Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 77
Capítulo 77: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Why Can't I" da Liz Phair.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/77

"Eu estou falando sério, ela não estava nem um pouco feliz," insisti, enquanto Kyle e eu entrávamos na tenda para a festa atrás de todo mundo.
Ele riu. "Eu acredito. O empurrão deixou isso bem claro."
"O empurrão não foi nada, posso apostar que ela deve estar já criando planos para se vingar dessa sua ideia!" Nós desviamos de algumas pessoas e fomos até o buffet. A maioria estava se concentrando em dançar primeiro, mas eu estava morrendo de fome!
"Mas é exatamente esse o problema," ele disse, pegando um prato e enchendo de todos os aperitivos possíveis. "Ela devia estar fazendo outra coisa agora. Não pensando em vingança," eu lhe dei uma cotovela, que ameaçou jogar seu prato para o ar. Mas Kyle mesmo só riu ainda mais. "Ei, você que disse que ela precisava relaxar," ele falou, apontando com a cabeça para mim e depois dando de ombros. "Se ela for um pouco flexível, é exatamente o que ela deve estar fazendo agora."
"Pelo amor de deus, pare de pensar no que ela deve estar fazendo agora!" Minha voz saiu um pouco alto demais e eu percebi algumas pessoas olhando para a gente. Alguns selecionados, algumas meninas. Sorri para eles, depois voltei a olhar para Kyle, abaixando minha voz. "Você sabe que ela não é flexível. E se ela estiver pensando em te mandar de volta para a Irlanda?"
Aquilo até fez com que ele soltasse o prato em cima da mesa. Ele fez que ia falar alguma coisa, pensou um pouco, balançou a cabeça para si mesmo. Tudo enquanto eu o assistia perceber a besteira que tinha feito.
"Você acha que ela faria isso?" Perguntou, parecendo realmente preocupado. Até foi mais moderado quando colocou batata frita do lado dos mini sanduíches no prato.
"Acho que ela ficou realmente ofendida," admiti, pensando naquilo. Eu mesma estava rezando para a Lola não ficar irritada demais a ponto de descontar no selecionado. Ela precisava levar as coisas menos a sério e Kyle não estava ajudando. Mas se ela simplesmente parasse e respirasse, poderia realmente aproveitar aqueles sete minutos, por mais vulgar que fossem.
Olhei pela primeira vez para a comida que estava disponível. Do outro lado da mesa, estavam as frias. Deixei Kyle sozinho por alguns minutos, com toda a intenção de voltar e ir me sentar com ele. Eu tinha avistado bolas de sorvete de goiaba sendo servidas em cascas de limões e não poderia resistir!
Peguei um dos pratos que Kyle tinha e fui até lá, enfileirando quatro meio limões e salpicando com confeite.
"Com licença?" Uma voz masculina me pediu.
"Hm?" Eu estava entretida com uma calda de chocolate branco que resolvi jogar por cima do sorvete e nem olhei para cima. Ela endurecia logo depois de eu despejar e era a coisa mais linda!
"Você é Clarissa Simpson, não?" O cara perguntou.
"A própria," falei, me servindo também com um pedaço de bolo de coco. Misturá-lo com o sorvete ficaria divino!
"Eu sou Chris," ele se apresentou, me fazendo levantar os olhos da mesa pela primeira vez.
Ele era um guarda, pelo uniforme. Estava do outro lado da mesa e tinha uma mão na barriga, cordial. E por mais que sorrisse, o que mais me chamou a atenção foi a tensão por trás dos olhos dele, como se ele estivesse juntando todas as forças dele para se apresentar.
"Prazer, Chris," disse, oferecendo-lhe minha mão para apertar e tentar deixar o clima menos esquisito.
Ele olhou para ela como se eu estivesse lhe apontando uma faca. Até pareceu dar um passo para trás, mas acabou aceitando e a apertando de volta.
"Você é a cozinheira da Princesa Lola, não é?" Perguntou, colocando as duas mãos atrás das costas logo que soltou a minha.
"Criada," corrigi. "Amiga, não sei. Faz tempo que não trabalho para ela. Nem saberia dizer mais o que eu sou."
Ele pareceu um pouco desconsertado. "Mas você cozinha?"
"Ah, sim," dei de ombros. "Foi o que eu estudei. E o que planejo fazer para o resto da minha vida, para falar a verdade. Mas estou tirando férias para poder ajudá-la na seleção."
Ele concordou com a cabeça de leve enquanto me escutava, já com a energia renovada. Quando parei de falar, esperava que ele fosse comentar alguma coisa. Mas passou um tempo só me observando.
"Ah, desculpa," disse, assim que eu levantei minhas sobrancelhas e ele percebeu que tinha estado encarando. "É que meu pai me falou de você."
"Seu pai?"
"É, ele trabalha aqui. É o chef principal-"
"Ah, o Ed! Claro que eu conheço! Ele é seu pai?"
Ed tinha sido a pessoa mais receptiva dentro da cozinha. Bem menos territorial que Marc, ele tinha me dado toda a liberdade possível lá dentro. Até seus sous-chefs me olhavam como se eu fosse uma intrusa, mas Ed me chamava para participar da preparação de pequenas refeições, me perguntava coisas, realmente me fazia me sentir em casa. E só de saber que aquele cara era filho dele, eu já estava prestando bem mais atenção a ele.
"Ele é," Chris disse, olhando para baixo por um segundo. "Ele me contou que você o estava ensinando a cozinhar uns pratos," ele esfregou a testa, pausando. "Droga, não lembro os nomes," ele parecia bem desconfortável, quase como se estivesse suando frio. "Eu sou uma negação para culinária."
"Não se preocupe," garanti, me esticando pela mesa para tocar em seu ombro e o consolar.
Ele mirou minha mão na hora, como se precisasse ter certeza de que aquilo estava acontecendo. Então eu a tirei de lá antes que piorasse tudo, praticamente a escondendo atrás de mim.
"Ele está impressionado," Chris continuou.
"Oi?"
"Meu pai," explicou. "Ele está impressionado com você. E ele quase nunca se impressiona. Pelo contrário, é difícil pensar em alguma coisa que ele já não tenha visto."
"Sim, ele é um homem bem culto."
"Eu não entendo nada de culinária, mas ele me deu um docinho seu, não sei o nome, alguma coisa em Francês-"
"Macaron," falei.
"Isso, macaron," ele abriu um sorriso. "Eles fazem aqui também, mas os daqui são duros e diferentes. Os seus são," ele balançou a cabeça para si mesmo, pensando em uma palavra, "indescritíveis," completou, satisfeito.
Aquilo me fez corar. Nem consegui continuar olhando para ele por mais um segundo. Ele era um estranho, mas já tinha achado meu ponto fraco: receber elogios.
"Obrigada," falei, para não parecer mal educada.
"Clarissa?" Era a voz de Kyle, que me fez virar para o outro lado da mesa. "A Lola mandou te chamar lá dentro do castelo," ele disse, olhando de mim para Chris. "Agora," completou, me mirando fundo.
"Ah," soltei o meu prato de vez na mesa, de coração partido por ter que deixá-lo. Mas acabei pegando-o de volta. Lola não se importaria. "Foi um prazer te conhecer, Chris," me virei para ele e sorri.
Não queria sair dali. Aceitaria ouvir outros elogios à minha comida, ainda mais se aquilo fazia Kyle olhar esquisito para ele. Mas Lola já devia ter saído dos seus sete minutos de brincadeira sem graça de Kyle e devia estar louca para desembuchar pra cima de mim o quanto aquilo era revoltante. Eu não podia deixá-la na mão só para ouvir que meus macarons eram bons, não é?
Me virei para começar meu caminho, mas Chris não estava convencido de que aquela conversa tinha acabado. Ele correu para dar a volta na mesa e me alcançar, parando levemente na minha frente.
"Me desculpe por ser tão direto," pediu, levando outra vez uma mão à barriga. "Mas você é linda."
Senti minhas pernas fraquejarem na hora. Ele mesmo parecia perder o ar só por me falar. Aquilo não era normal. Estava mesmo acontecendo? Ele não podia estar falando sério. Ele não podia simplesmente ter falado que eu era linda! Não bonita, linda! E com Kyle logo atrás de mim!
Eu não sabia o que dizer. Olhei para baixo, rezando para que não ficasse claro o quanto aquilo me deixava encabulada. Como eu poderia responder? Que ele era louco? Que ninguém tinha me falado aquilo em anos? A não ser Lola, que repetia sempre que podia. Mas ela era minha amiga e não contava. E eu sempre retribuía os elogios dela com empurrões. Eu não podia só empurrá-lo, não é? Eu nem o conhecia! O que iria dizer? Nem um obrigada parecia certo, me deixaria com cara de que concordava. E eu realmente não concordava! Eu nem entendia como ele podia achar aquilo!
"E eu sei que estou extrapolando, falando assim," Chris continuou, descartando a necessidade de uma resposta minha, "mas eu queria saber se você gostaria de ir a um encontro comigo."
Agora sim eu estava olhando para ele, olhos arregalados e tudo. Eu tinha ouvido direito? Me chamar de bonita era uma coisa, mesmo linda, o que já era um exagero. Mas ele realmente queria que eu fosse em um encontro com ele?
"Eu sou um cara legal, eu juro," me garantiu, quando eu fiquei quieta demais.
Ri, nervosa. "Eu acredito," disse. "Mas," respirei fundo, olhando à nossa volta rapidamente e logo voltando a mirá-lo, "que tipo de encontro?"
Ele deu de ombros, com as duas mãos nas costas. Usava o uniforme de guarda real, o que fazia ser bem difícil falar não. Eu nem sabia se ele era tão bonito assim normalmente, já que eu tinha uma queda por uniformes.
"Um jantar?" Ele sugeriu, quase como se perguntasse.
"Mas você nem me conhece," eu finalmente falei o que estava me segurando. "Por que você gostaria de jantar logo comigo?"
"Exatamente por isso," ele disse, parecendo ainda mais confiante na minha insegurança. "Para te conhecer."
Eu me deixei pensar. A primeira coisa que fiz foi mirar meu prato, como se fosse encontrar uma resposta ali. Depois, discretamente, olhei por cima do ombro, esperando encontrar Kyle ainda ali. Mas ele tinha desaparecido. Se pelo menos eu pudesse saber o que ele pensava de tudo aquilo. Eu não queria falar não, Chris era simpático demais e eu realmente não queria ver quando ele fosse recusado. Mas eu tão pouco queria jantar com qualquer outra pessoa.
"Se você preferir," Chris falou, me fazendo voltar a olhá-lo, "pode me entrevistar."
"Entrevistar?"
"É," ele abriu um sorriso. "Agora, hoje. Pode perguntar o que quiser, podemos falar do que preferir. E, se no final do dia, você não quiser jantar comigo, eu prometo não te importunar mais."
"Você não está me importunando," pelo contrário, eu não sabia qual tinha sido a última vez em que tinha me sentido tão bonita. Ou, até mesmo, minimamente visível.
"Mas se você se divertir," ele deu um passo à frente, me obrigando a só olhar para seu rosto, "se no final do dia você não achar mais a ideia de um jantar tão absurda, eu ficaria honrado."
Ele franziu as sobrancelhas, meio caminho andado à expressão que eu imaginaria que ele fizesse se eu o recusasse. Não era justo. E menos justo ainda era baixar os olhos para dar de cara com seu uniforme.
"Está bem," me dei por vencida. "Mas eu não prometo nada."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.