávamos de volta ao castelo, só que em um corredor que eu nunca tinha visto antes.
"O que é esse lugar?" Perguntei, olhando as paredes claras e limpas, sem um detalhe sequer de decoração.
"Corredor dos criados," ele disse, me entregando os copos que segurava.
Na hora, podia jurar que a ideia dele era ir para o seu quarto. E estava quase dando para trás, quando ele começou a sentir a parede com as mãos.
"O que você tá fazendo?" Perguntei, mas ele não respondeu, estava concentrado demais. Eu já estava achando que ele era louco, quando ele sorriu.
"Isso," disse, empurrando a parede, que logo destacou como uma porta secreta.
Tinha estado tão bem vedada, que eu nunca teria visto aonde terminava a parede e ela começava se ele não a tivesse aberto. Em um corredor tão impecável e minimalista, eles ainda tinham conseguido escondê-la na cara. A luz estava baixa, mas mesmo assim. Não pude evitar de vê-lo abrindo a porta com a cara de surpresa mais tonta do mundo.
Logo depois dela, começava uma escada. Marc fez um sinal com a mão, me indicando para entrar. Antes que eu tivesse dado um passo, ele se esticava para pegar o lampião elétrico que estava pendurado na parede, deixando o corredor atrás de nós escuro ao entrar comigo.
Ele foi na frente, enquanto eu ainda tentava entender o que era aquele lugar.
"Alguma explicação?" Pedi, enquanto descíamos as escadas.
"Você queria um lugar aonde ninguém a encontraria," ele disse. "Quase ninguém vem aqui desde o último ataque rebelde."
"Ataque rebelde?"
"É," ele deu de ombros, o que eu mal pude perceber, pela falta de luz, que ele segurava para baixo. "Dizem que tinha muito ataque rebelde aqui. Até tivemos que passar por um treinamento. Mas já faz muito tempo."
"E faz muito tempo que você está aqui no castelo?" Perguntei, mas ele não fez questão de responder. Pelo contrário, mudou de assunto.
"De quem você está fugindo?" Ele quis saber.
"Quem disse que eu estou fugindo de alguém?" Sem querer, soltei uma risada falsa e engasgada.
Marc parou de andar na hora, se virando para me olhar. "Verdade, nem parece que você está fugindo de alguém," falou, sarcástico.
Eu levava as mãos à cintura, pronta para rebater seu comentário, quando ouvimos uma conversa se aproximando. Ele olhou por cima do meu ombro por um segundo, logo me puxando para dentro de uma brecha da parede que mal cabia uma pessoa.
Ele se exprimiu o máximo possível e me segurou para que eu não ficasse à mostra. Mas ele não precisava se esforçar tanto, o pânico dele passou facilmente para mim. Sentia meu estômago dar voltas dentro de mim, como tinha sentido ao encontrar Madison com Dylan. Mas era pior. Era mais medo do que tudo. Marc tinha dito que ninguém ia ali, eles podiam estar me procurando. E ter que dividir o mesmo ar que ele não estava ajudando.
Ele ficava olhando por cima do meu ombro, escondendo o lampião de lado, mas eu estava de costas para as escadas e tive que me contentar em ficar olhando para ele. Para o peito dele, aonde eu praticamente contava a velocidade da sua respiração. E para seu pescoço, tenso com o que quer que ele imaginava estar acontecendo. E sentindo seu cheiro, que era mais como um rastro de perfume que ele devia ter colocado a muito tempo. Mas, por mais fraco que fosse, eu ainda o sentia bem. E era bom, como perfume de homem devia ser. Me concentrei em conseguir inspirar o máximo possível, esquecendo que podia ter alguém prestes a nos encontrar.
"Achei que ninguém vinha aqui," cochichei, e ele me retribuiu pedindo para que eu fizesse silêncio.
Ele era mais alto que eu, tão mais alto que eu não conseguia ver seu rosto sem ter que levantar o meu. Mas ele tinha uma mão na minha nuca que me impedia de tentar vê-lo. Eu estava tentando não tocar muito nele, não mais do que o necessário. Mas as vozes ficaram mais próximas, e ele me puxou para ele com mais força, me obrigando a enterrar o rosto em seu ombro desnudo.
"Quem mais você acha que está com a gente?" Era uma voz feminina, que eu nunca tinha ouvido antes. "Algum dos selecionados?"
Esperamos a resposta, mas ela não veio. O coração de Marc batia tão rápido, que eu conseguia senti-lo na sua pele com meus lábios. Péssimo momento para ele não estar vestindo uma camiseta. Eu tinha que ter uma crise logo durante uma festa na piscina.
"A gente não pode esperar!" A menina insistiu. "Quanto mais tempo passar, menores nossas chances. Descubra até amanhã sem falta. E me encontre no mesmo lugar da última vez."
Eu ainda estava confortavelmente entretida com o perfume gasto de Marc, quando senti que ele tirou sua mão da minha cabeça e relaxou. Demorei alguns segundos para perceber que era seu jeito de me falar que não precisávamos ficar escondidos ali, mas, quando percebi, dei tantos passos para trás, que quase bati no outro lado da parede.
"Sabe quem era?" Ele perguntou, olhando para cima das escadas, de onde tinha vindo a voz.
Fiz que não com a cabeça, suspirando. Sem a tensão de sermos descobertos, tudo que me sobrava era a tensão do que tinha me trazido até ali.
"Acha que vai demorar muito para a gente chegar até aonde você tá me levando?" Perguntei, deixando claro que precisava parar por ali só pela preguiça em minha voz.
"Na verdade, podemos ficar por aqui mesmo," ele disse, se sentando em um degrau e apoiando o lampião elétrico no de cima. "Os esconderijos são mais ou menos a mesma coisa por aqui."
Suspirei de novo, dessa vez bem mais aliviada. Me sentei um degrau mais para baixo e apoiei a garrafa e os copos no que ele estava. Abri e servi. Sem perguntar nada, ele virou o dele e eu virei o meu.
"Droga," falei, fazendo-o levantar as sobrancelhas para mim, pelo jeito que eu tinha falado. "Devia ter pegado limões," reclamei.
"O quê? É muito forte para você?" Ele pegou a garrafa da minha mão e serviu dois outros shots para a gente, me entregando o meu.
"Para falar a verdade, forte é o que eu estou precisando," tomei dele e o virei antes mesmo que ele pudesse pegar o seu.
"Vai me contar por quê?"
Balancei a cabeça, ainda sem engolir o líquido, mas logo me forçando. Depois me servi outro.
"Você me faz perder a festa do ano e nem vai me explicar por quê?" Ele insistiu, quase não aguentando terminar de falar ainda sério.
Ele sorria torto, daquele jeito que me fazia pensar que ele tinha medo de felicidades completas. Mas eu acabei só suspirando e me dando por vencida. Eu não tinha Clare. E Marc não tinha nada a ver com o que tinha acontecido. Um conselho dele talvez não fosse a pior coisa do universo.
Abri a boca para começar a contar, mas a fechei logo em seguida. Por onde eu começaria? Eu saindo da banheira com Alaric? Ou me escondendo atrás da mesa da Princesa Nina?
"Vai, só fala," ele incentivou, percebendo minha apreensão.
Dei de ombros. Não precisava de detalhes, não é? "Encontrei um selecionado me traindo," disse.
Esperava que ele fosse ficar minimamente incomodado, como eu estava. Mas o que vi em seu rosto foi uma risada contraída. O que tinha de engraçado naquilo?
"É sério," falei.
"Eu acredito," ele não conseguiu controlar o sorriso quando abriu a boca para falar. "Mas, como assim, te traindo?"
"Como você acha? Como que uma pessoa trai a outra, Marc?"
Ele deu de ombros. "Quero saber o quanto você viu," disse, me fazendo dar um tapa na sua perna na hora. Ele só riu e nos serviu mais shots.
Eu virei o meu o mais rápido possível. "Pelo bem da minha memória e sanidade, eu só vi eles se beijarem," falei.
"Eles?"
Respirei fundo, querendo contar, ao mesmo tempo que tinha medo de que aquilo fosse um erro enorme.
"Preciso que me prometa guardar segredo," pedi, claramente escolhendo a vontade de contar para alguém sobre meu medo.
"Para quem você acha que eu vou contar?" Ele perguntou e virou seu shot.
"Eu não sei, não sei quem são seus amigos," me defendi, pensando naquilo. Ele podia ter uma vida inteira que eu não conhecia. Podia sair contando para todos os criados, só para que me olhassem como a humilhada que Dylan queria tanto que eu fosse. "Não, deixa."
"Quê? Não vai falar agora?" Ele desceu um degrau, para ficar no mesmo que o meu e me forçar a mudar de posição antes que nossos joelhos se encontrassem. "Eu não vou contar para ninguém. Vê se é minha cara sair espalhando a vida dos outros."
Parei para olhá-lo, enquanto ele se apoiava no cotovelo e esperava com uma expressão de insolente.
"Dylan e Madison," eu falei, e ele arregalou os olhos e abriu a boca. Para quem não estava nem aí para a vida dos outros, ele não poderia ter ficado mais surpreso.
"Madison, Madison?" Ele perguntou. Eu só concordei com a cabeça. "Nossa," ele se virou para a frente, olhando a escuridão, absorvendo aquela informação. E eu queria saber o que ele estava pensando!
"Qual o problema com ela?" Perguntei, o empurrando no ombro. Podia imaginar que os dois já deviam ter ficado junto, se o que Azalea tinha me falado naquela festa dele era verdade. E Madison era incrivelmente bonita, o que dificultava toda a situação.
"Nada," Marc deu de ombros. "Só achei que ela fosse ser um pouco menos-"
"Falsa?" Sugeri, desanimando só de pensar naquilo. Nem fiz questão de ficar muito bem sentada, me deixei apoiar a cabeça no degrau de cima.
"Louca," ele me corrigiu. "Mas e aí, por que você está aqui? E não lá, mandando ele fazer as malas?"
Levantei a cabeça para olhá-lo. "Acha que é isso que eu devo fazer?"
"Sei lá, o problema é seu," ele disse, logo percebendo o quanto aquilo era grosso da parte dele. "Digo, a decisão é sua," ele abriu um sorriso, como se se desculpasse.
"Ótimo, realmente uma decisão que eu queria ter que tomar," falei, dessa vez sentando mais de lado no degrau e apoiando a cabeça na parede. "Mas você podia me ajudar, sabe."
"Fazendo?"
"Me falando o que fazer!" Apoiei uma mão na garrafa de tequila com toda a intenção de me servir, mas acabei soltando. "Devo mandá-lo embora sem nem falar nada? Ou dar uma segunda chance?"
Marc me olhou esquisito, como se a ideia de eu pedir um conselho para ele fosse lúdica. Mas depois se deixou refletir. Eu não falei mais nada, com medo de fazê-lo desistir de tentar me ajudar se intrometesse seus pensamentos.
"Depende," ele acabou dizendo. "Vocês são próximos? Você e o selecionado?"
"Se eu for, devo dar uma segunda chance?"
"Se você achar que tem alguma coisa entre vocês que vale a pena salvar, sim," ele disse, dando de ombros. "Senão, nem perca tempo com alguém que não importa."
"Até que não é um péssimo conselho."
"Valeu," ele se esticou na minha direção e me deu um tapinha no ombro. "Disponha. Quer dizer, não disponha. Não quero ter que ficar resolvendo todos os seus problemas," completou, piscando um olho só para mim.
Eu revirei os meus. "Eu posso resolver meus próprios problemas, obrigada," falei.
"Claro," ele disse, no tom mais sarcástico possível. "Mas e aí? Vai mandar ele embora? Ou está apaixonada demais para isso?"
Revirei os olhos de novo. Ele tinha o estranho jeito de transformar a seleção em algo ridículo sem me fazer ficar ofendida. Mas, ao mesmo tempo, não queria lhe dar a satisfação de concordar com a sua visão de tudo que andava rondando minha vida.
"Não estou apaixonada por ele, nem de longe," falei. "Não é como se nós tivéssemos uma química enorme que me fizesse querer ver aonde isso vai levar," eu gesticulava enquanto falava e, quando parei, Marc me olhava estranho. "O que foi?" Perguntei.
"Nada," ele disse, dando de ombros e voltando a apoiar no seu cotovelo.
Nem me importei em questioná-lo, estava pensando demais em tudo aquilo. "Eu nem tive muita chance de sair com ele, mas talvez tenha sido loucura trazê-lo para a Seleção. A gente não tem nada em comum."
"Então pra quê você o escolheu?" Marc quis saber.
Levantei as mãos no ar. "Porque ele é bonito," respondi, as soltando, quase rindo de mim mesma.
Marc jogou a cabeça para trás, como se ouvir aquilo fosse insuportável. "Eu esperava mais de você," ele disse, seu tom dramaticamente decepcionado.
"É, eu també- Espera," foi minha vez de me esticar e lhe dar um tapa no ombro. "Você esperava alguma coisa de mim?!"
"Não se anime, não era muito," ele me garantiu. "E ainda assim, você conseguiu superar."
Revirei os olhos, apesar de sorrir. "Que seja, vai. Foi um erro que eu vou propriamente consertar. Vou mandá-lo embora então, de vez. Já passou da hora de eu mandar algum mesmo."
"Não faz nem uma semana que a Seleção começou," ele fez questão de me informar.
"Tá falando que eu deveria deixá-lo por mais um tempo?"
"Não!" Dessa vez, ele foi enfático. "Não gosta dele, manda ele embora. Resolvido."
"Tá, já vou mandar, calma," bufei uma risada, me servindo outro shot de tequila. Mas esse eu tomei devagar. "Se fosse outro selecionado, quem sabe eu desse outra chance. Mas não ele."
"Que outro selecionado?" Marc quis saber, esticando seu copo para que eu o servisse. Dei de ombros. "O quê? Não pode me contar quem está ganhando?"
"Não, senão você vai sair apostando nele e eu quero poder morrer sabendo que nunca te ajudei a ganhar aposta alguma!" Nem hesitei para falar, como ele não hesitou para rir.
"Não tem aposta," disse. "Não para saber quem ganha, só quando ganha. E eu já perdi. Então pode me contar."
"Não tem o que contar," falei, dando de ombros. "É só que ele não estava entre meus favoritos. Não como o cara que ganhou o último prêmio, por exemplo."
Marc levantou as sobrancelhas, surpreso, mas agora sem rir. "Ele é um dos seus favoritos?"
"Digamos que, se eu quisesse que você perdesse a aposta, falaria para nunca o escolher," respondi, desviando meu olhar. Tinha praticamente admitido que Alaric estava ganhando e não precisava ver Marc tirando sarro de mim.
Mas ele não tirou. Na verdade, ficou meio quieto. Quando voltei a olhá-lo, ele segurava seu copinho na frente da boca, bebendo devagar.
"Bom saber que eu ajudei então," ele disse, quando nossos olhos se encontraram, depois mirou a tequila que bebia.
"Ajudou no quê?"
"Em dar o prêmio para o seu favorito," ele disse.
"Como assim? Do que você tá falando?"
Ele deu de ombros. "Nada demais," disse. "Só que fui eu que estourei a bexiga com o prêmio. Eu que encontrei."
"Você está falando que ele roubou o prêmio?"
"Não, nada assim. A culpa foi minha, eu que travei. E ele pegou antes de mim."
Alaric nem tinha feito questão de me contar. Também, no que o ajudaria?
"Por que você não pegou?" Perguntei.
"Está falando que preferia ter levado o Keon para a sala secreta?" Ele levantou as sobrancelhas duas vezes seguidas, insinuando aquilo que eu preferia fingir que ninguém tinha imaginado daquele prêmio.
"Estou querendo saber o que te fez travar," o corrigi.
Ele respirou fundo. "Sei lá," disse, dando de ombros. "Achei esquisito pegar uma coisa que era praticamente uma entrada para a sala secreta com você."
"Pare de chamar de sala secreta, é esquisito," pedi, querendo desviar o assunto para terrenos menos perigosos.
Ele não falou mais nada sobre aquilo e eu não conseguia pensar em nada que não deixasse o clima ainda mais esquisito. Me concentrei na tequila e ele logo apareceu com o copinho dele na minha frente. Acompanhei com os olhos até que ele o tivesse virado e se apoiasse no degrau de cima. E então vi sua tatuagem de novo.
"Por que Kerouac?" Perguntei, apontando para a que ele tinha no peito.
Ele levou uma mão até lá, quase como se preparasse para cantar o hino nacional illéano. "Sabe aquela pessoa que te entende completamente e nem vive nas mesmas circunstâncias ou época que você?"
"Não," admiti.
Ele riu. "Bom, ele é assim para mim."
Concordei com a cabeça, olhando a curva da fonte da tatuagem dele. O 'mad to live' era escrito com letras de máquina de escrever, minha fonte preferida e também a de Kerouac. Mas ele tinha vivido em uma época em que não tinha outra escolha, enquanto a minha preferência era completamente voluntária.
"Você lê muito?" Quis saber.
"Praticamente nada," ele admitiu. "Só Kerouac mesmo. E você?"
"Praticamente tudo," respondi. "Mas prefiro escrever."
Assim que falei, percebi a besteira que tinha feito. Nunca tinha falado para ninguém que eu escrevia, ninguém além de Clare. E, mesmo assim, ela nunca tinha lido nada meu. Aquilo era algo que eu guardava exclusivamente para mim e eu queria muito mantê-lo assim. Já estava pensando em explicar que era só um sonho, que eu nem tentava escrever, mas Marc não pareceu muito surpreso.
"Imaginei," foi o que ele falou, me desconsertando.
"Como?"
Ele deu de ombros. "Eu vi uma máquina de escrever no seu quarto," disse, como se a ideia de ele entrar no meu quarto fosse normal.
"Quando?"
"Sei lá, na noite da festa, acho," ele esfregou a nuca, pensando. "É, no baile de máscaras."
"Você simplesmente entrou no meu quarto?!" Eu estava sentada tão em alerta, que praticamente me levantava. "Posso saber por quê?"
"Estava por perto," ele respondeu. "Vi também um manuscrito seu, 'Novembro'," ele falava casualmente, enquanto eu sentia o mundo desabar embaixo dos meus pés.
E se ele tivesse lido? Aquilo era muito vergonhoso! E pensar que eu tinha passado tanto tempo do lado dele enquanto ele poderia simplesmente saber tudo aquilo que eu tinha sentido e pensado sobre Reid e o nosso noivado.
"Qual seu problema?" Perguntei, querendo soar brava, mas mal conseguindo fazer minha voz sair.
"O que que eu fiz?" Ele realmente parecia não entender a gravidade da situação.
"Você mexeu nas minhas coisas! Você entrou no meu quarto, isso é estranho!" Me virei para a frente, aonde eu mal conseguia enxergar os próximos degraus. Não conseguia nem aguentar direito saber que ele me olhava, menos ainda olhá-lo de volta.
"E ir para outro país, chamar dez caras para morar no castelo e escolher um marido - isso não é estranho?"
"Não é a mesma coisa," falei, tão baixo que quase cochichava. Nós ficamos em silêncio por um tempo, enquanto eu tentava absorver aquela nova informação. Eu fui a primeira a quebrá-lo. "Você leu?" Perguntei, ainda sem o olhar.
"Não," ele respondeu, sério como eu estava. "Não sabia que era segredo," continuou. "Não precisa se preocupar, eu não contei para ninguém. Como você já sabe, eu não tenho para quem contar."
Virei o rosto quase na sua direção, só conseguindo vê-lo com o canto do olho. Assenti, só para não ter que falar nada mais. Mas ele não estava disposto a acabar o assunto ali.
"Do que que fala?" Perguntou. "O manuscrito. O que aconteceu em Novembro?"
Bufei uma risada sem humor. "Para quem não me fala nada sobre a sua vida, você está bem curioso para saber da minha," disse.
"A sua vida é pública, a minha é minha," ele se defendeu.
"Bem justo mesmo," voltei a mirar a escuridão, mas desisti de ficar guardando aquilo para mim e me sentei de novo de frente para ele. "Fala de um cara que eu namorei. E quase casei. Só isso," terminei, dando de ombros.
"E por que não casou?"
"Não, não," balancei a cabeça. "Eu conto uma coisa, você me conta uma. Ou é assim, ou vou parar por aqui."
Ele bufou uma risada. "O que te faz pensar que eu quero tanto assim saber?"
"Bom, pessoas normais costumam dividir certas coisas com seus amigos," falei. "Mas se não quer, não tem problema. Não faço questão," completei, abrindo um sorriso nem um pouco divertido.
Enquanto ele pensava no que falar, eu me servi de mais um shot de tequila. Já tinha desistido de ouvir alguma coisa dele, até pensava em começar outro assunto, quando ele respirou fundo.
"O que você quer saber?" Perguntou, claramente incomodado de se dar por vencido.
Levantei as mãos no ar, como se fosse óbvio, apesar de ainda não ter pensado em nada que eu quisesse saber de verdade. Então falei a primeira coisa que me veio à cabeça. "Quantos anos você tem?"
Ele apertou os olhos na minha direção, sem ter certeza de que era sério. "Vinte e cinco," respondeu, como se tivesse sido a pergunta mais idiota do mundo. "Por que você não casou com o cara lá?"
"Ele me traiu," respondi, rápido o suficiente para não liberar nenhuma lembrança desenfreada na minha cabeça. "De onde você é?"
"Calgary," ele também respondeu prontamente. "O cara era príncipe de algum lugar?"
"Não," nem fiz questão de elaborar. "Você tem irmãos?"
"Acho que já sei tudo que eu quero," ele disse, sorrindo com a única intenção de fazer com que eu não ficasse brava. "Não, espera, como chama o cara?"
"Primeiro me fala se tem irmãos," insisti, cruzando os braços.
"Não. Nome?"
"Reid," respondi, revirando os olhos. "Seus pais ainda estão vivos?"
Ele abriu a boca para falar, mas a fechou de novo. Fez questão de olhar para baixo uma única vez e logo voltar a me mirar. "Não sei," disse.
"Como, não sabe? Você tem que saber."
"Na verdade, não. Não tenho que saber. E agora sim, não tenho mais nada para te perguntar."
"Por que família é um assunto tão delicado para você?" Insisti, para sua irritação.
"Já disse que não vou responder mais nada," ele serviu e virou um shot de tequila.
Eu já estava completamente tonta. A luz do lampião não ajudava, mas eu mal conseguia focar minha vista em um único ponto.
"O que, de tão terrível, aconteceu com a sua família, Marc?" Perguntei, mas ele só balançou a cabeça, sorrindo como se achasse graça na minha esperança de ter uma resposta. "Eu acho que eu tenho direito a mais perguntas!"
"O que te faz pensar isso?" Ele se inclinou de novo no cotovelo com modos tão imprecisos que eu tive certeza de que ele também já estava tonto do álcool.
"Você entrou no meu quarto! Coisa que eu nunca fiz com você," me defendi. "Você já deve saber mil coisas sobre mim. Mereço algumas respostas."
"Não tem nada de interessante na minha vida, não precisa lutar tanto."
Suspirei, cansada, jogando a cabeça para trás. Eu realmente estava mais alterada do que imaginava, pois vi o mundo girar e precisei praticamente me segurar ao degrau para voltar ao normal.
Mas Marc não percebeu, ele olhava para as próprias mãos, pensando em alguma coisa.
"Por que então você age como se tivesse assassinado seus pais?" Perguntei, deixando o álcool falar mais alto.
"Cala a boca," ele soltou, sem pensar. Vi nos seus olhos quando ele percebeu o que tinha feito, mas não deixou demonstrar mais nada de arrependimento.
"Outch," falei, apesar de não me sentir ofendida. "Está bem, desisto. Fica com a sua história para você, eu tenho mesmo outros problemas mais importantes para resolver," ia me levantar nessa hora, mas resolvi que estava mais segura sentada.
Marc pegou a garrafa de tequila que estava para baixo da metade e fez questão de servir os dois copinhos. Mas eu deixei o meu aonde estava.
"Quer ir lá mandar o cara embora agora?" Perguntou, seu tom tirando sarro da situação.
Bufei uma risada. "Deixa para amanhã. Mas o que eu faço com a menina?"
"Madison?" Ele perguntou e eu concordei com a cabeça. "Por que vai fazer alguma coisa com ela?"
Me estiquei para lhe dar outro tapa no ombro, mas ele desviou, rindo da minha incompetência. Mesmo assim, não me deixei abalar. "Porque!" Falei. "Ela sabia que ele era meu selecionado, não está completamente sem culpa nisso tudo!"
"Mas e aí? Se ele for embora, não tem mais o que ela vai fazer," ele disse.
"E se tiver? E se ela for atrás de outro selecionado?" Definitivamente, o álcool falava bem mais alto que minha razão. "E se eles todos estiverem atrás de outras meninas? E se nenhum quiser ficar comigo e eu tiver que voltar para Londres de mãos vazias? E, pior, ter que entregar o trono para aquele repugnante do Skar!"
"Espera, me perdi," ele se inclinou na minha direção. "Nós ainda estamos falando de você ou do Rei Leão?"
Apertei meus olhos para ele, que segurou a risada o tempo que deu. "Estou falando sério," dessa vez, consegui empurrá-lo sem que ele desviasse, já que estava distraído demais com suas próprias risadas. "E se todos estiverem me traindo?"
"Chama mais uns vinte," ele sugeriu. "Ou casa com qualquer um e tenha um casamento aberto."
"Frase mais deprimente do universo," comentei, e ele só riu. "Devia colocar câmeras no castelo para ver o que eles estão fazendo quando não estão comigo."
"É, ter que vigiá-los vinte e quatro horas por dia não é nem um pouco deprimente."
Levantei os braços no ar até eles estarem completamente esticados. Depois os soltei com tudo. "Minha vida é deprimente," completei.
"Tá complicado, hein?"
"Sim! E vai ficar ainda pior amanhã, quando todo mundo descobrir o que aconteceu e eu ter que encarar o cara para eliminá-lo," respirei fundo. "Queria poder contratar alguém para fazer isso por mim."
Sem pensar duas vezes, me virei para olhá-lo nos olhos e levantei as sobrancelhas, querendo que ele achasse que eu estava falando dele.
Quando ele percebeu, ele riu. E alto, debochando da minha ideia. "Claro!" Ele falou, entre risadas. "Estou lá."
"Argh," reclamei. "Estou quase deixando-o na Seleção só para não ter lidar com isso."
"Achei que você fosse do tipo de encarar as coisas de frente," ele disse, num tom bem mais sério do que eu tinha usado.
Parei para pensar por um segundo. Ele estava certo. Eu não fugia de problemas. Mas aquele era um que eu preferia que desaparecesse sozinho. E a tequila quase fazia parecer que tinha desaparecido.
"Acho que eu não lido bem com traições," disse, dando de ombros.
"Há," Marc soltou. "Ninguém lida." Na hora em que falou isso, me virei de novo para mirá-lo. Ele percebeu minha expressão e revirou os olhos. "Não, ninguém nunca me traiu, nem adianta perguntar."
"Eu não ia perguntar," menti, me fazendo de desentendida.
"É preciso compromisso para ter traição," ele continuou. "E eu fujo desse tipo de coisa."
"Somos dois," falei, fazendo-o me olhar estranho também. "Na maior parte do tempo, pelo menos," expliquei.
Nós ficamos em silêncio por um tempo. Marc levou a tequila à boca, mas nem bebeu. Eu me apoiei no degrau de cima, cruzando os braços para poder deitar a cabeça neles. Estava começando a ficar com sono, mas não queria admitir.
"Sabe," Marc começou, do nada, "eu vou num lugar amanhã. Você podia vir comigo, depois de ter que eliminar o cara."
"Que lugar?" Levantei a cabeça para olhá-lo.
"Acho melhor você descobrir lá," ele disse, agora, sim, tomando um gole da tequila e fazendo uma careta. Ele já devia estar mais ou menos no mesmo nível que eu, não entendia porque ele não parava também.
"Porque deu tão certo da última vez?"
Ele riu. "É em um lugar bem mais perto, com bem menos pessoas," ele me garantiu. "E os caras que vão com a gente são meus amigos de verdade. Mas se você não quiser, tudo bem."
"Não, eu quero," dessa vez, eu levantei até estar sentada de novo. Só de pensar, já estava animada. "Pelo menos me dá algo a aspirar."
"Como assim?"
"Vou passar o dia inteiro tendo que cuidar de problemas, mas pelo menos vou saber que tem um prêmio me esperando no final."
"Já falei para você baixar suas expectativas," ele disse, apontando para mim com a mão que segurava o copinho. "Mas eu acho que você vai curtir."
"Vai ter algum cara lá me traindo com uma menina bem mais bonita do que eu?" Perguntei.
"Não," ele respondeu.
"Então eu vou curtir," conclui, com um sorriso que me forçava a fechar os olhos.
"E a Madison não é mais bonita que você," Marc falou, tão baixo que me deixou me perguntando se eu não tinha imaginado aquilo.
Ele estava ocupado com seu copinho, mirando o resto de tequila que ainda tinha nele. Eu não queria perguntar se ele tinha mesmo falado aquilo, se ele poderia repetir, por mais que quisesse ouvir outra vez. Mas só a ideia de um elogio naquela hora já era o suficiente para eu me sentir consolada. Preferia me concentrar naquilo a me lembrar do que tinha me levado a compará-la comigo. Ou do que me esperava no dia seguinte.


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