Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 28
Capítulo 28: POV Marc Hynes


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "By The Way" do Red Hot Chili Peppers.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/28

"Você poderia trocar de lugar comigo," Keon disse, logo soltando a mão na bancada do bar. "Na vida."
"Claro," eu concordei. "Mas a rainha aparece na cozinha quase todos os dias de manhã para aproveitar o cheiro do pão no forno."
Achava que não tinha como ele ficar mais desanimado, mas ele se curvou ainda mais, derrotado.
"Não daria mesmo," ele falou. "A princesa perceberia se um dos selecionados sumisse."
Eu bufei. "Eu não acho que ela esteja muito preocupada com vocês," na hora em que falei isso, ele se virou para me olhar, franzindo a sobrancelha. "Ela está se escondendo agora. Não acho que ela se importaria se um de vocês desaparecesse."
"Obrigado pela parte que me toca," ele levantou um joinha no ar e eu lhe dei um tapa nas costas.
"Disponha," disse, me virando logo para o meu copo.
Pensei mais uma vez na história que Keon tinha me contado. Na primeira vez que ouvi, garanti que ele estava exagerando, que nem era tão absurdo assim. Podia jurar que um pouco de tempo faria tudo ficar menos engraçado.
Mas estava errado. E enquanto levava meu copo à boca, lembrei bem do jeito desesperado dele quando me contou. E não pude evitar rir.
"Que foi?" Ele perguntou, só me fazendo rir mais ainda.
Eu tinha tentado beber meu uísque de qualquer jeito, mas seu tom ofendido era hilário demais para eu conseguir não engasgar. Ele teve que esperar até eu ter tossido o suficiente para respirar e lhe responder.
"Se pelo menos tivesse mais alguma coisa acontecendo nessa festa," eu falei, "a rainha se distrairia e você poderia ir dormir sem ter que se debater."
Keon tomou todo o resto do seu uísque e o barman apareceu na nossa frente para encher os copos de novo. Ele fez menção de completar o meu, mas eu o cobri.
"Sério, essa festa tá muito chata," eu falei e logo ouvimos a música desaparecer.
Os olhos de Keon quase brilhavam, como se deus tivesse resolvido atender a seu pedido e nos atacar com meteoros de esquecimento.
Mas o máximo que apareceu foi um cara em cima das escadas.
"Er, licença," ele disse.
"O que o Alaric tá fazendo?" Keon perguntou do meu lado, como se pensasse em voz alta.
"Eu só gostaria de dizer que é uma honra para mim estar aqui," o cara nas escadas continuou, enquanto eu rezava na minha cabeça para ele soltar algum segredo bombástico," competindo pelo coração da princesa mais linda do mundo!
"Agora, um pouco menos chata," falei, voltando a mirar o bar. "Mas não acho que vai ser o suficiente para te salvar."
"Ele tá é louco," Keon disse, já engolindo metade da nova dose de uísque. "Tá tão desesperado para encontrar a princesa que está disposto a pagar qualquer mico."
"Já falei que a princesa não quer ser encontrada," eu disse, tentando acompanhar pelo menos um pouco o nível de álcool que subia a cada segundo ali. "Como vocês sabem que ela está aqui?"
Keon deu de ombros, os largando como se não lhe pertencessem. Nós ficamos um tempo em silêncio, ele mirando seu copo, eu tentando me entreter com o guardanapo embaixo do meu.
"Eu falei que pensava nela sem vestido," Keon falou do nada, me fazendo voltar a imaginar a situação e rir.
"Você realmente precisa superar isso," eu disse. "Vamos lá, tem coisas piores que você poderia ter dito."
"Como o quê?" Ele perguntou, me desafiando.
Eu fiz uma careta, me deixando pensar. Ele já tinha falado dela sem roupa. O que poderia ser pior que isso?
"Tá, talvez não existam coisas piores para se falar," ele levantou as duas mãos no ar e as soltou de novo na bancada. "Mas devem existir coisas piores a se fazer," apontei para as escadas. "Subir ali e falar que é uma honra você estar aqui, porque tem a chance de morar sob o mesmo teto que uma mulher casada e com o dobro da sua idade, que você já imaginou pelada. Tá aí uma coisa pior."
"De todas as pessoas dessa festa, por que é que logo você tinha que sentar do meu lado?"


Já fazia mais de uma hora que estávamos ali, quando ouvimos uma taça batendo na bancada e todos do bar se viraram para olhar.
"Mais uma enorme tragédia," falei, sarcástico "Quem diria que essa festa estaria colecionando catástrofes e que nenhuma seria pior do que a sua?" Keon levantou o braço no ar, apesar de já estar afundando o rosto no bar de novo. "Cara, você já tá acabando com a minha festa. É meu dia de folga, será que tem como você dar uma animada?"
"Eu falei que pensava nela sem roupa-"
"E você é a única pessoa que ainda está pensando nisso," eu quase gritei. "Quer que eu vá lá, perguntar pra ela a impressão dela? Se quiser, eu falo pra ela esquecer."
"Você podia é criar algum escândalo aí para enterrar o meu."
"Tá, não vamos enlouquecer, também," eu disse, olhando à nossa volta. "Por que é que eu tinha que me sentar logo do seu lado?" Perguntei, tão baixo, que ele levantou a cabeça para me olhar e ter certeza de que eu estava falando sério.
"Desculpa aí se a minha ruína lhe é inconveniente," ele disse, alto e abrindo os braços a ponto de esbarrar em uma menina que passava por nós.
"É inconveniente para todo mundo aqui," eu o corrigi, apoiando meu cotovelo na bancada.
Meus olhos correram pela festa, vendo as pessoas dançarem e todas as máscaras que elas insistiam em usar. Pelas portas de vidro, vi uma menina subindo no corrimão de pedra que cercava a varanda entre o salão e o jardim.
"Tive uma ideia," eu disse, me virando para Keon.
"Vai me ajudar a enterrar minha vergonha mortal?" Ele perguntou, sofrendo com suas palavras.
Eu revirei os olhos. "Não. Mas vou te ajudar a esquecer."
"Impossível," ele disse, virando o resto de uísque que tinha no seu copo e o empurrando em direção ao barman.
"Não, sério," eu puxei o copo dele para o meu lado, colocando minha mão em cima. "É uma ideia boa, você vai curtir. Mas não dá pra levar bebida junto, vai."
Ele me olhou por alguns segundos. "Vai me fazer esquecer?"
"Se não fizer, eu pago o mico que você quiser," ele inclinou a cabeça, pensando na minha proposta. E depois acabou assentindo. "Uma condição," eu falei, enquanto ele deslizava banco abaixo. "Se eu ouvir a palavra 'rainha' ou 'pelada' mais uma vez, meu mico vai ser ir contar para ela que você está pensando nisso até agora."
Ele arregalou os olhos. Mas eu simplesmente comecei a andar no meio da galera, imaginando que me seguiria.
Depois de alguns passos, olhei por cima do ombro só para me certificar de que ele ainda estava de pé. E ele estava, mas só porque se apoiava em uma menina.
Ela o mirava se saber direito o que fazer, não o empurrava, mas parecia louca para desaparecer.
Por um segundo, pensei em deixá-lo ali. Ele era adulto. Ele tinha decidido entrar nessa competição tosca. Ele que tinha resolvido beber. Do que me importava? Eu não devia nada a ele.
A menina cuidadosamente o empurrou para longe dela, não sem antes ter certeza de que ele se aguentava sozinho. Ele não pareceu se dar conta dela e só continuou tentando andar, se apoiando em quem precisasse ou aparecesse em seu caminho.
Assim que chegou perto de mim, eu o peguei pelos ombros e o chacoalhei.
"Vamos lá, para a minha ideia, você vai precisar estar minimamente consciente," eu disse.
"Achei que você fosse me fazer esquecer," ele disse, quase fechando os olhos.
"Não com uma lobotomia," eu respondi, colocando meu braço em volta dele.
Estávamos quase chegando no jardim, quando um garçon passou por nós com uma bandeja com taças repletas de água. Me soltei de Keon só para conseguir pegar umas três.
"Valeu, Scott," eu disse par ao garçon.
"É o Eli," ele respondeu, levantando a máscara com a mão livre.
"Ei, já é difícil o suficiente diferenciar vocês dois em roupas normais," me defendi.
Ele só riu de leve, colocou sua máscara mais uma vez e continuou seu caminho.
Quando me virei para Keon, ele estava apoiado no batente da porta que levava ao jardim de olhos fechados.
"Ei!" Eu gritei perto da sua orelha, o fazendo reagir na hora. "Bebe isso," disse, entregando taça atrás de taça que ele aceitou sem falar nada.
Resolvi o chacoalhar mais uma vez, sabendo que só a água não faria muito efeito. O que eu estava planejando precisava sim dele pelo menos consciente. Acordado ele ficaria depois de começar.
"Como você é de equilíbrio?" Eu perguntei, o empurrando pelas costas para fora do salão. Ele cambaleou um pouco, trocando alguns passos. "Não muito bom, posso ver. Mas vai dar certo, não se preocupe."
"Eu pareço preocupado?" Ele perguntou, abrindo as mãos e parando de andar.
Mesmo sem fazer qualquer movimento, seu corpo não parecia aguentá-lo muito bem. Parado, com as mãos no ar, ele lutou para manter seu equilíbrio e não cair para a frente.
"Não," eu respondi, "mas talvez eu devesse estar."
"Não tá funcionando," ele disse, voltando a andar comigo. Nós passamos por todo o comprimento da varanda e estávamos começando a descer as escadas para chegar no caminho do jardim. "Eu ainda não esqueci que falei para a–"
"Epa!' Eu o cortei. "Lembre-se do nosso acordo."
"Que acordo?" Ele me perguntou, apertando os olhos.
"Tá foda, hein? Mas isso daqui vai melhorar," deixando-o de pé no último degrau, eu fui até a parede do castelo, tomada por uma planta trepadeira até seu teto.
Em um impulso, eu a agarrei e me puxei para cima.
"Uou! Pelo amor de deus, me diga que você não está escalando a parede!" Keon soltou logo abaixo de mim. Só aí, ele já parecia mais acordado. "Você vai cair daí."
"Se eu estivesse me apoiando na planta, quem sabe," eu disse, olhando para o próximo lugar onde me seguraria.
Minha mão direita era um pouco inútil e bem mais fraca do que a esquerda, que era a dominante. E assim que tentei me agarrar à base de metal na qual a planta se envolvia, uma folha me fez escorregar.
A poucos centímetros do chão, eu nem me importei. Mudei meu pé direito de lugar e dei outro impulso para tentar subir um pouco mais.
"Vamos lá," eu disse, respirando já rápido. "Se você se agarrar só à base, ela te segura. Não confia na planta," dei outro impulso, chegando a ficar a dois metros do chão. "Confie em você."
Sem ouvir sua resposta, continuei subindo. Estava só esperando que ele me observasse um pouco e depois eu fosse começar a ouvir barulho da planta se mexendo embaixo de mim.
Só pude olhar para baixo mesmo quando alcancei uma varanda do primeiro andar. Me segurei em sua grade e subi, passando minhas pernas para o outro lado na hora.
E foi quando eu vi que Keon tinha desistido completamente de mim. De onde eu estava, ele parecia dormir, sentado na escada.
Respirei fundo. Só de pensar que eu teria que descer já me cansava. Se ele tivesse aguentado mais alguns minutos, só tentado subir, ele teria despertado com a adrenalina - e o medo - e eu não teria que ser babá dele.
Me virei para o quarto da varanda, olhando pela porta para ter certeza de que não tinha ninguém ali dentro. Não foi fácil, mas com a ajuda de um canivete que eu guardava no bolso, consegui abrir a fechadura e entrar no quarto. Não passei nem um segundo a mais ali, não precisava deixar rastros de que tinha entrado pela varanda e nem me interessava muito saber quem dormia ali, no quarto enorme e na cama confortável, enquanto quem trabalhava no castelo dividia dormitórios minúsculos.
Não me interessava nem um pouco.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.