Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 52
Capítulo 52: POV Ian Campbell




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Câmeras esperavam por Lola e eu quando entramos de volta no castelo. Ela sorriu para elas e eu fiz o mesmo, mas não estava entendendo muito bem porque estavam ali. Ainda nem tinha visto as nossas entrevistas do dia anterior. Mas eles deviam querer saber quem era o primeiro a levá-la a um encontro.
Achei que fossem só nos filmar entrando, mas acompanharam todo o nosso caminho até à Sala de Cinema. Eu tentei falar alguma coisa para não acharem que o encontro estava indo mal, mas Lola não estava muito afim de falar na frente deles. Nem sobre filmes.
Quando fui fechar a porta da Sala de Cinema, o cara baixou a câmera e se virou para mim.
"Se importa de eu fazer algumas imagens de vocês aqui?" Perguntou.
Olhei dele para Lola, que não parecia muito feliz com a ideia. Mas ela mesma acabou assentindo.
"Sem som?" Pedi.
O câmera se contentou. E nós o deixamos filmar quando fizemos pipoca, eu mais do que ela, e quando colocamos o filme. Ela se sentou na frente da tela e eu lhe entreguei o pote de pipoca, nós dois sorrindo. E então a luzinha vermelha da câmera se apagou.
O cara me agradeceu e saiu. Assim que eu fechei a porta, Lola respirou alto e profundo.
"Não nasci para isso!" Ela soltou.
Eu ri. "Para uma vida pública? Imaginaria que tivesse nascido para isso sim!"
"Não me importo com uma vida pública," ela se levantou e andou até mim. "Na verdade, eu nem sei como é viver uma vida não pública. Realmente não sei o que é uma vida diferente da minha."
"É o fato de eu estar junto que te incomoda?" Perguntei.
Ela parou de andar um segundo antes de chegar até mim. "Sim," acabou falando. "Não por você-"
"Mas porque nós estamos em um encontro?"
Ela engoliu a seco. "Sim," se virou de volta para a parte da cozinha, que ficava bem perto da porta. Ela deixou o pote de pipoca em cima da pia.
"Não quer comer?" Perguntei, indo até ela.
"Não com sal," me informou, sorrindo para mim. "Será que tem caramelo?"
Abri os armários que tinha ali, sem a menor esperança de encontrar. Mas talvez o gosto dela nem fosse tão absurdo, pois acabei encontrando um vidro de caramelo bem grande na geladeira, do lado do xarope de bordo.
Quando levei a ela, Lola insistiu que esquentássemos.
"Você sabe cozinhar?" Ela perguntou para mim.
"Nem de longe," admiti. "Sei misturar ingredientes esquisitos e torcer para dar certo. E você?"
"Só doces," deu de ombros, pegando uma panela ali e levando ao pequeno fogão.
"Se você quiser, a gente pode chamar uma criada para cozinhar para a gente. Ou um dos cozinheiros," sugeri.
"Não," ela respondeu bem rápido. "Não precisamos de ajuda e definitivamene não precisamos de platéia."
Ela realmente parecia saber o que fazia, pois logo pegou o vidro de caramelo e já o despejou na panela e acendeu o fogo. Depois se inclinou na minha frente até alcançar uma colher de pau. Eu nunca tinha imaginado ela daquele jeito, era até um pouco esquisito.
Mas ao mesmo tempo que ela fazia uma atividade completamente distinta daquelas que eu imaginava que ocupavam seu dia-a-dia, ela não parecia nem um pouco desconfortável ali. Pelo contrário, ela se mexia agilmente, para qualquer que fosse sua tarefa. Dominava ali como parecia gostar de dominar todos os lugares aonde ia.
Eu a deixei fazer o que tivesse que fazer. Só saberia estragar tudo e a última coisa da qual eu precisava era dela lembrando daquele encontro comigo queimando o caramelo.
Assim que ele começou a ferver, ela foi até o pote de pipocas.
"Aqui," falou. "Vira o caramelo. Com cuidado, pra não ficar muito em um só lugar."
Eu fui até a panela. Só o cabo já estava bem quente. Não gostava muito de fogo ou qualquer tipo de coisa que esquentava. Mas não queria mostrar fraqueza. E mesmo quando eu segurei no cabo, sorri para a princesa.
Me convenci de que estava tão quente, de que eu conseguiria aguentar. Segurei firme, me achando que quanto mais forte, menos quente seria.
Foi com cuidado que eu levei a panela até o pote que a princesa segurava, mesmo que a distância fosse mínima. Segurei com as duas mãos, sentindo o calor do cabo resistindo às minhas tentativas de ignorá-lo.
E quanto mais me doía, mais eu sorria para ela, que levantava as sobrancelhas para mim, estranhando tanta felicidade.
"Espera, coloca o resto por aqui," ela indicou com o dedo.
Eu já estava rezando pra despejar o resto em qualquer lugar e poder soltar a droga da panela logo. Mas ela foi indicando lugares e eu mantive a minha filosofia de fingir não estar incomodado.
Até que não consegui mais. Tentei trocar a ordem das minhas mãos para queimar um pouco menos, mas ao fazer isso, quase soltei a panela. E, no intuito de evitar que caísse, coloquei a minha mão livre embaixo.
Demorei dois segundos para sentir o calor. Pouco, mas na hora pareceu bastante. Até cheguei a me questionar se não estava mesmo quente. Mas estava. E muito. E quando finalmente senti a panela queimando minha palma da mão inteira, eu a soltei, deixando que fizesse um baque no chão.
A princesa se afastou por reflexo e talvez por medo de que a queimasse também. E várias das pipocas que estavam no pote voaram para longe. Eu me importaria, mas sentia minha pele arder e nada mais importava.
"Você se machucou?" Ela perguntou, deixando o pote na bancada e vindo checar minha mão.
Eu mesma a segurava com a outra, mirando a pele para ver provas da queimadura. Ela estava vermelha, bem vermelha. Mas nada que a princesa pudesse ver ali ganharia da dor que eu sentia.
"Só queimou um pouco," respondi. E assim que as palavras saíram da minha boca, a queimadura tentou provar que era mentira, ardendo ainda mais.
"Aqui," ela disse, abrindo a torneira.
"Não é melhor gelo?" Perguntei.
"Não, gelo só queimaria mais," ela parou de esperar que eu aceitasse sua sugestão, me pegou pelo pulso e me puxou, só parando quando minha mão estava embaixo da água.
Não conseguiria entender porque não tinha feito aquilo antes! O alívio era delicioso! A água estava fria e a princesa fez questão de abrir bastante a torneira. E pelo tempo em que eu a deixei ali, parecia que toda a queimadura tivesse desaparecido.
Mas foi eu tirar a mão debaixo da água para sentir a dor voltando devagar, tomando conta de volta da palma inteira da minha mão.
"Eu acho melhor você ir ver um médico," ela disse, chegando perto para observar o estrago.
"É," falei. "Eu devia mesmo."
"Vamos, antes que alguma das câmeras nos perceba," ela disse, indo à porta.
"Fique aqui," eu falei, a seguindo. "Assim talvez não queiram me filmar. Ou fiquem confusos."
"Tem certeza?"
"Tenho," garanti. "Nós podemos continuar nosso encontro outra hora. Amanhã, talvez."
Ela sorriu para mim, mas seus olhos não combinavam. A expressão dela era bem mais séria. Ela devia mesmo estar preocupada com o que tinha acontecido.
Abri a porta e olhei para os lados. Segurar a maçaneta ajudava até um pouco, pois ela estava gelada. Mas dobrar minha mão doía.
"Sinto muito," falei para a princesa, voltando a cabeça para dentro para olhá-la.
Ela balançou a cabeça. "Eu que sinto," disse. "Eu que insisti em fazer o caramelo, devia ter aceitado como estava."
"Não se culpe, não importa agora."
Ela concordou com a cabeça e eu senti que era a hora de eu ir para a ala hospitalar. Mas faltava alguma coisa.
Me inclinei para ela, que afastou levemente de mim. Deve ter achado que eu iria aproveitar do momento. Mas minhas intenções eram bem mais inocentes.
O beijo que lhe dei foi depositado em sua bochecha e ela pareceu até mais calma quando percebeu. Depois me afastei dela e a deixei na Sala de Cinema.

Assim que reconheci o corredor da ala hospitalar, me lembrei da noite anterior e da médica que insistiu para que eu nem tentasse ajudar.
Estava cheio lá, mais parecia um hospital de verdade. Não esperava que tivesse tanta gente doente no castelo. Mas talvez a festa tivesse sido bem pior do que eu imaginava.
Parei na estação de enfermeiros e logo um me levou a um quarto bem afastado da entrada. O caminho todo, eu procurei para ver a médica. Mas não a encontrei. A sala onde fui colocado era um pouco rica demais para mim, mas aquele devia ser o tratamento que os selecionados conseguiam.
Em um segundo, um cara entrou. Ele não parecia mais velho do que eu, mas andava como se fosse médico há anos.
"Bom dia," ele disse, olhando em uma folha de papel, "Ian Campbell. "
"Bom dia."
"Meu nome é Lucca," ele continuou, sem parecer me ouvir, "e eu vou cuidar da sua mão." Ele chegou até mim e deixou a prancheta dele na cama do meu lado. Fez um gesto para eu lhe mostrar minha mão e eu obedeci. "Como você queimou?"
"Panela quente," falei.
Ele parou de olhar pra minha mão para me olhar. "Você estava cozinhando?"
"Pipoca," expliquei. "Caramelo, mais precisamente."
Ele voltou a olhar pra minha mão na sua. "Não é grave, você não deve tê-la segurado por muito tempo. Deve doer hoje e amanhã, mas eu vou te receitar uma pomada que é anestésica. Vai melhorar logo."
Ele pegou de volta a prancheta e começou a escrever. Eu olhei à minha volta, principalmente à porta do quarto.
"Você trabalha aqui faz tempo?" Eu perguntei.
"Alguns anos," ele respondeu, sem tirar os olhos do papel.
"Uma menina se machucou ontem à noite," eu comecei, como quem não queria nada. "E uma médica a trouxe. Eu queria poder perguntar para ela como ela está."
"Valentine DeChamps?" Ele perguntou.
"Essa é a médica?"
"Não," ele assinou o papel. "É a menina que se machucou. Ela está bem, no seu quarto. E essa é a sua receita. Pode levar à farmárcia que eles te entregam a pomada."
Peguei o papel dele. "E a médica?"
Ele estava já se encaminhando à porta, mas girou no calcanhar para me olhar. "Como?"
"A médica que ajudou a DeChamps. Ela chama como?" Ele franziu as sobrancelhas, e eu engoli em seco. Não queria explicar porque queria saber o nome dela. E nem queria deixar parecer que estava sendo curioso demais.
"Deve ter sido Jazmyn Hope," ele disse, ainda parecendo estranhar minha pergunta. "Era a única que eu encontrei aqui hoje de manhã."
"Eu gostaria de agradecê-la," falei. "E a você, por me ajudar agora. Mas a ela por ontem. Sabe aonde posso encontrá-la?"
Ele olhou no relógio. "Provavelmente no seu quarto agora," disse, abrindo a maçaneta. Depois me fez um aceno com a cabeça.
Estava quase saindo quando eu o chamei. "Lucca?" Ele voltou a colocar a cabeça dentro do quarto. "Aonde fica essa farmácia aqui?'


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