Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 26
Capítulo 26: POV William Owens


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Doin' It" do LL Cool J. Hehe, amo essa música.
Dedicado à Carol Munhoz.



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"Espera aqui," Dylan disse, colocando uma mão na minha frente para me impedir de acompanhá-lo.
Desnecessário, pensei. Não me pedir para esperar, mas fisicamente me fazer obedecê-lo.
Mais pela minha bebida, que eu não queria derrubar, eu parei. Ele nem me olhou, simplesmente continuou seu caminho até duas meninas que dançavam. Já estava cansado de acompanhá-lo enquanto ele tentava descobrir qual era a princesa. Mas tampouco queria ficar sozinho. E era fácil virar amigo dele. Ele só falava e falava e tudo que eu precisava fazer era ficar de pé do lado, concordando com o cabeça de tempos em tempos.
Mas a música já estava me irritando. E a falta de luz me incomodava muito. A última coisa da qual eu precisava era ele achando que mandava em mim.
Respirei fundo, enquanto ele se colocava na frente da menina. Eu estava a alguns passos deles, mas minha cabeça latejava e eu ainda estava tentando superar a raiva que me dava o comportamento superior dele. Enquanto mordia em uma tentativa frustada de me acalmar, eu o ouvi falando com ela.
"Eu passei minha vida inteira procurando por você," ele disse, se inclinando para ela.
Mesmo que ele não fosse meu amigo, não consegui evitar uma certa vergonha alheia. Escondi meu rosto com a mão, tentando esquecer o que tinha visto. Não era a princesa. Será que ele não tinha percebido os fios de cabelo loiros que escapavam da peruca dela? Ele era tão burro assim?
Voltei a olhar para ele, que estava ainda mais perto dela. Ela o mirava como se ainda estivesse pensando se aceitava o desafio ou não.
Senti uma pontada de histeria. Ele estava convencido de que era ela, enquanto a menina se afastava dele como dava. Queria rir, mas a vergonha alheia ainda era maior.
"O que você acha de largar essa festa e ir procurar um lugar só para nós dois?" Ele perguntou, passando sua mão do ombro dela até as pontas dos dedos.
Tá, ele não era a pessoa mais admirável do mundo. Nem o consideraria um amigo. Para falar a verdade, se eu nunca mais o visse na minha vida, nem sentiria falta.
Mas ele estava prestes a fazer a maior besteira da vida dele. E apesar de eu sentir uma vontade enorme de deixar a seleção natural cuidar da capacidade mental dele sozinha, também sentia uma certa responsabilidade. Se ele jurava que era a princesa, a intenção dele era boa. O mínimo que eu podia fazer era ajudar.
Cheguei perto dele e tentei puxar seu braço para me olhar. "Dylan, eu preciso falar com você," disse.
Ele se virou com tudo para me olhar, fazendo um movimento tão brusco, que eu quase recuei. Mas depois de me mirar e de sorrir para a menina, nós nos afastamos dela.
"O que você pensa que está fazendo?" Ele perguntou, parecendo estar se segurando para não me empurrar.
"Aquela não é a princesa," eu disse. "A não ser que ela goste de pintar o cabelo de várias cores diferentes, você está conquistando a garota errada."
Apertei meus lábios para não demonstrar a vontade enorme de rir que estava me consumindo por dentro.
Ele franziu as sobrancelhas, ainda tentando fazer seu cérebro funcionar. Tive que morder o lábio. Não só para não rir, mas para não dizer que ele era idiota e que merecia mesmo seguir seu destino e acabar extinto.
Até que ele levantou as sobrancelhas. "Eu sei o que você tá fazendo," disse, balançando a cabeça. "Mas eu não vou cair nessa. Só porque eu a vi primeiro, você está tentando me minar."
Ele começou a se virar, mas eu o segurei pelo braço. "Não, é sério. Eu não me importo com ela. Você simplesmente escolheu a menina errada."
"Boa tentativa," ele disse, puxando seu braço com tanta força e velocidade, que acabou batendo nas costas de uma menina qualquer que passava por nós.
Dylan nem parou para olhá-la, voltou para a que ele jurava que era a princesa. A menina em que tinha batido se curvou, como se tentasse proteger sua bebida. Mas ele tinha batido forte e, mesmo que eu não tivesse ouvido o barulho, tinha certeza de que tinha derrubado tudo.
Se pelo menos eu o tivesse deixado fazer a burrada em paz, agora essa menina não estaria pagando o preço.
"Você está bem?" Eu perguntei para ela, que procurou quem tinha falado até encontrar meus olhos.
"Estou," ela disse, olhando para a sua roupa.
Eu quis tocá-la, nas suas costas principalmente, onde ele a tinha batido. Mas não era louco o suficiente para fazê-lo. Mesmo assim, minha mão estava a poucos centímetros dela.
"Ele é um idiota," eu disse, arriscando que ele mesmo me ouvisse. "Desculpa por isso."
"Não é culpa sua," ela insistiu. "Não tem problema mesmo. Eu devia ter me desviado."
"Não!" Soltei, talvez alto demais. Ela se assustou um pouco. "Não, você não devia ter feito nada. Ele que é estúpido."
"Não tem problema," ela repetiu. "Eu vou me limpar."
Ela começou a andar para longe, passando por mim. "Deixe-me ajudar," pedi, ainda me sentindo culpado.
"Oi?"
"Deixe-me fazer o que eu puder para ajudar," falei, rezando para ela não achar que eu estava me oferecendo para tentar ajudá-la a se limpar.
Contra minha vontade, a imagem já tinha tomado conta da minha cabeça. Eu só esperava que não tivesse tomado conta da minha expressão também.
"Não precisa," ela insistiu, sorrindo para mim e voltando a andar para fora da pista de dança.
"É o mínimo que eu posso fazer," eu falei, indo atrás dela.
"Por quê? Você não fez nada."
"Não diretamente, mas mesmo assim," coloquei minhas mãos no bolso, mas ela andava tão rápido que tive que tirá-las e dar uma corrida.
Nós estávamos quase chegando à porta pela qual eu tinha entrado na festa, quando avistei o bar.
"Pelo menos me deixe lhe pagar outra bebida," disse, segurando-a pelo ombro só o suficiente para ela parar de andar. Soltei dela assim que ela estava me olhando.
"É open," ela disse, mas seus olhos olhava para o bar por cima de meu ombro e eu podia ver que ela queria aceitar.
"Então me deixe fingir que vou lhe pagar uma bebida," eu insisti. "E quem sabe pagar por um outro vestido," apontei para o que ela usava, vermelho e manchado de vinho.
Ela seguiu minha mão e o mirou. "Esse vestido não vale a bebida que o sujou," disse, quase como se pensasse alto.
"Mas você vale," foi o que saiu da minha boca. Ela me olhou na hora e eu quis retirar o que tinha dito.
Não que ela não valesse. Mas do que eu sabia?
Me virei na hora pra não deixar mais espaço naquela conversa. Andei até o bar e sabia que ela estava me seguindo só pelo canto do olho.
"O que você bebia?" Perguntei, assim que estávamos na frente do barman.
"Vinho tinto," ela disse, se sentando cuidadosamente em um dos bancos.
Me virei para o barman e ele simplesmente concordou com a cabeça. Esperei ele colocar o vinho na minha frente para me virar para ela. Estava evitando tanto olhar para ela de novo, que não percebi quando ela também tentou pegar a taça.
Nós batemos os braços e eu acabei soltando da taça antes que ela a pegasse. O vidro bateu na bancada sem quebrar, mas o líquido escorreu pelo bar, caindo sobre a saia do vestido dela e até entrando pela manga do meu smoking.
Por um segundo, achei que aquilo não tinha mesmo acontecido. Era muito azar para uma pessoa só. Quem sabe se eu ficasse parado, encarando o caminho que o vinho fazia até pingar e chegar ao chão, eu descobriria que tudo aquilo estava na minha cabeça.
Mas não. Os segundos foram passando e a única coisa que mudava era a quantidade de vinho que se juntava na poça perto do meu pé. Até o barman reagiu antes de mim, levantando meu braço e limpando o vinho, logo colocando outra taça na nossa frente.
Dessa vez, nem tentei pegar, simplesmente me sentei no banco do lado da menina, que me observava sorrindo.
"Eu nem sei o que dizer," falei, e o absurdo de tudo aquilo me atingiu de uma vez. A culpa do primeiro incidente. E do segundo. E de tudo que eu já tinha feito de errado na minha vida inteira.
Eu era um idiota. Era como se uma nuvem negra estivesse em cima da minha cabeça. Ultimamente, eu andava perdido. E tudo em que eu tocava virava merda. Já não sabia fazer nada direito. A vontade que eu tinha de sair quebrando tudo estava tomando conta de mim. A cada merda que eu fazia, mais forte ela ficava. Como uma onda quente, foi me subindo o corpo inteiro. Já a sentia na minha nuca, prestes a tomar conta de mim, quando senti uma mão gelada segurar em meu braço.
"Não tem o que dizer," a menina falou, me fazendo abrir os olhos que eu nem sabia que tinha fechado. "Essas coisas acontecem."
Ela sorria tanto, que eu tive que piscar algumas vezes para ter certeza de que não estava imaginando.
O que tinha de engraçado naquilo?
"Eu sei," respondi, talvez um pouco brusco demais. Mas ela não se abalou. "É só que ultimamente parece que nada dá certo. Eu não sou assim," apontei para o bar onde o vinho tinha estado há pouco tempo.
Naquela mesma hora, eu senti alguma coisa no meu pé. Era o barman, que rapidamente limpou a poça do chão. Antes que eu voltasse a olhar para a menina, ele já tinha terminado.
"E como você é?" Ela me perguntou.
"Quê?"
Ela tomou um gole do vinho novo. "Você disse que não é assim. Como você é de costume?"
Já fazia tanto tempo que eu estava me sentindo perdido, precisei parar e pensar um pouco.
Como eu costumava ser? Antes de me odiar, antes de estragar tudo? Já não sobrava nenhum vestígio dos dias em que eu me sentia completo. E tudo por causa de Tessa.
Só de pensar no nome dela, já quis responder o que fosse. Qualquer coisa que saísse da minha boca era melhor do que aquilo que enchia minha cabeça.
"Não atrapalhado," foi o melhor que eu consegui dizer. "Simplesmente perfeito," completei, piscando para ela.
Engoli a seco, querendo convencê-la com os olhos. Mas me faltava humor para conseguir fazer a piada com jeito e ela só me olhou como se não acreditasse naquilo.
"Menos imperfeito, na verdade," corrigi.
"E o que te quebrou?"
"Quem disse que eu estou quebrado?" Perguntei, abrindo os braços, talvez um pouco ofendido demais.
"O que te mudou, então?" Ela não se abalou com meu tom. Pelo contrário, parecia tão focada em descobrir a resposta, que eu senti que teria mudado a pergunta mais mil vezes sem tirar os olhos de mim.
"Nada," eu disse, dando de ombros. "De repente, tudo começou a dar errado."
"Como o quê?"
Ela precisava insistir tanto? Me olhava como se conseguisse me matar só com a força do pensamento. E que direito ela achava que tinha de descobrir tudo da minha vida? E por que eu falaria mesmo da minha vida para ela?
"Por que você não me diz primeiro seu nome?" Pedi.
"Carolyne," ela respondeu, sem perder um milésimo de segundo. "E o seu?"
"Will," eu disse, apesar de ainda estar um pouco desconcertado com a velocidade da resposta dela.
"O que deu errado na sua vida, Will?" Ela perguntou de novo.
Eu estava apoiado no bar, com as mãos cruzadas. E ela se esticou só na pequena distância que tinha entre nós e segurou meu braço.
Senti uma vontade de puxar o braço. Mas não sei porque, alguma coisa me segurou. Olhei bem nos seus olhos por trás da máscara.
Não era como se eu a conhecesse. Nem como se ela soubesse bem quem eu era. E eu nem precisava contar muita coisa. Só por cima mesmo. Eu queria contar para alguém. Eu precisava contar para alguém.
Mas se eu falasse em voz alta, seria admitir que era verdade. E até então, estava sendo ótimo viver em negação. Não teria como voltar atrás, teria?
"Se não quiser me contar, não tem problema," ela disse, puxando a mão de volta pra ela. "Eu entendo. E você não me deve nada." Eu concordei com a cabeça, apesar de ainda estar pensando naquilo. "Mas se você precisar de algum conselho, ou só de alguém para te ouvir, eu estou aqui."
Continuei só concordando com a cabeça. Meus olhos foram dela para a festa, atrás de mim.
"Se você quiser, a gente pode ir para outro lugar," ela sugeriu, me fazendo voltar a olhá-la. "Não desse jeito!" Ela correu para corrigir. "Não no sentido que você está pensando!"
"Como sabe no que eu estou pensando?" Ela sabia bem no que eu estava pensando.
"Não sei. Mas o que eu quis dizer foi na inocência. Só acho que você tem guardado esse azar por muito tempo dentro de você. E que pode precisar de alguém em quem descarregar."
"E você acha que é melhor fazer isso em algum outro lugar?"
"Eu sei de um lugar que poderia te fazer se sentir melhor."
"Um lugar melhor do que um bar?" Abri os braços, como se lhe apresentasse onde estávamos.
"Bem melhor," ela disse, me sorrindo.


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