Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 40
Capítulo 40: POV Dane Lewis


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Castle" do T.I. e "A Star Is Born" do Jay-Z com o (lindo) J. Cole.

Já aviso que esse capítulo contém palavrões. Haha



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Eu claramente tinha sido o único a deixar a festa cedo. No dia seguinte, nem as minhas criadas pareciam estar bem. Depois de cada bocejo, elas revezavam entre esfregar as têmporas e a barriga, de ressaca. Eu devia mesmo ter sido o único a me preocupar com meus compromissos no dia seguinte.
Eram sete da manhã quando eu as despensei e pedi que só voltassem no final da tarde. Elas praticamente deram pulinhos de alegria, só parecendo estarem acordas quando a notícia era boa para elas. Em cinco minutos eu tinha vestido o terno que tinham me separado. Cinza claro, acompanhado por uma gravata vermelha, que era a minha cor. Vai saber pra quê a princesa precisava daquilo. Mas eu gostava do meu quarto, apesar de tudo. Tinha sorte de ser Liverpool, pois os livros na minha estante se dividiam entre a história da cidade, do time e dos Beatles. Não podia imaginar ninguém com uma sorte maior.
Quando abri a porta do quarto e saí, não ouvia barulho nenhum. Ou estavam enrolando para acordar, ou todos tinham ganhado de mim, o que era bastante improvável. Nós precisávamos nos encontrar no Grande Salão às oito em ponto. Com mais de quarenta minutos sobrando, eu fiz meu caminho até o Salão dos Homens. Aquele terno era justo, slim segundo minhas criadas. Era pior que o da noite anterior, mas pelo menos eu não tinha que usar aquela máscara dura e nem fingir que estava interessado em uma festa em que eu não podia beber uma gota de álcool por causa dos remédios para o meu braço.
O Salão dos Homens estava vazio, mas as paredes de madeira abafavam o eco de cada movimento meu. Pensei em jogar sinuca, mas ter que montar todas as bolas, dar a primeira tacada e tudo o mais parecia trabalho demais. Não só para começar, mas na hora em que eu tivesse que juntar de volta e ir para o Grande Salão.
Andei até o alvo dos dardos. Ainda estava intacto, nós não tínhamos tido tempo de estreiá-lo. Não me importaria de ser o primeiro.
Logo embaixo dele estavam as caixas, dentro das quais cada dardo ainda estava desmontado. Aquele era o preço de ser o primeiro. Demorei alguns minutos para encaixar cada flight, mas não perdi a vontade de jogar. Na verdade, ela só aumentou. E quando me posicionei para jogar o primeiro dardo, já criava desafios na minha cabeça.
Comecei com um simples, ir do Um até o Vinte. Não tive problemas, a única coisa que me atrasava era ter que ir tirar os dardos quando jogava todos os cinco. Tinha passado anos jogando com os caras no bar na frente da base da aeronáutica, minha prática continuava ótima.
Estava para jogar o dardo que acertaria o número Dezoito em cheio, quando o movimento de levá-lo para trás fez meu braço travar. Senti a dor familiar começar no meu ombro e se esticar até as pontas dos meus dedos como um choque que me dominava. Não consegui continuar segurando o dardo, o soltei e deixei que caísse no chão. Levei minha outra mão ao ombro que doía, apertando tão forte que eu tinha esperanças da minha força ganhar da dor e aquilo passar. Mas era mais intenso do que eu conseguia dominar. Me inclinei pra frente, suprimindo meu grito de dor no mais silencioso que podia, e esperei passar.
Já não havia nada que eu podia fazer que não fosse doer? O que aqueles cirurgiões tinham feito? Mas que droga que eles tinham feito comigo que a cada dia parecia que eu conseguia me movimentar menos? Quando é que eu poderia acordar e viver normalmente? Eu não estava tentando pilotar uma droga de avião, porra! Era uma merda de dardo! Uma criança conseguiria jogá-lo! E eu não!
Antes de sentir toda a dor passando, a raiva tomou conta de mim. E eu meti o braço na primeira coisa que vi do meu lado.
A mesa em que eu apoiava os dardos balançou até cair. Mas nem foi esse o barulho que fez toda a minha raiva ser colocada em pausa. Foi o som que o blazer que eu usava fez.
Apreensivo, eu fui até o mais perto de um espelho que tinha ali, um armário onde guardavam as peças de xadrez. Levantei meu braço com cuidado, quase como se eu esperasse o suficiente, estaria dando tempo de o que quer que tinha acontecido se reverter e eu não ter que lidar com aquilo.
Mas não. Lá estava o rasgo que eu tinha ouvido, bem embaixo do meu braço. Como se não bastasse a dor, agora eu tinha rasgado o terno que deveria usar para conhecer a princesa. Minutos antes de conhecê-la.
Olhei no relógio. Só tinha vinte minutos. O que eu podia fazer? Chamar minhas criadas de volta e pedir para elas costurarem para mim? Elas já deviam estar no décimo sono, ou então abraçadas com uma privada.
Não sabia se tinha mais raiva ou frustração, mas fui até a mesinha que tinha derrubado, a levantando rápido e drasticamente. Tirei cada dardo e os deixei em suas caixas. Era o mais arrumado que eu me importava em deixar.
Quando saí do Salão dos Homens, meus passos ecoavam no mesmo ritmo que o meu humor. Eu me encaminhava para a escada principal, estava pensando que poderia pelo menos trocar por algum outro terno que eu tinha lá, quando encontrei Marlee Woodwork, que devia estar indo nos buscar.
Ou, deveria dizer, ela me encontrou.
"Mas o que aconteceu com você?" Ela perguntou, vindo até mim. Não sabia que estava tão aparente assim.
"Um acidente," eu respondi, ela já levantava meu braço sozinha, sem me pedir nem nada. Era estranho, quase como se fosse minha mãe. Mas minha mãe saberia que aquele movimento só fazia a sombra da dor caminhar mais algumas vezes do meu ombro aos meus dedos.
"Onde estão suas criadas?" Marlee me perguntou, abaixando meu braço.
"Eu as dispensei."
Ela bufou, estressada. Depois levou uma mão ao seu fone de ouvido/microfone. "Eu preciso de Madison Hunter," disse. Depois de alguns minutos esperando, revirou os olhos. "Então Margaret Degrasse, que seja. Só precisa ser urgente," seus olhos percorreram o corredor e caíram no primeiro guarda que passava. "Thomas, filho," filho? "Leve esse selecionado para o ateliê. O mais rápido possível! Ele precisa estar no Grande Salão em quinze minutos!"
Quinze minutos, aquelas palavras ecoaram na minha cabeça, quase tão doloridas quanto meu braço. Eu tinha passado tanto tempo tendo certeza de que conseguiria ter uma boa primeira impressão na princesa e agora provavelmente acabaria chegando atrasado. Devia ter ficado no meu quarto esperando dar a hora.
O filho de Marlee me guiou o caminho enquanto me perguntava o que tinha acontecido, o que eu fazia, quem eu era. Ele tinha bastante perguntas para alguém que deveria ser um guarda. Quando nós chegamos ao corredor do tal ateliê, ele recebeu uma chamada no rádio. Disse que me encontraria logo, que era para eu entrar primeiro.
O ateliê era bem maior do que eu esperava. Como uma sala de aula, só que com mesas gigantes, ele se estendia até o final. Nem me importei muito com nada ali, até ver a minha foto. Não consegui evitar de andar até a minha mesa. Era estranho, eles tinham uma lista enorme de medidas minhas. Era meio íntimo, qualquer pessoa ali podia simplesmente saber meu tamanho. E nem eu sabia aquilo.
No meio dos papéis com especificações minhas e de Liverpool, estavam vários desenhos. E entre eles, o terno que eu usava bem naquela hora.
Foi só o barulho da porta que me fez parar de bisbilhotar, mesmo que fosse sobre mim mesmo. Me virei e vi uma menina entrando, carregando uma bolsa enorme e usando óculos maiores que sua cara. Ela parecia ainda pior que as minhas criadas. E não devia ter me visto ali, pois foi até uma mesa longe das dos selecionados e depositou tudo ali. Bufou alto e depois deu um gole enorme no seu café.
Minha curiosidade me dizia para deixá-la fazer o que tinha que fazer, eu queria saber como ela agiria se pensasse que estava sozinha. Mas eu devia ter menos de dez minutos e não tinha tempo para isso.
"Er, licença," pedi, fazendo-a dar um pulo que quase derrubou o café que segurava. Ela virou para mim e levou os óculos ao seu cabelo que era prova de que tinha acabado de acordar. "Você é Margaret?"
"Maggie," me corrigiu, baixando seus olhos como se pedir para lhe chamar assim levasse junto o risco de eu a entender mal. "E você é o Liverpool."
Ela sorriu para si mesma por ter me reconhecido, mas eu não achei aquilo muito legal. Ia perguntar como sabia, mas minha foto de uma página inteira estava bem do meu lado.
Nós ficamos em silêncio até que ela levantou os olhos para mim.
"Do que você precisa?" Perguntou, deixando tudo que ainda estava na sua mão em cima da mesa e andando até mim. Seus olhos me percorreram timidamente da cabeça aos pés e voltaram a parar na minha gravata. "Uau," soltou. "Essa gravata podia ter ficado bem melhor," não consegui evitar de olhá-la como se estivesse me criticando. Ela percebeu na hora, dando de ombros. "Não que não esteja boa. É só que foi a primeira que eu tricotei. Bom, não eu, a máquina. Mas foi a primeira que eu programei a máquina pra fazer. As próximas vão ficar bem melhores, prometo."
Eu não estava entendendo porque ela estava falando tudo aquilo, no máximo eu só a observava. Seus olhos encontraram os meus e vi quando ela corou. A última coisa da qual eu precisava era constranger a menina que tinha acordado para me ajudar.
"Que bom," falei só para terminar o assunto. "Mas agora eu precisava que você consertasse meu blazer," falei, levantando o braço para ela ver o estrago. "E, se for possível, em menos de cinco minutos."
Comecei a tirar, o que a fez levar as duas mãos para trás das costas. Ela até deu um passo atrás, mas assim que coloquei o blazer na mesa do nosso lado, ela o atacou rapidamente.
"Como você o rasgou?" Perguntou, olhando-o por dentro e por fora, como se analizasse o melhor jeito de começar.
Hesitei em responder, não queria falar da minha dor, quem quer que aquela menina seja. Nem da minha raiva.
"Jogando dardo," menti. Mas era uma meia mentira e o suficiente para ela, que se virou para me olhar.
"Seria melhor que tirasse o blazer da próxima vez," disse, logo voltando a olhar para ele na sua frente. Ela pegou uma caixa de cima da mesa, de onde tirou uma linha e uma agulha.
"Vou me lembrar disso no futuro," prometi, me apoiando com o cotovelo ali para esperá-la.
Meus olhos percorram o ateliê de novo e a foto de cada selecionado. Podia imaginá-los já entrando no Grande Salão e a princesa chegando. Ainda não tinha decidido o que eu queria tirar de toda aquela experiência. Mas definitivamente não queria ficar com fama de irresponsável.
"Margaret?" Eu chamei, mas ela nem se mexeu além da costura pequena e ágil que fazia no meu blazer. "Tem como ir mais rápido? Eu já estou atrasado."
Ela pareceu me ignorar, no máximo parou para pegar todo o cabelo de um lado e jogar por cima do outro ombro. E então voltou a costurar. Queria pedir para ir mais rápido, estava começando a ficar ainda mais frustrado, mas também não queria atrapalhá-la.
Sem poder fazer mais nada, me concentrei em assisti-la e só esperar que o seu próximo movimento fosse o último. Ela era delicada, parecia bem jovem. Mas trabalhava de um jeito sério, dedicado. Nos pequenos movimentos que fazia, eu podia ver que ela gostava daquilo, que se importava de verdade. Era até meio hipnotizante. Ela era ágil, seus dedos pareciam mexer sem que ela pensasse neles, sem precisar lhe dar ordens. Mas pelo que eu via, ainda estava bem no começo. E o blazer estava do avesso. Não conseguia vê-la terminando tão cedo.
Estar ali só me deixava nervoso. E eu não queria colocar mais pressão em cima dela, não quando parecia estar fechada dentro de sua cabeça.
Ia perguntar se tinha problema eu dar uma volta pelo ateliê, mas achei melhor não a interrompê-la. Então comecei meu caminho. Primeiro, pensava em ir ver cada selecionado, mas não estava interessado o suficiente. Sem precisar pensar muito, fui até a janela que levava ao jardim de frente do castelo. Podia ver a entrada, deserta e sem carro nenhum. Não que eu esperasse que muita gente fosse chegar, mas mesmo assim.
Logo depois, senti um toque tímido no meu ombro. Me virei e lá estava ela, Maggie, segurando meu blazer para mim.
"Não é dos melhores consertos," ela começou, humilde, "e nem vai durar muito. Você vai precisar vir aqui depois e deixá-lo comigo ou com alguma das suas criadas para consertar de vez. Mas vai aguentar a entrevista."
Peguei o blazer dela e o vesti de uma vez. Antes mesmo de abotoá-lo, olhei no relógio.
"Está muito atrasado?" Maggie perguntou.
"Cinco minutos," respondi. "E nem sei o caminho," completei, esfregando o cabelo de nervosismo.
Ela olhou por cima do ombro para uma porta no fundo do atêlie. Depois voltou a me mirar. "Eu posso tentar te arrumar um caminho mais curto que o normal," ofereceu.
Como se fosse algo que eu fosse recusar àquela altura.
Concordei e ela começou a andar rapidamente na direção daquela porta. Eu a segui atravéz do ateliê, depois de uma sala cheia de máquinas de costura vazia. Nós passamos por um corredor onde alguns poucos criados passavam com a mesma cara de ressaca. E depois na frente de alguns quartos que me fez sentir bem inadequado. Era estranho ver os criados assim, alguns de pijama, outros ainda ajustando suas roupas. Era como estar no backstage de um show. Mas menos emocionante do que conhecer sua banda preferida.
Quando ela abriu uma porta que dava para o corredor principal do castelo, pude avistar o grupo de selecionados que era guiado por Marlee para o Grande Salão. E, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti aliviado. Salvo, no último segundo, mas salvo. Pelo menos uma coisa tinha dado certo. Pelo menos uma coisa não tinha estragado, não tinha explodido na minha frente.
Eu tinha me esquecido como alívio era bom. Um pequeno momento sem preocupações, sentindo que as coisas estavam funcionando. Nem tinha percebido o quanto fazia falta até poder sentir de novo.
Quando passei pela porta, me virei para agradecê-la. Meu instinto foi abraçá-la e eu estava tão satisfeito de ter chegado a tempo, que não o evitei. Ela pareceu se encolher embaixo dos meus braços, mas eu não me importei. Assim que me afastei, a segurei pelos ombros.
"Eu não sei como lhe agradecer," disse.
Ela parecia constrangida. "Acho que já agradeceu," respondeu, discretamente tentando sair das minhas mãos.
Eu a deixei se afastar, apesar de ainda querer abraçá-la de novo. Mas seu jeito de mirar o chão como se quisesse desaparecer me fez colocar os pés nos chão novamente. O que eu estava fazendo mesmo? Eu nem a conhecia. Um aperto de mão teria sido o suficiente.
Dei um passo atrás, como se a deixasse respirar e me permitisse pensar direito. O alívio tinha desaparecido e eu ouvi a porta do Grande Salão se fechando, trazendo de volta minha preocupação. Se a princesa já estivesse ali dentro, eu tinha acabado de voltar a ficar atrasado.
"Eu preciso ir," disse me encaminhando para lá. Maggie concordou com a cabeça, suas mãos nas costas. Estava para abrir a porta, quando voltei a olhá-la. "E obrigado de novo, sério. Você salvou minha vida."
Ela levantou o rosto com minhas palavras e por um segundo, conseguiu segurar o olhar no meu. Depois o baixou de novo e eu voltei a me concentrar na entrevista que estava prestes a acontecer.


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