Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 3
Capítulo 3: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Unwritten", da Natasha Bedingfield



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Segurei nas alças das minhas malas com força. Eu tinha imaginado aquele momento tantas vezes, queria ter certeza de que estava prestando atenção a tudo, sentindo tudo que podia sentir. Levantei meus olhos para o castelo e todo o caminho do carro até a porta principal. Eu estava de volta. Eu realmente estava de volta.
Andei até a porta como se contasse meus passos. Se estivesse em um filme, uma música calma começaria a tocar conforme eu andasse em câmera lenta. E o ritmo se animaria com a minha expectativa. Eu entraria no castelo e seria transbordada por pessoas me abraçando e me perguntando como eu estava, implorando para que contasse tudo, absolutamente tudo do meu ano fora em Paris.
Mas como a vida real era cruel, assim que eu pisei dentro do hall e ouvi meus passos ecoando pelos corredores gelados, percebi que estava sozinha. Olhei para os dois lados e vi guardas e criados correndo de um lado para o outro, mas nenhum parecia me notar. A não ser o mordomo que esperava perto da porta. Assim que seus olhos me miraram, ele constatou que era só eu, não uma grande convidada.
"Clarissa, não sabia que voltaria hoje!" Ele disse, quase perdendo a sua pose para me abraçar.
Era isso que eu tinha? O mordomo? Ninguém tinha avisado ninguém que eu voltaria? Ninguém tinha sentido a minha falta?
Deixei que me abraçasse, mas aquele gesto me deixou encabulada. Primeiro, porque nós nunca tínhamos sido tão próximos. Ele era bem mais velho e eu nunca tinha trocado mais de duas palavras com ele. E segundo, porque eu estava esperando muitos abraços. Muitos mesmo. Mas não dele.
"Pois é, Stan," eu disse, dando dois tapinhas em seu braço, como se declarasse que o abraço tinha acabado.
Ele se afastou de mim na hora. "Seus pais estão com o rei, devem ter esquecido que você chegaria agora."
Outch, eu pensei. Mas na hora uma onda de culpa tomou conta de mim.
Mas é claro! Ninguém tinha tempo para pensar em mim. Como eu podia ter sido tão idiota? O país inteiro estava preocupado com a saúde do rei e eu ali, querendo que todos parassem seus dias para irem me perguntar quantos macarons* eu tinha comido no meu ano fora.
Só para constar, vários. Incontáveis. Estava esperando o momento em que meu vício em macarons fosse acabar me enjoando, mas nunca aconteceu. Tinha até mais alguns pacotes na minha mala, que eu tinha certeza de que estavam amassados. Mas eu não me importava. Estava guardando para um momento especial.
"Como estão todos?" Eu perguntei para Stan quando ele pegou as minhas malas de mim.
Ele mesmo parecia abatido. Tinha olheiras e estava claramente cabisbaixo. Balançou a cabeça para a minha pergunta, provavelmente pensando mais nele mesmo do que nos meus pais.
"Ninguém sabe muito bem o que fazer," ele admitiu. "Agora está nas mãos do destino. Mas todos aqui querem fazer o seu melhor para mostrar para o rei a sua devoção ainda em vida."
Suas palavras pareceram atingi-lo profundamente, pois ele levou uma mão à barriga e fechou seus olhos. Stan sempre tinha admirado muito o rei. Ele tratava todos bem, mas quando Rei Gareth aparecia, era como se ele não conseguisse enxergar mais ninguém. Só faltava pedir desculpas por respirar ou estender um tapete de ouro aos seus pés. Eu já podia imaginá-lo se perguntando constantemente o que mais ele poderia fazer para mostrar o quanto admirava o nosso regente. Se tinha alguém que não precisava dessa preocupação, essa alguém era Stan.
"É realmente uma tragédia, menina," ele completou, abrindo os olhos para me mirar. Eu podia jurar que estava lacrimejando, mas talvez seus olhos só brilhassem de emoção.
"Se tiver alguma coisa que eu possa fazer-"
"CLARISSA!" A voz de Lola me interrompeu e me fez esquecer na hora que Stan ainda estava ali.
Me virei para o lado de onde a tinha ouvido e a vi descendo as escadas, correndo. Ela segurava seu vestido com as duas mãos e mal olhava para baixo. Eu deixei Stan para trás e a encontrei no meio do caminho, colocando meus braços em volta dela e a apertando tão forte que ela poderia parar de respirar.
"Estava me perguntando porque você estava demorando!" Ela falou alto no meu ouvido, me apertando de volta.
"O trânsito estava terrível," confessei, rindo.
Assim que me afastei dela, a segurei pelos ombros. Ela era bem mais alta que eu e meus saltos não ajudavam muito.
"Você está linda!" Ela disse, buscando minhas mãos com as delas. "E de luvas," ela indicou as que eu usava, brancas e curtas. "Propriamente parisiense. Pelo amor de deus, não me diga que eles te infectaram!"
"Não me infectaram," eu falei. "Está bem, talvez um pouco!"
Ela revirou os olhos. "Já não é irritante o bastante que os parisienses natos se achem tão importantes? Preciso da minha menina de Newcastle ainda geordie*! Não a trocaria por nenhuma francesa no mundo!"
Senti minhas bochechas formigando. Como confessar meu amor por Paris sem que ela revirasse os olhos de novo?
"Não se preocupe, mesmo que eu tente muito, nunca conseguiria nascer em outro lugar!" Eu disse e ela apertou os olhos, me mirando.
"Você está tentando?" Me perguntou e eu dei de ombros, a fazendo me dar um tapinha no ombro. "Sabia que não devia ter te deixado ir pra lá! Eu precisei de você, sabia?"
Seu tom era de humor, mas ela deve ter percebido na mesma hora que eu que aquilo era mais verdade do que só uma brincadeira.
"Eu sei," falei, baixando um pouco minha voz. Apertei suas mãos e a senti apertando as minhas de volta. "Como você está?"
Foi a vez de ela dar de ombros. "Bem," disse, evitando me olhar. "Do jeito que consigo estar. Essa semana foi realmente muito estranha, sabe Clare?" Seus olhos encontraram os meus e eu vi o mesmo brilho que tinha visto nos de Stan neles. "Ele continua agindo como se nada tivesse acontecido, como se encontrar um marido para mim fosse só mais uma tarefa adicionada à sua lista sem fim. Se recusa a pensar na sua doença como uma doença. É só um detalhe, nas palavras dele," ela colocou o braço em volta de mim e me guiou a começar a andar pelo corredor. "Não sei se é porque ele ainda não se deu conta da gravidade da situação ou se é para me proteger. Não sei," sua voz desapareceu como se lhe faltassem forças para continuar.
"Entendi," eu disse, sem saber direito o que mais eu poderia falar para tudo aquilo. E me odiando por isso! Que tipo de amiga eu era que eu não conseguia nem consolar a minhas melhor amiga? "Mas e você? Como VOCÊ está?"
Seu olhar ficou perdido no final do corredor por um segundo, no qual pensei que ela nem fosse me responder.
"Já estive melhor," ela finalmente admitiu. "Não quero pensar no que tudo isso significa. Prefiro acreditar que é só um fato, só uma coisa mesmo que aconteceu. E daqui pra frente, eu lido com o que ela mudou. Que é," ela parou de andar e se virou para mim, "eu preciso arranjar um marido."
"Oi?" Eu soltei sem pensar. "É nisso que você está pensando?"
Ela chacoalhou seus ombros e olhou para o teto, como se estivesse tentando evitar as lágrimas que devia sentir em volta de seus olhos. Ela fazia aquilo todas as vezes que nós começávamos a falar sobre qualquer tipo de sentimento da parte dela.
A não ser raiva. Ela não se importava tanto de conter sua raiva perto de mim. Quem dera.
"É nisso que eu preciso pensar," ela disse, respirando fundo e voltando à sua pose. Nunca adivinharia que um segundo atrás ela estava se balançando inteira. "O fato é que eu preciso de um marido. Não tenho tempo para parar e reclamar. Eu preciso me casar. Ontem. Ou então entregar todo o Reino Unido de mãos beijadas ao Skar."
"Não, tudo menos ele," soltei de novo sem pensar. Era bom saber que meu instinto ia contra Skar. Pelo menos eu ainda podia contar com a minha lucidez.
"Exato!" Ela falou, seu tom muito mais animado do que antes. "Ele já está andando por esses corredores como se o castelo fosse dele," um arrepio passou por suas costas e ela perdeu sua pose por mais alguns poucos segundos. "Eu tenho que me segurar para não jogá-lo pelas janelas toda vez que ele cruza o meu caminho. Ele finge, ele tenta pelo menos, mas o seu sorrisinho está claro na sua cara lavada o tempo todo!"
"É melhor que eu não o encontre, eu não tenho nada para perder!" Eu disse e ela riu comigo, mas até o seu riso era controlado.
Me deu uma dor no coração de pensar que talvez ela estivesse se controlando até para rir porque sabia que uma emoção puxaria a outra. Era bem a cara dela se impedir de ser feliz para não arriscar um momento de fraqueza.
Ela colocou suas mãos na cintura e suspirou. "Como se você tivesse mesmo coragem de jogar alguém pela janela!"
"Eu não tenho coragem de jogar uma flor pela janela," eu admiti.
"Então!" Ela suspirou de novo e olhou por cima do ombro rapidamente. Um guarda tinha acabado de passar por nós, mas ele dobrou o corredor e ela voltou a me olhar. "O conselheiro de meu pai quer que eu me case com Tariq."
"Donald?"
"Não, Stuart," ela me corrigiu. "É um cara novo. Donald está ocupado com os ministros. Aparentemente, essa notícia do aneurisma está deixando todos assustados, achando que perderão seus projetos uma vez que seus acordos morrerem com meu pai."
Esperei que ela fosse ter alguma reação à palavra que tinha saído de sua boca, mas nada. Ela não pareceu se abalar.
"Esse cara, Stuart," ela continuou, baixando sua voz, "ele acha que eu deveria me casar com Tariq."
"Mas e o incidente do ano novo?" Perguntei, lembrando de quando Lola o tinha encontrado com o príncipe da Nova Ásia no banheiro em uma posição, digamos, constrangedora.
"Então," ela disse, "sem chances." Um sorriso abriu em seu rosto, seguido de um olhar malicioso, que me fazia corar. "Não estou dizendo que preciso me casar com o amor da minha vida, tanto porque eu nem tenho amor da minha vida. Mas eu aceitaria um homem que tivesse o menor dos interesses por mim. Entende o que eu estou falando?"
Eu desviei meu olhar e coloquei minhas mãos atrás das minhas costas. "Entendo," admiti baixinho.
"Então ele está fora," ela disse, provavelmente percebendo que aquilo estava me incomodando. Eu realmente não queria que me incomodasse, mas não era natural para mim falar de coisas assim tão abertamente.
"Quem mais está na lista?" Perguntei, feliz de continuar o assunto e deixar Tariq para trás. Para falar a verdade, só a menção do nome dele já me deixava encabulada.
Lola colocou seu braço em volta do meu e começou a andar, me levando com ela. "Vamos ver," disse, suspirando. "Teria o Príncipe da Nova Ásia, mas o problema com ele é o mesmo que o meu com o Tariq."
"Além dele," eu pedi.
"Tem Kyle," ela disse, fazendo meu coração começar a bater como se disparasse um alarme.
"Quem?" Perguntei, só para tentar disfarçar. Mas era inútil, eu já sentia meu corpo todo em alerta. Por que o nome dele tinha que me afetar desse jeito? Já fazia um ano que eu não o via, já fazia muito tempo que eu nem pensava nele.
Tá, isso era mentira. Mas fazia bastante tempo que eu tentava não pensar nele. Conta?
"Kyle O'Malley," ela disse, e eu percebi a besteira que tinha feito. Ouvir o nome dele inteiro só piorava meu nervosismo. "Irmão do Jack? Mas ele é muito novo. E honestamente, eu não colocaria ele como rei de lugar algum," ela soltou uma risada sem humor. "Por que Jack não esperou para se casar? Ele seria perfeito. Ele é lindo e inteligente. Não existe ninguém melhor."
"Aí está um casal ideal, você e Jack," falei ironicamente. "Ele passaria o dia inteiro procurando jeitos de fugir dos compromissos e você passaria o dia inteiro reclamando que ele só pensa em curtir a vida."
"Tá, talvez ele seja assim agora," ela falou, "mas ele consegue ser sério quando precisa. E uma coroa de rei teria o peso exato para conseguir que ele caísse na real."
"Bom, mas ele se casou," eu disse. "E Kyle é novo demais, como você disse. E os príncipes da Nova Austrália?"
"Casados," ela respondeu e logo suspirou. "Todos casados. Com duquesas. Kyle ainda seria a minha melhor opção."
"Acho ainda mais bizarro você e Kyle juntos," só a ideia já me fez sentir o chão fugindo de meus pés. Se eu pudesse, a seguraria pelos ombros e imploraria para ela não se casar com ele. Mas eu não podia. Não podia nem admitir que tinha qualquer interesse por ele. Precisava que ela mesma decidisse que aquela ideia era maluca.
Eu não era ninguém. Ninguém. E ter que competir com a minha posição e minha invisibilidade na frente dele já era difícil o suficiente. Eu nunca conseguiria competir com Lola. Por ninguém. Mas principalmente por um príncipe que deveria se casar com uma princesa.
"Isso é," ela concordou. "Bizarro. E olha que eu odeio essa palavra."
"Eu sei."
"Ele é como meu irmão mais novo," ela continuou. "Seria um casamento tão destinado ao fracasso quanto um meu com Tariq."
Eu forcei uma risada. Queria acreditar naquilo, mas para mim Kyle era completamente diferente. E o jeito que Lola não conseguia pensar nele era bem o jeito que eu mais pensava.
Senti minas bochechas esquentando pelos meus próprios pensamentos.
"E Illéa?" Sugeri assim que a ideia apareceu em minha cabeça. "Eles tem dois príncipes."
"Dois príncipes casados," ela me corrigiu.
"Ah, verdade!" Droga, eu precisava encontrar outra pessoa melhor que Kyle. E logo! "Não tem mais nenhum outro então?"
"Além de Kyle, só Skar," ela disse.
Depois de olhar discretamente em volta de nós, ela levou as mãos ao rosto. Passou seus dedos pela sua testa até suas têmporas e as esfregou.
"Não tem mais nenhuma opção?" Eu perguntei. Era terrível vê-la daquele jeito sem poder fazer mais nada. Ela não só estava tendo que lidar com a doença de seu pai, como nem tinha tempo para pensar naquilo, porque precisava decidir se casava com um cara qualquer ou o cara que ela mais odiava no mundo inteiro. E eu ali, egoísta, rezando para que ela ficasse com o que ela odiava. "Talvez não seja uma ideia tão terrível assim, sabe, você se casar com Kyle. Talvez ele amadureça bem rápido."
Tudo dentro de mim gritava, 'Não!', mas eu ignorei. Ela tinha que estar acima daquilo. Ela tinha que estar acima dele para mim.
"Tem uma outra opção," ela praticamente me cortou, mas eu não me importei. Tive que controlar a minha respiração para não parecer aliviada demais. "Mas eu nem sei se deveria considerá-la uma opção."
"Qual é?" Perguntei. Por dentro, eu me sentia como se estivesse me agarrando à última chance de não ter que assistir a minha melhor amiga se casar com o cara que infestava meus sonhos todas as noites.
"Eu poderia me casar com algum homem de Illéa," ela disse.
Eu franzi minhas sobrancelhas. "Mas você disse que os príncipes estão casados. Eles não tem duques, tem?"
"Não, você não está entendendo," ela me segurou pelos ombros e me mirou. "Eu poderia me casar com um plebeu de Illéa."
Eu soltei uma risada sem pensar, mas sua expressão séria me reprimiu. "Espera, como assim? Em qual circunstância você se casaria com um homem qualquer de Illéa?"
Ela deu de ombros. "Eles chamam de Seleção."


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Notas finais do capítulo

*Macarons são docinhos da França. Tem a textura de suspiros, mas são um pouco mais gordurosos. Não que eu entenda de comida, mas eu garanto que os franceses são apaixonantes. Eu mesma me viciei quando morei lá.

*Geordies são pessoas de Newcastle, na Inglaterra. É mais uma tribo (como se mostra no programa, Geordie Shore), mas também é o jeito que eles chamam quem vem de Newcastle. Não que eu realmente ache que isso vai durar até o ano em que acontece a história, mas seila.

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