Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 37
Capítulo 37: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Falling Fast" da Avril Lavigne. SUPER aconselho.
Espero que vocês gostem desse capítulo. Porque eu amei.
Esse é em especial para a Amanda Werneck e a Caroline Piccoli por sempre acreditarem no Kyle com a Clarissa, haha.



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Não é fácil amar alguém que ninguém entende. É assim que eu vejo. Ninguém entende Kyle. E não é fácil amá-lo.
Na verdade, é bem fácil. É como respirar. Eu só tenho que inspirar e pronto, ele me preenche por inteira.
O que não é fácil é ter que ouvir todas as pessoas que não o entendem. Tive que passar minha vida inteira ouvindo outros falarem dele de jeitos que me faziam contorcer por dentro. E no breve momento em que havia rumores dele namorando uma cantora de seu país, tive que ouvir comentários sobre como ela o aguentaria, enquanto tentava não me mostrar incomodada.
Nunca contestei nenhum dos comentários. Nunca pude defendê-lo e isso me mata. Tentei fazer meu melhor, mas meu medo de que descobrissem o que eu sentia sempre tinha sido maior. Mas eu tinha uma defesa para cada uma coisas que falavam dele. E eu sabia, cada dia mais, que ele não era compreendido.
Lola mesmo nunca tinha me falado nada exatamente ruim dele, mas sabia pelo seu jeito de dispensá-lo como assunto, que ela nem o considerava digno de muita preocupação. Ele tinha crescido com a gente, o máximo que ela falava dele era como um irmão mais novo que estava longe de ser perfeito, mas ainda o prezava só pela posição que tinha ocupado em seu coração desde pequeno. Era isso que ele era para ela. E o que ela esperava que ele fosse para mim.
A coisa que eu mais ouvia era que ele só conseguia pensar em si mesmo, que era arrogante e orgulhoso sem motivos. E a coisa que eu mais queria era poder compartilhar com o resto do mundo a grande prova que eu tinha de que aquilo não era verdade.
Mas aquele era um momento que eu guardava só para mim. De noite, eu gostava de lembrá-lo detalhe por detalhe, para ter certeza de que eu nunca o esqueceria. Ele era meu, só meu. E eu o regava como uma flor.
Eu tinha quinze anos na época, era aniversário da Lola e o castelo estava repleto de parentes distantes e ministros do país. Era uma época muito boa para a economia e todos estavam bem felizes, não economizavam em presentes e todos que a conheciam tinham ido visitá-la.
Um pouco antes dela descer par ao salão, eu estava com Kyle e vários primos da Lola conversando no salão. Ele tinha quatorze anos. E eu já o seguia o máximo que podia. Já sabia que gostava dele. Mas ainda não tinha nem admitido para mim mesma.
Os primos de Lola conversavam sobre suas coisas de garotos ricos e eu tentava me encontrar no meio do assunto, sem ficar de fora. Mas não era fácil. Até que um fez um comentário que eu fiz questão de esquecer. O máximo que me lembrava era que era ofensivo. E muito. Contra mim. Como mulher, mas principalmente como criada. E na hora, junto com todas as minhas expectativas daquela noite, da minha vida inteira, eu me senti afundando no chão de humilhação.
E ali, do lado dos primos da Lola, estava Kyle. Nos meus piores pesadelos, ele concordaria com eles. Ele também riria e me trataria como inferior.
Mas não. Ele deu um meio sorriso bastante desconfortável e, discretamente, colocou sua mão sobre a minha coxa. Eu nem sei se ele mesmo percebeu o que fazia. Mas foi como se ele me desse uma mão para me impedir de afogar. Foi como seu gesto inconsciente de me proteger, se certificar de que eu não tinha me machucado. Foi como se ele me dissesse que cuidaria de mim, que eu não precisava ouvir o que eles estavam falando, que eles eram eles, mas a gente era a gente. Eles não entendiam. E nem mereciam entender. Ele cuidaria de mim.
Alguns segundos depois, enquanto eu tentava entender o que ele estava fazendo, ele se virou para olhar para mim. O sorriso educado que ele tinha se perdeu e ele só olhou nos meus olhos, como se tentasse ver o que eu estava sentindo.
O que eu estava sentindo? O mundo inteiro tinha desaparecido junto com a minha grande humilhação e só tinha eu e ele ali. Ele tinha me salvado e eu finalmente podia vê-lo direito. O que eu sentia passou de simples atração para completa admiração. E desde então eu vinha colecionando momentos em que eu podia ver a bondade que ele tinha dentro de si mesmo. Talvez ele só não acreditasse. Talvez fosse por isso que ele deixava aquela impressão nas pessoas. Talvez nem ele visse o quanto ele era incrível.
Mas eu via. E toda vez que eu via, eu me lembrava daquele dia. E do jeito que ele tinha me olhado.
Muito tempo tinha se passado, muita coisa tinha acontecido desde então. Às vezes eu sentia que tinha me afastado dele de propósito, com medo de ter visto mais do que eu merecia. Mesmo que eu o amasse com todo o meu coração e passasse a vida inteira tentando provar isso para ele, aquilo não seria o suficiente para ele gostar de mim. Ele não tinha obrigação nenhuma de gostar de mim. E talvez eu devesse me contentar em assisti-lo, ao invés de ser ambiciosa e insistir que ele me amasse de volta.
Mas quando estava em Paris, encontrei um cara que estava disposto a construir uma vida comigo. Do começo, do primeiro encontro. Disposto e entusiasmado, Vincent não pouparia momentos nem esforços. E ver aquela esperança nos olhos dele como se ele visse o futuro se desenrolar à nossa frente só me provou que eu também queria aquilo. Mas não com ele.
Foi como me apaixonar de novo por Kyle. Tudo de novo, anos depois. Sentir aquele sentimento me atropelando de uma vez. Guardar certas coisas é tão difícil. É só adiar o momento em que elas vão tomar conta de você. E de uma vez, eu senti tudo voltando à tona. Eu não tinha o esquecido como tinha me convencido. Eu não me contentava só com me importar com ele, com amá-lo de longe. Ele não poderia simplesmente ser só meu amigo pelo resto da minha vida. Não tinha nada que eu pudesse fazer, nem negar funcionaria outra vez. Meu coração ainda era dele. E eu queria tanto ele!
Mas com o sentimento, o medo também tinha voltado. Era tão fácil pensar que ter crescido e amadurecido me fazia imune a todas as coisas que ele me causava. Mas não era verdade. Talvez o medo fosse ainda maior. Porque depois de deixar Vincent desapontado como tinha deixado, eu sabia o estrago que o amor fazia. Tinha visto na minha frente, eu mesma já o tinha causado.
E enquanto Kyle ria na cozinha do castelo de Illéa, sujando toda a pia de molho, eu via em cada movimento dele o risco, o poder que ele tinha de quebrar meu coração com uma só palavra. Tudo que ele fazia me atraía como ímã, como melodia de uma música hipnotizante que eu não conseguiria ignorar. Era difícil tirar meus olhos dele, mas eu não estava tentando. Ele ria, piscava para mim, e eu me lembrava pela milésima vez de quando ele tinha deixado sua mão na minha coxa, me salvando de mim mesma.
Ele tinha insistido em cozinhar, já que aquilo, segundo ele, era algo que eu fazia todo dia. E não parecia se importar quando derrubava as coisas, nem quando sujava tudo que estava à sua frente. Não me deixava ajudar, não me deixava mexer em nada. Me sentou em uma das bancadas e perguntou do que eu gostava, me disse que ele me prepararia uma refeição digna de princesa.
Vários minutos depois, ele colocou um prato na minha frente. Um sanduíche de maionese em pão de forma integral seco e até um pouco duro. O tomate estava cortado grosso demais e não tinha combinado muito com o atum. E tinha tanto orégano, que eu sentia grudando em meus dentes - e entrava um pouco em pânico por isso.
Mas eu não mudaria absolutamente nada naquele sanduíche. Principalmente o jeito orgulhoso dele de colocá-lo na minha frente e me observar comendo.
A cozinha estava iluminada demais e a cada movimento meu, eu precisava checar se a minha máscara mostrava muito do meu rosto, jogar a peruca por cima do meu rosto e ter certeza de que eu não me esquecia do sotaque falso. Era tanto para pensar, que eu esperava ansiosamente pelos momentos em que ele virava de costas e eu podia só olhar para ele, como se fosse invisível e simplesmente tivesse o privilégio de vê-lo.
"E aí?" Ele perguntou, se apoiando com os dois braços na bancada perto de meu prato, enquanto eu tentava engolir um pedaço grande demais do sanduíche.
Senti meus olhos lacrimejarem pelo encontro do pão duro com minha garganta. Mas disfarcei o melhor que eu podia. Sorri e concordei com a cabeça.
"Está bom?" Ele perguntou, esperançoso.
Tomei um gole grande de água para limpar a boca, enquanto checava com a minha língua se algum pedaço de orégano tinha ficado em meus dentes. Depois sorri para ele.
"Está perfeito," disse.
Ele sorriu de volta, satisfeito, e então se esticou, tirou o avental com cuidado para tão atrapalhar sua máscara e o jogou em um armário qualquer.
"Gastronomia é um talento que eu não mostro para muita gente," ele falou, sarcástico, voltando a se apoiar na bancada, agora com seu cotovelo.
Eu fiz uma cara como se perguntasse, "É mesmo?", enquanto tentava terminar o sanduíche.
"Sinta-se privilegiada," ele completou, piscando um olho para mim.
Eu provavelmente estava patética, pois parei de mastigar e só olhei para ele com a boca cheia.
Privilegiada. Se ele soubesse como aquilo significava para mim, nem brincaria assim.
Depois do último pedaço do sanduíche, bebi o máximo de água que eu podia. Ele me observava, falando sobre como ele era próximo do irmão, de como ele não tinha muitos amigos, mas que não se importava tanto. Ele me assegurou de que gostava de ficar sozinho, mas alguma coisa no jeito dele me dizia que não era verdade. Ele era obrigado a ficar sozinho. Ele tinha sido obrigado a se acostumar. Isso não significava que ele gostava.
Assim que eu terminei de comer, ele pegou meu prato e meu copo e os levou à pia. E ali de novo eu lembrei do aniversário de dezessete anos da Lola e do toque da mão dele na minha coxa. Eu não me importaria de senti-lo de novo.
Me deixei escorregar da bancada bem na hora em que ele estava voltando para perto de mim. Ele desdobrou as mangas de sua camisa e as mirou confuso.
"Pouco amassado, hein" falei, e ele levantou os olhos para mim.
"Deixa quieto, né," ele bufou uma risada, voltando a amassar as mangas em seu cotovelo.
Era um movimento tão simples, mas eu realmente não conseguiria olhar para outro lugar.
"Não tem problema," eu disse. "Você fica melhor assim mesmo."
Na mesma hora, ele levantou o rosto, o inclinando como se quisesse me ver melhor. Por um segundo, eu quis desaparecer. Até o menor dos elogios a ele parecia acender uma placa em cima de mim que gritava em cores neon que eu era apaixonada por ele. Eu não tinha mais o que fazer, a não ser rezar para que ele não visse a placa - ou as minhas bochechas pegando fogo.
Ele se aproximou de mim, como eu sabia que ele faria, e eu senti o calor sair da minha pele para infectar o ar em volta de nós. Eu não estava preparada. Será que ele não sabia que eu não estava preparada?
Desviei dele outra vez, deixando-o para trás e fui lavar a minha louça. Não quis olhar para ele, tinha medo dele ficar com raiva de mim. Mas eu não fazia por mal. Não era que eu não queria. Não era isso. Eu só não sabia se conseguiria.
Como eu era besta. Tinha namorado Vincent por vários meses sem problemas. Mas um beijo de Kyle parecia que transformaria meu corpo em vidro, tão frágil e delicado, que eu nem saberia respirar sem quebrar. Eu tinha a certeza absoluta de que meu coração pararia de uma vez. E aí? E depois? O que eu faria? Como eu viveria?
"Eu te incomodo, Karen?" A voz dele perfurou meus pensamentos e eu deixei meu prato cair de volta na pia.
"Não," eu respondi, apesar de que ele incomodava sim. E muito. E do jeito mais encantador do universo.
Eu respirava forte e alto, tentando acalmar meu coração, que estava prestes a correr uma maratona se eu o deixasse.
Desliguei a torneira e me apoiei na pia.
O que eu estava fazendo? Não era eu ali, eu era a Karen. Não tinha o que ele quebrasse, porque ele nem sabia quem eu era. Aquela era a minha chance de provar para mim mesma de que eu estava certa. Era a minha chance de entender de uma vez por todas que tudo aquilo que eu via nele existia mesmo. Muito tempo pensando nele poderia ter nublado meu julgamento. Mas eu podia testar ali mesmo se tinha imaginado tudo, ou se tinha mesmo tido a honra de ver uma coisa que mais ninguém via. Era a minha chance de me deixar cair, podendo amanhã me levantar como outra pessoa completamente diferente.
Eu me virei para ele, que, para a minha surpresa, estava bem na minha frente. Não o tinha escutado andando até mim. Não sabia quanto tempo ele tinha estado ali, e imaginá-lo a poucos centímetros da minha nuca era o suficiente para mandar ondas de eletricidade que chegavam até as pontas dos meus dedos.
"Você quer que eu vá embora?" Ele perguntou, me mirando com um olhar que tentar me convencer do contrário.
Não que precisasse. Eu sentia sua respiração na pele da minha bochecha com uma brisa que refrescava uma dor ardente. E eu não conseguiria decidir se eu gostava mais da dor ou da brisa. Se eu preferia a incerteza ou o salto. Se eu estava pronta ou se nunca estaria.
Kyle não pareceu precisar da minha resposta. Mas ainda assim, a um segundo dos seus lábios encontrarem os meus, eu murmurei, "Não."
E eu estava certa. Meu coração parou de uma vez.
Podia jurar que nunca voltaria a bater de novo.
Mas tão pouco me importava. Nada que eu conhecia antes me importava. Se antes eu pensava que ele me afetava, agora eu sabia que aquilo tudo não tinha sido nada. Minhas pernas nunca tinham estado tão fracas, os arrepios nunca tinham estado tão fortes. Nenhum frio na barriga se comparava com o jeito que ele me afetava com seu beijo.
Ainda estava tentando encaixar na minha cabeça que aquilo estava acontecendo, mas não queria perder nem um segundo, nem um milésimo, nem um centímetro dele. Era difícil respirar, mas eu teria desistido dos meus pulmões para sempre só para poder ter mais alguns minutos a mais com ele. Nem consegui ficar com os olhos fechados. Não queria só saber que era ele que estava ali, queria poder olhar para ele. E cada vez que eu os abria, era como se fosse a primeira vez que tivesse sentindo seus lábios nos meus.
Era tanta euforia, que quando eu achava que não dava para ficar mais fraca e mais nervosa, meus sentidos me provavam o contrário. Mas suas mãos nas minhas costas me sustentavam de pé, me deixando livre para agarrar sua camisa com toda a força que eu tinha.
Não queria deixar margens entre nós, não queria a menor distância que fosse. Parecia que concentrava ali todas as minhas esperanças, como se soltasse significasse soltar minha própria vida. Eu queria tanto que ele fosse meu! Queria tanto que ele soubesse o quanto eu o queria, o quanto eu amava! Queria que cada movimento meu conseguisse passar para ele o quanto eu amava cada movimento dele.
Mas eu nem sabia direito o que fazer, eu só sabia que eu queria que aquele momento durasse para sempre. Eu queria ele. E eu queria mais do que conseguia caber dentro de mim.
Eu estava pronta para contar para ele quanto eu precisava dele em volta de mim, quando ele se afastou dois pequenos centímetros de mim.
E antes mesmo de conseguir respirar, eu soltei, "Kyle."
Ele se afastou ainda mais de mim, querendo me ver melhor. E foi quando eu percebi a besteira que eu tinha feito.
Se eu era de vidro, eu não sabia. Mas o momento era. E eu tinha acabado de derrubá-lo com tudo no chão.
Não o deixei me olhar por mais nem um segundo. Saí de seus braços tão rápido que assim que senti o frio do ar, quis voltar para ele.
Mas não podia. Eu precisava ir para o mais longe possível dele. Antes que ele pudesse me perguntar como eu sabia quem ele era. Antes que ele pudesse ver que era eu quem estava atrás da minha máscara.
Corri tão rápido para longe dali, que mal ouvi quando ele me gritou. O som dos seus passos atrás de mim me atacou como gasolina em motor e eu desafiei meus saltos, o vestido e cada um dos acessórios que eu usava para parecer com a Lola.
Só consegui voltar a respirar quando estava a salvo no meu quarto. E ainda assim eu precisei de vários minutos para me convencer de que ele não tinha visto para onde eu tinha corrido, que ele não tinha percebido que era eu.
O difícil foi me convencer de que tudo aquilo tinha mesmo acontecido. A única prova que eu tinha era meu coração, que gritava para eu voltar lá para baixo.
Mas eu sabia que não podia. Tudo o que eu tinha com ele não era por minha causa. Era pelaKaren. E eu não era ela. E na hora em que ele percebesse que era eu, que eu o tinha usado, ele nunca mais iria me querer. E tudo que eu tinha com ele se perderia junto com tudo aquilo que eu nunca tinha tido, mas sempre tinha sonhado.
Alguém devia ter me falado quão alta era a aposta antes que eu tivesse colocado tudo a perder.


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Notas finais do capítulo

E ainda tem gente que não gosta da Clarissa com o Kyle. Tsc. Tsc.
Para quem não sabe, no nosso grupo do Facebook, você pode ajudar a escolher o nome do esquilo de madeira da Mia. Eu que vou escolher, mas você pode dar sua opinião. Segue o link: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204506704300624&set=gm.598500573611425&type=1&theater



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