Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 73
Capítulo 73: POV Dane Lewis


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Blue Magic" do Jay-Z.



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Assim que Marlee terminou de falar sobre as últimas duplas no cabo de guerra, uma música feliz e irritante começou a tocar.
Na verdade, aquilo tudo era irritante. Desnecessário. O que eu estava fazendo ali? Quando aquela Seleção tinha passado de um jeito de conhecer a princesa para um jeito de se ridicularizar na televisão?
Eu estava sentando bem longe de todos os outros, no meu lugar no palco. Por sorte, ninguém tinha me questionado quando fui até lá. A última coisa que eu queria era ter que dar explicações. Mas ao mesmo tempo que aquela era minha maneira de fugir de toda a comoção da competição, era também um jeito de acender uma luz única sobre mim. Alguma coisa estava claramente errada. E todos da plateia me olhavam curiosos, mesmo quando eu ficava escondendo a cara na toalha.
Mas a prova de que tinha alguma coisa errada não estava na minha expressão. Estava no meu ombro. E estava à mostra para quem quisesse ver. Era uma cicatriz grande demais para não verem.
Arrisquei um olhar na direção da princesa. Ela também olhava para mim e nem fez questão de fingir estar distraída. Valia a pena? Ela valia a pena tudo aquilo? Eu não estava aguentando as provas como os outros. Amanhã já estariam falando por todos os jornais como um selecionado mal conseguia acompanhar. E começariam as perguntas. Vários urubus da minha base ficaram a par e descobririam afinal que eu não estava melhorando. Pelo contrário, cada dia era mais difícil eu fazer movimentos simples como abotoar minha camisa ou coçar minhas costas. Eu forçava, eu tentava aguentar a dor, ou pelo menos me acostumar com ela. Mas ela me debochava, intensificando a cada movimento extremo que eu tentava.
Eu desviei o olhar e, quando voltei a mirar a princesa, ela ainda tinha o rosto virado na minha direção. As outras duplas estavam posicionadas de cada lado da piscina, mas ela continuava olhando para mim.
Me levantei, tentando diminuir o espetáculo do meu fracasso, e fui até os outros selecionados. Não estava tão interessado no resultado daquela final, mas a distração era bem-vinda. Nem minha dor, nem minha humilhação seriam resolvidas então. O mínimo que eu podia fazer era passar despercebido.
Alaric soltou da corda e estralou os dedos. O príncipe atrás dele parecia focado em ganhar, mas bem menos que ele. Do nosso lado ficava a dupla menos competitiva. Ian sorria de lado, mas eu podia jurar que ele só gostava de ver como Alaric estava levando tudo aquilo tão a sério. Ele mesmo não parecia estar se esforçando tanto. Tinha escolhido o segundo melhor parceiro. O melhor era meu, mas Loric não era bom o suficiente para ganhar sozinho. Esse era o nosso problema.
O cabo de guerra começou e as duplas se empataram fácil. Eles praticamente só deixavam a corda parada em um lugar. Ian sorria cada vez mais, enquanto Alaric se mantinha sério, fazendo as caretas necessárias. Ele não estava segurando bem a corda e eu podia ver mesmo de longe. Ele não devia estar muito preparado quando começou e a pegou de mal jeito. Mas agora era tarde demais para conseguir mexer um só centímetro. Eles estavam tão empatados que qualquer demonstração de fraqueza poderia ser fatal.
O príncipe tentava dar um passo para trás, tentava forçar a outra dupla a chegar mais perto da piscina, mas não estava funcionando. E quando o parceiro de Ian deu um puxão brusco para ganhar vantagem, ele estava apoiado em um só pé. Ao invés de conseguir dar um passo para trás, ele foi puxado um para frente.
O sorriso de Ian aumentou. Ele claramente estava gostando da vantagem e, na hora, eu pensei que aquela era uma péssima ideia. Quase torci para que perdesse. Ele não estava concentrado. Ele nem devia saber o que estava fazendo, só fazia. Era o tipo de atitude que odiávamos na Força Aérea. Caras que achavam que levar as coisas a sério era idiota e que conseguiam se virar sem precisar se esforçar de verdade. Eu conhecia Ian, sabia que ele era um cara firmeza. Mas eu odiaria ter que competir por aquela final contra ele. Desprezava aquele tipo de atitude em jogos e acabaria só ficando ainda mais furioso.
Eu definitivamente era mais parecido com Alaric do que pensava, pois a sua careta começou a ficar bem mais intensa do que antes. Ele não podia se deixar abater, devia se concentrar na tarefa e não na reação dos oponentes. Mas eu o entendia, era difícil não se deixar abalar. E a raiva dele o levou a tentar segurar a corda melhor.
Ian e Lucca perceberam a tempo dos dois darem outro puxão brusco. Alaric tentou se segurar como pôde com o pé na beirada da piscina. Mas ela estava molhada e ele acabou escorregando e sendo levado completamente para dentro d'água.
A outra dupla soltou assim que ele começou a afundar e nem fez questão de puxar o príncipe junto. Mas Sebastian acabou se jogando sozinho depois. Devia ser pelo sol, que eu sentia queimando minha nuca. Eu também gostaria de poder voltar para dentro da piscina.
Ian comemorou alto, enquanto todos nós ficávamos quietos. Loric até me olhou estranho quando ele praticamente gargalhou por ter ganhado. Em um segundo Alaric pulou fora da piscina do lado dele, determinado a ir para cima dele com toda a força que ele ainda tinha. Por sorte, ele estava perto de nós e Will e eu corremos para separá-los. Eu fui até Alaric, enquanto Will afastava Ian.
"Não vale a pena," eu falei para ele, tentando segurá-lo pelo ombro.
Mas ele era forte a ponto de fazer a dor do meu travar meu braço até as pontas dos dedos.
Ele nem olhava para mim, mas eu tive que me colocar de corpo inteiro na sua frente para impedir que ganhasse de mim e conseguisse chegar até Ian.
"Ei, Alaric," eu falei mais alto, enquanto ele travava a mandíbula e continuava mirando Ian. "Não vale a pena," eu repeti. "Não vale a pena ser desclassificado por ele."
Na hora em que falei isso, seus olhos encontraram os meus. Até mesmo seus ombros tinham relaxado. Eu tinha achado seu ponto fraco. A última coisa que ele queria era ser eliminado.
Ele bufou algumas vezes, numa tentativa inútil de conseguir respirar. Eu lhe dei espaço, mas não o suficiente para mudar de ideia antes que eu pudesse reagir. Nessa hora, outros já tinham se juntado a mim para dar opiniões de como Alaric que estava certo. Mas ele nem parecia ouvir.
Quando me virei de volta para Ian, percebi que todas as meninas tinham se afastado, menos uma, alta e loira, que ajudava Dylan e Will a segurá-lo. Madison Hunter, segundo Marlee Woodwork. Eu a tinha visto uma vez, quando fui falar com Maggie dois dias atrás sobre a roupa que eu precisaria para meu próximo encontro com a princesa. Só não sabia como Dylan podia conhecê-la. Talvez do mesmo jeito que eu conhecia Maggie.
Depois de toda comoção, Marlee avisou que teríamos um tempo até a próxima modalidade. Meia hora. Eram três e quarenta e cinco. Antes, tinham avisado que as pausas seriam curtas, só a última mais longa. Mas dava para ver que precisávamos clarear os pensamentos.
As pessoas das arquibancadas se levantaram, mas as câmeras continuaram gravando. Vi quando elas estavam se aproximando de Alaric e o puxei para o bar o mais rápido possível. Ele insistiu que não queria beber, mas eu queria. E ele estava tendo tempo o suficiente para não sair xingando Ian para todo o mundo ouvir, então não me preocupei.
Ele não durou muito tempo perto de mim. E logo Keon e a dupla dele chegaram, me acompanhando nas bebidas. Mas junto com eles veio uma câmera, querendo saber o que nós pensávamos do que tinha acontecido e das provas até agora. Fiz questão de responder quando a pergunta se direcionava à comoção que tínhamos evitado.
"Eu entendo o lado dele," comecei, tentando fingir que falava com pessoas, e não uma lente redonda que mirava na minha cara. "Ele queria ganhar, como todos nós," o parceiro de Keon bufou uma risada atrás de mim, mas eu não me deixei distrair. "Não é assim todo dia na Seleção, mas hoje a competição é mais direta. Seria improvável passar o dia inteiro sem pelo menos alguma tensão. Mas ele só queria ganhar, pela princesa," não sabia porque estava defendendo Alaric, mas não consegui evitar. "E ele pensou melhor e percebeu que preferia não causar problemas por ela a defender sua honra."
"Então você acha que ele estava defendendo sua honra?" O entrevistador perguntou.
"Claro," respondi, quase como se fosse por mim. "Ele está levando a sério. Não só essa competição, como a Seleção toda. Claro que isso é pior para nós," acrescentei, só pelo jeito que o cara me olhou ao defendê-lo dentro da Seleção, "mas eu o entendo em ficar assim quando vê que está competindo com quem se importa menos."
"Então você acha que o outro não se importa com a princesa?" O entrevistador praticamente sorria na minha cara.
Enquanto eu me enrolava cada vez mais. Queria pedir para cancelar, mas estava ao vivo e eu sabia disso. Bufei uma risada sem humor para ganhar tempo para me recompor e me dissuadir de simplesmente empurrar o câmera na direção da piscina.
"Acho que o outro não se importa tanto com a competição de hoje," me explique, pronunciando cada palavra com cuidado. "Tenho certeza de que todos aqui se importam com a princesa."
Foi a vez de Keon bufar uma risada e fazer o entrevistador perguntar se ele queria comentar alguma coisa. Ele respeitosamente declinou e então ele e o câmera foram procurar outros selecionados.
"Péssima ideia," Keon falou quando eu me voltei para o bar.
"Eu sei," falei, dando um gole na minha cerveja e percebendo pela primeira vez que ele só bebia suco.
Ia perguntar porque evitava o álcool, mas ele foi mais rápido.
"Então por que você tava defendendo o Alaric desse jeito?" Ele perguntou.
Eu dei de ombros. E até isso me doía.
"Eu sei como é," disse.
"O quê?" O amigo de Keon entrou na conversa.
"Querer uma coisa com todas as suas forças e ver alguém que a despreza conseguir no seu lugar," assim que falei, senti meu braço enrijecer da minha mão até meu pescoço. Nem tinha percebido que estava segurando tão forte ao meu copo, mas a dor era incomparável.
E soltá-lo ajudou, mas não tanto quanto eu esperava.
Aquilo já era demais. Eu teria que passar o resto da vida sem mexer meu braço? Teria que aprender a escrever com a outra mão. Teria que amputar, sei lá! Mas daquele jeito seria impossível continuar! Já não podia confiar que conseguiria segurar uma caneta!
"Eu preciso fazer uma coisa," falei, me levantando, tomando o resto da minha cerveja até quase engasgar e saindo andando.
Keon e o amigo nem falaram nada, mas não fiquei para escutar.
"Loric," o chamei assim que ele passou por mim. Ele falava com uma das meninas que estava competindo com outro selecionado, mas se virou para mim, parando de andar. "Sabe aquela ideia do encontro?" Perguntei. "Vou precisar que outra pessoa pilote o helicóptero."
Ele olhou para mim como se eu fosse louco. "Mas a graça é você conseguir pilotar."
"Não, a graça é eu conseguir mostrar Angeles para a princesa sem fazer o helicóptero cair," insisti, respirando fundo. "Eu prefiro que outra pessoa pilote," completei.
"Pode ser Enny?" Ele perguntou, para minha surpresa.
"Enny?"
"É, ela adoraria," ele abriu um sorriso e eu vi a menina que antes falava com ele desistir de continuar a conversa e sair andando.
"Pode ser," falei, pensando sobre o assunto. "É, claro. Seria ótimo poder ver mais alguém familiar. Sua cara cansa."
"Eu sei," ele disse, dando de ombros e rindo.
Quando a próxima modalidade começou, já eram quatro e quinze da tarde. Eu passei o resto da pausa sentado no meu lugar, conversando com Loric sobre o que viria pela frente. Ficamos tanto tempo parados que, quando Marlee voltou ao palco para avisar que continuaríamos, eu já estava descansado. Mas descansado a ponto de não querer voltar a me mexer.
Por sorte estava acostumado a ter que ir ao limite e mais um pouco quando precisava. Resistência eu tinha, senão força.
A próxima competição foi explicada. Mesas pequenas foram alinhadas do lado da piscina e formavam uma bem comprida. E em cada uma, várias chaves. Nós teríamos que mergulhar com todo mundo e pescar moedas para juntar dinheiro e comprar quantas quiséssemos para tentarmos abrir o grande baú. Era questão de sorte. E esforço.
Quando nos posicionamos em volta da piscina, Loric estava do outro lado, com o calção vermelho como o meu. Ele concordou com a cabeça uma única vez, como se me prometesse que ganharíamos aquela.
E então o sinal soou.
E todo mundo pulou na água sem nem pensar duas vezes. Até eu. Estava uma delícia em comparação com o sol forte, mas não me deixei distrair. Peguei o máximo de moedas que conseguia e voltei para a superfície, indo até a criada vestida de vermelho atrás de uma das mesas. Deixei o dinheiro ali para mais tarde. Loric passou por mim para deixar as moedas dele. E então voltei para a piscina, esperando que ele me alcançasse logo.
A nossa estratégia era juntar o máximo possível e só depois nos concentrarmos nas chaves. Se pudéssemos separar as tarefas, teria sido mais fácil. Mas não podíamos. Nós dois tínhamos que entrar na piscina sempre juntos e só poderíamos comprar chaves com os dois presentes. Então era o melhor jeito de não arriscar perder.
Todo mundo estava indo à loucura. Roubavam minhas moedas quando ainda estava tentando sair da água, se faziam derrubar as que os outros seguravam, competiam pelos menores espaços. E pareciam todos usar a nossa mesma tática.
Nem sabia quanto tempo fazia, mas uma hora fui tentar me levantar para sair da piscina, e dei mal jeito no ombro, o que me fez derrubar todas as moedas que segurava. E eram de valores altos, já poderíamos comprar as várias chaves. Achava que tentar sempre subir com o outro braço fosse uma boa ideia, mas a água era traiçoeira.
Por um segundo, eu parei e apoiei a testa na beirada da piscina. Era àquilo que minha vida tinha se resumido. Parar no meio de tudo por causa de um braço inútil.
Estava realmente considerando só me deixar afundar na água, quando ouvi alguém gritando meu nome, mais alto do que todo o resto da multidão.
Me estiquei o máximo que conseguia para procurar quem tinha sido. E, mesmo de longe, eu pude encontrá-la. Ela fez questão de gritar de novo. "Vai, Dane!" Ela usou todo o poder de seus pulmões e bem quando eu estava prestes a desistir. Bateu palmas e se colocou de pé. E gritou mais uma vez, e outra, tentando me levantar quando eu mesmo já estava de joelhos.
Me deixei afundar na água. Mas só o suficiente para alcançar o máximo possível das moedas que eu tinha derrubado. E quando saí da piscina e fui em direção à minha mesa, fiz questão de olhar para Maggie e lhe fazer um aceno, como agradecimento.
Quando voltei para a água, Loric estava me esperando. Falei para ele que só precisávamos de mais uma vez e voltamos a pular.
Alguns minutos depois nós nos encontramos na mesa. O dinheiro que tínhamos pegado somava bem menos do que imaginávamos. De vinte chaves disponíveis, só conseguimos comprar nove. E quando corremos para testar cada uma no grande baú na mesa do meio, nenhuma funcionou.
Normalmente, eu me sentiria levemente derrotado. Mas Maggie fez questão de gritar outra vez meu nome quando percebeu que teríamos que começar do zero. E quando eu pulei de volta na piscina, estava como novo.
Depois de alguns minutos, e várias duplas já tendo testado algumas chaves sem sucesso, Loric e eu conseguimos comprar mais três. Não tínhamos mais tempo para ficar adiando, tínhamos que mudar de estratégia. Por sorte estávamos de acordo. Eu realmente tinha escolhido o melhor parceiro. Concordava comigo e nós mal tínhamos que falar para nos entendermos.
Quando corremos pro baú, uma outra dupla estava na frente. Eles tinham quatro chaves na mão. E a cada uma que eles giravam, eu rezava para mim mesmo para que não fosse a certa. Depois de ter funcionado três vezes seguidas, tive que me conformar em perder na quarta. E só os assisti conseguindo abrir o baú antes que nós tivéssemos outra chance.
Keon se virou com o prêmio na mão, uma coroa de plástico para ele e uma para o seu parceiro. E assim que eles se afastaram para irem falar com Marlee sobre como eles tinham ganhado a chance de se sentarem nos tronos, eu me aproximei do baú.
E na primeira tentativa, eu o consegui abrir.
Dez segundos, algumas moedas, uma chave. Eram o que tinham nos separados da vitória.
Voltei com os outros para os nossos lugares, enquanto revíamos o placar. Keon e Marc tinham os vinte pontos das moedas. Ian tinha trinta só do cabo de guerra. E Dylan tinha dez por ter Madison Hunter ganhando a guerra de bexigas.
Marlee fez questão de falar a pontuação de todo mundo. E quando chegou no meu nome e ela o seguiu com um 'zero', Maggie bateu palmas de novo e se levantou. Eu estava bem mais perto dela agora e fiz questão de retribuir com um sorriso. Ela estava tão animada e feliz, que me perguntei se ela sabia que eu estava perdendo.
Ou talvez ela não quisesse mesmo que eu ganhasse o encontro na praia com a princesa.


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