Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 51
Capítulo 51: POV Lola Farrow




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Pontualmente às dez horas da manhã, Ian bateu à minha porta. Por segurança, Clarissa correu para o banheiro. Ela ainda insistia em fugir de Kyle.
Segundo ela, quanto mais tempo ela pudesse enrolar, menores as chances de ele reconhecê-la como Karen.
Eu estava já de pé, esperando por Ian, mas pedi ele para entrar. Ele vestia um terno cinza claro levemente mesclado, junto com uma gravata laranja de um tom um pouco mais claro do que aquela que tinha usado na entrevista. Seus modos eram quase macios, de tão leves, e ele sorriu assim que me viu. A primeira coisa que eu pensei foi que ele parecia o verão.
Eu mesma tinha trocado de roupa. O clima estava um pouco quente, então resolvi usar um vestido. Na verdade, Clare que tinha insistido para eu não usar calças. Ela disse que seria o primeiro passo para eu entender que o meu objetivo ali não era ganhar deles, mas me apaixonar por eles.
Ele era curto, só pelo corte em uma perna, e azul marinho. Não mostrava decote e chegava praticamente aos meus joelhos. Mas era justo. E eu demorei vários minutos para me conformar com as opiniões de Clare e aceitar que estava bonito.
Além de sorrir, Ian também me olhou de cima a baixo, depois encontrou meus olhos de novo.
"Vossa Majestade está linda," ele disse, com as mãos atrás das costas.
Eu podia imaginar a cara que Clare tinha feito, com o ouvido grudado na porta para não perder uma só palavra.
"Muito obrigada, Belfast," eu disse, indo até a porta. Ele me ofereceu seu braço e eu o aceitei. "Mas não há necessidade de me chamar de majestade. Pode ser de você, ou princesa. Ou até mesmo de Londres."
Ele pareceu considerar as opções. "Princesa está bom para mim," terminou dizendo. "Vamos?"

"E antes mesmo do final do show, eu já sabia como meu próximo filme seria," Ian dizia, enquanto nós caminhávamos pelo jardim.
"Qual foi seu próximo filme?" Perguntei.
"'Fora da Lei'," ele respondeu.
"Mas esse não é sobre aquela falha na lei illéana sobre pessoas que são consideradas cúmplices de crimes que não sabiam?"
"É."
"E como você pensou nisso durante um show de rock?" Quis saber.
Ele já sorria, mas dessa vez fez questão de me mirar por cima do ombro. "Eu não sei explicar, só me veio na hora."
Eu sorri de volta. Não entendia nada sobre fazer filmes, mas lembrava daquele. E apesar de não ter sido feito sobre o Reino Unido, me fez repensar muita coisa sobre as nossas leis. Aquela era uma das razões para eu tê-lo trazido para a Seleção. Será que ele sabia que ele já tinha me influenciado algumas vezes na vida?
"Qual o seu filme preferido?" Me perguntou.
Nós já quase não víamos o castelo, andávamos entre os arbustos, mas sem sair do caminho de pedras. Estava realmente quente, mas até o barulho das fontes parecia amenizar. E de vez em quando, batia uma brisa que eu tentava não curtir demais, mas não conseguia. Era incrível. E por um ou dois segundos eu podia me sentir um pouco menos grudenta.
"'De Volta Para o Futuro'," respondi, fazendo-o arregalar os olhos. Não consegui evitar de rir, o menos que fosse. "Desculpa, mas em mais de duzentos anos, ninguém nunca conseguiu fazer um filme melhor! E nem precisa de todos os apetrechos, não precisa colocá-lo em 3D, nem precisa melhorar a imagem. Do jeito que foram feitos, os três filmes, são a melhor coisa que a indústria cinematográfica já produziu."
"Eu me sentiria ofendido pelo seu comentário," ele disse, "se não concordasse."
"Sério que concorda?" Parei de andar para olhar para ele.
Ian fez uma careta, deu de ombros, se contorceu embaixo de seu blazer. "Concordo," acabou dizendo, sorrindo para mim. "Claro que existem muitos filmes ótimos. Mas não consigo achar um defeito em 'De Volta Para o Futuro'."
"Exato! Ele é impecável, do começo ao fim. Não deixa nenhuma ponta mal feita ou parte inexplicada. Eu queria conseguir escrever uma história assim."
"Você escreve?" Foi só quando ele perguntou, que eu percebi que tinha contado.
Era o calor. Ou o vestido. Ou a mistura de confiança e bondade que eu via nos olhos dele. Aquelas eram as razões para eu nem ter percebido o que tinha falado.
"Não," me apressei a mentir. "Mas queria."
Meia verdade. Era o suficiente. Eu ainda não o conhecia. Se tudo desse certo, poderia depois me redimir. A última coisa da qual eu precisava era de que ele soubesse das minhas fraquezas e espalhasse para quem fosse que eu tentava ser uma escritora, mas que o máximo que eu conseguia era falar sobre Reid.
Na hora em que pensei nisso, me lembrei da primeira vez que eu me sentei para escrever sobre ele. Me lembrei de como ele tinha pedido minha mão em casamento. Me lembrei daquele um mês em que eu vivi fora de mim, praticamente um sonho que, afinal, não era realidade.
"Está tudo bem?" Ian me perguntou, me trazendo de volta ao momento.
Eu sorri para ele, não muito, mas o suficiente para espantar qualquer outro pensamento. "Claro."
Ele olhou para baixo por alguns segundos e eu fiquei com medo de que fosse me questionar sobre a escrita. Talvez ele já tivesse ouvido falar que eu gostava de escrever. Ele devia ter vários detetives, só assim para descobrir sobre Owens.
Quando ele levantou o rosto para mim, eu já estava pronta para me explicar. Mas o que ele me perguntou foi bem mais desconsertante do que eu esperava.
"Me perdoe se eu estou extrapolando," ele começou. "Mas eu queria saber de sua mãe."
"Minha mãe?" Repeti, mais porque ainda precisava ter certeza de que ele tinha falado aquilo.
"É," ele voltou a baixar os olhos. "E quero que saiba que tudo que me falar não será usado em roteiro algum," ele levantou as mãos no ar, soltando de meu braço.
"Você assinou um contrato," falei.
"Sim," ele deu de ombros. "Mas o dinheiro que eu ganharia com um filme sobre você poderia facilmente pagar um processo de quebra de contrato," ele olhava à nossa volta, mas assim que encontrou meus olhos, minha expressão deve tê-lo feito entender o absurdo do que tinha falado. "Por isso mesmo que estou lhe prometendo que não vou contar para ninguém o que você me falar em momentos assim."
"Momentos como um encontro?"
"Exato. Aqui," ele procurou minhas duas mãos, se dando o direito de segurá-las, "tudo o que você me falar ficará entre nós. Pode confiar em mim, do mesmo jeito que eu confiarei em você. Se me escolher ou não, o que quer que aconteça entre nós será só nosso."
Assenti com a cabeça, discretamente tirando minhas mãos das dele. Ainda pensava no que ele tinha dito. Odiava ter que contar coisas que eu sabia que podiam ser usadas contra mim. Mas a minha mãe talvez estivesse longe disso. Toda a mídia sabia do que eu tinha sentido. Eu, como boa adolescente, tinha feito questão de falar para o mundo que ninguém me entendia e que não adiantava quererem me consolar. Tinha sido uma época bem terrível na minha vida, não só por ela, mas pelo jeito que eu tinha reagido. Mas todos sabiam disso. O que realmente me preocupava eram outras coisas que eu precisaria dividir.
Será que teria algum jeito de dividir certas experiências sem realmente contar tudo?"
"Quantos anos você tinha?" Ian perguntou, me fazendo olhar de volta para ele. "Quando ela morreu?"
Ele devia saber, mas não o questionei em voz alta. "Quatorze anos," respondi.
"Você era muito próxima dela?"
Na hora em que ele perguntou, senti um nó na minha garganta. Mas ainda assim, me convenci a responder. Baixei os olhos rapidamente, depois voltei a mirá-lo, pronta para admitir que não era.
Mas uma coisa atrás dele chamou minha atenção.
Era um vulto, atrás de uma árvore um tanto magrela. Ele se fez de ocupado com outras coisas, na cara de pau, mas eu sabia quem era.
Engoli a seco.
"Não precisa me contar, se não quiser," Ian disse, provavelmente pensando que o que estava me atrapalhando era o assunto.
Eu sorri para ele. "Não é isso," comecei, mas Alaric se mexeu de trás da árvore, andando até um banco bem mais próximo de nós.
Ele carregava um livro, para ajudar em seu disfarce. Mas talvez só o quisesse para Ian, pois assim que nossos olhares se cruzaram, ele piscou com um olho só para mim.
"Na verdade, é," voltei a mirar Ian. "Tem como nós irmos fazer outra coisa? Como ver algum filme, por exemplo? Sozinhos?"
"Claro," ele disse, abrindo caminho em direção ao castelo e me oferecendo seu braço. "Vamos à Sala de Cinema?"
"Perfeito!" Soltei, não olhando mais nenhuma vez para Alaric, mas sabendo, com o canto do olho, que ele estava sentado no banco ainda, seu livro aberto em uma página qualquer, fingindo não estar nos ouvindo.


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