Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 46
Capítulo 46: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi esse capítulo ouvindo "Get On Your Knees" da Nicki Minaj com a Ariana Grande. Só pelo ritmo, nem um pouco pela letra. Haha.



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Foi Alaric fechar a porta que eu tive vontade de gritar. Mas não queria ficar mais nem um segundo naquele assunto. Já estava resolvido e ele já tinha entendido. Queria esquecer tudo que já tinha acontecido de vez. E então continuar com a Seleção.
Dei um tempo para que ele saísse de vista antes de eu mesma deixar o Grande Salão. Não tomaria todo meu café da manhã na Sala de Jantar, só ia para lá para fazer uma pequena aparição. Clarissa estava me esperando de volta no meu quarto para o nosso café de verdade.
Mas por menor que fosse a aparição que eu precisava fazer, queria adiá-la o máximo possível. Precisava retomar minhas energias depois de discutir com Alaric. Parei no corredor perto do Grande Salão e fui até a primeira janela que vi. A primavera já tinha tomado conta do jardim, fazendo uma parede de folhas tomarem conta do caminho de entrada do castelo. Elas não estavam ali no dia que eu tinha chegado. Era incrível como aparecia quase de um dia para o outro. Mas ainda assim eu preferia o inverno.
Tentei imaginar meu pai de volta no Reino Unido, se o clima estaria parecido, se eles estariam passando frio. Só fazia duas semanas que eu estava ali, mas já sentia muito a falta dela. Uma carta por dia, tinha conseguido manter minha promessa até então. Mas não era o necessário. Queria poder vê-lo, abraçá-lo. Ele seria ótimo para me dar conselhos. Queria tanto que ele pudesse me visitar.
Mas tinha decidido esperar os próximos exames para viajar. E também queria ter certeza de que eu já teria um preferido antes de julgá-los, tinha me dito. Quase queria escolher qualquer um só para poder voltar para casa o mais rápido possível.
"Você está de calça," uma voz perfurou meus pensamentos, me dando um susto que me fez voltar ao presente.
Me recompus. Antes mesmo de me virar, já a respondia. "Como você é observador!"
Minhas mãos se posicionaram naturalmente na minha cintura, e eu já levantava meu queixo quando meus olhos encontraram os dele.
Era ele. O cara do corredor antes da festa. O dono da petulância que eu tinha esperado encontrar na entrevista aquela manhã sem sucesso.
"Faz 25 anos que eu possuo essa característica, já era hora de levar algum crédito," ele falou, metendo as mãos no bolso como se naquele gesto só ele declarasse a sua posição perante a mim.
Me olhou de cima a baixo, como se ainda analisasse o fato de eu usar calças.
Ele claramente sabia quem eu era, por isso tinha falado da minha roupa. Talvez sempre soubesse. Quando eu o tinha encontrado no corredor, ele poderia ter ido lá de propósito.
Eu não sabia bem como o responder, ainda estava pensando em tudo que ele podia ter ouvido de mim na noite anterior, quando ele deu um passo à frente.
"Já decidiu quem vai ganhar?" Perguntou.
"Como é?"
"A Seleção," explicou. "Se você conseguisse escolher o primeiro que visse na frente, me ajudaria muito."
Na hora, a cara de Alaric apareceu na minha mente. Ele provavelmente concordaria com o cara.
"Que diferença faz pra você,.." tentei me lembrar do seu nome, mas era inútil. Ele não tinha me falado.
E pelo sorriso na cara dele, nem ia me falar.
"Dois mil dólares illéanos de diferença," disse.
Tive que franzir a sobrancelha e mirá-lo por alguns segundos até juntar as peças.
"Espera, você tá apostando que eu vou escolher o primeiro cara que vir na frente?" Foi a minha vez de dar um passo à frente e estufar o peito.
"Não!" Ele respondeu, parecendo ofendido com minha confusão. Mas depois seus lábios se entortaram em um sorriso mal escondido e ele continuou. "Eu estou apostando que a seleção vai durar até hoje. Se você quer aproveitar esse tempo e olhar para todos os seus candidatos, a escolha é sua."
Ele sorria, satisfeito pelo que falava e a coragem que tinha para falar. Parecia ter muito orgulho mesmo de tentar se mostrar indiferente à minha posição. Mas o que ele não entendia era que eu tão pouco esperava algum tipo de submissão dele. E colocar suas cartas na mesa era o jeito mais fácil de me deixar estudá-las antes da minha jogada.
Olhei para o alto, como se pensasse. Respirei profundamente como uma menina ocupada por seus sonhos românticos. Depois o mirei, franzindo minhas sobrancelhas.
"Não sei," comecei, minha voz calma e nada agressiva. Dei um passo à frente, me colocando a poucos centímetros dele. "Acho que vou precisar de mais alguns dias para decidir. Ou talvez só um," parei de tentar fingir inocência e me deixei sorrir para ele, de um jeito quase maléfico. "Você apostou que acabaria hoje? Acho que vou acabar amanhã."
"Cruel," ele disse, sem desviar o olhar do meu por um milésimo de segundo. Depois deu de ombros. "Só me resta agora ganhar a aposta de quem você vai escolher."
Não consegui evitar de arregalar meus olhos, o que era exatamente a reação que ele esperava de mim. Sorriu, triunfante, e começou a andar pra longe.
"Qual o seu nome?" Perguntei, num tom que eu esperava que mostrasse pra ele como era ridículo ele não me falar.
Ele parou na hora e se virou de novo pra mim.
"Um dos grandes mistérios do mundo," disse, me fazendo revirar os olhos.
"Não é justo você saber o meu se eu não sei o seu!"
"A vida é injusta," ele falou, mais rápido e direto que tudo até então. "De todas as pessoas, você devia saber disso."
Ele tinha ficado sério por alguns segundos, mas me ver pensando naquilo deve ter lhe dado uma nova dose de confiança. Ele sorriu de novo, só de um lado do rosto, como se admitir qualquer tipo de divertimento completo estivesse abaixo dele. E então voltou a andar pelo corredor, me deixando ficar observando seu jeito.
Suas roupas eram simples. Sua calça parecia lhe ter acompanhado durante anos e a sua camisa branca não devia ver um ferro há muito tempo.
Mas ele caminhava num ritmo que não poderia significar nada além de segurança. Eu acompanhei todo seu caminho pelo corredor com os olhos, esperando em algum segundo ver alguma demonstração de insegurança, a menor que fosse. Mas não vi uma sequer. Ou ele ainda sabia que eu estava olhando e mantinha sua pose por mim, ou aquele era seu jeito mesmo. Talvez não tivesse tentado se mostrar indiferente à minha posição. Talvez ele simplesmente o fosse.
Ele virou a esquina e eu fiquei sozinha. Olhei para o outro lado, que me levaria à Sala de Jantar, aonde todos me esperavam. Não me sentia muito inclinada a ter que encarar Alaric de novo. Não tão cedo. E só de imaginar todos parando para me olhar e julgar já me dava uma pontada de dor de cabeça.
Antes que soubesse o que estava fazendo, disparei a andar na direção em que o cara tinha ido. Assim que virei o corredor, o avistei. Acelerei meu passo para alcançá-lo, mas diminui quando cheguei perto dele.
"Sabe que eu posso descobrir, não é?" Perguntei.
Ele virou seu rosto minimamente para mim, só como um jeito de se certificar de que eu estava mesmo ali.
"O quê?"
"Seu nome," eu disse. "Posso descobrir se quiser."
"Sei disso."
"Posso descobrir qualquer coisa sobre você. Quando eu quiser."
Ele bufou uma risada. "Aí eu já não acho que seja tão fácil."
Foi a minha vez de rir, rápido e arrogante. "Não duvide, eu posso. Também posso obrigá-los a acabar com essa aposta. E talvez punir todos que estiverem envolvidos. Ou quem sabe só alguns que eu escolher a dedo," me posicionei na sua frente para impedi-lo de continuar andando e o mirei fundo.
Ele só levantou uma sobrancelha, não para me desafiar, mas divertido com tudo aquilo.
"Vá em frente," falou. "Se você tem esse poder, está no seu direito. Não tem nada que eu possa fazer."
Ele desviou de mim e voltar a andar. Por que ele precisava ser tão irritante?
"Você pode me dizer seu nome! E aí eu deixo você continuar e perder a aposta!" Eu aumentei minha voz para as costas dele, mas ele não voltou a parar. "Só me fala sua droga de nome!"
Minhas palavras não só surpreenderam ele, como a mim mesma. Quando ele parou de andar na hora e se virou para me olhar, eu estava com minhas duas mãos na boca, horrorizada por ter me deixado levar assim.
Mas quando percebi que me olhava, as soltei e voltei a levantar o rosto para ele.
"Acho que seria bom para você," ele disse, começando a andar de volta em minha direção, "ter alguém recusando uma ordem sua. Você não parece muito acostumada a não ter seus desejos atendidos."
"Eu não estou acostumada a não ter meus desejos atendidos?" Repeti, sentindo as palavras me atingirem tão fundo que desisti completamente das minhas maneiras de princesa. "Eu estou em um país estrangeiro, tendo que conhecer estranhos para escolher um com quem me casar. Isso para eu não perder o reino que eu tanto amo para um cara que não tem nada na cabeça além de um S cifrão. E tudo porque o meu pai, a única família que eu ainda tenho, está com um aneurisma no cérebro que pode estourar a qualquer momento, me deixando sozinha. Nenhum desses são desejos meus. Nada que eu faço na minha vida é por mim. Se eu quero que atendam uma pequena ordem minha, como saber seu nome por exemplo, é para suprir toda e qualquer carência que essa vida força pra cima de mim todos os dias!"
Eu só percebi que tinha estado levantando minha voz a cada palavra quando terminei e a ouvi ecoando pelo corredor. O cara me olhava, agora com suas mãos fora do bolso, a menos de um metro de mim. Eu esperava que ele tivesse um pouco mais de compaixão em seus olhos, um pouco até de dó. Não que fosse aceitar aquilo dele. Mas nada. Ele me observava como se lhe custasse a me entender. Mas não tinha pena de mim, só estava confuso com o que via.
Não devia esperar que eu falasse tudo aquilo. Eu realmente deveria ter pensado melhor. Mas era mais cansativo do que eu tinha antecipado. Eu tinha evitado pensar naquilo como a tragédia que era, constantemente me convencendo que todos os privilégios que eu tinha compensavam todo o ruim. Mas a verdade era que aquilo era um peso que me diminuía poucos centímetros todo dia. E eu realmente precisava descontar em alguém. E eu nem sabia o nome daquele que tinha recebido por alguns segundos todo o peso do mundo que eu levava nos ombros a vida inteira.
Como se lesse meus pensamentos, ele me ofereceu sua mão para apertar. "Marc," disse. "Meu nome é Marc."
"Lola," falei. Não que precisasse, mas não saberia reagir de outro jeito.
Hesitei em apertar sua mão. Me parecia próximo demais, eu mal o conhecia. Eu nem o conhecia. E ele já sabia demais do que estava dentro da minha cabeça, não queria que também soubesse como era apertar minha mão.
Mas como eu era tonta. Que diferença fazia?
Ele fez menção de voltar sua mão ao bolso, mas no último segundo eu a agarrei. E a gente ficou ali, segurando um a mão do outro. Ele não tentou apertá-la como de costume, nem balançá-la, era esquisito. E eu ainda estava me convencendo de que aquilo não era amigável demais, então acabei me esquecendo também das boas maneiras que eu deveria ter.
Quando me dei conta, já fazia tempo demais que nós estávamos de mãos dadas e eu puxei a minha para mim.
Ele riu de leve, voltando a sua para o bolso. "Tensa?"
"Dia cheio," foi o que respondi.
Ele concordou com a cabeça e abaixou o rosto, como se pensasse no que falaria. Eu estava dividida entre esperar o que ele diria e explicar que eu precisava me retirar dali. Mas eu aceitava a distração. E adiar alguns minutos das minhas responsabilidades parecia tão fácil naquele momento. E eu nem precisava falar nada. Só ficar ali.
"Acho que você está precisando dar uma descarregada," ele disse, seu sorriso torto sempre presente em um só lado do seu rosto.
"O que você sugere?" Perguntei, inclinando minha cabeça para trás, mas sem tirar meus olhos dele.
Ele me mirou por um segundo, ganhando tempo para pensar. Mas era quase como se fosse deliberado. Ele já sabia o que falaria. Só queria adiar.
"Eu sei de alguns lugares para onde fugir, se você preci-"
"Princesa! Aí está você!" Uma voz feminina o cortou, vindo de trás de mim.
Me virei para encontrar a Senhorita Woodwork, que andava até nós apressada.
"Estava começando a pensar que alguma coisa tinha lhe acontecido!" Ela disse, quando chegou do meu lado. "Estamos te esperando na Sala de Jantar."
"Ah, perdão. Precisava de um pouco de ar," confessei, levando uma mão à barriga, como se ainda precisasse de ajuda para inspirar e expirar.
"Bom, vamos?" Woodwork abriu caminho para mim e esperou que eu começasse a andar.
Olhei por cima do ombro para Marc. "Você vem?"
Ele pareceu que tinha levado um tapa. "Não," respondeu, como se fosse óbvio.
"Marc provavelmente já deve ter tomado café," Woodwork disse, demorando tanto com cada palavra que parecia que ela estava com medo de falar besteira.
Me virei para olhá-la. "Houve outro café da manhã?"
Ela ainda parecia cautelosa com seu jeito de me responder. "Houve o dos criados," disse.
Não foi uma surpresa muito grande para mim saber que ele era criado. As roupas dele não tinham luxo nenhum. Mas ele as usava como por opção. Também não teria me surpreendido se ele fosse simplesmente um convidado mais rebelde aos bons costumes.
"Você é guarda aqui?" Me virei para Marc, que abriu de lado seu sorriso torto.
"Com esse físico?" Perguntou, abrindo seus braços para me fazer olhar pra ele.
Realmente, ele era um tanto magro para um guarda. Mas não era como se não pudesse virar um.
"Não, Marc trabalha na cozinha," Woodwork explicou, me fazendo olhar para ela. "Muito do que Vossa Majestade irá comer agora terá passado pelas mãos dele."
Voltei a olhar pra ele, que piscou com um olho só para mim, dessa vez se deixando sorrir com a boca toda.
"Princesa?" Woodwork me chamou. "Vamos?"
Antes que eu respondesse, Marc me fez um pequeno aceno com a cabeça, se virou e começou a andar. Eu o acompanhei de novo com os olhos, mas dessa vez ele não chegou a virar o corredor. Entrou por duas portas de metal a alguns metros de nós.
Quando virei de volta para Woodwork, ela me esperava com o sorriso. Ela começou a andar e eu a acompanhei, já repassando na minha cabeça o que eu sabia que sentiria ao entrar na Sala de Jantar e ter todos me observando novamente.


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Notas finais do capítulo

Esse é o último dos capítulos de presente de natal! Resolvi focar nesse e escrever sete hoje porque eram os que eu tinha programado já! E vocês merecem o melhor presente do universo (ou o melhor que eu consigo dar!)
Ainda não respondi todos os comentários, mas vou responder! Só que amanhã. Agora eu estou morrendo de sono! Haha



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