Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 74
Capítulo 74: POV Marc Hynes


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Tom Ford" e "Fuckwithmeyouknowigotit", as duas do Jay-Z.



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Tudo aquilo parecia caricato. Até então, a competição estava indo bem. Era divertido até poder jogar bexiga d'água nos selecionados e ganhar deles quando eles estavam loucos por um encontro com a princesa. E eu nem precisava aparecer em câmera nenhuma. Eu estava curtindo.
Mas ter que subir no trono e colocar uma coroa de plástico era demais. Eles só podiam estar tirando com a nossa cara. Desde quando aquilo era prêmio? E bom o suficiente para quem ficou tentando sentir com os dedos os formatos das moedas no fundo da piscina, só para poder pegar as de maiores valores e comprar o máximo possível de chaves? Sinceramente. Eles estavam precisando de alguém para decidir o que os vencedores mereciam. A festa estava boa, melhor do que a primeira. Mas eles ainda tinham muito o que aprender.
Keon não parecia muito animado, mas tão pouco estava percebendo como aquilo era ridículo. Ele subiu as escadas para o trono primeiro, eu o deixei tomar uma certa distância. Minha esperança era que, uma vez que eu ficasse esquecido, poderia acabar passando reto.
Mas não funcionou. Além de que eu não fiquei esquecido, fizeram questão de colocar uma câmera na minha cara, me seguindo até chegar no trono. Não tive escolha a não ser apressar o passo.
Eles nem tinham se importado em nos dar camisas. Eu realmente era o único que me preocupava com o quanto aquilo era ridículo. E, chegando lá, tive que me abaixar para a Lola posicionar a coroa de plástico e mal pintada na minha cabeça, para combinar com o calção.
Quando levantei o rosto de novo para ela, estava tentando não pensar em como aquilo era idiota. Tentava não pensar em nada. Podia tirar sarro mais tarde, mas não fazia a menor questão de ter as pessoas me assistindo e falando de mim depois. Me implorei na cabeça para não rir. Me implorei para pensar em qualquer outra coisa. No sol, no calor, na piscina, na coceira que eu estava no braço. Qualquer coisa.
Mas assim que meus olhos encontraram os de Lola, percebi que ela estava fazendo a mesma coisa. E com muito menos sucesso. Seus lábios estavam contraídos o máximo que ela conseguia, forçando-se a nem sorrir. Mas eu não aguentei e assim que ela me viu, ela praticamente engasgou, com uma risada no fundo da garganta.
É, talvez eu não fosse o único que soubesse o quanto era ridículo.
Ela me indicou o meu trono, à sua esquerda, enquanto desviava o olhar, provavelmente ainda tentando ficar séria. Eu o aceitei, resolvendo então aproveitar aquilo. Ser era para ser caricato, eu seria caricatura.
Me sentei e apoiei meus braços do jeito mais confortável possível. Os tronos eram de verdade, altos, duros e retos. E ninguém nem parecia se importar que nós ainda estávamos um pouco molhados. Então aquela era a grande honra? Sentar em tronos verdadeiros? Que tipo de pessoa acharia aquilo grande coisa?
Quando olhei para Keon, ele observava os detalhes da madeira no dele. Tentei fazer o mesmo, mas não me interessava muito. Comentaria com a princesa sobre como aquilo era esquisito, mas os infelizes dos câmeras faziam questão de estar ali. Não sabia o que era para falar e não me importava. Lola e Keon que se entretivessem, eu resolvi focar na vista que eu tinha lá de cima.
Fiquei levemente embriagado pelo que eu podia ver. O trono não era muito alto, tinha alguns cinco metros provavelmente de altura, talvez mais. Mas a vista era boa. A piscina quase parecia inalcançável. E, ao mesmo tempo, tive que me segurar aos braços do trono para não me jogar dali. A grade entre nós e nada era pequena. Seria um salto incrível. Quem sabe Lola estivesse pensando em comemorar o fim da competição assim.
Olhei para ela, tentando imaginá-la pulando dali. Tive que segurar o riso mais uma vez, dessa vez foi tão difícil que tampei a boca. Ela estava sentada, toda reta, fingindo conversar casualmente com Keon. Eles pareciam primos distantes que tinham acabado de se conhecer, não tinham assunto algum, mas eram forçados pelas próprias famílias a interagirem.
Ri sozinho daquele pensamento, desviando meu olhar para a plateia. E então a voz de Lola pareceu um pouco mais alta do que o normal.
"Como você o conhece?" Ela perguntou, mas nem fiz questão de olhar para ela. Quando continuou, seu tom estava um pouco mais duro. "Sr. Hynes?" Sr. Hynes? Quem que era esse Sr. Hynes? Me virei para olhá-la com cuidado. Ela sorria, como uma mãe dando bronca em público. "Como conhece Keon Illéa?" Ela perguntou outra vez, sua formalidade ao máximo pelo bem das imagens que as câmeras estavam gravando.
Eu franzi a testa, olhando delas de volta para a princesa. Eu precisava entrar naquele teatro mesmo? Péssimo momento em que eu tinha decidido participar daquela competição.
"A primeira festa, à fantasia. Encontrei ele por lá," fiz um gesto com a mão, que ela só devolveu com um sorriso.
Continuou me mirando pensativa por mais alguns segundos, nos quais eu só levantei as sobrancelhas, tentando entender o porquê daquilo. Depois ela se virou para as câmeras.
"Vocês já tem o que precisam?" Ela perguntou para os dois caras que nos filmavam.
"Acho que seria legal se a gente ficasse aqui enquanto vocês conversam," um deles falou, apoiando a câmera no ombro para olhá-la de lado.
Ela engoliu a seco, levantando o queixo na direção dele. "Vocês já tem o que precisam," dessa vez, não foi uma pergunta, mas uma ordem.
Keon estava claramente desconfortável, enquanto eu só sorria de lado, mais longe das câmeras. Depois de algum tempo, eles tinham desaparecido e a Lola se virou de novo para mim.
"Vocês se conheceram na festa, então?" Ela perguntou, quase como se estivesse preocupada.
Mas por que estaria? No máximo eu seria uma péssima influência para os selecionados. E isso eu não poderia evitar.
"Sim, por quê?" Perguntei, assim que um garçom apareceu e me ofereceu champanhe.
Só percebi que tinha escorregado pelo trono quando fui tentar virar a taça e não conseguia sem bater a base no meu peito.
Me endireitei. Era bem pouco champanhe, será que eles estavam economizando?
"Por nada," Lola disse, pensando ainda.
O que será que a incomodava tanto? E daí que eu tinha conhecido Keon na festa?
"É, ele ficou bêbado," falei, fazendo-o se afundar no seu trono enquanto pegava a sua taça. "E eu tentei ajudá-lo, mas estava fora do meu alcance."
Keon pigarreou sozinho, mas não desviou a atenção de Lola. Os olhos dela estavam praticamente arregalados. Ela se escondeu atrás da sua taça, que não era de champanhe, era bem maior e tinha um líquido branco dentro e um pedaço de abacaxi na beirada. Piña Colada, eu podia chutar. Porque ela conseguia meio litro de álcool e eu tinha que me contentar com dois dedos de um treco espumante?
Keon nem deu um gole no seu. Pelo contrário, segurava a taça como se estivesse louco para jogá-la longe. Ele olhava para qualquer lado, absolutamente qualquer pessoa que estivesse perto ou longe. Menos na nossa direção.
"Por quê?" Perguntei, de repente ficando curioso pelo jeito dos dois. "O que aconteceu nessa festa?"
Na hora, Keon olhou para mim, enquanto Lola se preocupava mais em analisar a saia do seu vestido.
"Por que você acha que aconteceu alguma coisa?" Ele perguntou. E só o tom dele já deixou claro que ele estava escondendo alguma coisa.
Para aquilo, eu tinha me endireitar no trono. Até o puxei um pouco para virá-lo na direção deles.
"Porque vocês dois estão agindo como se estivessem implorando em cada uma das suas cabeças para eu me colocar entre vocês," apontei para eles, fazendo a princesa me olhar com cara de quem ainda não acreditava que eu tinha falado aquilo. "Se quiser que eu tome o trono do meio, farei com prazer," completei para ela, piscando um olho só.
Ela revirou os seus, o que me fez rir. "Pode ficar aonde está," disse. "Não aconteceu nada demais. Vamos mudar de assunto."
"Não quer falar sobre o que você fez na festa?" Insisti, a provocando.
"Não," ela respondeu, olhando para a frente, como se observasse seu povo.
Mas eu ainda não tinha acabado. Ri para mim mesmo. "Quer falar sobre alguma outra festa que você foi em Illéa?" Perguntei, e ela se virou para mim de olhos arregalados.
"Keon," ela o chamou, ainda me olhando. Depois se virou para ele. "O que deu em você de convidar essa pessoa para participar da competição?"
Não ouvi a sua resposta, me deixei rir sozinho, já levando minha mão para o cabelo com a intenção de bagunçá-lo. E aí me lembrei da coroa. Aquilo era foda.
"O que é isso?" A voz da Lola se direcionou para mim. Olhei para ela, mas não sabia do que estava falando. Impaciente, ela pegou minha mão direita e a levantou no ar, torcendo meu braço para conseguir ver minha tatuagem de quatro setas grossas que se acompanhavam e levavam do meu cotovelo até quase meu pulso. "Como eu não tinha visto isso antes?"
"Cegueira? Narcisismo? Preocupada demais com o brilho na sua tiara?" Sugeri, fazendo-a soltar meu braço com tudo como vingança.
"E isso daí?" Ela perguntou apontando para meu peito.
Por instinto, passei a mão por cima da tatuagem que eu tinha logo em cima do mamilo, na direção do meu coração. Claro que eu já sabia que ela estava ali, mas era bom me lembrar.
"Eu preciso mesmo dizer o que é? Não está claro?"
"Sim, por favor. Me explique como se chama quando alguém marca a sua pele com tinta para sempre," seu tom era bem impaciente, mas ela ainda escondia um sorriso. "O que significa 'Mad to Live'?" Perguntou, se referindo à minha tatuagem.
"Nada demais," dei de ombros, tentando fazê-la esquecer do assunto. Me dava preguiça só de pensar em começar a explicar. "É de um escritor aí."
"Qual?"
"Você não conhece."
"Verdade, eu não sou proprietária de uma das maiores bibliotecas no mundo. É difícil eu conhecer algum escritor."
"Esse sarcasmo é mesmo necessário?"
"Achei que seria justo entrar na guerra com as mesmas armas que você," ela levantou uma sobrancelha, orgulhosa da sua resposta, esperando que eu não soubesse respondê-la.
Eu sabia. Eu poderia. Mas uma parte de mim queria poder falar de onde eu tinha tirado aquela frase. Não era grande coisa mesmo.
"Kerouac," falei. "Jack Kerouac."
"E você realmente achava que eu não saberia quem Jack Kerouac é?" Ela perguntou, completamente inconformada. Bufou uma risada e olhou para o teto, depois respirou fundo e me mirou. "Você não espera muito de mim, não é?"
"Não, absolutamente nada," respondi, mas não consegui evitar de sorrir. "Também tenho mais essa dele," falei, levantando o braço direito e deixando à mostra o 'burn, burn, burn' que eu tinha escrito na costela. "E essa," era a última, logo no começo do meu braço, um desenho geométrico de montanhas.
"Incógnitas," foi o que Lola falou delas.
"Para quem não entende," completei.
A cabeça de Keon despontou lá atrás. "Vocês já se conheciam?" Ele perguntou.
"Não," Lola e eu falamos em coro, sem parar de mirar um ao outro.

Finalmente pude tirar a coroa dura e descer do trono quando deu cinco horas da tarde. A próxima parte da competição estava pronta. Keon e eu descemos as escadas de modos bem diferentes. Eu tinha feito questão de aumentar o nível alcoólico das bebidas que estavam me oferecendo, enquanto ele se mantinha sóbrio. Depois daquela primeira festa, eu podia imaginar o porquê. E eu devia ter feito o mesmo. Nadar bêbado seria uma péssima ideia. Por sorte, tinha uma resistência astronômica para álcool, já que eu o consumia quase diariamente.
Nem sabia como os outros estavam se preparando, mas o máximo que eu fazia era me esticar. Keon parecia estar indo à loucura dentro da cabeça dele. Ele olhava para as bolhas gigantes com tanta fixação que eu apostaria que nem as via.
Mas eu até entendia o pânico. Para mim, seria hilário. Eu já estava imaginando a cena que se seguiria. Mas a ideia de ter que entrar naquilo era um pouco absurda também. Se não fosse para rir, tinha que chorar. A gente teria que ir dentro das bolhas de plástico até a metade da piscina, para depois escalar um iceberg inflável - que definitivamente não seria fácil - e depois ainda andar em ripas de madeira. Entrar na água não era uma das coisas que estavam no nosso futuro próximo. Pelo menos, não se a gente queria ganhar.
Eu ainda estava estralando meu pescoço e pensando em como tudo aquilo era engraçado, quando soaram o alarme. Nem me desesperei como as outras duplas. Só fui até a minha bolha e abri o zíper.
Eu sabia que o primeiro passo seria uma droga. Ela já estava na água, mas fiz questão de puxá-la para a beirada da piscina para apoiar meu pé ali, em solo firme. Eram poucos centímetros, mas foram o que me garantiram estabilidade para pelo menos entrar e fechar o zíper. Os outros estavam caindo dentro das suas bolhas, empurrando um ao outro, e eu me encolhendo no meu canto.
Quando finalmente me deixei escorregar para a água, senti o desajeito contra o qual os outros lutavam. Quase caí, mas os anos de surfe na minha adolescência tinham me presenteado com um certo equilíbrio que eu recuperei rapidamente. Pequenos movimentos já faziam a bolha se mexer, o errado era tentar andar dentro dela. Deixei meus pés imóveis, mas fui com o tronco para a frente e para trás para fazê-la chegar até o iceberg. Quando cheguei, não tinha ninguém do meu lado e meu maior problema foi alcançar o zíper para abrir e sair.
Assim que me afundei na piscina, pensei que poderia ficar ali mais um tempinho. Tava todo mundo lá atrás, não tinha pressa.
Mas aí me lembrei de Keon. Eu também não perderia de graça. Eu poderia não ganhar nada, mas ele ganhava alguma coisa. E seria o máximo ver os outros selecionados se importando tanto e saindo derrotados.
Subi rápido para a superfície, uma vez decidido a vencer. Escalar o iceberg era bem mais difícil do que parecia. Era praticamente impossível dar um impulso forte o suficiente para sair da água. Mas, com muito esforço, eu acabei conseguindo. Podia jurar que Keon tinha me chamado para aquela prova porque ele sabia que eu escalava. Mas aquilo era bem diferente. Em paredes normais, eu tinha que me manter reto e equilibrado em mim mesmo. Ali, a única técnica que eu consegui fazer funcionar era empurrar meu corpo para frente ao máximo. E, é claro, nunca pisar em nada se eu não tinha certeza absoluta de que não escorregaria.
Mas é claro que escorreguei. Várias vezes. Mas nenhuma que me custou todo meu esforço ali. Assim que consegui passar para o outro lado, outras duplas estavam chegando no iceberg. A minha sorte era grande, eles ainda tiveram o problema de que eu tinha deixado alguns dos apoios molhados.
Me concentrei na última parte. Ainda estava tentando descer do iceberg, mas estava querendo pular para a minha ripa antes de chegar até o último apoio de pé, só para ir mais rápido.
Mas ela era fina demais e preferi não arriscar. Salvar alguns segundos e arriscar ter que começar do zero seria loucura.
Por mais alívio que senti quando finalmente consegui alcançar a ripa, eu tinha me esquecido de como aquela modalidade era ingrata. E o álcool então, nem se fala. Não ajudou em nada. Eu realmente devia ter seguido o exemplo de Keon. Sobriedade naquela hora teria feito uma diferença enorme.
Tive que respirar fundo e parar para me equilibrar. Estava já com os dois pés na ripa, mas ainda me segurava um pouco no iceberg, agachado. Fui levantando devagar e me soltei. Quando estava de pé, só olhei para o que estava bem na minha frente. Não me interessava quanto ainda faltava para acabar, o quanto eu estava demorando ou quem estava me assistindo. Era só eu e o próximo passo que eu precisava dar. Um atrás do outro, parando para garantir meu equilíbrio e respirar. E então dar mais um e parar, forçar minha concentração, bloquear todo o resto. E outro, recuperar o pouco que meus braços quase me fizeram cair. Não os estiquei, não queria que as outras duplas em volta me atrapalhassem. Mas não existiam outras duplas, era só eu ali. Bloqueei a tentação de distração e voltei a mirar só a ripa de madeira embaixo de mim. Mais um passo. Perfeito. E outro, respirando fundo. Não tinha água embaixo de mim, chegar até o final não valia de nada. As expectativas estavam no zero. Mais um passo. A pressão já nem existia, não a deixava chegar perto de mim. Outro. Se eu ganhasse ou não, não importava. Eu terminaria. Mais um passo. E então a beirada da piscina estava na minha frente.
Toda a concentração que eu tinha se esvaiu e eu saí de lá, para encontrar as arquibancadas comemorando. Estava impressionado com a minha habilidade de bloquear o som, pois só o ouvi quando já estava a salvo. Olhei de volta para as ripas a tempo de ver uma menina caindo. Ela teria que voltar ao começo. Só quando ela colocou a cabeça para fora d'água que eu vi que era Alicia, uma das criadas mais novas do castelo. E do iceberg, o príncipe também caiu e a seguiu de volta ao começo.
Dei a volta na piscina para ir ver Keon. Ele já estava meio caminho dentro da bolha e usava exatamente a mesma técnica minha. Ele era o único selecionado a já ter começado, já que eles tinham que esperar suas duplas terminarem para poderem tentar. Quando ele abriu o zíper para sair e conseguiu se apoiar no iceberg sem cair na água, eu tive vontade de bater palma. Gritar o nome dele, mandar continuar, o que fosse. Ele era do meu time. E eu torcia para o meu time com todas as forças que eu tinha.
Mas ele precisava de bem mais concentração do que entusiasmo. No dia da festa, ele tinha ficado para trás. Só podia imaginar que não sabia escalar nem um pouco e que talvez aquele fosse sua pior parte.
O cara mais velho das duplas terminou junto com outro e Madison Hunter. Os três passaram por mim e foram atrás de seus selecionados, os incentivando a continuarem. Quando voltei meus olhos para Keon, ele já estava chegando perto da ripa de madeira.
Como ele tinha feito aquilo? Será que ele não era uma negação para escaladas afinal? Será que eu finalmente tinha encontrado um parceiro para minhas aventuras?
Não queria vê-lo andando na ripa. Mas, ao mesmo tempo, eu tinha que ver. Eu tinha que ver se ele conseguiria ganhar. Atrás dele, a Alicia caiu mais uma vez, e ainda assim saiu da piscina rindo. Mas outra menina ainda estava no iceberg e não parecia estar tão entretida com suas falhas.
"Tentar distrair os outros selecionados é considerado motivo para desclassificação?" Ouvi alguém perguntar do meu lado.
Me virei para encontra Madison, que tinha os braços cruzados e assistia Keon.
"Se é motivo para desclassificação, não sei," falei. "Mas que é considerado medida desesperada de gente pequena, é."
Ela bufou uma risada sem me olhar. "Você fala isso porque perdeu a guerra de bexigas."
Foi minha vez de rir. "Sabe o que mais é coisa de gente pequena? Ganhar uma batalha e achar que tem toda a guerra."
Não esperei para ouvir a sua resposta. Agora eu queria ganhar. Agora eu precisava que Keon ganhasse. Não me importavam os selecionados. A última coisa que eu queria era Madison ganhando a competição inteira. Ela estava indo melhor do que eu tinha imaginado.
Fui para a frente da piscina, na direção de Keon. Dei uma certa distância para ele não se distrair comigo. Mas eu não podia ficar mais longe. Sentia quase como se estivesse segurando uma corda invisível e o puxasse na minha direção. Mais alguns passos, só alguns passos e ele ganharia. O selecionado da Madison tinha acabado de chegar à ripa dele. Ele levantou o rosto para ver Keon e decidiu que a melhor estratégia seria ir rápido. E ele era alto e estava quase conseguindo chegar antes. Madison se colocou do meu lado. Eu cheguei mais perto da piscina. Keon continuava mirando a ripa. O selecionado quase se desequilibrou, ele era grande demais. Parou, se endireitou. Keon continuava alheio ao resto. Enquanto Madison e eu estávamos quase nos batendo para tirar um ao outro dali. E o selecionado deu outro passo. Eu olhei para Keon. Alguns centímetros. Se ele se esticasse, já chegava até a beirada da piscina. Ele tinha a mesma técnica que eu, devia ter me visto andando bem. Mas eu devia ter pensado em outra menos demorada, pois o selecionado ainda achava que ir rápido era melhor. Ele era obrigado a parar para recuperar o equilíbrio de vez em quando, mas não caía. Ele simplesmente não caía! Ele estava quase chegando, alcançando Keon sem ele nem mesmo perceber.
E aí Keon saiu da piscina. E o selecionado veio logo atrás dele.
Só então que eu voltei a respirar. Madison suspirava, eu respirava. Porque Keon e eu tínhamos ganhado. E mesmo ele saindo da piscina e nos olhando sem saber o que estava acontecendo, completamente alheio à tensão que tinha estado entre nós segundos antes, ele também estava bem aliviado. Eu lhe dei alguns tapas nas costas, enquanto os outros participantes desistiam aonde estavam eles mesmo.
Nós fomos levados ao palco outra vez, onde Marlee explicou que nós tínhamos ganhados por pouco. Só ficamos ali, olhando para os outros que ainda se recuperavam. Arrisquei um olhar na direção da princesa, que estava sentada quase como eu, quase jogada, tentando ficar em um negócio duro e reto como seu trono. Ela não batia palmas, só nos olhava com cara de desgosto.
Mas era um desgosto engraçado e eu sabia que era completamente mirado ao meu próprio orgulho. Então fiz questão de inflá-lo e estufar o peito, dando outros tapas nas costas de Keon, que ele me devolveu. Até acenei para a plateia, por mais bizarro que isso parecesse. Já podia imaginar a princesa revirando os olhos. Mas parte de mim também fazia aquilo para compensar o drama de minutos antes.
A próxima pausa foi de mais vinte minutos, mas eu aproveitei para ir ao banheiro e tentar dar uma acordada melhor do álcool. Só que acordei demais, então, quando voltei para a festa, peguei um copo de cerveja.
Mas nem tive a chance de terminar. A próxima prova estava pronta e eles já a explicavam. Nós nos posicionamos atrás das mesas do lado da piscina, onde algumas horas antes tínhamos ganhado a prova das moedas e das chaves.
Mas agora eram caixas e potes que estavam em cima delas. E alguns pincéis. Uma criada estava na frente de casa mesa e abriu as caixas quando Marlee explicava que nós teríamos que criar uma coroa de palitos, mas que eles ainda estavam em picolés. Eu já sabia que essa prova viria, mas precisava dar os parabéns para quem tinha inventado. A maioria das meninas estava animada, até Alicia do meu lado, que nem tinha dado a chance pro seu selecionado na última modalidade.
Mas os caras estavam preocupados. Os selecionados nem pareciam saber por onde começar. E, realmente, montar uma coroa não seria fácil. Mas eu estava mais preocupado com os picolés. Prestei bem atenção no que Marlee falou, tentando memorizar as palavras. Nem de longe eu iria chupar um por um. A não ser que eles quisessem coroas de tamanho especial para gatos.
Não. Eu precisava dar um jeito de contornar a explicação deles. Marlee especificou que teríamos que usar nossa boca para chegar até os palitos, mas não falou nada sobre chupar. A minha primeira ideia de simplesmente ir quebrando o picolé com a mão já não valia, mas talvez eu tivesse uma alternativa.
O alarme soou e a competição começou. Eu peguei o primeiro. Continuaria com a minha ideia. Mas ao invés de quebrar com a mão, fui tirando pedaços enormes com a boca mesmo. Os outros ainda estavam loucamente tentando chupá-los. Até Keon, mas ele parou assim que me viu. Fez careta pelo frio do sorvete, mas em menos de trinta segundos, nós tínhamos dois palitos.
"Faz um esquema aí," eu falei, pegando o próximo. Nós tínhamos papel e caneta e eu empurrei para ele. "Faz uns esquemas da coroa enquanto eu separo os palitos."
Ele fez cara de quem ia falar alguma coisa, mas acabou aceitando e começando.
"Eles são retos," falei, tirando o terceiro palito. "Essa curva aí não funciona."
"Qual o tamanho de uma cabeça?"
"Sei lá, a gente mede quando começar," quando peguei o próximo picolé, me dei conta que tinha estado perdendo muito tempo.
Eu começava pelo topo deles, mas se começasse pela base, aonde já tinha palito, não precisaria comer tanto para conseguir livrá-lo.
Os próximos três foram muito mais rápidos, a ponta do picolé sempre sobrando e eu a jogando dentro da caixa.
Keon fez a coroa mais simples que ele conhecia. Não sabia se beleza ia contar, Marlee só tinha falado do tempo. Nós já tínhamos quase dez palitos e eu estava bem satisfeito. Até que ele me disse que precisaríamos de trinta.
Trinta. E para aquela coroa simples, que só fazia a 'curva' na cabeça e depois cada base com dois palitos, mas um triângulo que subia, fazendo pontas e um no meio para estilizar, segundo Keon. Trinta para só isso. Quem estivesse planejando algo mais complicado estava perdido.
Estava chegando no décimo quinto e minha boca já doía. Não sentia meus dentes fazia um tempo, mas os cantos dos meus lábios estavam começando a assar, já que eu tentava dar a maior mordida possível. Decidi que iria lidar com aquilo depois, que não era hora de me preocupar. Com o esquema pronto, mesmo que nos traços terríveis de Keon, ele pôde voltar a me ajudar. E copiava minha técnica. Era ótimo que nem precisava falar com ele para conseguir que entendesse porque aquela era uma boa ideia.
A pior parte nem foram os picolés. Apesar do alívio de não ter que morder mais nem um pedaço gelado com gosto de uva (provavelmente escolhido pela cor do nosso calção), colar os palitos juntos era muito mais difícil.
A única cola que tínhamos era branca e líquida demais. E não segurava a droga dos palitos por dois segundos. Medimos mais ou menos na cabeça do Keon quantos palitos íamos precisar (seis para não cair), mas depois era quase impossível fazê-los parar juntos. Tivemos que usar a fita crepe que tinha ali, mas era difícil de deixar reto e não ficar porco.
Eu já estava ficando cansado daquela competição. Era muita coisa dando errado de uma só vez. Nós derrubamos a cola, os palitos, e sempre que parecia que ia grudar de vez, algum saia.
Keon acabou tomando as rédeas da situação e começou a me dar ordens. Já que eu mesmo tinha percebido minha falta de habilidade, o deixei mandar em tudo. Primeiro, ele parou e me indicou para não relar em nada. Ficou olhando para a mesa e os palitos por alguns segundos, me deixando quase em pânico com o tempo e o avanço das outras duplas.
Eu odiava aquilo. Ao mesmo tempo que amava. Não, nunca me daria por vencido. E por mais raiva que me dava quando as coisas não davam certo, eu simplesmente não podia aceitar que alguém ganharia de nós. Não enquanto a competição ainda corria.
Depois de ficar parado, Keon começou a me falar o que fazer, onde segurar quando ele fazia o quê. A ordem das tarefas foi impecável, evitando que os palitos se torcessem. Pelo contrário, usávamos o pouco do torcido para a nossa vantagem. E logo a base saiu.
Os triângulos, ou melhor, as pontas foram mais difíceis, mas demoramos menos para conseguir domá-las. Quando chegamos à parte de simplesmente colocar um palito dentro de cada uma para embelezar, eu estava praticamente pulando no meu lugar. Keon colocava de um lado e eu do outro, girando a coroa para chegarmos à próxima ponta. Henry Ford teria tido muito orgulho, a linha de produção estava dando as caras entre nós - e cortando nosso tempo pela metade! Quando terminamos e soltamos a coroa em cima da mesa, nenhum selecionado tinha chegado perto de terminar.
Marlee anunciou animada que já tinham vencedores e a galera comemorou junto.
Não vi quem era, mas alguém na outra ponta das mesas chutou o que estava na frente, deixando toda a arquibancada quieta e até a princesa assustada. Mas Keon e eu não nos importamos por mais do que dois segundos. Eu peguei a coroa e mandei que ele ajoelhasse, de zoeira mesmo, e a coloquei com cuidado em cima da sua cabeça depois que ele me obedeceu. Eu não conseguia parar de rir e, quando ele se levantou, ele estava sorrindo de orelha à orelha, finalmente entendendo a razão para aquela competição. Finalmente ele estava se divertindo. A gente se abraçou, dando tapas nas costas um do outro. Três modalidades. Seguidas. Nossas. Ganhas.


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