Eu estava descendo as escadas principais acompanhada de Charles, quando um vulto azul passou correndo na nossa frente.
"Mary, Mary!" Era Marlee, que brecou na frente dela na entrada do hall. "Onde está Meri? A princesa vai chegar! A princesa vai chegar e eu nem posso levá-la pro quarto dela!"
"Estou aqui, Marlee," America apareceu no corredor e Marlee correu para ela, a abraçando assim que chegou perto.
"Graças a deus," ela disse, depois se afastou. "Eu preciso que vocês enrolem a princesa. Eu preciso de mais tempo!"
"Estou vendo que você era a pessoa certa para tomar o lugar de Silvia agora que ela se aposentou," o rei disse, vindo logo atrás de America.
Charles e eu chegamos até o final da escada, mas ninguém pareceu nos notar.
"Muito engraçado, Maxon. Ria dos meus problemas. Que grande amigo você é," Marlee voltou a mirar a rainha. "Não tem como vocês inventarem algum tipo de atividade? Qualquer uma que não a deixe nem chegar perto do seu quarto!"
"Quanto tempo você precisa?" Eu perguntei, fazendo todo o grupo me olhar pela primeira vez.
Nossa presença deve tê-la confundido, pois ficou em silêncio por um minuto. Depois ela olhou em seu relógio e arregalou os olhos.
"Ah, meu deus. Três horas. Nós precisamos de três horas ainda!" Ela exclamou. "Por que a princesa não se atrasou?"
"Ela é inglesa," Charles disse e Marlee deu de ombros.
"Que belo dia para eu começar esse novo emprego," ela falou, claramente cansada de todo seu nervosismo.
"Se quiser, nós contratamos outra pessoa para ficar no seu-"
"Não!" Ela cortou o rei, logo sorrindo para ele. "Desculpa, Maxon. Mas eu vou melhorar. Eu estou gostando, por incrível que pareça. Só me dê mais três horas e eu coloco tudo de volta nos trilhos."
"Alguém tem alguma ideia?" Eu perguntei, mas nós só nos entreolhamos.
"Você tem?" Charles virou para mim.
"Não," admiti. "Mas posso pensar em alguma coisa. Quando ela chega?"
Marlee olhou no seu relógio de pulso de novo. "Se ela for realmente pontual, ago-"
Sua voz foi abafada pelo som do sino que ficava lá fora. Era o jeito do guarda que a esperava nos alertar sobre sua chegada.
Em poucos minutos várias criadas passaram por nós e se posicionaram no hall em fileira. Eu segui Charles, que me guiou até o lado direito do rei. Marlee correu para a porta e respirou fundo. Vi que Carter era um dos guardas que estava lá quando ele piscou para ela e ela sorriu nervoso de volta para ele. Pelo que Charles tinha me explicado, Maxon tinha oferecido uma posição de conselheiro para ele, mas ele tinha acabado voltando a ser guarda. Talvez trabalhar com política não fosse seu forte. Eu sabia que não era o meu.
Tudo pareceu ficar em câmera lenta quando Marlee segurou as grandes maçanetas com as duas mãos. Mil coisas passaram pela minha cabeça. Confesso que até vi um mundo inteiramente novo atrás daquelas portas. Como se elas dessem para uma rampa enorme que fosse nos engolir e nos mandar para um mundo onde nós respiraríamos embaixo d'água e voaríamos. Depois me forcei a voltar à realidade.
E então eu imaginei Lola sendo carregada por vários homens sem camisa. Ela estaria deitada em um pequeno divã, olhando para nós como seus súditos. E os homens lindos a apoiariam no chão e um deles a ofereceria sua mão para ajudá-la a sair. Ela, sem perder sua pose por um milésimo de segundo, desceria e olharia para nós numa mistura de calmaria e elegância que poderia muito bem enganar o quanto poder ela tinha.
"Estamos muito atrasados?" A voz de Nina me fez perder a imagem com a qual eu brincava.
Olhei de lado para ela. Sebastian se posicionava entre ela e sua mãe e os dois ajeitavam as suas roupas. Eu quase comecei a imaginar o que eles podiam estar fazendo, quando Charles se abaixou para mim e me deu um beijo rápido nos lábios.
"Pronta?" Ele me perguntou quando se afastou. Tinha me pegado de surpresa e eu fiquei completamente perdida com aquilo.
Além de que eu queria mais e era maldade dele me fazer passar vontade quando nós tínhamos que fazer sala para uma princesa estrangeira.
Ah, meu deus. O que eu inventaria para fazermos que a impediria de ir até seu quarto?
"Alteza Real, A Princesa do Reino Unido Lola Hav Farrow," Johnson, o guarda que tinha estado lá fora esperando a sua chegada, anunciou, me fazendo olhar para a frente.
As duas portas estavam abertas. Lola vinha no meio, usando um vestido azul turquesa quase verde, mas bastante puxado para o cinza. Ele caía reto na parte da saia que parecia pesada do tecido grosso, mas contornava seu corpo com discrição no torço, cobrindo até seus pulsos. Devia estar frio por lá, pois, por aqui em Angeles, ela não precisaria de mangas longas.
Ela estava linda. Seu cabelo era liso e comprido. Impecável. Nenhuma mecha saía de lugar. E sua pele era ainda mais encantadora. Eu podia jurar que ela brilhava.
Lola tinha a calma e a elegância que eu imaginava, mas tinha mais atrás de seus olhos azuis. Eu esperava que ela entrasse nos olhando como superior. Mas não era assim que ela me parecia. Ela parecia triste. Como quem não quisesse estar ali, cansada de só ter que pensar naquilo.
Mas assim que ela e o Rei Maxon se olharam, ela sorriu.
"Alteza Real, O Príncipe da Irlanda Kyle George O'Malley," Johnson anunciou. Ele tentava fazer uma voz grossa, mas não combinava nem um pouco com ele. Me fez querer rir.
Mas minha atenção caiu no garoto loiro que vinha à esquerda de Lola.
Ele tinha as mãos nos bolsos de sua calça e entrava ali como se entrasse em uma festa. Deu uma boa olhada em todos nós e sorriu, satisfeito. Podia jurar que ia nos perguntar onde estavam as bebidas.
Fiquei esperando que Johnson anunciasse a menina que vinha logo atrás, do lado direito de Lola. Mas ele não o fez. E então eu fiquei a imaginar quem ela seria.
Sua pele era bem mais morena do que a de Lola e ela era bem mais baixa. Mas não ficava tão atrás em beleza. Seu cabelo escuro estava preso em um rabo de cavalo, o que confirmou que ela não era da realeza.
Outra coisa que deixava bem claro eram suas roupas. Ela usava um vestido simples e rosa escuro. Mas ele acabava logo abaixo de seus joelhos, aberto em tule. Se ela fosse nobre, estaria com algum vestido até o chão.
Não que fosse necessário. Mas não seria de bom tom usar uma saia curta. Não no nosso primeiro encontro.
Eles andaram até nós com calma, só o príncipe que parecia mais apressado. Quando finalmente chegaram na nossa frente, Rei Maxon foi o primeiro a falar, como nós tínhamos combinado.
"Eu vos desejo boas-vindas," ele disse, dando um passo à frente e pedindo a mão de Lola. Assim que ela a apoiou na dele, ele a levou aos lábios e a beijou.
Ela continuou sorrindo para ele, mas não parecia ver aquilo como mais do que costume.
"Muito obrigada," ela disse, movendo seus olhos dele para a rainha. "Rainha America," ela disse. "Quanto tempo."
"Realmente," America concordou. "É um prazer enorme recebê-la aqui, Lola. Mesmo que sob tais circunstâncias."
Lola deu de ombros tão discretamente que eu não apostaria que ela realmente o tinha feito.
"É a vida," ela disse, sorrindo mais ainda, de um jeito bastante errado. "Como vão os planos para a Seleção? Tudo correndo perfeitamente, eu espero?"
"Certamente," America disse. "Deixe-me lhe apresentar Marlee Woodwork, ela é a nossa grande organizadora," a rainha olhou para Marlee, que balançou a cabeça freneticamente atrás de Lola.
Mas assim que a princesa se virou para olhá-la, Marlee parou e sorriu. Convincente, eu pensei comigo mesma.
"Acredito que temos muito sobre o que conversar," Lola disse, indo até Marlee. "Me acompanha até meu quarto?"
Os olhos de Marlee arregalaram um pouco e logo me buscaram.
Droga. Eu tinha esquecido que precisava pensar em alguma coisa para nós fazermos.
"Claro," ela respondeu. Claro estava que ela rezava dentro da sua cabeça para que eu criasse alguma razão para ela não ir direto para o seu quarto.
Mas eu não conseguia pensar em nada! Atrás delas, os guardas entregavam as malas de todos para as criadas, que esperavam pacientemente. E aquela dança deles, quase como uma fábrica montadora, aquilo me distraía! Eu só conseguia imaginá-los em algum tipo de fabricação em série. Será que eles acostumariam com aquilo a ponto de saírem fazendo aquilo pela vida?
Hm, eu bem que poderia assistir "Tempos Modernos" outra vez. Será que Charles se importaria de nós trocarmos o filme que veríamos por outro clássico?
"Mas a senhorita tem certeza de que quer ir direto para o seu quarto?" O tom de Marlee estava afetado o suficiente para me fazer voltar a olhar para ela. "Não gostaria de conhecer o castelo primeiro?"
"Deus, não!" Lola respondeu, rindo logo depois. "Depois de quinze horas em um avião, eu gostaria muito mais de conhecer meus aposentos."
Marlee riu de leve, por educação. Eu era realmente uma péssima princesa. Deixava que a minha imaginação tomasse conta de mim e perdia os poucos momentos em que era de minha responsabilidade ajudar em alguma coisa.
Mas não era minha culpa! Minha imaginação estava frustrada! Já fazia muito tempo que eu não conseguia escrever. Sabia que eu tinha mudado de profissão, mas não era uma coisa fácil de se fazer. As coisas estavam começando a acumular na minha cabeça.
Só que nada em que eu pensava era uma boa ideia para Lola! Por que minha criatividade não podia ser um pouco mais focada?
"Eu tenho uma ideia melhor," Rei Maxon disse, fazendo-nos todos olhar para ele. "Por que a senhorita não vai até o Salão das Mulheres e repassa as fichas dos selecionados? Lá terá todo o conforto para aliviar o cansaço da viagem e já poderá começar a dar uma olhada no que te espera."
Lola pareceu pensar por um tempo, depois voltou a abrir seu sorriso educado. "É uma ótima ideia," ela disse.
"Nós não a perturbaremos em nada," ele continuou. "A não ser que você queira. Uma criada a acompanhará."
"Duas," ela corrigiu, se virando para a menina que estava um pouco atrás dela. "Essa é Clarissa Simpson, minha amiga e dama de companhia. Se não se importam, eu gostaria que ela falasse com suas criadas para explicar algumas de minhas preferências e ajudar a fazer essa experiência ser o melhor possível."
Clarissa sorriu para nós sem nos mirar nos olhos. Então ela era sua dama de companhia. Na verdade, ela parecia bem mais amiga do que alguém que trabalhava para Lola. Talvez ela fosse a sua agente infiltrada. Ela pegaria segredos da ala dos criados e contaria tudo para a princesa. Talvez ela até fosse realmente uma agente secreta! Ela poderia estar atrás de algum vilão incrível!
"O que nós pudermos fazer para ajudar, nós faremos," a rainha a assegurou.
"Então nós começaremos pelas fichas dos selecionados," Lola disse, contente. "Por onde é o Salão das Mulheres?"
"Eu a levo," a rainha se ofereceu.
Lola passou os olhos mais uma vez por nós, acenando levemente com a cabeça. Eu podia jurar que ela queria falar alguma coisa para Charles, mas eles só sorriram um para o outro.
Eu nunca lhe perguntei se ele a conhecia bem. Nem o que ele pensava dela. E aquele olhar dos dois me deixou curiosa.
Para Sebastian, ela mal olhou. Simplesmente começou a seguir a Rainha America com Clarissa logo atrás dela.
"Marlee, consiga todos as fichas dos selecionados que passaram pela nossa inspeção no Salão das Mulheres AGORA!" Rei Maxon falou para ela, que concordou com a cabeça e se afastou para falar no microfone que pendia de seu ouvido e caminhar freneticamente pelo corredor.
E foi quando ela se afastou que nós percebemos que Kyle ainda estava ali.
"E então," ele disse, olhando para todos. "O que tem para fazer por aqui de divertido?"