Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 27
Capítulo 27: POV Alexander Dobrovisky


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Begin Again" da Taylor Swift. Super aconselho para ler.



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Ouvimos algum tipo de vidro batendo na bancada e todos nos viramos para olhar, só esperando o barulho que selaria o acidente. Mas a taça não quebrou, rolou e deixou que todo o vinho a escapasse, mas resistiu.
Quase como se estivéssemos decepcionados, nós três voltamos à nossa conversa.
"Como alguém pode não gostar de natureza?" Eu perguntei, sentindo que se esperasse mais um segundo, o assunto morreria e elas encontrariam uma desculpa para me deixar.
E eu não queria ficar sozinho de novo. Já era difícil o suficiente me acostumar com a ideia da competição, mas ter que ir atrás de alguém para virar meu amigo seria terrível.
Elena bufou. "Fácil," respondeu, depois levou uma mão à outra e começou a contar. "Insetos," um dedo, "grama," outro, "mais insetos, animais selvagens, paisagens interessantes por dois segundos, depois entediantes, e, claro, mais insetos."
"Qual o problema de insetos?" Perguntei, fazendo-a me olhar como se eu tivesse lhe dado um tapa.
Do seu lado, Amelia riu, se censurando discretamente assim que nossos olhos se encontraram.
"Você gosta de natureza?" Me virei para ela, mas foi Elena que respondeu.
"Ama," ela disse, alto e claro. "Sempre tenta me arrastar para caminhadas montanha acima para ver vistas que eu facilmente encontraria na internet."
"Qual a graça de ver pelo computador?" Perguntei.
"Exatamente! É o que eu sempre falo!" Amelia concordou, apontando para mim. Toda a excitação que lhe encheu daquilo pareceu desaparecer rapidamente e ela murchou mais uma vez, encolhendo os ombros. "Não é a mesma coisa," completou.
"Bom, caminhadas estão na minha lista de 'Nunca, Jamais, Pelo Amor de Deus'," Elena disse, cruzando os braços. "Pior que isso, só acampar," ela completou, olhando para nós como se esperasse nossa reação.
Eu não a decepcionei.
"Qual o problema de acampar?" Perguntei, já rindo de como Amelia revirava os olhos. "Tá, já sei,insetos."
"Insetos é problema o suficiente," Elena me disse.
"Eu concordo," Amelia nos fez virar para ela. "Insetos são terríveis. E, não, eu não gosto de ter que cruzar caminho com eles," eu já estava sentindo uma apreensão tomar conta dos meus ombros, com medo do que ela falaria. "Mas vale a pena passar por eles para poder ter a honra de se encontrar na natureza," ela completou, fazendo uma onda de alívio tomar conta de mim.
Eu era mesmo muito idiota. Que diferença faria se ela não gostasse de acampar?
"Mais alguma coisa que você ache que valha a pena no mundo?" Perguntei para ela, que fez cara de pensativa.
Foi difícil não encarar quando ela mordeu o canto do lábio, como se não tivesse certeza de que deveria falar o que rondava sua cabeça. Foi mais difícil ainda não sorrir quando ela levou a sua mão à curva do seu pescoço e esfregou a nuca de leve, ganhando tempo para decidir a sua resposta, me fazendo acompanhar todo o caminho que seu dedo traçou em sua pele.
Quando ela veio mesmo a falar, eu já tinha até esquecido qual era a pergunta.
"Música," acabou dizendo. "Não tem nada a ver com o que eu faço, eu não tenho talento algum para música. E muita gente ainda fala que meu gosto é terrível. Pode até ser que seja, e pode ser que eu nunca na minha vida consiga explicar o que eu sinto quando ouço música. Mas se eu tivesse que tentar, diria que é algo mágico. É enorme, maior que o mundo. É mais do que ar, mais do que combustível. É como alegria engarrafada, misturada com sorte e pura euforia. É a coisa mais sagrada que eu conheço. E é a única coisa que vale a pena viver mesmo quando todo o resto se for."
Foi só quando ela terminou de falar que eu percebi que estava segurando a respiração. Eu a soltei, olhando para baixo, tentando esconder como dava o quanto aquilo tinha me afetado.
Não importava muito do que ela estava falando. Poderia ser o que fosse, só o jeito que falava, o amor puro que eu podia ver que ela sentia, era o suficiente.
Pigarreei sozinho, forçando minha garganta.
"É tão estranho assim?" Ela me perguntou, me fazendo olhá-la de novo.
Suas sobrancelhas se encontravam no meio da testa e eu não consegui evitar de imaginá-la sem a máscara, em como olhava para mim.
"Não é estranho," eu respondi. "Não é nem um pouco estranho."
Ela não é a princesa, Alex. Ela não é a princesa.
"Eu devia ter te dado um CD então," disse, colocando minhas mãos nos bolsos, nunca tentativa tosca de ser engraçado.
"Como?"
"Ao invés do esquilo," expliquei. "Já que música é o amor da sua vida."
"Não, eu gostei do esquilo," ela disse, e foi a primeira vez que percebi que ela ainda o segurava. Ela o levou junto a seu coração e o abraçou com as duas mãos. "Eu tenho uma coisa meio psicopata assim de gostar de colecionar troféus."
"Psicopata?"
"Sim, sabe," ela deu de ombros rapidamente, fazendo uma mecha de seu cabelo contornar seu ombro e cair nas suas costas. "Gosto de guardar lembranças de pessoas, momentos, coisas assim." Quando voltou a me mirar, algo na minha expressão a assustou. "Não de pessoas que eu mato! Não psicopata desse jeito."
"Eu entendi," disse, respirando fundo logo depois, sem conseguir tirar meus olhos dos dela.
Era estranho, eu tinha mil coisas que queria falar, mas não queria nem me deixar pensar nelas. E acabava parecendo que eu não tinha assunto nenhum. Teria como eu simplesmente conseguir fazê-la concordar em ficar na minha frente, falando sobre ela mesma? Não existia nenhum contrato que eu poderia fazê-la assinar em que prometeria nunca parar de me olhar?
"Então você gosta de natureza?" Perguntei, me sentindo o cara mais idiota do mundo.
"Acho que não teria durado muito tempo na faculdade se não gostasse," respondeu.
"Você é formada em quê?"
"Não sou."
"Não é?"
"Ainda estou na faculdade," me explicou.
E aquela foi a primeira vez que eu vi uma bandeira vermelha se levantando atrás dela. Sem que percebesse direito o que fazia, eu dei um passo atrás discretamente.
"Achava que era mais velha," disse.
"Eu tenho cara de velha?" Perguntou, ofendida.
"Não, nem de longe. Tem cara de nova, não sei, da sua idade," esfreguei minha testa, tentando me concentrar.
Ela não era a princesa. E incrivelmente, aquilo não me incomodava tanto quanto pensar que ela ainda estava estudando.
"Qual o problema de eu estar na faculdade?" Me perguntou, e eu bufei uma risada sem humor.
"É que eu trabalho em uma faculdade. Seria estranho."
"O que seria estranho?" Ela deu um passo para a frente, maior do que aquele que eu tinha dado para trás. "Conversar com alguém que ainda não se formou é estranho?"
"Não," respondi, pouco convincente.
Não é a princesa. Não importa, repeti dentro da minha cabeça.
Olhei por cima do meu ombro, tentando pensar em um jeito de me explicar que não me fizesse parecer pervertido. E foi quando eu percebi que Elena não estava mais ali.
"Onde sua amiga foi?" Perguntei, fazendo Amelia arregalar os olhos. "Você não sabe?"
"Ai, meu deus," foi o que saiu da sua boca. "Ela vai me matar! Eu devia estar aqui juntando vocês dois!"
"Oi?!" Eu ri sozinho, enquanto ela continuava a entrar em pânico.
"Ela queria que eu te apresentasse para ela," Amelia insistiu, procurando à nossa volta.
E foi quando eu parei de achar graça.
"Ela queria que você me apresentasse pra ela?" Repeti, como idiota. "E então você veio me apresentar para ela," como disse, idiota.
Não que eu esperasse que ela estivesse ali por mim. Não que eu quisesse que ela esquecesse, como eu aparentemente tinha feito, que eu estava no castelo pela princesa. Mas chegar a ponto de me oferecer para outra pessoa era esquisito. Era meio traição. Por que me parecia que era traição?
Porque eu achava que estava claro que eu estava olhando para ela.
"Desculpa, mas eu preciso ir encontrá-la," disse, apoiando por um segundo sua mão no meu braço e logo se afastando de mim.
Abaixei a cabeça para olhar onde ela tinha me tocado. Respirei fundo e então levantei o rosto para buscá-la no meio da multidão. Só conseguia ter uma ideia do caminho que ela tinha feito, mas segui como dava.
Estava perto de passar por um grupo de pessoas, quando percebi que ia dar de cara com um espelho. E no reflexo de me desviar, acabei virando para o outro lado e dando de cara com alguém que vinha na direção contrária.
"Uou," o cara disse, se recompondo do baque. "Já está todo mundo bêbado. Acho que está na hora de eu tentar acompanhar."
Antes que eu pudesse me desculpar ou entender do que ele estava falando, ele continuou seu caminho. Eu voltei a procurar por Amelia.
Logo atrás de um outro espelho, maior e um pouco mais velho, segundo as manchas pretas que o dominava, elas conversavam.
"Eu juro, Elena," a voz de Amelia me pareceu tão clara, que me escondi e tive que me contentar em não ver, só ouvir. "Eu não tenho o mínimo interesse por ele. Pode ficar se quiser. Apesar de que eu acho que ele está na Seleção."
"Mas é claro que ele está na Seleção, Mia!" Elena disse, talvez alto demais. "O que você acha que um professor de história estaria fazendo dentro do castelo de Illéa?"
"Pesquisando?" Amelia tentou.
"Pesquisando a princesa," Elena corrigiu. "E não adianta dizer que você não o quer–"
"Eu não quero!"
"Está bem," Elena falou. "Ainda bem. Duvido que a princesa vai deixá-lo vagando por aí por muito tempo."
Elas ficaram em silêncio por um tempo, me fazendo engolir mil vezes e quase virar umas vinte mil. Parecia que elas não estavam mais ali, mas tinha medo de dar de cara com elas.
"Você acha?" A voz de Amelia perguntou, me fazendo parar logo antes de passar do espelho, bem na hora em que eu tinha me convencido de que já não tinha mais o que ouvir.
Não vi a reação de Elena. Mas depois ela bufou uma risada.
"Vamos," disse. "Eu ainda preciso descobrir o nome do barman."


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