Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 30
Capítulo 30: POV Valentine DeChamps


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Stop Right There" da Lily Allen.
Esse capítulo é dedicado à Vitória Bonifácio. Sem ela, eu não conseguiria escrevê-lo. E não só porque ela que criou a Valentine, mas porque eu realmente não entendo nada de ballet! Hehe.



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"Vai, Tine. São onze da noite ainda, pelo amor de deus! Você não pode parar agora!" Melody disse, me empurrando mais uma taça de champanhe.
"Se você continuar me chamando de Tine, eu vou jogar a garrafa inteira na sua cabeça!" Eu ameacei, fazendo-a rir alto até ter que colocar as mãos na barriga.
"Tine brava!" Ela disse, entre risadas. "Está precisando beber mais um pouco," ela já não se atrevia a tentar segurar a taça, rindo tanto que sabia que derrubaria.
"Você está tentando embebedar minha irmã?" Gabrielle perguntou, se juntando a nós na mesa na hora.
"Estou!" Melody admitiu. "Ela precisa. Está muito tensa!"
"Ei, eu tenho razão para estar tensa!" Me defendi. "Se vocês soubessem o que eu tenho que fazer..."
"Eu sei, eu sei. Aquele movimento lá daquela peça lá que você vai apresentar," Melody balançou a mão no ar, dispensando meus problemas.
"Sim!" Insisti. "Eu tenho uma semana para conseguir fazer a minha parte da coreografia inteira de Giselle perfeitamente! E sabe quantas vezes eu já consegui não errar nada?"
"Quantas?" Ela perguntou, se apoiando na mesa com o cotovelo e enterrando a cara na mão. Ela não parecia nem um pouco interessada em saber. Mas pouco me importava. Eu me interessava.
"Duas!" Falei, talvez alto demais. "Duas! E nem foram seguidas. Nem foram ontem! Eu nem sei como consegui! Como vou repetir? Se eu errar, vai ser a gota d'água para me expulsarem da companhia!"
"Ninguém vai te expulsar de nada, Val," Gabrielle se sentou do meu lado, depois de só ouvir.
"Tá, talvez não," eu bufei. "Mas só porque você é minha irmã!"
"Mas é neurótica mesmo, hein?" Melody falou. "Nunca vi você errar um passo, e já tá aí, achando que só pisa em falso."
"Você entende muito de balé mesmo, né?" Perguntei, talvez grossa demais.
A boca dela caiu e ela me olhou como se não se conformasse com meu tom.
Mas ela estava brincando. Balançou a cabeça e piscou mil vezes para mim.
"Tá, desculpa," falei, rapidamente. "Mas você realmente não percebe as besteiras que eu faço. Eu sou a pior da companhia!"
Do meu lado, Gabrielle revirou os olhos, o que eu não teria percebido se não tivesse virado para ela no último segundo.
Quando ela me encontrou olhando para ela, sorriu pra mim, fingindo que não tinha feito nada.
"É sempre bom ter pessoas perto de você que te entendem," eu disse, cruzando os braços.
"Estou começando a achar que você realmente precisa de mais bebida," Gabrielle disse, empurrando a taça de champanhe só um pouco mais pra perto de mim.
"No que isso vai me ajudar?" Perguntei, apontando para ela com as duas mãos, quase como se fosse com o líquido ali que eu falava. "Um gole a mais disso daqui e eu acordo amanhã indisposta, completamente incapaz de pelo menos tentar ficar na ponta do pé."
"Deus, quanto drama!" Melody soltou, me fazendo olhar para ela.
"Não é drama! Cada segundo que eu tiver para treinar é muito importante!" Insisti.
"Então treina agora," ela disse, dando de ombros.
"Oi?"
"Treina agora," repetiu. "Você tem vários segundos sem fazer nada, em uma festa um tanto vazia," ela olhou à nossa volta, mas eu não estava vendo onde estavam os espaços vazios. As pessoas pareciam encher bem o salão, mesmo que não fosse como no seu casamento.
"Não tem como eu treinar agora!"
"Por que não?" Gabrielle perguntou, se juntando à Melody na intervenção contra mim. "Com tanta distração do seu lado, vai ser ótimo ver se você consegue se concentrar."
Eu bufei uma risada sem humor, sabendo que aquela ideia era ridícula. Mas as duas só continuaram me encarando, esperando que aceitasse.
"Vocês não estão falando sério!" Soltei.
"Claro que estamos," Melody disse, se levantando com um salto. "Vamos, eu quero ver o que é tão complicado assim que a melhor bailarina que eu conheço não consegue fazer!"
"Melhor bailarina?" Foi a parte na qual eu prestei mais atenção.
"Eu também quero ver!" Gabrielle se levantou com ela. "Faz tanto tempo que eu não te vejo dançar!"
"Claro, você passa o dia inteiro com a Nina!" Eu reclamei.
"A gente está montando um negócio muito legal, tá," ela disse, cuidadosa em não dizer algo que não podia.
"E quando é que eu vou saber que negócio é esse mesmo?"
"Num futuro próximo," me prometeu. "Mas só se você me mostrar agora o que tanto te aflige!"
"Vai, vai, vai!" Melody pulava do meu lado. "Se quiser coragem líquida," ela fez um movimento com a cabeça para indicar a taça de champanhe que ainda estava cheia em cima da mesa.
"Eu acho que você que deveria parar com essa coragem líquida aí," disse. " E não dá, eu preciso de espaço."
"Nós temos espaço," Gabrielle insistiu, se afastando da gente e procurando o melhor lugar.
Melody me agarrou pelo braço e me puxou até que eu estivesse de pé.
"Vocês realmente não tem ideia do que estão falando!" Eu disse, me deixando ser levada para o fundo do salão. "Olha pra essa saia! Vocês realmente acham que dá pra fazer alguma coisa com ela?"
As duas pararam para me olhar, pensativas. Pronto, eu finalmente tinha vencido. Elas eram loucas, mas eu me mantinha sã.
"Se você conseguir fazer com esse vestido, aí sim que você vai saber que é ótima!" Gabrielle disse.
"Isso!" Melody soltou tão alto, que eu me encolhi para longe dela.
Ela continuou seu caminho até a minha irmã e se virou para mim, as duas esperando que eu começasse.
Eu não tinha muito espaço, mas se eu soubesse o que estava fazendo, era o suficiente. Só que eu não sabia. E se não conseguia de collant, tentar com vestido de festa era loucura.
Cruzei os braços, mas elas me imitaram, sem hesitar. Ganhei tempo olhando pela festa, tentando me distrair, mas quando meus olhos caíram nelas de novo, ainda me esperavam pacientemente.
Bufei, olhando para baixo. A saia era maior do que a que eu usaria para dançar, era verdade. Mas não muito maior. Alguns poucos centímetros para fazê-la chegar até o chão.
Balancei um pouco o quadril, para ver se ela mexia bem. Depois dei um giro inteiro, olhando para ela.
Droga, pensei. Ela era quase completamente rodada. Eu provavelmente conseguiria dançar com ela. Ou pelo menos tentar.
Levantei o rosto para encontrar Melody batendo palmas de ansiedade e minha irmã sorrindo de orelha à orelha.
Revirei os olhos, mas fui até o centro do espaço que elas tinham reservado para mim, a alguns passos delas. Respirei fundo e segurei a saia com as minhas duas mãos.
Eu não precisaria acertar. Só faria uma vez para que elas parassem de me encher.
Sabia que não teria como pegar galeio segurando a saia, sabia que não conseguiria saltar muito alto. Era um tour en l'air. E nem de longe ficaria perfeito.
Tirei meus sapatos e os joguei para o lado. Me abaixei com cuidado, tentando levantar meu braço no máximo que conseguia sem soltar do meu vestido. E então eu saltei, girando no ar.
E de três voltas, eu consegui dar uma. E meia.
Senti o chão batendo contra a sola dos meus pés com força e perdi meu equilíbrio. Quando levantei o rosto para reclamar para elas que eu sabia que seria inútil foi quando eu percebi que estava de costas.
Nem duas voltas eu conseguia dar.
Me virei para encará-las, soltando minha saia com raiva.
"Eu disse!" Falei, colocando as mãos na cintura. Senti minha frustração me subir como água que me afogava, dos pés à cabeça, tomando conta de mim, fazendo minha pele latejar.
Era inútil. Inútil. Eu era uma inútil. Aquela era a minha chance de provar que eu tinha me lugar, que eu merecia onde estava. E eu já podia ver meu futuro na minha frente. A menina que tinha tudo para chegar ao topo e que nunca saiu do lugar. A irmã da princesa que só conseguiu sua vaga por causa da sua família. Aquela que fazia todos pensarem sobre como ela era péssima, mas elogiarem em voz alta quando perguntava. Porque quem gostaria de insultar Valentine DeChamps? Ela sairia correndo como uma menininha para ir falar para o rei.
"Só isso?" A voz de Melody invadiu meus pensamentos e suas palavras me cortaram como faca, apesar de sua boa intenção.
Só isso. Era o que eu tinha. Uma tentativa frustrada de ser boa o suficiente.
Eu sabia que não daria muito certo. A saia estava errada, eu estava sem sapatilhas, tudo ali me incomodava. Mas a verdade era que eu ainda tinha esperanças de conseguir. Eu ainda tinha aquela faísca que insistia em continuar viva dentro de mim, que esperava algum dia eu conseguir sem querer ser incrível. Faísca idiota.
"Valentine?" Minha irmã me chamou. Eu não queria olhá-la, estava envergonhada. Mas ela deu alguns passos à frente e eu não consegui desviar meu olhar. "Uma vez não é o bastante."
"Oi?"
"Não vai achando que eu vou me contentar com você tentar uma só vez e depois ficar reclamando o resto da noite," ela colocou as mãos na cintura também, seu tom era de brincadeira, mas me atingia em pontos sensíveis demais para eu mesma reagir bem humorada. "Vamos," ela disse logo depois. "Você tem que tentar pelo menos outra vez."
Eu balancei a cabeça pra ela, mas Gabrielle deu alguns passos atrás e voltou a cruzar os braços, me esperando dançar.
Dessa vez, não demorei a aceitar.
Fechei os olhos e me imaginei em um lugar completamente diferente. Instintivamente, estava vendo o público na minha frente e o palco à minha volta.
Mas aquela imagem me assustou e eu logo pensei em outro lugar.
Meu estúdio ali no castelo. Inabitado por qualquer outra pessoa, decorado e tomado por mim por direito. Imaginei o espelho na minha frente, onde eu via meu reflexo sem vestido de festa.
Respirei fundo e abri os olhos, só para não cair na hora que fosse começar. Mas estava tão concentrada que não via realmente o que me rodeava. Ainda estava completamente convencida de que estava no estúdio.
Senti todo o salto em câmera lenta, desde de quando eu me abaixei, passando pelo primeiro impulso que meus pés descalços me forneceram, até sentir meus dedos se desencostarem do chão. Soltei da minha saia no ar, a ignorando completamente, enquanto me concentrava em rezar para terminar o movimento direito.
E então eu estava no chão. Meus pés e mãos em posição e as meninas me olhando como se estivessem vendo uma mina de ouro.
"Perfeita!" Melody soltou, batendo palmas.
"Não foi nada perfeita," eu disse, revirando os olhos.
E era verdade. Mas só de eu ter conseguido dar três voltas e estar de pé, eu já me considerava vitoriosa. Não tinha um espelho de verdade na minha frente para eu poder encontrar os defeitos, tão pouco estava me filmando. Por enquanto, me contentaria com aquilo.
"Você não sabe como você é linda, Val!" Gabrielle, disse, também batendo palmas.
Eu me empolguei. Ela legal vê-las assim, mesmo sabendo que elas nunca me falariam nada de ruim, até se eu realmente ficasse péssima e não soubesse nem mais amarrar minhas sapatilhas.
Acho que até aí elas inventariam que meu novo jeito de amarrar era revolucionário e que os outros que não entendiam.
Mas era bom ter alguém me aplaudindo, não importava quem e nem em qual circunstância. Pela graça daquilo, eu resolvi andar até elas de um jeito diferente. Era bem básico, só alguns giros emchaine, só para poder dançar mais um pouco.
Mas quando achava que estava chegando perto e estava prestes a parar, senti alguém me batendo pelas costas bem no sentido do meu giro, o que me fez voar para longe. Eu caí de joelhos, em cima das minhas pernas. E antes que eu pudesse entender quem tinha me empurrado e o que estava acontecendo, senti uma pontada de dor no meu pé.
Não me importava quem tinha sido ou onde eu estava ou que dia era. Eu nem me importaria se descobrisse que não estava respirando. Nada no mundo inteiro era mais importante do que meu pé.
Me virei na hora e o mirei, esperando ver alguma coisa que me indicasse o que tinha acontecido, onde doía. Meu pé estava frio e vermelho e eu rezei na minha cabeça para ser só um susto.
Mas um segundo depois eu senti. A dor era tão forte, tão intensa que subiu até minhas mãos, tão fracas que eu mal conseguia senti-las. Eu não sabia onde realmente doía, o que tinha machucado, o que eu poderia salvar, como salvar, o que eu precisava fazer para que aquilo não passasse de um sonho? O que aquilo significava? Eu precisava saber o que aquilo significava!
Tentei ver se era meu calcanhar, mas meu corpo inteiro se encolheu com meu toque eu senti meu coração pesar dentro de mim.


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