Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 64
Capítulo 64: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Mine" da Beyoncé com o Drake



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Enquanto Thor explicava toda a tese que ele já estava começando a preparar para a sua faculdade, eu me deixei observá-lo. Ele realmente era o mais novo de todos os selecionados, mas parecia ganhar o peso da sua sabedoria ao falar. Talvez fosse o assunto, que o deixava sério. Talvez eu só estivesse vendo-o sob outra luz.
A biblioteca era mal iluminada, salvo pelas mesas de estudo. Mas mesmo ali, eu podia ver que ele era muito bonito. Bons genes, foi a primeira coisa que eu pensei. E nada da beleza dele era estudado. Ele não sabia se portar tão bem, teria muito o que aprender com a Sra. Woodwork. Mas isso até que era uma coisa boa. Ele era natural. Não tentava me conquistar com olhares ou sorrisos, me dava a impressão de que seria uma completa negação se algum dia se atrevesse a tentar. Mas eu gostava daquilo, gostava de pensar que ele não estava forçando nada.
Não diria que tinha dó dele, nada disso. Mas ali, sentada do seu lado depois de ouvir por horas ele falando das coisas que mais lhe interessavam, eu sabia que ele não era para mim. Ele era bonito, inteligente e, mesmo sem o conhecer muito bem, eu já podia dizer que sentia um certo carinho por ele.
Mas era um carinho de irmão. Aquela vontade de cuidar, de torcer para tudo dar certo na vida dele e o apoiar como precisar. O que me faltava era atração. Eu sabia que ele era meu selecionado e que nós estávamos em um encontro. Mas até tocá-lo levemente me parecia esquisito, como se ultrapassasse limites do bom senso. Ele era um amor de garoto. E eu teria me apaixonado por ele de cara quando eu tinha doze anos.
Mas eu tinha vinte e dois. E precisava mais do que um príncipe com potencial para encantar todas as meninas do reino. Eu precisava de um rei.
"E aí é só escrever," ele concluiu, e eu tive que vasculhar meu cérebro para lembrar do que ele estava falando.
Ele tinha dito que amava mitologia grega, mas que queria que a tese não fosse absolutamente sobre isso. O que mais ele estava pensando em escrever?
"Boa sorte," foi o que eu falei, ainda tentando me lembrar do que era.
Muitos encontros, decidi, era o que estava me atrapalhando. Era difícil me lembrar mais do que simplesmente a impressão que eles deixavam em mim.
"E você?" Ele perguntou, colocando de volta o livro na estante ao nosso lado. "Você é formada em quê?"
"Direito e ciência políticas," respondi, sem nem questionar o fato de que ele não sabia o básico sobre mim.
"Duas?" Ele perguntou. "Quantos anos exatamente você tem?" Ele riu nervoso, esfregando a nuca por baixo da camisa e do blazer.
Eu precisei de alguns segundos para engolir a repressão que veio à minha mente na hora em que ele perguntou.
Não, perguntar minha idade não era uma boa ideia. Mas nós estávamos em um encontro. Encontro, Lola. Ele precisava me conhecer, ter certeza de quantos anos eu tinha.
Sorri. "Vinte e dois. Mas cursei as duas ao mesmo tempo," expliquei. "Queria estar preparada."
Ele concordou com a cabeça, desfazendo a careta que tinha acompanhado sua pergunta. E um silêncio esquisito se instalou sobre nós.
Eu sabia que para acabar com ele era só perguntar outra coisa que fizesse Thor falar incansavelmente. Mas, ao tentar fazê-lo, alguém me tocou o ombro.
Me virei para encontrar uma criada que mirava o chão.
"Pois não?" Perguntei.
"Rei Maxon pediu para eu repassar a Vossa Majestade uma mensagem," ela disse, olhando rapidamente para nós.
E então ela sorriu. Na hora, achei que era para mim, mas seus olhos não encontravam exatamente os meus. Dei um passo para o lado e vi que Thor imitava seu sorriso.
"Vocês se conhecem?" Perguntei, apontando para os dois.
"Alicia é uma das minhas criadas," Thor me explicou.
"Ah," voltei a olhar para ela. Já a tinha visto pelo castelo algumas vezes, mas não tinha prestado muita atenção nela. E nem iria naquela hora. "E a mensagem?" Pedi.
"Ah, sim," ela se virou para me olhar, sorrindo rapidamente. Depois seus olhos voltaram a mirar o chão, como se ela lesse um papel invisível. "Ele disse que recebeu relatórios de seu reino que precisava discutir com você. Hoje à noite. Depois do jantar, se possível."
"É possível," respondi, sem pensar muito. "Mas encontre Clarissa Simpson, provavelmente em meu banheiro nesse momento, e cheque com ela se não tenho nada marcado."
Alicia concordou com a cabeça e não demorou para se afastar. Quando ela estava já a alguns metros, eu me virei de novo para olhá-la e vi que ela tinha os dois braços no ar, sorrindo para Thor. Ela os encolheu assim que eu a vi, se virou e correu para sair da biblioteca.
"Já viraram amigos, posso ver," comentei com ele quando voltamos a ficar sozinhos.
"Eu tenho a tendência a fazer amizade com todo mundo que passa pelo meu caminho," ele disse. "Principalmente empregados."
"Ah, é?"
"Coisa de família," ele continuou. "Meus pais também são assim. Qualquer pessoa que eles encontrem acaba descobrindo a história da nossa vida em cinco minutos."
"Qual a história da sua vida, Glasgow?" Perguntei, me apoiando de volta na estante.
E então recebi outra cutucada no ombro.
Respirei fundo. E me virei.
"Princesa Lola," era outra criada, mais velha, menos envergonhada de estar ali. "A sua presença é requisita no banheiro feminino."
"Perdão?"
Ela olhou de mim para Thor antes de se explicar. "Sua criada, Senhorita Simpson-"
"Clare."
"-Requisita sua presença no banheiro feminino," ela concluiu. "Desse corredor."
Me virei para Thor. "Eu sinto muito," falei.
"Não esquenta, eu entendo," ele disse. "Teremos outros encontros no futuro."
Eu não estava exatamente pensando em terminar o encontro, mas se ele queria parar por ali, eu aceitava. Nada contra ele, mas eu realmente poderia encontrar outra coisa para fazer. Uma que não incluísse selecionados.
"Só me convidar," falei para ele, logo antes de me inclinar e lhe dar um beijo na bochecha.
Não estava planejando fazer aquilo, mas era um prêmio de consolação por um encontro cortado ao meio que eu só poderia oferecer àquele que eu via como meu irmão mais novo.
Que parecia ser mais novo, pelo menos.
Segui a criada até ela me deixar na frente da porta do banheiro.
"Sabe o que eu andei percebendo?" Eu disse, entrando e encontrando Clarissa sentada no sofá no canto do lado das pias. "Você anda bastante dramática."
"Eu ando dramática?" Ela perguntou, apontando para si mesma.
"Sim," eu disse, indo me sentar do lado dela. "Eu costumava te achar bastante centrada. Era a pessoa atrás de quem eu ia por conselhos racionais. Está perdendo esse posto, Clare."
Ela bufou uma risada, depois voltou a mexer sua perna o mais rápido que podia.
"Está tudo bem, Clare?" Perguntei, colocando minha mão no seu ombro.
"Mais ou menos," ela disse, se virando para mim. "Kyle está quase criando um exército para me encontrar. Ele acha que eu deixei o castelo."
"Uau, disposto a criar exército," falei, tirando meus sapatos e me acomodando no sofá. "Que elogio."
"Eu não quero esse elogio," ela reclamou. "Ele vai acabar me achando."
"Ótimo, aí você pode falar logo a verdade e eu poderei jantar olhando para todos os selecionados."
"Não, não vou falar a verdade. Já decidi. Só vou falar que não conheço nenhuma Karen."
Revirei os olhos. "Se está decidido, por que o pânico? O que nós estamos fazendo, nos escondendo no banheiro?"
"Está decidido o quê eu vou fazer," ela explicou. "Mas quanto mais eu puder adiar, melhor."
"Por que, exatamente?"
"Porque aí ele não vai se lembrar de mim!" Ela levantou a voz, ou animada, ou com um certo medo.
"Do que você tá falando?!"
"Assim, Lola," ela se virou de vez pra mim, segurando nas minhas mãos. "Eu não sou uma espiã. Não sou boa em fingir ser outra pessoa. Não mesmo. Como eu sei que eu não fiz nada que me denunciasse?"
"Se tivesse feito, ele já teria descoberto que era você-"
"Não, mas e se eu fizer de novo? Meu jeito de rir, ou de comer."
"Clare," foi minha vez de segurar suas mãos. "Ele te conhece. Se fosse para ele reconhecer sua risada, já teria reconhecido."
Ela balançou a cabeça para si mesma furiosamente. "Não sei, pode ter sido familiar, mas ele lembrará na hora em que me ver! Ou me ouvir rindo!"
Revirei de novo os olhos. "Se faz de desentendida," falei, soltando suas mãos e voltando a me apoiar no encosto do sofá. "Ou não, eu ainda voto em você falar a verdade."
"Não dá, Lola," ela disse, praticamente se jogando do meu lado. "Eu já posso ver na minha cabeça a cara de desapontamento que ele vai fazer ao saber que sou eu. Não quero ver de verdade."
Não falei mais nada para aquilo. Eu ainda achava que era besteira, mas se era tão grandioso assim para ela, não a encorajaria a estragar tudo.
Ela foi a primeira a começar o próximo assunto. "E os encontros?" Perguntou.
"Acontecendo," respondi.
"Aliás," ela voltou a se sentar reto e a se virar para mim, "tem uma coisa que eu preciso te contar."
"Diga," falei, sem mexer um centímetro.
"Ouvi Charles e Gabrielle brigando," ela disse, levantando as sobrancelhas.
"Divertido," falei, sarcástica.
"Não, Lola," ela colocou uma mão no meu ombro e me chacoalhou como pôde. "Eu ouvi eles brigando por você."
"Como assim, por mim?" eu me sentei reta também e me virei para ela.
"Pelo que eu pude entender, ele contou para ela de vocês dois!" Clare disse, fazendo uma careta animada pela fofoca.
"Ah, é?" Só consegui pensar isso, já que minha mente viajava vários anos atrás, quando eu tinha quatorze anos e Charles, dezesseis.
Eu tinha passado quatro meses sonhando com aquele beijo. Ouvindo a voz de Sebastian no fundo da minha cabeça, cantarolando que nós íamos nos casar. Naquele inverno, parecia algo irritante e insuportável. Mas quando o verão chegou e eu tive outra chance de encontrar Charles, já era algo que eu mesma cantava na minha cabeça.
"Você sabe o que ele falou? De mim, quero dizer," pedi.
Ela balançou a cabeça. "Não fiquei pra ouvir," admitiu. "Mas sei que ela estava brava. Bem brava."
Foi minha vez de fazer uma careta. "Sorte que não terei que jantar do lado dela hoje," falei.
"Vai jantar onde?" Clarissa quis saber.
"Encontro. Liverpool."
Ela pensou por alguns segundos. "Dane Lewis!" Falou assim que lembrou, apontando para mim.
"Liverpool," insisti. "Eu lhe dei uma das cidades mais legais e históricas do país. Até quem nunca ouviu falar de mim sabe que Liverpool existe. Mereço algum crédito." Clare revirou os olhos. "Mas então, o que você acha que o Charles falou?"
"Ele deve ter falado que foi na escada lateral, né?"
"Embaixo da escada," eu corrigi, sentindo todos meus nervos de adolescente voltarem com a lembrança. "Nossa, como eu era idiota, não é? Para mim, minha vida dependia daquele beijo. Se ele fosse ruim, eu achava que meu mundo acabaria."
"E foi?"
"Não foi dos melhores, vou admitir," falei, mordendo o lábio. "Mas sei lá, para mim foi incrível."
Ela imitou meu sorriso, mas seus olhos estavam sonhadores e eu sabia que os meus não estavam.
"Que seja," disse, suspirando. "Passado. Preciso me concentrar nos selecionados agora."
"Algum já te beijou?" Ela quis saber, curiosa.
Eu coloquei as mãos na cintura. "Essa é a única pergunta que importa?" Perguntei.
"Sim," ela respondeu prontamente.
Me deixei escorregar do sofá, voltando a vestir meus sapatos.
"Espera, aonde você vai?" Ela perguntou, se esticando para segurar na minha mão.
"Eu não posso me dar ao luxo de me esconder," falei. "Eu preciso me arrumar para meu jantar romântico."
"Ah," ela suspirou. "Seria tão bom se você pudesse jantar comigo."
"Você que criou a regra de eu não poder recusar os encontros," a acusei. "E eu estou cansada de jantar em banheiros."
Ela fez cara de indignada. "Não te obriguei a jantar no banheiro!" Se defendeu. "Eu só corro para eles quando preciso."
"Ou seja, toda vez que ouve alguém andando pelo corredor," completei.
Me inclinei para ela e lhe dei um beijo no rosto. E então a deixei ali no banheiro.
Andando pelo corredor, eu já estava sonhando com a minha cama. Poderia encurtar o tempo de me arrumar para conseguir alguns minutos deitada. Tinha passado quase a tarde toda correndo por todos os lados para conversar com Woodwork sobre os planos para a seleção e meu dia não estava nem perto de terminar.
Quando virei o corredor, vi um banco e me sentei. Meus sapatos me machucavam. Mas isso me incomodava menos do que a dor de cabeça que eu já sentia começar a apontar nas minhas têmporas. Mesmo longe das minhas preocupações normais do Reino Unido, eu continuava com o medo das coisas por lá desabarem sem a minha supervisão. Tinha medo de meu pai estar tomando muitas responsabilidades e ignorando o pedido do médico para ele repousar. Ou pior, que Skar estivesse se sentindo dono do castelo.
"Princesa?" Só percebi que tinha fechado os olhos quando ouvi alguém me chamando e os abri novamente.
Era Keon. Como uma onda invisível, a noite da festa voltou a mim. E a vergonha dos meus impulsos.
Era só eu e ele ali. O que ele esperava que aconteceria? O que ele estava planejando?
"Cardiff," eu disse, me levantando e me distanciando discretamente dele. "Aconteceu alguma coisa?"
Ele enfiou as mãos nos bolsos e manteve a distância entre nós. "Nada ruim, nada assim," me garantiu, mas sem sorrir. "Eu só gostaria de saber se você quer ter um encontro comigo. Quando você quiser."
Eu olhei rapidamente para baixo para tentar me recompor. Não tinha porque ter medo da reação dele ali. Ele não iria realmente pensar que tinha direito de alguma intimidade, não depois do que eu tinha falado na entrevista.
Pelo menos, eu esperava que não.
"É você que determina quando," eu disse, voltando a mirá-lo. "E eu adoraria."
"Amanhã depois do almoço então," ele resolveu. "Será um prazer."
Ele esticou a mão para mim e eu lhe deixei beijar a minha. Assim que ele se abaixou, eu vi alguém no final do corredor.
Alaric. Tinha que ser o Alaric. Estava longe demais, mas quem mais poderia ser? Ele devia ter decidido de novo me seguir, só que agora mais discretamente.
"Com licença, Cardiff," falei, quase acidentalmente chamando-o pelo seu nome.
Peguei a saia do meu vestido, que não era pesada, mas era longa, e dei a volta nele, mirando o final do corredor. Conforme chegava mais perto, apressava o passo. Queria ter certeza de poder pegar Alaric ali, ainda perto da biblioteca, onde Thor e eu tínhamos tido nosso encontro.
Assim que virei o corredor, o avistei virando na próxima esquina. Ao invés de correr até ele, voltei até chegar na biblioteca e a cortei para sair por uma porta lateral, aonde eu imaginava que ele chegaria.
Mas assim que saí no corredor, o vi entrando em uma sala. Só um braço e sua blusa vermelha. Me preparei para brigar com ele por me seguir de novo e abri a porta.
Mas não era ele. Era só um criado, que começava a tirar o pó de uma estante. O resto do quarto estava vazio.
"Possa ajudá-la, Vossa Majestade?" Ele me perguntou.
Eu olhei para todos os lados, esperando ver Alaric escondido ou qualquer outra saída por ali. Mas ao voltar meus olhos para o criado, eu tive certeza de que tinha sido ele que eu perseguia. Ele vestia a blusa vermelha e eu não tinha notado o emblema de Illéa no ombro.
"Não, perdão," eu o respondi, saindo dali o mais rápido possível e fechando a porta atrás de mim.
Não dava, eu estava ficando louca. O que eu estava pensando? Perseguindo um cara pelos corredores que eu nem sabia quem era? Como é que eu tinha chegado àquele ponto?
Esfregava minha testa e tentava respirar fundo e ignorar minha dor de cabeça, quando uma criada passou por mim carregando uma bandeja de chá. Mas não era só uma chaleira e algumas xícaras que ela carregava. Também haviam bolinhos estraçalhados e restos de biscoitos.
Assim que ela virou o corredor, eu corri para segui-la. Nada no mundo seria melhor do que bolo agora. Ou os biscoitos. Qualquer coisa acompanhada de uma boa xícara de café.
Eu praticamente seguia o cheiro do chá, que nem me incomodava tanto naquela hora. Para mim, ele era o sinal de que eu acabaria chegando na cozinha.
E assim que eu encontrei as portas de metal e vi a criada entrando por elas, eu já podia sentir o cheiro da comida vindo lá de dentro. Final de tarde era o melhor horário para comer. Era a hora em que comida de café da manhã parava de parecer estranha e voltava a ser aceita e apreciada.
Entrei satisfeita na cozinha, desviando dos criados que passaram por mim. Os que me perceberam ficaram sem saber o que fazer. Alguns tentaram algumas reverências, que eu dispensei com um gesto. Mas a maioria se contentou em me olhar como um bicho estranho e perigoso que invadia o espaço deles.
Assim que avistei a criada que apoiava a bandeja em uma bancada, fui até ela.
"Com licença," pedi, enquanto ela jogava o resto de comida fora.
Até mesmo sabendo que alguém os tinha comido e largado no meio, eu ainda tinha dó de de vê-la jogar os bolinhos no lixo.
Ela se virou para mim e levou um susto ao me reconhecer. "Princesa!" Exclamou. "Eu deixei cair alguma coisa?" Ela olhou por cima do meu ombro tão curiosa que eu mesma me virei para ver.
"Não, não é isso," falei, voltando a olhar pra ela. "Eu queria saber como posso conseguir uma xícara de café preto e algum doce maravilhoso."
Suas sobrancelhas arquearam com o meu pedido. "Hãn, eu posso levar para a Vossa Majestade em seu quarto."
"Pode me chamar de princesa," pedi. "E não tem como eu comer por aqui? É um caminho enorme até lá."
Ela olhou à nossa volta, a todos os criados que observavam a nossa conversa atentamente. Depois voltou a me mirar.
"Tem uma salinha logo do outro lado do corredor da cozinha que é bastante agradável," ela me garantiu. "Posso levar seu chá lá."
"Café," a corrigi na hora. "Chá não, por favor. E seria ótimo, muito obrigada," fiz menção de começar a sair da cozinha, mas me virei para falar uma última coisa. "Bastante doces maravilhosos," pedi. "Não economize na padaria."
Ela sorriu para o meu pedido e eu pude ir até a salinha.
Era bem parecida com aquela onde eu tinha encontrado o cara que achava ser o Alaric, só que um pouco mais moderna. Olhei rapidamente pela janela, mas não estava muito interessada pelo jardim. Então me sentei no sofá.
Só então que eu avistei a televisão enorme que se escondia na estante. Peguei o controle da mesa de centro e a liguei.
Pela minha sorte, o primeiro canal onde coloquei passava um programa de fofoca, onde analisavam os corpos dos meus selecionados. Mudei na hora. Eu precisava me distrair, não ficar ainda mais preocupada com a Seleção.
Passei por um filme nojento, depois outro que parecia ser de ação, mas continuei mudando. Alguns programas de moda, outros documentários e gente cozinhando. Na Europa, ouvíamos que a televisão illéana era a melhor do mundo. Mas ali, do outro lado do oceano, me parecia bastante entediante.
Até que encontrei um jornal. Meu ânimo começou a crescer com a possibilidade de problemas do resto do mundo me distraírem do meu. Mas a primeira matéria me fez sentir meu coração despencando dentro de mim.
Era Skar, acenando para o povo. Segundo a âncora, ele fazia uma visita pelo Reino Unido para mostrar sua gratidão a todos aqueles que apoiavam a sua candidatura.
Candidatura. Como se fosse uma votação.
Era bom saber que ele não estava no castelo, mas ele era aplaudido e recebido como se já fosse rei. E, na cara dele, estava estampado o sorriso convencido que declarava que ele mesmo já se sentia no cargo.
Ia mudar de canal, quando uma foto minha apareceu. Tive que me levantar para vê-la de perto. De todas as fotos que eu tinha, eles precisavam usar a que eu tinha tirado na minha coroação aos dezoito anos? Eu parecia uma criança! É claro que ninguém iria querer que eu fosse rainha se me visse com aquela cara!
Assim que a âncora disse que, apesar das boas notícias da minha Seleção, muitos ainda duvidavam da minha capacidade, eu desliguei a televisão. O mínimo que eu esperava era que o meu povo ainda gostasse de mim, que ainda me apoiassem. Se estavam mesmo questionando minha competência para reinar, eu estava perdendo tempo.
Eu realmente estava perdendo tempo! Enquanto estava ali, indo de encontro a encontro, o meu povo sentia minha falta. Era isso! Era minha ausência lá! Eles deviam estar pensando que eu estava mais preocupada em ter um marido! Enquanto eu estava li, passando por tudo aquilo só por eles! Será que eu não conseguia vencer?
Será que não conseguia fazer nada certo? Do lado deles, eu não era suficiente e precisava de um marido. E buscar um provava que meus interesses estavam errados? O que eles queriam de mim?
Olhei para a salinha, pequena e bem arrumada, mas ainda parecendo sufocante. Fui até as janelas, mas nenhuma delas abria. Eram puramente ilustrativas. E eu precisava sair dali. Eu não tinha ar suficiente, eu precisava conseguir respirar. Eu precisava fugir dali.
Fugir. A palavra me deu uma ideia. Sem pensar duas vezes, saí da salinha e entrei de volta na cozinha.
"Princesa, eu já estava lendo seu café," a criada disse, me encontrando logo na entrada.
"Ah, obrigada," disse. "Mas eu estava procurando um cara chamado Marc. Você conhece?"
"Marc Hynes?" Ela perguntou e eu concordei com a cabeça, apesar de não ter a menor ideia do sobrenome dele. "Deve estar no quarto dele à essa hora."
"Tem como você me levar até lá?" Pedi, e ela franziu as sobrancelhas para mim. "É urgente," insisti.
Ela aceitou, relutante. Deixou a bandeja que era para ser minha na bancada mais próxima e começou o caminho, comigo em seu calcanhar.
Eu precisava dar uma descarregada, como ele mesmo tinha falado. E ele conhecia lugares, lugares para onde fugir. Era dele que eu precisava. E urgentemente, antes que minha cabeça explodisse.


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Notas finais do capítulo

Agora que passei dois dias escrevendo três capítulos grandões para vocês, vou tirar uns dois dias para a minha história original! Mas até o final de semana eu volto com mais capítulos! E os próximos dois são, respectivamente, do Marc e da Lola.



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