Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 55
Capítulo 55: POV Carolyne Muñoz


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Miss You Love" da Maria Mena.



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Para uma coisa que não tinha acontecido, eu certamente tinha pensado bastante naquilo. Tinha passado minha vida inteira declarando que 'quase' não significava nada. Quem quase tinha morrido ainda estava vivo. Quase conseguir uma coisa era o mesmo que não conseguir. Era como um lema para mim, tinha certeza de que já tinha falado aquilo para praticamente todo mundo que conhecia.
Mas um quase beijo era talvez mais forte do que um beijo de verdade. Um quase beijo tinha sido o suficiente para me assombrar a noite inteira, tinha despertado perguntas e esperanças que, no fundo, eu sabia que não deveria ter. Um quase beijo me roubava o ar toda vez que eu o imaginava, toda vez que me deixava sonhar acordada com finais alternativos. Toda vez que eu me desafiava a conseguir pensar em Will de um jeito diferente, a voltar meus pés para o chão tão familiar para mim. Um quase beijo tinha me impedido de dormir e ainda estava preso em meu peito, sem me deixar acalmar.
Ver Will na minha frente não me ajudava a entender que o quase deveria significar que nada tinha acontecido. Vê-lo ali, analisando cada centímetro da minha figura comum me trazia memórias dos caminhos que seus olhos tinham percorrido na noite anterior. Dos meus olhos aos meus lábios, do momento em que eu tinha decidido me afastar.
Ele me desafiava. Ele me desafiava a não sonhar com ele, a não me deixar levar pela coisa mais forte e fácil que eu já tinha encontrado na minha vida. Só a sua postura, o seu meio sorriso, só a sua presença já me desafiava a não me apaixonar por ele.
"Como ela é?" Foi a primeira coisa que eu perguntei.
Era a que eu mais queria saber. E era a que eu esperava que o deixasse mais desconfortável. Se era pra eu ganhar esse desafio, para eu entender que seu coração já pertencia a outra pessoa, eu precisava ver com meus dois olhos, ouvir com meus dois ouvidos cada uma das razões pelas quais ele tinha se apaixonado por ela. Era a pergunta que eu mais queria respondida e a que eu mais sabia que ia me incomodar.
Ele se sentou no sofá perto da porta e respirou fundo. "Fisicamente?" Perguntou.
"Tudo," respondi, sem hesitar. Sabia que se pensasse naquilo, poderia desistir, implorar para que não em contasse. "Como ela é?"
Nos poucos segundos entre minha pergunta e a resposta dele, eu me preparei para ouvir as coisas mais incríveis do mundo. Praticamente falava com os cobertores na minha frente, insistindo que eu saberia ali e então todas as razões para eu parar de ficar imaginando como teria sido se eu tivesse ficado no salão de arco e flecha só um pouco mais.
Eu sabia que tinha imaginado demais, que estava exagerando. Mas era tão fácil, tão inevitável. Eu inspirava, e minha mente já vagava de volta para aquele momento.
Ele tinha dona. Seu coração tinha dona, eu repeti para mim mesma.
Estava de costas para ele, mas até a sua respiração me fazia lembrar da curva de sua mandíbula, da sua barba por fazer, de como ele sorria de lado e dos olhos desnecessariamente azuis. Quase quis me virar para ver se era verdade mesmo que alguém como ele poderia existir.
"Ela é forte," foi a primeira coisa que ele falou. "Psicologicamente. Fisicamente, ela é bem fraquinha. E pequena. Do meu lado, então, ela fica ainda menor, o que engana quem a conhece pela primeira vez. É fácil achar que ela é tímida e inocente, mas uma conversa com ela e você já vê que ela tem opinião."
Ele suspirou de leve, como se lembrasse de algum momento, mas sem querer dividi-lo. Eu me contentava em não ter que ouvi-lo.
"E ela é loira," ele continuou. "O cabelo quase não passa do seu queixo, o que ela insiste que a ajuda a parecer mais velha, porque suas feições são jovens. Eu gosto de como ela acha que ninguém a vê direito, que ela precisa ficar se provando como adulta e independente. Mas todo mundo sabe que ela é assim.
"Ela trabalha desde muito nova. Ela decidiu uma vez na vida que não aceitaria nada de graça e que nunca deixaria que alguém lhe dissesse não. E dá pra ver isso em tudo dela. Ela tem opinião para tudo. Não admite, mas ela gosta de ser diferente dos outros. Às vezes eu a vejo indo contra o que outra pessoa fala só para não pensar igual, mesmo que talvez ela concorde. Mas eu gosto disso. Eu sei porque ela assim. E já vi o outro lado dela também."
"O outro lado?" Perguntei, apesar de temer que minha voz fosse desanimá-lo de contar o resto.
Eu estava sentada na cama já, praticamente abraçada às cobertas. Eram alguma coisa entre eu e ele, e eu sabia que não conseguiria ouvir tudo sem elas ali, me protegendo.
A cada coisa que ele falava, eu não podia evitar de comparar comigo mesma. Até repetia na minha cabeça que eu devia parar. Que ele gostar de uma loira não significava nada. E mais ainda, que era até melhor que ela fosse completamente diferente de mim. Mas não era tão fácil.
"O outro lado dela," Will continuou, "quando ela se dá por vencida e pára de tentar ser forte para tudo. Quando ela está mais vulnerável e dá pra ver que até as pequenas coisas a afetam."
Eu fiquei esperando que ele falasse mais alguma coisa, mas, depois disso, ele ficou em silêncio, em seus pensamentos. Eu tentei controlar minha respiração e a sensação que tomava conta dos meus ombros, me fazendo me sentir pequena e insignificante.
Era aquilo o que eu queria ouvir. O que ele gostava nela. Para que eu entendesse que até começar a pensar nele diferente seria um erro. E agora eu tinha certeza.
Não eram nem suas características físicas que me incomodavam. Claro, talvez um pouco. Eu não era pequena, era grande, alta. E nem um pouco petite. Não era loira, tinha o cabelo quase preto. Eu era bem diferente dela assim, mas a pior parte era a coisa que ele mais gostava dela.
Eu não era forte. Nem independente. Nem decidida. Nunca tinha lutado por nada, nem gostava muito de discordar das pessoas. Ela parecia ser incrível. E eu era normal. Comum. Daquelas que ele devia encontrar em todo lugar.
Respirei fundo, para eu mesma encerrar aqueles pensamentos na minha cabeça, e me levantei.
"Ela parece incrível," falei por educação. "Mas eu preciso ir agora. Tenho que trabalhar."
Ele se levantou, quase como se se chacoalhasse para sair daquela sensação de falar dela. E veio em minha direção.
"Tem alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?" Perguntou.
"Não, eu só tenho que levar esses cobertores para conserto," expliquei, fazendo menção de pegá-los.
Mas ele ganhou de mim, tirando-os de meu alcance. "Só me indicar o caminho."

"Faz muito tempo que você trabalha aqui?" Ele me perguntava, enquanto andávamos pelos corredores. Era estranho, eu não carregava nada, e ele, tudo. Eu nem sabia o que fazer com minhas mãos, aonde colocá-las.
"Minha vida inteira," expliquei. "Meus pais sempre trabalhavam aqui, então desde pequena eu fui treinada."
Ele concordou com a cabeça, como um jeito de me avisar que me ouvia. Mas não disse mais nada, então eu continuei.
"Minha mãe ainda mora aqui, comigo. Apesar de que eu deveria dizer que a gente mora com todo mundo, né, no dormitório."
"E seu pai?" Ele perguntou, me fazendo mirar minhas mãos.
"Não o conheci," admiti, e na hora ele diminuiu seu passo. "Dizem que ele fugiu com uma criada da princesa italiana," os olhos de Will se arregalaram para mim. "Mas ela já veio nos visitar e a Rainha America me permitiu que eu lhe perguntasse sobre ele."
"E o que ela disse?" Ele parecia desconfortável com o assunto tão íntimo, mas eu mesma já tinha me acostumado com ele.
"Que ele não foi para lá," respondi, dando de ombros. "Que deve ter usado aquilo só como um jeito de chegar até a Europa."
Nós seguimos em silêncio, até passando por alguns guardas e um selecionado bem arrumado. Quando já estávamos quase chegando perto do ateliê, ele foi o primeiro a voltar a falar.
"E o cara?" Ele perguntou.
"Que cara?"
"Aquele que você admira," explicou. "Ele é daqui também?"
Mordi o lábio. "Por que você quer saber?"
"Eu te contei de Tessa, você pode me contar dele."
Tessa, eu repeti o nome na minha cabeça, quase como se estivesse tentando me certificar de que nunca o repetiria sem querer.
Parei de andar e bufei, colocando minhas mãos na cintura. Ele parou a alguns passos de mim e esperou minha resposta. Ali, segurando uma pilha de cobertores e me olhando como se estivesse me desafiando a falar, com suas sobrancelhas arqueadas.
Ele não devia receber muitos nãos. E eu não estava na posição ser a primeira a tentar.
"Está bem," disse, bufando de novo. "Eu vou falar, mas tudo que eu disser precisa ser confidencial!"
"Prometo," ele disse, levantando os ombros como se quisesse levantar as mãos. "Eu não espero nada menos de você."
Engoli a seco. Se ele pelo menos soubesse como sou péssima para guardar segredos, pensei.
Respirei fundo, tentando decidir por onde começaria. E então eu olhei por cima do meu ombro, para me certificar de que ninguém estava vindo. Logo atrás de mim, no fina do corredor, Loric conversava com Johnson. Ele não tinha me visto, mas era o suficiente para me fazer empurrar Will para dentro da primeira sala que eu vi ali.
"Que que houve?" Ele perguntou, quando eu fechei a porta atrás da gente.
"Eu preciso ter certeza de que só você vai ouvir," disse, indo até a janela, como se esperasse que alguém ali fora pudesse estar nos observando.
Mas não tinha ninguém por perto, no máximo a Princesa Gabrielle e a Princesa Nina estavam sentadas trabalhando em uma mesa bem afastada do castelo.
Eu me virei de volta para Will, que tinha deixado todos os cobertores no sofá e se sentado do lado, se apoiando neles.
"Estou esperando," ele disse. Não que precisasse, estava claro em seu rosto.
Eu respirei fundo de novo, indo me sentar do lado dele. "Não tem muito o que contar," comecei.
"Ele é daqui?" Will perguntou, quase me cortando.
"Sim," respondi antes que pudesse me convencer a mentir. "Ele é guarda aqui. Um dos mais próximos ao Rei Maxon."
"Como ele se chama?"
Argh, foi o que eu pensei. "Igor," foi o que eu respondi. "Igor Loric."
Ele assentiu, claramente sem o conhecer. "E por que você acha que nunca poderia ficar com ele?"
Na minha cabeça, eu queria protestar e dizer que eu não queria ficar com ele, que na verdade eu só gostava dele de um jeito platônico. Se alguém realmente me oferecesse o Loric em uma bandeja, eu recusaria. Não sabia se era porque eu tinha me conformado em estar longe dele ou se era simplesmente um tipo de amor diferente, que preferia só ver de fora.
Mas ouvi-lo falando de Tessa me deu um pouco de inveja. Não ciúmes, eu entendia que ele era dela e que não tinha lugar para eu nem pensar na possibilidade de nós dois juntos. Mas eu tinha um pouco de inveja de como ele gostava dela, de como seus olhos pareciam ganhar um novo brilho quando ele falava dela. Eu queria poder gostar de alguém assim também.
Então não o contestei. Me deixei tentar copiar o amor dele.
Dei de ombros para lhe responder. "Porque ele está apaixonado por outra pessoa," disse, fazendo-o franzir as sobrancelhas. "Ele tem uma namorada. E ele a vê como eu queria que me visse. Não tem nem como eu desejar que esse amor dele acabasse. Não seria justo."
"Justo," ele repetiu, bufando uma risada. "Mas ele você já falou para ele que gosta dele?"
Foi minha vez de bufar. "Você já falou para a Tessa?"
Ele ficou em silêncio por alguns segundos. "Não," acabou dizendo. "Mas eu acho que ela sabe."
"Como?"
Ele se esticou para a frente, apoiando os dois cotovelos nos joelhos e mirando a nossa frente. Eu estava bem mais encolhida do seu lado, e quanto mais incomodado ele parecia, mais eu me sentia desconfortável.
"Toda vez que estamos juntos, tem uma energia estranha entre nós," ele explicou. "Tenho certeza de que ela sabe. E eu mesmo parei de tentar esconder faz tempo."
"Ela sabe," eu falei, fazendo-o virar o rosto para me olhar, franzindo a sobrancelha. "Ela sabe, mulheres percebem esse tipo de coisa bem fácil. Mesmo que ela ainda esteja tentando fingir que não sabe, ela sabe."
Ele concordou com a cabeça devagar, seu olhar voltando a se perder no chão.
"Acha que eu deveria falar para ela?" Me perguntou.
Eu tive que engolir a seco mil vezes. Não, eu não achava que ele devia falar para ela. Tinha certeza de que, se ela sabia de como ele se sentia e ainda não tinha feito nada, era porque ela não sentia o mesmo. E ele facilmente se decepcionaria.
Mas falar que ele não deveria contar era quase como dizer que eu não queria que eles ficassem juntos, que estava torcendo para que ele fosse livre para mim. Então eu menti.
"Acho que você devia falar para ela," respondi. "E se te dá medo, talvez fosse até bom aproveitar que está aqui e mandar uma carta. Não sei, nunca tive que fazer esse tipo de coisa."
"Por que você não conta para ele?" Perguntou. "Pro Igor?"
"Loric," o corrigi. "É como o chamam."
"Tá, por que você não conta pro Loric então?"
Eu me deixei pensar. A verdade continuava sendo que eu não queria realmente transformar aquilo que eu sentia por ele em nada mais concreto. Mas aquela não seria uma resposta boa o suficiente para Will.
"Não tem porque eu falar," foi como respondi. "Eu sei que ele não gosta de mim. E me humilhar e fazer tudo entre nós ficar esquisito não vai ajudar em nada."
"Não tem nada que te faça pensar que ele pode gostar de você?"
"Não," respondi o mais rápido possível, para nem me deixar pensar na possibilidade. "Acho que não."
Ele percebeu que eu não estava querendo continuar aquele assunto e só assentiu com a cabeça, voltando a mirar o chão.
Eu fiquei olhando para as minhas mãos, tentando fingir que o silêncio não era esquisito.
Mas o problema nem era nós não termos o que falar. Não me incomodaria de só ficar do lado dele, sem trocar mais nenhuma palavra. O problema era que o silêncio gritava na minha cabeça todas as razões pelas quais eu tinha certeza de que alguém na posição de Loric e, principalmente, na de Will nunca olharia para mim.
"Eu prefiro não ter esperanças," comecei, bem mais baixo do que antes. "Por que ele gostaria de alguém como eu?"
As minhas próprias palavras me perfuravam como flechas, mas eu insisti em falar em voz alta. Todo aquele momento parecia estranho, como uma tangente à normalidade. E por instinto, eu falei aquilo que não gostava de admitir nem para mim mesma.
Will se virou para me olhar na hora e sua expressão me deu esperanças de que ele fosse começar a explicar porque eu estava errada de pensar naquilo. Mas ele ficou em silêncio enquanto seus olhos miravam os meus por segundos longos demais. E quando eles baixaram para meus lábios, eu senti um aperto no meu peito, como na noite anterior.
Quase, foi a palavra que ecoou na minha cabeça, enquanto eu tentava pensar em um, só um dos finais da noite anterior que eu tinha imaginado e guardava dentro de mim.
Dessa vez, foi ele que se afastou de mim, se levantando.
"Você não pode pensar assim," ele disse, passando por mim e pegando os cobertores do sofá, como se declarasse que o tempo para aquela conversa estava acabando. "Você nunca vai conseguir entender o que leva uma pessoa a gostar de você, do mesmo jeito que ele provavelmente duvidaria do porquê você gosta dele. Acho que você deveria falar também. Só falar mesmo, tentar."
"Você vai falar?" Perguntei, o seguindo até a porta.
"Vou pensar," me prometeu.


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