Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 58
Capítulo 58: POV Alexander Dobrovisky


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "For You I Will (Confidence)" do Teddy Geiger.



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"...Eu queria ter mais para te contar, Peter, mas pouca coisa aconteceu por aqui. E as que eu gostaria de lhe falar talvez me causassem problemas.
A princesa é bastante simpática, apesar de nos encarar como se estivesse entrando em um campo de batalhas. Além de seu olhar, não tem muito o que eu possa falar contra ela. Me pareceu bastante centrada e razoável. Não parece louca, o que é um bom sinal. Nem muito triste, o que eu temia. Ainda não tive a chance de chamá-la para um encontro. Ou a coragem, talvez devesse aproveitar esse momento e admitir que o que me faltou foi coragem. Ela intimida um pouco. Sabe como é, a coroa e tudo. Às vezes eu me pergunto o que vim fazer aqui, se não consigo nem falar direito com ela. Mas não é como se eu me arrependesse.
Eu queria poder te contar mais, de verdade. Se tivesse algum jeito de você vir para cá, algum osso ou fóssil que você pudesse encontrar nos terrenos do castelo, seria perfeito. Apesar de que as paredes aqui devem ter ouvidos, vi várias câmeras rondando os corredores ontem.
Não importa. Deixe para lá. É coisa da minha cabeça mesmo, eu ando tendo tempo demais para pensar e nada para fazer. Não consigo evitar de ficar imaginando coisas. Você sabe como é, né?
Bom, me escreva de volta. Tenho certeza de que a sua viagem deve estar bem melhor do que a minha vida aqui. Ou pelo menos mais ocupada. Espero que essa carta consiga chegar antes que você se mude de novo.
Seu amigo sempre,
Alex"


Assim que assinei a carta, voltei ao topo e escrevi a data de hoje. O barulho dos outros selecionados mastigando nem me incomodava mais, eu estava mais preocupado em fingir não notar Amelia do outro lado do salão, de costas para mim.
Dobrei o papel e o coloquei dentro do envelope. Meu prato estava quase intacto, mas o rei se levantou, sorrindo para todos. O almoço tinha acabado e eu nem tinha conseguido comer nada. Só porque Marlee tinha insistido que nós quase nunca veríamos a família real àquela hora.
Todos empurraram a sua cadeira e meus olhos procuraram por Amelia, torcendo para que ela virasse para mim. Eu já tinha me conformado com o fato dela ser mais nova, uma aluna. Poderia facilmente ser minha aluna. E eu já tinha me lembrado várias vezes que estava ali pela princesa. Não contestaria nada daquilo.
Mas eu ainda poderia olhá-la de longe, não é?
O único selecionado que não estava conosco era Alaric, e todos olhavam para Marlee, em busca de uma ideia de onde teríamos que ir. Ela desceu a plataforma que deixava a mesa da realeza um pouco mais alta que a nossa e vinha na nossa direção, quando algo em seu celular a parou. Ela leu o que quer que fosse, depois voltou a nos olhar, mordendo o lábio.
Aquele movimento, simples e a uma certa distância, me pareceu familiar. Na hora, pensei que fosse algo que ela devia fazer sempre, tanto que eu nem teria percebido mais. Mas foi só quando ela desviou seu caminho de novo em direção à Amelia que eu entendi de onde eu o lembrava.
Minhas pernas começaram a se mexer, enquanto uma mão se encarregava de pegar minha carta e colocá-la no bolso de fora do meu blazer. Eu nem tinha mandado meu corpo se movimentar, mas, quando me dei conta, eu já estava chegando perto delas. Discretamente, fingi estar saindo da sala.
"Quantas vezes eu vou ter que fazer esse tipo de favor para você? Devo cancelar todos os meus compromissos?" Era a voz de Amelia, que conseguia parecer doce até quando ela reclamava como uma adolescente.
"Se Kile estivesse aqui ou Thomas não estivesse trabalhando, eu pediria para um deles," Marlee respondeu, calma. "Mas eu preciso de você. É urgente. E você não tem compromisso nenhum, consegue levá-los até o Salão dos Homens!"
Aquilo me fez sorrir, como se eu pudesse me agarrar à esperança de vê-la sempre, de tê-la sempre nos ajudando.
"Mas mãe-"
A palavra foi a última coisa que eu ouvi, já estava saindo da sala e fui até a janela que dava ao jardim. Marlee era a mãe dela. Por isso ela estava na festa. Amelia Woodwork, deixei seu nome ecoar pela minha cabeça, me proibindo de pensar nas possibilidades que se abririam para mim com aquela informação.
Foi o barulho dos outros selecionados saindo da Sala de Jantar que me fez virar de volta para a porta.
Como eu era idiota, que tipo de possibilidade eu teria? Não era como se eu pudesse usar a mãe dela para descobrir coisas dela. Ou jogar seu nome na internet e ver o que encontraria. Não de um jeito pouco obsessivo.
Atrás de todos os selecionados, vinha ela, de braços cruzados e bastante mal humorada. Nossos olhos se encontraram por um segundo, durante o qual sua irritação pareceu ser substituída por surpresa. Mas ela se encarregou de voltar a emburrar logo depois, continuando seu caminho e me deixando para trás.
Um alarme soou na minha cabeça e eu corri para alcançá-la, que andava a vários metros do último selecionado.
"Você está cuidando bem dele?" Perguntei, sendo vago de propósito.
"Como?" Ela não se virou para mim, parecia ter estado esperando que eu me aproximasse.
"Do esquilo," completei. "Está cuidando bem dele?"
Seu rosto se virou levemente na minha direção, enquanto eu deslizava minhas mãos para dentro dos bolsos da minha calça.
"Esquila," ela disse.
"Como disse, Amelia?"
Mia," ela enfatizou seu apelido, apesar de que, na minha cabeça, eu sabia que seria difícil chamá-la assim. "E não é um esquilo. É uma esquila," explicou.
Eu fiquei em silêncio por alguns segundos, repetindo seu nome para mim mesmo, agora como Mia Woodwork.
Mas depois voltei a falar. "Não existe esquila. Quer dizer, devem existir vários esquilos fêmeas, senão a espécie já teria desaparecido faz tempo. Não que eu entenda de biologia. Mas a palavraesquila," balancei minha cabeça só para mim, já que ela mirava o horizonte. "Essa não existe."
"Bom, é um esquilo fêmea então," disse logo depois. "O que não soa muito melhor."
Soltei uma risada rápida. "É verdade, não soa mesmo," continuei só a acompanhando em silêncio, mas podia ver que o corredor do Salão dos Homens estava chegando e não queria que a conversa fosse só aquilo. "Como você sabe que é fêmea?" Foi o que eu perguntei.
Dessa vez ela se virou para me olhar, soltando os braços como sem perceber.
"Você a virou de ponta cabeça pra descobrir?" Completei, fazendo-a me olhar como se fosse louco.
Mas, devagar, um sorriso foi tomando conta do seu rosto, até que ela só bufou uma risada, como seu jeito de não se dar por vencida.
"Eu quis fazê-la fêmea," explicou, voltando a olhar à nossa frente. "Para poder dar o nome que queria."
"Que nome deu?" Perguntei, rápido para conseguir trocar mais algumas informações antes que eu fosse forçado a voltar para a seleção.
"Viola," ela respondeu.
Foi a minha vez de olhá-la como se ela fosse louca. "O time de futebol da Itália?" Perguntei, o que a fez parar de andar e se virar para mim.
"Não, a flor," assim que me corrigiu, alguma coisa daquilo a fez arregalar de leve os olhos. Talvez fosse ter parado, se entregando para a conversa.
"Qual flor?"
Ela deu de ombros, desconfortável. "Uma flor aí," disse, se virando de volta para a frente e voltando a andar.
"Você gosta de flores?" Perguntei, mas era óbvio, já que ela tinha escolhido aquele nome.
"Sabe que eu preferia quando nós trocávamos respostas?" Ela retrucou.
Eu sorri para mim mesmo, olhando para o chão, mas logo voltei a mirá-la. Ela se mantinha concentrada na sua frente, mas tinha algo da sua expressão que parecia que ela sabia que estava sendo observada. Então eu me deixei observá-la.
"O que você quer que eu faça por você?" Perguntei, praticamente hipnotizado pela fina camada de luz que contornava seu perfil em contraste com as janelas do jardim. Entre passos, ela passava por uma parte de parede e me deixava torcendo para que chegasse logo a outra janela.
Ela virou o rosto para mim, encontrando meus olhos. E, por um segundo, não falou nada, só me mirou de volta. Até que seus olhos caíram para meu paletó.
"Me diga para quem é sua carta," ela falou. "E eu te falo porque gosto de flores."
Não pude evitar de sorrir. Era um preço tão pequeno, que mais me parecia um prêmio. Se eu queria falar dela para Peter, queria também falar dele para ela. Queria poder contar como era minha vida.
"É para um professor meu," expliquei. "Bom, talvez deva dizer mentor. Sem ele eu não estaria em lugar nenhum. Não teria meu emprego na universidade, provavelmente nem teria terminado meu curso."
"Por que não?" Ela quis saber.
Eu percebi que ela diminuía o passo e desviei o olhar dela para descobrir que chegávamos perto do Salão de Homens, onde todos os selecionados já entravam.
"Eu tive alguns problemas no começo da faculdade," expliquei, mais focado no fato de que a nossa conversa provavelmente terminaria logo e aquilo era a última coisa que eu queria.
Olhei de volta para ela, que me observava, seu olhar curioso.
"Financeiros," completei, e ela arqueou as sobrancelhas, claramente tendo aquela pergunta em mente. "Agora me explica porque você gosta de flores."
Ela olhou à nossa volta até que estivesse virada para uma janela que levava ao jardim. Desviou seu passo e foi até ela. Eu a segui sem contestar, até um pouco mais devagar, me deixando olhar seu cabelo de perto, que brilhava como se ela o tivesse banhado em ouro. Ou talvez fosse o sol.
"Eu gosto de geografia," ela disse. "Claro, né, é o que eu faço." Geografia, repeti na minha cabeça para não me esquecer. Para ela, não parecia nada, mas eu tinha passado o dia anterior inteiro me perguntando o que ela devia estudar. "Mas eu prefiro geopolítica. Não sou muito fã de estudar solos. Então quando tenho que fazer alguma viagem de campo, costuma ser um pouco tortura para mim."
"O que as flores tem a ver com isso?" Perguntei, chegando um pouco mais perto.
Talvez já tivesse aceitado que não dava mais para fingir que não tinha nenhum interesse por ela, pois eu simplesmente não conseguia parar de olhar para ela. Seus traços eram delicados, como eu pude ver na noite da festa, por baixo da máscara grosseira. Mas o que mais me encantava era a cor da sua pele à luz do sol, branca como porcelana. Parecia tão delicada, tão frágil, que eu sentia uma vontade enorme de tocá-la para ver se era real. Me perguntava até como ela conseguia ganhar covinhas com seu sorriso sem quebrá-la.
"Flores são simples," a melodia da voz dela parecia acompanhar as curvas de sua nuca, até seus ombros e suas costas, levemente desnudas pelo vestido de verão. "E complicadas," continuou. "Interessantes. Elas dão em lugares tão absurdos! E elas parecem que existem só por isso, sabe? Só por existir. Não precisam de outra utilidade, a não ser enfeitar a vida mesmo," ela deu de ombros, dando às suas costas rugas que desapareceram logo em seguida. Eu ouvia o que ela falava, claro que ouvia. Mas não consegui impedir de chegar mais perto, quase como se sua pele tivesse uma essência que me atraísse. "E é isso que elas fazem com as minhas viagens. Elas são como minhas amigas, lembranças de coisas boas da vida. Ali, no meio de rochas antigas, existem só para que eu não ter que passar por aquilo sozinha."
Quando ela se virou para ver a minha reação, meu rosto estava bem perto do dela. Ela pareceu se assustar, respirando mais fundo do que antes, tanto que pude ver nas suas clavículas como precisava de ar. Mas ela não deu um só passo para trás.
"Você parece ser uma pessoa bastante apaixonada pelas coisas," foi o que saiu da minha boca, apesar de já não sentir que estava mais a controlando.
Meus olhos percorreram seu rosto, das bochechas que pareciam se atrever a enrubescer, aos lábios que ela mordeu e soltou rapidamente.
"Coisas," ela disse, trazendo meus olhos de volta para os dela, que me encaravam. "Não pessoas," completou, se afastando de mim.


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