Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 24
Capítulo 24: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Blank Space" da Taylor Swift.



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Logo antes de me mudar para a França, uma outra criada do nosso castelo me tinha dito que eu tinha muita sorte. Não só pela oportunidade de estudar e trabalhar com aquilo que eu mais amava no mundo. Mas porque eu poderia ser quem eu quisesse.
Na cabeça dela, uma cidade nova era como uma ficha limpa que eu poderia completar como quisesse. Ela até me deu a ideia de mudar meu nome, talvez para algum apelido, quem sabe não contar meu sobrenome, nem falar de onde vinha. Nos olhos dela, a possibilidade de ser qualquer outra pessoa era bem mais interessante do que ser ela mesma. E naquela hora, eu fiquei feliz de não ser como ela, de estar contente comigo mesma. Me pareceu bastante triste querer se reinventar por completo.
Mas lá estava eu, olhando para Kyle da pista de dança, me perguntando pela milionésima vez quem eu precisava ser, o que eu precisava moldar, o que teria que dizer, como teria que me mexer, o que eu precisava fazer para que ele olhasse para mim uma vez na vida dele sem me ver como a criada amiga da princesa que faria qualquer coisa por ele.
Respirei fundo, sem parar de dançar com Madison, mas minha cabeça estava fixa em um só lugar. Nele. Apoiado em uma das colunas, parecendo completamente entediado. Eu podia ser bem o que ele estava procurando. Mas como fingir ser outra pessoa?
O sotaque era a primeira coisa que eu mudaria, eu decidi. Já tinha que fingir para que ninguém viesse me perguntar coisas sobre a princesa, já era fácil. Mas o que eu diria que fazia? Não poderia simplesmente dizer que eu cozinhava. Nem nada que ele soubesse que eu gostava. Não poderia dar dicas para ele somar e chegar à conclusão de que era eu. Seria mortificante ter que admitir que eu estava tentando enganá-lo.
Mas e se eu fingisse que não sabia quem ele era?
"Clare!" Ouvi logo atrás de mim e meus olhos não correram atrás de quem me chamava, mas dele, para ver se tinha ouvido.
Por sorte, ele estava longe demais.
Antes que pudesse me virar para encontrar Lola, ela colocou as mãos nos meus ombros e se colocou na minha frente.
"Ei, o que-" Por um segundo, achei que ela fosse me beijar na boca. Mas ela pegou meu rosto com as duas mãos e me deu um beijo na bochecha. "O que você tá fazendo?" Perguntei, assim que me soltou.
"Eu precisava beijar a pessoa de quem eu mais gostava aqui," ela disse, dando de ombros. Eu só franzi a sobrancelha, o que ela entendeu como uma pergunta. "Um selecionado aí me desafiou."
"E você aceitou, por quê?"
"Porque eu também tenho a chance de desafiá-lo!" Ela levantou uma sobrancelha e me sorriu maliciosamente.
"E ele te desafiou a beijar a pessoa de quem você mais gosta aqui?" Perguntei e ela concordou com a cabeça. "Eu acho que era só uma desculpa para você beijá-lo."
"Ah, eu tenho certeza," ela disse, dando de ombros. "Mas não vai ser fácil assim, né?"
"E ele sabe que você é você?" Dei uma olhada em volta de nós para procurar o selecionado de quem estávamos falando, mas meus olhos eram atraídos por Kyle. E como eu não queria que ela me visse o encarando, achei melhor me focar nela.
"Sabe," ela admitiu.
"Então o negócio de anonimato, você não acha legal?"
"Acho, não saí falando para todo mundo quem eu sou!" Ela me segurou pelos ombros de novo, me mirando fundo. "É só que ele me descobriu, não vou fingir pra sempre, né? Quem dera se eu ainda pudesse andar livremente e inventar uma personagem."
"Uma personagem?"
"Eu preciso de alguma coisa para desafiar ele de volta," ela pediu, desviando do que eu mais queria saber. "Você tem alguma ideia?"
"Depende. O que você quer que ele faça?"
"Por que você não faz ele roubar comida de algum lugar?" Madison sugeriu, falando pela primeira vez.
"Já foi," Lola disse. "Estava pensando em fazê-lo roubar um cavalo e me levar para dar uma volta."
"Meu deus," eu soltei sem pensar.
Lola não pareceu se abalar. "Só tenho medo de ele achar que eu estou querendo ficar muito tempo sozinha com ele."
"Você ainda precisa tentar conhecer outros selecionados," Madison disse.
Lola bufou, por um segundo soltando seus ombros. Mas logo eles estavam no lugar e ela olhava à sua volta com o queixo erguido.
"Já sei," disse, sem se virar para nós. Ela saiu andando antes que pudéssemos falar mais alguma coisa.
E então eu me virei para Madison. Nós já tínhamos parado de dançar e toda aquela conversa com Lola estava me deixando ainda mais nervosa.
"Se eu te pedisse uma coisa, você jura não contar-"
"Olá," uma voz grossa me interrompeu.
O seu dono era alto e forte, quase criando uma sombra em cima de mim. Se o salão estivesse mais bem iluminado, tenho certeza de que seria bem essa a sensação que sentiria.
Me virei devagar para ele, que estava bem atrás de mim. Ele nem olhava para mim, seus olhos estavam fixos em Madison. E quando eu abri caminho para ele sem querer, ele deu um passo à frente, quase me bloqueando de chegar até ela.
E por trás da máscara dele, eu o reconheci! Era o cara do restaurante! O selecionado que eu tinha convencido Lola a aceitar só pela cara dele.
E eu precisava admitir, pessoalmente ele era ainda mais bonito. Eu nem me importei quando ele fisicamente me exclui da conversa. Mal estava ouvindo quando ele disse para Madison que tinha passado a vida inteira procurando por ela.
Com suas costas viradas para mim e Madison escondida completamente atrás dele, eu cambaleei para longe. Seria praticamente impossível eu conseguir fazê-la prestar atenção em mim agora e eu nem lembrava direito como ia perguntar o que eu ia perguntar.
De repente, eu me senti exposta. Eu estava sozinha, com todo mundo dançando em volta de mim. E lá estava Kyle, a alguns passos de mim, tão abandonado quanto.
Seus olhos correm pelo salão, como quem procurava uma saída. E então eles caíram em mim. E ele sorriu.
Eu engoli a seco. Será que ele estava mesmo olhando para mim? E se ele tivesse me reconhecido? E se ele tivesse visto a Lola falando comigo? E se ele só quisesse me pedir outro sanduíche?
Ele se desencostou da coluna e começou seu caminho até mim, segurando seu copo perto dele. Meu instinto era de sair correndo ou passar por ele, fingindo que eu mesma estava olhando para outra pessoa. Sentia uma força enorme dentro do meu peito que me gritava para sair correndo, que queria se diminuir, ficar transparente, desaparecer. Mas minhas pernas não reagiam. E eu fiquei ali, assistindo-o andar até mim.
Estava a poucos passos, quando a música sumiu. E alguém deu dois toques no microfone. Só quando vi os olhos de Kyle se dirigindo ao palco que eu fiz o mesmo.
"Er, licença," pediu o cara por trás da sua máscara. Ele não precisava falar mais nada, todo mundo já estava olhando para ele. Suas mãos estavam confortavelmente dentro dos bolsos, mas ele estufava o peito. Olhou bem para todos antes de falar. "Eu só gostaria de dizer que é uma honra para mim estar aqui, competindo pelo coração da princesa mais linda do mundo!" Ele piscou um olho e eu procurei Lola no meio das pessoas.
Ela estava do lado do palco, esperando com um dos músicos de quem o selecionado tinha roubado o microfone. Ela tinha os braços cruzados, mas eu tinha certeza que estava satisfeita.
"Se ele acha," ouvia voz de Kyle falando e me virei para a frente.
Não era justo. Ele devia ter me dado pelo menos mais alguns segundos de preparação antes de chegar até mim.
"Oi?"
"Se ele acha que a Lola é a princesa mais linda do mundo," Kyle disse, "bom para ele."
"Você não acha?" Minha voz sem sotaque perguntou, uma faísca de esperança crescendo dentro de mim.
Ele deu de ombros. "Não, na verdade," disse, olhando à nossa volta.
Argh, eu queria que ele olhasse para mim, pensei.
E então ele olhou. E na hora eu quis que ele voltasse a se distrair com o resto da festa.
Eu ainda precisava de outros segundos para terminar de decidir se eu ia fingir ou não.
Mas aí eu tive uma ideia.
Resolvi que ele que decidiria.
"Você a conhece?" Perguntei. "Você tem sotaque britânico, é amigo dela?"
Ele me mirou, apertando os olhos como se me olhasse melhor. Mas eu sabia que ele estava era tentando decidir a mesma coisa que tinha me remoído desde que a festa tinha começado.
"Não," ele acabou dizendo. "Nunca falei com ela na minha vida," ele mentiu, pronunciando todas as palavras direitinho, como se quisesse ter certeza de que eu não o faria repetir. "E você?"
"Nunca," falei antes que mudasse de ideia ou fraquejasse. "Vivi minha vida inteira aqui."
Fazendo o quê? Qual seria minha mentira?
"Verdade?" Ele perguntou. "Eu só vim porque meu irmão me mandou."
Espera. Ele estava fingindo ser ele mesmo? Só não conhecer a Lola?
E agora? Eu voltava atrás? Eu tinha decidido que se ele fingisse ser outra pessoa, eu também fingiria. Mas e agora? Como eu continuaria? E se eu não conseguisse manter minha história?
"Como você se chama?" Ele perguntou.
Eu engoli em seco. "Karen," disse antes que conseguisse pensar em outro nome.
Sério? Karen? Que nome tosco.
"Eu sou Josh," ele disse e eu não consegui evitar de sorrir, apertando a mão que ele me oferecia.
Quis falar que ele estava mentindo, que eu sabia quem ele era. Mas se ele estava disposto a não se admitir, não seria eu que estragaria tudo, não é?
Ele pegou minha mão e levou à boca, enquanto eu tentava criar toda uma história na minha cabeça. Eu poderia dizer que era francesa e fingir um sotaque de lá. Colocaria uma palavra ou outra aqui no meio da conversa para reforçar meu caso. Poderia dizer que era amiga da Princesa Gabrielle. Quem sabe até parente. Se ele fosse acreditar.
Teria como eu o deixar só por um minuto para pedir para Gabrielle me apoiar nessa história? E eu teria que avisar Lola. Ela poderia acabar com tudo.
Sorri para Kyle quando ele soltou minha mão e voltou a me mirar. Em um segundo, ele estava na minha frente e todos os meus pensamentos foram substituídos por uma só pergunta: quanto tempo até que seus lábios estivessem nos meus?


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