Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 57
Capítulo 57: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Paper Bag" da Anna Nalick. E pude lembrar de como eu amo essa música!



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"E algum te beijou?" Perguntei, fazendo Lola arregalar os olhos para mim, depois mirá-los em Marc a alguns passos de nós.
Ele supervisionava os criados que colocavam a nossa mesa do almoço. Claro que eu podia ter escolhido um horário melhor para perguntar, podia muito bem ter esperado que nós estivéssemos sozinhas. Mas ela não precisava me olhar daquele jeito, eu sabia que cada um dos encontros tinha sido filmado, pelo menos de longe. Logo, todos saberiam se ela tinha beijado algum selecionado ou não. Eu só queria saber antes.
Olhei para Marc, que parecia tão mais interessado em um jornal que ele segurava, que eu apostaria que nem tinha ouvido. Os criados trocaram olhares pela minha pergunta, mas continuaram nos servindo. Já Lola fez questão de não falar mais nada até que eles todos tivessem desaparecido.
"Você sabia que eles estão fazendo uma aposta?" Ela me perguntou assim que a porta se fechou. "Se eu sair contando tudo, eles vão acabar apostando e ganhando."
"Eles?"
"O que acha que não duraria nem um dia," ela disse, fazendo um gesto em direção à porta. "O que fez questão de vir, mas não ajudou em nada."
"Marc," eu falei, achando que ela estava perguntando o nome dele.
"Eu não preciso que ele ganhe nada dessa seleção," ela continuou, inabalada.
"Não acho que ele tenha se importado muito com o que eu falei," tentei animá-la, mas ela bufou uma risada.
"Então por que ele fez questão de vir até aqui? Ele claramente queria saber alguma informação para saber em quem apostar!"
"Eu acho que ele veio porque nós o obrigamos a fazer um cardápio enorme de café da manhã para o nosso almoço," falei, conseguindo fazê-la parar para pensar. "E, sério, ele nem pareceu me ouvir. Eu falei baixo."
"Você anunciou para o mundo!"
"Eu não anunciei nada! Eu perguntei!" Me defendi.
Ela se ocupava de uma panqueca, transformando-a em um sanduíche e eu peguei um cupcake, depois de me servir uma xícara de chá. Nós ficamos em silêncio até que ela tomou um gole do seu café.
"Não," ela falou.
"Não o quê?"
"Não, nenhum me beijou," ela completou. "Não que não tenham tentado!" Ela piscou com um olho só para mim, depois revirou os dois. "Na verdade, nenhum tentou."
"Claro, eu imagino que você deva ter dado bastante abertura mesmo para cada um deles," falei, sarcástica, e ela deu com um ombro só, as duas mãos em volta da sua xícara de café. "Você teve quantos encontros ontem?"
"Dois. Um com o cineasta, que é bem simpático, por sinal. Propriamente artista."
"E isso é bom?"
Seu olhar percorreu a mesa até a janela ao nosso lado. "Não é ruim," ela respondeu. "Mas sei lá, não senti nada em especial por ele."
"Um encontro, Lola. Não é para você já estar querendo se casar!" Meu tom de voz deve ter sido um pouco impaciente, pois ela se virou para me mirar, indignada.
"Não estou querendo me apaixonar à primeira vista!" Ela se defendou. "Só um pouco de química não iria me fazer mal!"
"E o outro? Teve química com ele?" Perguntei, a fazendo bufar uma risada.
Que depois virou uma risada de verdade. Ela até chegou a dar uma mordida em sua panqueca/sanduíche antes de me responder.
"Hampshire, o juiz," ela começou. "Ele sabe de tudo que tem para se saber sobre a nossa economia. E tem sua opinião sobre tudo."
"Mas isso é bom para um rei, não é?"
Ela deu de ombros. "Eu não estou aqui procurando só um rei, Clare. Estou procurando um marido," ela disse, me mirando fundo. "Você mesma que fica me falando isso o tempo todo. Que eu preciso escolher alguém por quem eu possa nutrir algum sentimento, não só alguém que saberá reger o reino comigo," ela apontava o dedo para mim.
"É muito bom mesmo receber minhas palavras de volta na minha cara," protestei, cruzando os braços.
Ela riu do meu jeito, me deixando me ocupar do meu almoço/café da manhã. Lola já tinha espalhado essa mania dela de preferir comida de café da manhã por todo o mundo, em todas as suas visitas. Em Illéa, não poderia ser diferente.
"De qualquer jeito, é um ponto positivo para ele," ela disse. "Também não vou levar alguém que não sabe nada sobre nossos costumes ou que não entende nada de economia. Não preciso dessa preocupação."
"Não me diga que você está dando pontos para eles!" Eu exclamei, já imaginando-a escrevendo em uma planilha e analisando quanto cada atitude ganhava de pontos.
"Não, pelo amor de deus!" Ela soltou. "Você me disse para não tentar controlar tanto as coisas! E para eu escolher com o meu coração!"
"Eu não achava que você me ouviria!" Falei, rindo. "Sério, achei que demoraria mais um tempo para você se convencer.
"Não falei hora nenhuma que já fui convencida," ela disse, soltando sua xícara com um barulho que desviou minha atenção por um segundo. "Mas o mínimo que eu posso fazer é aceitar métodos menos..."
"...Obsessivos?" Sugeri, fazendo-a franzir as sobrancelhas para mim.
"Meticulosos!" Ela corrigiu.
"Ah, meticulosos," falei. "Claro, meticulosos."
Ela revirou os olhos. "Apesar de que o resto do mundo, sim, os está pontuando."
"Eu vi!" Falei, me levantando para ir até a cama dela, onde eu tinha deixado a pilha de revistas que tinha recebido naquela manhã. "Quer dizer, eu vi o que publicaram no Reino Unido."
"Tem algumas revistas de outros países aí," ela disse, fazendo um gesto para me indicar a mesa dela perto da cama. "Fiz questão de exigir receber tudo quando fosse publicado. Mas eles ainda estão mais apresentando mesmo os selecionados."
"Essa daqui escolheu um," falei, indicando a primeira das revistas na minha mão.
"Edinburgh, não é?" Ela perguntou, logo antes de tomar um gole de café.
"William Owens," corrigi.
Ela não pareceu se importar. "Foi por pouco que ele ganhou," falou.
"Eles ainda não os conhecem, não tem muito o que eles possam fazer," eu disse. "A não ser classificar por profissão e tudo mais," eu mesma tomei um gole do meu chá. "Por falar nisso," comecei, assim que me lembrei, "o que o Alaric faz?"
"Manchester," ela me corrigiu, me fazendo revirar os olhos. "Ele é historiador."
"Uau," soltei. "A gente realmente escolheu bastante cara com um pé na história." Ela concordou com a cabeça. "O que história ajuda nesse caso?"
"Muita coisa," ela disse, comendo um pouco mais de sua panqueca/sanduíche. "Nunca ouviu falar que quem não conhece a história tem a tendência a repeti-la?"
"Não," menti, pegando um morango para comer. Mas ela só me mirou, sabendo que não era verdade. "Tá, devo ter ouvido uma ou duas vezes."
"Se você fosse um selecionado, já teria pontos negativos!" Me informou.
Eu ri. "Nem tente fingir, eu sei que você me ama. Teria me escolhido em dois minutos!"
Ela revirou os olhos, mas eu mandei um beijo pra ela por cima da mesa.
"Está começando a parecer o Manchester," disse, se servindo mais de café, mas depois se apoiando na mesa com um cotovelo.
"Ele acha que você vai escolhê-lo em dois minutos?" Perguntei, mas ela só deu de ombros. "Como foi o encontro de vocês hoje de manhã mesmo?"
"De longe, o melhor de todos," ela disse, suspirando. Não de apaixonada, mas de cansada.
"Mas e o do circo? Do juiz? Não foi legal aprender a jogar coisas pra cima?"
Ela torceu o nariz. "Teria sido, se ele fosse minimamente divertido," respondeu. "Alaric é até mais divertido do que eu imaginava. Te contei que ele me seguiu ontem?"
"Não!" Soltei, talvez alto demais. "Como assim, te seguiu?"
"Ah, ele apareceu no jardim quando eu estava com o Belfast lá-"
"Ian."
"-Depois apareceu na Sala de Cinema assim que ele saiu, machucado."
"Uau, obsessivo."
"É, mas ele se explicou. E eu até entendo, na verdade," ela deu de ombros e pausou para tomar mais um pouco do seu café. "Quer dizer, se eu estivesse em uma competição como essa - o que nunca aconteceria, porque eu nunca me humilharia a ponto de competir pelo coração de um cara," eu revirei os olhos pra ela, "eu também ficaria curiosa pelos encontros. Ainda mais depois da noite que a gente teve."
"Eu falo que vocês são parecidos," comentei.
"Honestamente, eu deveria ter pensado melhor," ela continuou. "É muito difícil conseguir que ele pense que não ganhou depois de tudo."
"Mas você já explicou isso pra ele?"
"Claro, né, Clare. Mas mesmo assim," ela suspirou de novo. "E o café hoje foi bastante agradável, pra ser honesta. Ele estava mais relaxado. E nós não falamos sobre a seleção, nem sobre os outros selecionados. Nem sobre o Reino Unido, na verdade."
"Qual assunto sobrou?"
"Nós mesmos," ela respondeu, com um tom claramente inconformado por eu não saber algo tão óbvio. "Ele falou da vida dele, eu falei da minha. Não foi nada mal."
O menor dos sorrisos começou a aparecer no rosto dela. "Nada mal significa que foi incrível?"
"Para um primeiro encontro, foi bom," ela respondeu. Eu a mirei, séria. "Tá, foi ótimo. Foi incrível. Tão incrível que eu já jurei que vou passar mais alguns dias sem ter outro encontro com ele!" Ela levantou as mãos acima da mesa para mostrar a sua promessa.
"Você não tem escolha, se ele te chamar, você tem que aceitar!" Eu constestei.
Ela desanimou dos ombros às palmas da mão, que ela deixou cairem sobre as pernas. "Tinha me esquecido dessa parte," disse.
"E o que você está planejando para essa tarde linda de Sábado?" Perguntei, abrindo meus braços para mostrar o jardim.
Mas ela nem tentou olhar para lá. "Eu tenho um outro encontro, com o que tem cara de criança."
"Thor," falei.
"Glasgow," ela me corrigiu. "Ele me chamou por um bilhete."
"Bilhete?" Perguntei.
Ela concordou com a cabeça. "Me encontre sei lá onde, sei lá que horas," disse, respirando fundo. "Dez selecionados é bastante coisa. É difícil pensar em ter que conhecer todos. Depois diferenciá-los. Não é como se eu fosse ter só um encontro com cada. São vários com cada. Exaustivo."
"Sabia!" Soltei, alto e apontando para ela.
"Sabia o quê?" Ela perguntou, se inclinando para trás.
"Sabia que você queria que fosse rápido e fácil!"
"Mas é claro, né-"
"Sabia que estava esperando que fosse acabar em dois dias!"
"Não, espera," ela se inclinou pra frente e segurou o dedo que eu apontava para ela. "Dois dias não," ela soltou meu dedo e voltou a se endireitar.
Eu franzi a sobrancelha, tentando entender. Mas não estava interessada o suficiente pra perguntar.
"Não importa, Lola. Você ainda vai ter que se mexer um pouco mais! Não dá pra usar a lei de mínimo esforço. Isso daqui é pra decidir sua vida!"
"Eu sei, eu sei," ela voltou a levantar as mãos no ar. "Não quero discutir isso mais. Já estou dentro, agora vamos ver aonde isso me leva."
"A um final feliz perfeito!" Falei, meu tom apaixonado. Ela só me mirou, acabando com a minha graça. "Tá, se levar a um cara que você não odeie, já vou ficar satisfeita."
"Sabe o que eu adoraria agora?" Ela me perguntou. "Falar sobre alguma coisa que não tivesse nada a ver com essa Seleção."
"Como a nossa casa? Você tem notícias de lá?"
Droga, pensei na hora em que vi a sua expressão murchar. Ela coçou a nuca, olhando para o lado, tentando disfarçar. Depois se ocupou do suco de laranja que já devia estar aguado dos gelos derretidos.
"Eu mal consegui mandar minhas primeiras cartas pro meu pai," falou.
"Isso que dá insistir em escrever tudo à mão!" Reclamei. "Lola, tempos de urgência pedem e-mails!"
"Nós mandamos e-mails também," ela se defendeu. "Só com as notícias urgentes. Mas eu gosto de cartas."
"Eu sei que você gosta de cartas. Você já me escreveu cinco desde que nós chegamos em Illéa. E nós nos falamos todo dia."
"Posso parar quando você quiser," ameaçou, me fazendo revirar os olhos.
"Quais as notícias do castelo?"
"O novo conselheiro, Stuart," ela começou, "ele quer tomar conta da seleção. Ver tudo que tiver para ver antes do resto do mundo. Quer ter certeza de que nada que aconteça aqui possa ser ruim para a nossa imagem lá fora." Eu só concordei com a cabeça, pensando naquilo. "Mas eu já falei que não quero falar da Seleção! Vamos falar de você!"
"De mim?"
"É, como está toda a bagunça com o Kyle?" Ela tomou um gole enorme de suco, enquanto eu só a mirava. "Vai, Karen," ela disse, enfatizando meu nome falso, depois rindo da minha cara. "Brincadeira, brincadeira," me garatiu, quando eu a olhei, brava. "Mas é sério, quero saber o que tem acontecido!"
"O que tem acontecido? Deixe-me ver," fingi pensar. "Nada. Absolutamente nada. Além de que eu preciso praticamente subornar as criadas dele para me avisarem quando ele está saindo à minha busca."
"Ele continua tentando te encontrar?"
"Não tanto quanto ele está tentando encontrar a Karen!" Garanti. "Ele me deixou bilhetes, mas pelo que eu andei ouvindo, ele praticamente está morando na cozinha agora, esperando que no meio de tantos criados, ele vá encontrá-la. O que me faz ter que ficar longe de lá."
"Oh, meu deus. Você, longe de uma cozinha? Como irá sobreviver?" Ela usou o seu tom mais sarcástico possível, mas eu só a mirei, ainda brava. "O quê? Você pode tirar sarro de mim e eu não de você?"
"Quando eu tirei sarro de você?"
"A vida inteira, Clare. A vida inteira," ela se inclinou para a frente. "Agora, nós precisamos de um plano melhor."
Eu fiz o mesmo. "Plano melhor para o quê?"
"Para ele descobrir que você é a Karen, é claro!"
Eu me levantei na hora. "Não quero que ele descubra que eu sou a Karen!"
"Bom, eu não posso passar o resto da minha vida almoçando e jantando com você no meu quarto," ela disse, se inclinando no encosto da cadeira. "E eu acho que o melhor que você tem a fazer é deixar ele perceber de pouquinho em pouquinho. Você pode deixar dicas pra ele, ou ir soltando comentários aqui e ali que relembrem a noite da festa!"
"Eu não quero que ele saiba que era eu!" Falei, minha voz chegando a um agudo que eu nem sabia que tinha.
"Mas por que não?"
"Porque!" Falei, voltando a me sentar, praticamente me jogando na cadeira. "Eu sei que o que nós temos agora não é ótimo-"
"Você quer dizer, ele te procurando e você fugindo?" Ela perguntou, me cortando.
"Não, quero dizer nós sermos amigos. Sei que não é a coisa que eu mais quero no mundo. Mas também não quero perder tudo só porque contei que o enganei."
"Ele te enganou também!"
"Sim, mas não é a mesma coisa," voltei a me levantar, mas minhas pernas estavam moles e, em dois segundos, eu estava sentada de novo. "Eu não aguentaria, Lola. Não aguentaria ver a cara dele quando eu contasse."
"Pelo amor de deus, é só o Kyle," ela disse, bufando uma risada. Quando percebeu que eu não tinha achado graça, se endireitou na cara. "Tá, desculpa. Mas eu ainda acho que você está exagerando. E acho que as chances de ele gostar de você são grandes."
"Não seja louca-"
"Não estou sendo," ela me cortou. "Sério, ele se importa muito com você."
"Como amiga!" Insisti.
"Existe uma linha bem tênue entre amiga e namorada," ela disse, me piscando um olho.
"Não entre a gente," falei, suspirando.
Ela, em compensação, revirou os olhos. "Olha, se você não quer ele, não tem problema. Acho até bom, você conseguiria um cara bem melhor!" Ela sorriu para mim, mas de novo eu não vi graça. "Sério agora, se você não o quer, não tem problema. Só não fica criando problemas dendo da sua cabeça. São desculpas para a sua própria insegurança. Eu voto em você ir em frente e arriscar. Se você acabar caindo, estarei lá pra te pegar. E depois eu posso estragar um ou dois negócios com a Irlanda e culpar o Kyle em rede internacional. Sabe, como vingança. Posso até programar um momento na frente das câmeras em que eu dou um tapa na cara dele. Mas isso se ele te dispensar, o que eu acho que não vai acontecer."
"Não tem outra opção?" Perguntei, rindo nervoso. Era muita informação que me fazia sentir muita coisa ao mesmo tempo. Medo, depois euforia pelo jeito dela, carinho por saber que ela me protegeria, mas um pouco mais de medo.
"Tem, claro que tem," ela pegou seu copo quase vazio de suco de laranja. "Você morrer infeliz," disse, brindando com o meu. Depois o virou.


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