Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 63
Capítulo 63: POV Charles Regen


Notas iniciais do capítulo

Ouvi algumas músicas da Nicki Minaj para escrever esse capítulo. "Girls Fall Like Dominoes", "Blow Ya Mind", "Last Chance" e "Check It Out".



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"Estou falando, Charles," Gabbie insistiu. "Tem alguma coisa errada."
Ela enfiou mais um biscoito na boca e deu de ombros. Mesmo com ela cheia, Gabbie ainda conseguia parecer brava.
"Não tem nada de errado, te garanto," eu falei, tomando um pouco do meu chá.
Todos os outros já tinham tomado seu café da tarde e ido embora, mas Gabbie e eu tínhamos acabado de chegar. Uma mesa enorme na sala de estar só para nós dois e ela ainda conseguia achar tempo para reclamar da Lola.
"Tem, sim! Você que não vê!" Ela engoliu com tudo o que tinha na boca dela e se inclinou em cima da mesa na minha direção. "Ela nunca come com a gente. Já percebeu? Ela está aqui faz sei lá quanto tempo e nunca come com a gente! Eu acho que é porque ela tem que se sentar do meu lado," ela completou, dando de novo de ombros.
Aquele jeito dela era bem calculado para parecer desinteressado, mas eu sabia bem o que significava. Ela estava mais do que interessada, estava incomodada. E poderia dar de ombros mil vezes, mas insistiria no assunto até que eu lhe desse tanta importância quanto ela exigia.
Voltei meus olhos para o relatório do lado do meu prato, tentando focar em algumas das palavras que estavam ali. Nós ficamos em silêncio alguns segundos, durante os quais Gabrielle provavelmente estava me esperando reagir.
"Você ouviu o que eu falei?" Ela acabou perguntando. "Eu acho que ela evita ir pra Sala de Jantar por minha causa!" Sua voz já estava começando a ficar aguda, bem mais cedo do que eu esperava. "Ela não quer se sentar do meu lado."
Respirei fundo discretamente e a mirei. "Gabbie, eu conheço a Lola. Ela não evitaria jantares por quem está sentado do lado dela," a expressão dela não ficou nem um pouco menos inconformada. "E eu tenho certeza de que ela não tem problema nenhum com você. Agora, se ela te falou alguma coisa-"
"Não, ela não me falou nada!" Na minha cabeça, aquilo era para ser algo bom, mas Gabbie abriu os braços em cima da mesa. "Ela nunca nem fala comigo! Acho que nem percebeu que eu existo!"
"Então como ela pode estar incomodada em se sentar do seu lado?" Perguntei, dando aquele assunto por terminado.
Voltei meus olhos para o relatório, mas logo a mão de Gabbie se colocou entre nós.
"Ela me vê," ela insistiu. "Só não quer ver. Ela me odeia, eu tenho certeza!"
Quis revirar os olhos, mas assim que a vi cruzar os braços e esboçar um bico, não consegui evitar de sorrir.
"Como ela poderia te odiar?" Perguntei, me inclinando para frente até conseguir alcançar a mecha de cabelo que estava nos seus olhos.
Ela me deixou colocá-la atrás de sua orelha, tirando logo em seguida. Ela odiava aquilo, mas eu adorava.
"Eu que te pergunto," ela disse, logo voltando a fazer cara de brava. "Ela tem alguma razão para me odiar?"
Eu mesmo dei de ombros, nem me deixando pensar no assunto. Gabbie tinha a habilidade de enxergar o que eu estava pensando no meu rosto e eu realmente não podia me deixar levar naquele momento.
"Charles?" Ela perguntou, enquanto eu voltava a olhar para o meu relatório.
Levantei minhas sobrancelhas levemente, mas não tirei os olhos do papel. Mais alguns segundos e eu estaria livre daquela pergunta. Eu só precisava não olhá-la e ela não perceberia que eu tinha uma resposta muito maior do que a que tinha dado.
"Charles," dessa vez, ela descruzou os braços e se apoiou na mesa. "Você precisa me contar alguma coisa?"
"Ah, sim!" Falei, numa tentativa de mudar de assunto. "A Nina tinha me pedido para te explicar como as finanças da nova coleção de vocês vão funcionar-"
"Não, não," ela me cortou, nem um pouco contente. "Não se atreva a tentar me distrair! Você tem alguma coisa para me contar que eu sei! E vai contar agora!"
"Não tem nada para te contar!" Eu falei, tomando um gole enorme do chá. Ele estava quente e, por um segundo, eu rezei para que queimasse minha garganta a ponto de eu não conseguir falar.
Gabrielle se levantou e começou a andar pela sala. "Claro que tem!" Ela insistiu, levantando a voz. "Eu não queria falar nada, queria acreditar que era coisa da minha cabeça! Mas você acha que eu não vejo as coisas?"
"Não vê as coisas?!"
"Acha que eu não vejo como vocês se olham?" Ela voltou até a mesa. "Acha?"
Abri minha boca algumas vezes, até conseguir organizar meus pensamentos. "A gente não se olha de jeito nenhum," eu tentei explicar. "A gente nem se olha, você mesma disse que ela está nos evitando!"
"Ninguém evita os outros sem uma boa razão, Charles!" Ela insistiu, enquanto eu esfreguei meu rosto. "Desculpa, eu estou te incomodando?" Me perguntou, fingindo preocupação. "Eu só estava tentando entender o segredo que meu MARIDO e a nossa convidada estão guardando de mim!"
"Segredo?" Eu estava fazendo um péssimo trabalho em conseguir encerrar a discussão.
Mesmo depois de seis anos de brigas e dramas, ela ainda continuava melhor do que eu naquilo. Ela treinava o mesmo tanto que eu. E tinha tempo para se preparar. Nesse tempo todo, eu devia ter começado duas brigas. E eu tinha razão, não eram dramas quaisquer.
"Sim, segredo," ela disse, puxando sua cadeira com tudo e se sentando de volta na minha frente. "Charles, eu não tenho direito de saber porque ela me odeia?"
"Ela não te odeia."
"Você não sabe disso!" Sua voz voltou a ficar aguda. "E mesmo que não odeie, eu mereço saber porque me olha daquele jeito!"
"Que jeito?"
"Do jeito dela lá," Gabbie fez uns gestos no ar sem forma nem muita direção. "Escuta," ela baixou a voz e me mirou. "O que quer que seja, eu quero saber. Casais não podem ter segredos!"
"Casais não podem ter segredos?" Perguntei, levantando uma sobrancelha.
"Não deveriam ter," ela continuou. "Pelo menos não com esse tipo de coisa!"
"O que você está esperando que eu diga?" Perguntei, começando a ficar um pouco agitado como ela. "Que Lola e eu temos um filho bastardo?"
Gabrielle abriu a boca na hora e a escondeu atrás das duas mãos.
"A gente não tem um filho bastardo!" Corri para explicar. "Não é nada assim, você não precisa se preocupar."
"Ah-há!" Ela se levantou de novo na hora. "Então tem alguma coisa, sim!"
Revirei os olhos. Era quase engraçado, se não fosse eu quem estava sendo interrogado. Ela parecia querer mais estar certa do que realmente saber o que era.
"Não falei isso-"
"Falou sim" Ela me cortou. "Vai, o que pode ser tão ruim?"
Respirei fundo, dessa vez me ganhando tempo para pensar. Eu sabia que teria que acabar falando. Desde que a ideia de Lola vir até Illéa tinha sido aceita, meu tempo estava contado. Eu só estava esperando que fosse em um momento menos exagerado. Sabia que a reação dela viria de acordo com as emoções que já estivesse sentindo antes. Ela era temperamental, mas se estivesse calma, nada a abalaria.
"Está bem," acabei falando e, por um milésimo de segundo, a expressão do rosto dela foi de curiosa a chateada. Mas ela logo abriu um sorriso triunfante.
Tomei mais um gole de chá. Não tinha mais o que eu podia fazer, não é? Daqui pra frente, tudo só ficaria pior. Ela não descansaria enquanto não descobrisse. Não tinha mais como eu escapar.
"Eu vou contar," falei, apoiando de volta a xícara no pires. "Mas preciso que você entenda que não foi nada demais, okay? São coisas do passado e você não pode se esquecer disso."
"Você está me assustando," ela disse, me acusando.
Ótimo, pensei. Assim quando eu realmente contar, não vai parecer tão horrível.
Respirei fundo mais uma vez. E bem na hora que eu ia falar, me pareceu tão idiota esconder, que levantei as mãos no ar e dei de ombros.
"Ela foi a primeira menina que eu beijei."
Se para mim aquilo parecia idiota, para Gabrielle parecia a pior coisa que ela poderia imaginar. Ela se levantou e deu vários passos para trás, levando as duas mãos de volta à boca, enquanto seus olhos arregalavam no limite.
"Quê? Nem é grande coisa," eu disse, fingindo voltar a ler meu relatório.
"Não é grande coisa?!" Ela voltou correndo para o meu lado, puxando os papéis para longe de mim. "Eu estou dividindo um teto com o seu primeiro amor!"
"Com o meu o quê?"
"O seu primeiro amor!" Ela insistiu, balançando o relatório no ar e ameaçando jogá-lo para longe.
"Gabbie, eu realmente acho-"
Fui cortado por alguém entrando pela porta. Nós dois colocamos a briga em pausa para olhar quem nos interrompia.
Era Clarissa, a criada e amiga da Lola. Ela entrou de uma vez. Mas ela continuou olhando para a porta depois de fechá-la, e eu não sabia se ela tinha nos percebido ali.
Gabrielle e eu nos olhamos. Ela me mirou, esperando que eu tivesse alguma resposta para o que estava acontecendo. Mas eu só dei de ombros. E então ela apontou com a cabeça para Clarissa, querendo que eu tomasse uma atitude.
Me levantei e comecei a andar em direção a ela. O tapete da sala de estar devia ter amortecido meus passos, pois Clarissa só percebeu que eu estava ali quando eu estava logo atrás dela.
Ela se virou com tudo para mim, levando uma mão ao peito. "Meu deus, Charles. Eu não te vi aí!"
"Tá tudo bem?" Perguntei.
Ela respirava fundo e rápido, como se tivesse corrido até lá. "Tá sim," me garantiu. "Desculpa interromper. Eu já estava de saída mesmo."
Ela se virou de novo para a porta, mas mal tinha começado a abrir para sair, quando ela a fechou de novo.
"Na verdade," Clarissa voltou a me mirar. "Tem algum outro jeito de eu sair daqui?"
"Por quê?" Quis saber. "Quem está aí?"
Fiz menção de pegar na maçaneta, mas Clarissa se colocou na minha frente na hora.
"Ninguém," me garantiu. "Eu só queria poder conhecer o castelo melhor!"
Estava claro que ela estava mentindo por trás de seu sorriso amarelo. Mas, ao olhar de volta pra Gabrielle, ela me mirou brava, com as duas mãos na cintura. Tirar Clarissa dali seria melhor para todos nós.
"Por ali você chega em um corredor que dá na sala comunal dos criados," falei, apontando para o que mal parecia ser uma porta no canto da sala.
Para Clarissa, aquilo era o paraíso. "Perfeito!" Ela disse, animada, correndo para lá. "Obrigada mesmo, Charles! Princesa Gabrielle."
Até que ela tivesse desaparecido, nós ficamos em silêncio. Mas a porta mal tinha fechado e Gabrielle já gritava novamente.
"E ela ainda fica mandando suas criadas para ouvirem a nossa conversa!" Ela exclamou, claramente tendo guardado aquilo até então. "Para ela saber se eu já sei que ela foi seu primeiro amor!"
"Beijo, primeiro beijo," falei, andando de volta até a mesa e voltando a me sentar.
"Mesma coisa, Charles!" Gabbie insistiu, com suas mãos ainda na cintura.
Eu mal tinha encostado na cadeira, mas voltei a me levantar e fui até lá.
"Não é a mesma coisa," falei, colocando minhas mãos nos seus ombros, pronto para mudar de assunto e enterrar aquele para sempre. "Foi a coisa mais esquisita do universo! E logo depois nós dois concordamos que nunca funcionaríamos desse jeito. A gente só se beijou por curiosidade. E também porque, na época, Sebastian ficava enchendo o saco que nós acabaríamos tendo que nos casar. Só estávamos tentando ver se a gente funcionava," pude sentir quando Gabrielle relaxou embaixo das minhas mãos. "E quando percebemos que estávamos mais para irmãos do que namorados, nós nunca mais falamos do assunto. Esse é o olhar que você vê entre a gente. Vergonha de um passado que nós queríamos esquecer."
Gabbie tentou dar de ombros, sem querer dar o braço a torcer, mas bem mais satisfeita com o rumo da conversa.
"Ela foi meu primeiro beijo," eu continuei. "Você é meu primeiro amor. Primeiro e único."
Mesmo ainda relutante a se dar por vencida, ela me deixou a puxar para mim e a abraçar.
"Agora," continuei, enquanto ela não falava nada, "acho que deveríamos falar do meu segundo beijo. Esse sim foi muito mais importante!"
Na hora ela me empurrou, já com cara de brava. Mas eu não consegui evitar de rir.
"Brincadeira, brincadeira," falei, voltando a abraçá-la, mesmo com ela de braços cruzados. "Os únicos que importa são os nossos."
"Acho bom," ela disse, sem deixar de ficar emburrada, mas se virando para alinhar meu rosto com o dela.
A única coisa mais engraçada do que o jeito ciumento dela era como ela insistia em acabar todas as brigas com um beijo.


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