Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 71
Capítulo 71: POV Carolyne Muñoz


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Falling For You" da Colbie Caillat.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/71


Dei uma última olhada à minha volta.
Aquilo não estava certo. Eu não podia mesmo estar ali. Meu corpo não parecia me pertencer e eu quase não conseguia sentir o chão embaixo dos meus pés. Ouvia os aplausos de todo mundo e sentia a luz brilhando na minha cara, pelo único propósito de deixar a gravação mais clara para todos aquelas pessoas que estariam nos assistindo.
Não era possível que eu estivesse mesmo ali, de pé, no campo de guerra de bexigas. Eu não podia estar vestindo só uma camiseta e um shorts azul escuro que não cobria absolutamente nada demais.
Por que eu tinha aceitado? Por que era tão difícil falar não para Will? Eu tinha que ter ficado com dó dele de não ter mais ninguém para escolher? Se eu tivesse sido forte e recusado, estaria atrás das arquibancas ou em alguma janela do castelo, assistindo escondida como todos os outros criados.
Tudo bem que eu não era a única criada ali. Tinha me convencido de que não seria das piores ideias, que pelo menos mais algum selecionado teria que chamar outra para acompanhá-lo. Eles não conheciam quase ninguém. Era quase óbvio para mim.
E era verdade. Alicia também tinha sido convidada. Pelo seu selecionado, o que era menos estranho. Mas ela não parecia perceber a situação em que nós estávamos. Pelo contrário, ela parecia mais à vontade ali do que o próprio príncipe. Ela ria com sua dupla e os dois faziam parecer que estavam tendo ataques de histeria. E quanto mais alta a risada deles, mais eu entrava em pânico.
Ali não era meu lugar. Eu não devia estar na frente de câmeras. Não sem meu uniforme, não sem ter que passar despercebida. Não me sentia confortável, não estava nem um pouco à vontade. E mesmo depois dos vários sorrisos que Will mandou na minha direção, eu ainda podia sentir meu estômago embrulhando.
Segurei nas bexigas na bolsa à minha cintura com tanta força que tive medo de estourá-las. Só olhava para Will para ver se ele mudaria de ideia, se decidiria que era para nós desistirmos. Antes mesmo de começar, eu já podia repassar na minha cabeça como pediria desculpas por ter feito besteira. Não tinha nascido para guerras. Nem de brincadeira. Um cara que eu nunca tinha visto na vida estava na minha frente. E por maior que ele fosse comparado a mim, eu não teria coragem de jogar uma só bexiga d'água nele.
E quem jogaria no Príncipe Sebastian? E quem jogaria nas meninas? E se alguém jogasse em mim? Como eu conseguiria me desviar? Só poderia ser acertada por aqueles que estavam pra lá da linha. Mas não tinha aonde me esconder do meu lado. Só se fosse atrás dos outros participantes.
Eu realmente não queria decepcionar Will. Ele tinha confiado em mim. E por mais que não conhecesse mais ninguém, eu poderia tê-lo ajudado a conhecer um guarda e chamá-lo para ser sua dupla.
Mas não. Eu tinha certeza absoluta de que aquela seria a única vez na minha vida em que ele me pediria algo assim. Sabia que seria minha única chance de participar de algo desse jeito. E por maior que fosse minha vergonha de afundar a dupla e fazê-lo perder, eu simplesmente não conseguiria dar essa oportunidade para outra pessoa.
Mas ele definitivamente não precisava de alguém tão indecisa. Eu morria de vontade de participar, de ajudar, de fazer o máximo que eu podia para que ele ganhasse e me visse como alguém de quem ele tinha precisado. Era só o que eu queria. Que ele me visse, que ele lembrasse de mim. Não porque ele não conhecia mais ninguém. Mas porque ele se lembraria de mim naturalmente.
Só que minha vontade não era o suficiente. Não era nem de longe. Eu não tinha forças o bastante para participar de verdade daquela guerra de bexigas. Não era desse tipo. E eu sabia, simplesmente sabia que toda a vontade que eu poderia ter morreria em mim. O máximo que eu poderia fazer seria só evitar as câmeras e tentar me explicar depois para ele.
Estava pensando na cara de desapontado que ele faria para mim quando eu finalmente tivesse que me desculpar, quando senti uma bexiga me acertar na cara com tudo, jogando minha cabeça para trás e me fazendo cambalear alguns metros até bater em alguém.
Quando é que tinha começado que eu não tinha percebido?
"Carolyne Muñoz, fora," uma voz feminina falou no microfone, contribuindo lindamente para minha humilhação.
Com minhas bexigas intactas, eu saí de fininho do campo e me sentei no primeiro espaço de grama que vi. Só percebi que uma câmera me seguia quando já estava tentando arrumar meu cabelo e secar a água verde que escorria da minha cara com a camiseta. Ia colocar uma mão para me tampar, mas só acenei. E logo ela desapareceu.
Olhei para o cronômetro que contava quanto tempo a partida demoraria. Menos de vinte segundos e eu já estava fora. Realmente devia começar a preparar minha desculpa. Will tinha me visto tentando atirar as flechas. Ele não devia sabia como eu era ruim nessas coisas?
Mas ele parecia ir bem. A guerra estava uma confusão de água coloridas. Mas eu via bexigas azuis escuras voando para todos os lados. Era quase como se ele tivesse mais do que só dois braços. Só conseguiu acabar eliminando um cara, mas acertou várias em braços e pernas. E eu tinha que ter levado logo uma na cabeça.
Alicia e seu selecionado estavam se divertindo. Quando ela foi acertada na barriga por três bexigas, ela fingiu estar levando tiros de verdade. Fez o maior drama, ajoelhando no chão e se deixando cair de cara na grama. Isso distraiu o seu selecionado, que foi eliminado logo em seguida por uma bexiga preta.
Mas ele não se importou. Foi até ela rindo tanto que parecia ter que sentar junto com ela até se recompor. No final, só a pegou pelo braço, a levantou e a tirou do campo, os dois competindo para ver quem ria mais e quem teria que carregar quem.
A irmã da Princesa Gabrielle foi outra que saiu rápido. Ela e o selecionado que eu sabia chamar Dane. Ele parecia bravo, mas ela estava mais é desanimada. Quando foi acertada, demorou alguns segundos para realmente entender o que aquilo significava. E parecia querer espernear quando saiu do campo e se sentou do meu lado.
Só fazia cinco minutos que a guerra tinha começado. A plateia gritava os nomes dos selecionados. Mas eu estava mais preocupada em tentar assistir o jogo e talvez aprender uma ou outra coisa para os próximos.
Estava ficando mais animada. Eu era um peso morto, mas talvez Will não precisasse de mim para ganhar. Ele tinha um jeito meio agressivo de jogar, mas, ao mesmo tempo, não se esquecia de desviar. Eu o vi indo buscar mais bexigas duas vezes e nem assim ele se distraía. Mas acabou sendo acertado por uma bola de água azul clara. Ele parou para respirar fundo ainda no campo. Mas quando saiu e deu a volta até chegar em mim, estava sorrindo.
"E aí," ele falou, se sentando e abraçando os joelhos com os braços em um jeito de se equilibrar.
"Desculpa," pedi, assim que pude.
Ele se virou para mim, seu sorriso enorme sendo ameaçado pelo jeito estranho que me olhou. "Desculpa pelo quê?"
"Por ser uma inútil," falei, sem conseguir me controlar. Devia ter tentando algo mais brando, pois sua expressão mudou na hora. Pior do que ser inútil era acabar com a felicidade dele.
"Você não é uma inútil," ele disse, voltando a olhar para o campo. "E eu imaginei que seria um pouco difícil para você mesmo."
"Por quê?" Quis saber, apesar de não querer ouvi-lo falando que eu tinha cara de quem não conseguia fazer nada direito.
Will deu de ombros, sem me olhar. "Não deve ser fácil para você quando ele está participando," ele fez um aceno com a cabeça e eu segui com os olhos.
No campo, vi Sebastian sendo acertado por uma bexiga de água vermelha e o selecionado que o tinha convidado reclamando com ele a tempo de levar uma preta na cabeça e quase cair.
Já estava voltando a olhar para Will, pronta para perguntar o que ele queria dizer, quando vi outra bexiga vermelha acertando um selecionado de calção preto. Mas é claro! Era Loric. Era dele que Will estava falando.
"Pois é," eu disse, só para não discordar.
A verdade era que eu não me importava muito de Loric estar ali. Claro que não queria passar vergonha na frente dele. Mas não queria passar vergonha na frente de ninguém. E quando eu estava ali, tentando me preparar para enfrentar essa competição inteira, não estava pensando nele. Estava bem mais preocupada no que Will diria, no que ele pensaria.
Me virei para falar mais alguma coisa, mesmo sem saber o que, mas acabei só me deixando observá-lo. Ele realmente estava cansado. Segundo o relógio, fazia quase dois minutos que tinha estado sentado do meu lado, mas ainda respirava forte e fundo. Ele devia ser daqueles que adoravam exercício físico, porque quanto mais suava, mais feliz ele parecia. Definitivamente diferente de mim.
Vi quando ele começou a se virar para mim e me apressei para desviar meu olhar para qualquer coisa atrás dele. E então vi o trono da princesa. Ele seguiu com os olhos, mas logo voltou a ver o jogo, que já devia estar acabando.
A princesa conversava com a menina no trono do lado dela o tempo todo, rindo e apontando discretamente para as pessoas no campo da guerra de bexigas. Eu mesma olhei para ver se alguém também a mirava. Ainda no jogo, só tinha a Madison, de shorts preto, Elena Leger de amarelo e Marc e um selecionado de bermudas vinho.
Do lado de fora, o selecionado de azul claro ficava revezando entre olhar para a princesa e para o jogo, provavelmente não prestando muita atenção a nenhum dos dois. Ele também lançou olhares para onde estávamos, mas Will não chegou a perceber.
Aquilo eu mesma esperava. Will tinha ganhado a primeira pesquisa do preferido para se casar com a Princesa Lola feita por uma revista popular. O mínimo que aconteceria seria ele sendo visto como ameaça para os outros. E eles nem sabiam que ele estava longe de se importar.
Em mais um minuto, Elena tinha sido eliminada junto com o selecionado de calção vinho. E então era Madison contra Marc. Os dois eram rivais quase de nascença. Nas poucas vezes em que fizemos churrascos de criados e criamos partidas de futebol, eles que montaram os times. E eles sempre ficavam até o último segundo competindo para ver quem ganhava. A maioria dos jogadores desistia no meio. Mas eles ficariam no gol, na zaga e no ataque ao mesmo tempo se precisassem. Não se davam por vencido de jeito nenhum.
Eu estava quase me esquecendo de que ainda tinha muito da competição pela frente. Os dois ficaram se desviando durante quase cinco minutos, enquanto todos no jardim eram involuntariamente atraídos à disputa. Os dois eram tão bons, tão ágeis, que parecia que ficaríamos ali pro resto da vida. E eu já estava até comemorando minha posição naquela grama, sem ter que fazer nada, quando Madison acertou Marc na direção do seu coração.
A plateia explodiu em aplausos. O selecionado da dupla de Madison se levantou na hora, correndo até ela. Ele a pegou pela cintura e a abraçou, a levantando do chão só o suficiente para que pudesse girá-la no ar. Ela devolveu o abraço sem problemas, jogando seus braços em volta de seu pescoço. Todos nós em volta ficamos quietos, ninguém mais se atreveu a se levantar ou até mesmo aplaudir. Todo mundo já queria saber porque ele tinha a tinha escolhido, como eles tinham conseguido se conhecer. E agora estava ficando ainda mais misteriosa essa amizade deles.
Alicia empurrava seu selecionado com toda a força que tinha, várias vezes seguidas, seus olhos grudados nos dois que ainda se abraçavam no meio do campo. Eles só se separaram pois o guarda que tinha sido designado a nos indicar nosso caminho, Chris, tinha aparecido e tentava nos fazer voltar à nossa fila.
Nós andamos até o palco devagar. Will e eu éramos a última dupla, por causa do nome dele. E eu pude ver quando Madison perdeu seu sorriso e falou alguma coisa para o seu selecionado que não parecia nada feliz. Ela praticamente correu dele, mas acabou tendo que seguir a fila do seu lado. Thor e Alicia na nossa frente ficaram estranhamente quietos, mesmo enquanto ela ficava dando rápidas cotoveladas nele e ele devolvendo-as.
"Will?" Eu chamei, o mais baixo que podia, já que passávamos pelas arquibancadas. Ele só olhou na minha direção, me indicando que estava ouvindo. Minha intenção era perguntar de Madison, mas quando nossos olhos se encontraram, só tinha uma coisa que eu queria saber dele. "Se você sabia que eu estaria distraída, por que você me chamou para ser sua dupla?" Perguntei, fazendo-o sorrir de lado. "Por que não chamou algum guarda que consiga te ajudar de verdade?"
"Prefiro perder com você como minha dupla, do que ganhar com um estranho," ele falou e, na mesma hora, se afastou de mim, indo tomar seu lugar no palco.
Eu parei de andar, tentando absorver o que ele tinha dito. Não queria corar, nem me deixar ficar feliz demais. Mas também gostaria de poder comemorar uma vitória pequena como aquela. Depois de ficar um segundo ali parada, o segui.
Era estranho. Não existia nenhum lugar ali aonde eu preferiria ir me sentar. E era o meu lugar, como sua dupla. Mas ao mesmo tempo, eu me sentia como se estivesse abusando de me sentir no direito de estar ao seu lado.
Will não tinha ideia do que eu estava pensando, pois se virou para sorrir de lado para mim, um segundo antes de olhar para a Marlee, que tomava seu lugar na frente do microfone.
Ele podia não ter ideia do que eu estava pensando. Mas eu tinha. Eu devia saber melhor, devia me lembrar de qual era meu lugar. A Princesa Lola podia muito bem estar falando com sua amiga sobre como eu tinha me esquecido de que era uma criada e de que ele estava ali por ela. E mesmo que ele não a quisesse, ele estava apaixonado por outra pessoa.
Tínhamos passado quase o final de semana todo conversando sobre Tessa e Loric. Eu só rebatia memórias, mas ele tinha várias. E várias que eu nunca conseguiria superar. Um amor proibido, errado, mas incontrolável. Era isso que ele tinha com ela. Por mais involuntário que fosse ficar colecionando momentos em que eu tinha a honra de olhar para ele, de ouvi-lo falando dele e de me sentar ao seu lado, eu precisava me lembrar de que esses momentos não eram meus. Eu só os estava emprestando. Eu estava de passagem na vida dele. E não adiantava nada fazê-lo ser tão marcante e importante na minha, se ele se esqueceria de mim assim que pisasse fora do castelo.
E sim, aquela era minha maior preocupação. Até que Marlee disse que teríamos que tirar as camisetas para a próxima competição.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.