Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 23
Capítulo 23: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Stay" da Cher Lloyd. Mas pode ser que vocês não achem que combine perfeitamente.



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"Parabéns, Manchester," eu disse, desistindo completamente do meu sotaque falso illéano. "Você me descobriu," ele sorriu para si mesmo, orgulhoso, enquanto eu mantinha minha expressão completamente impassível. Ainda restava um pouco de medo de eu mesma ter errado sua identidade, medo que eu não queria nem admitir para mim mesma.
Mas ele não demonstrou nenhuma reação que me indicasse que não era quem eu pensava e eu engoli a seco, como se engolisse o meu nervosismo.
"Me explica só uma coisa?" Pedi, lhe fazendo levantar o rosto, como se aceitasse. Eu apertei meus olhos para ele, tentando focar o máximo que dava nele para pegar todas as reações do que eu estava prestes a perguntar. "Como é que saber quem eu sou te ajuda?" Questionei. "O que você ganha admitindo que me reconheceu? Não existiria algum outro jeito melhor de usar a sua vantagem?"
Ele sorriu de novo, maior, mais do que só por orgulho. Era quase como uma honra que ele aceitava em me responder, feliz de eu ter perguntado logo o que ele mais queria me dizer. Fez questão de olhar para baixo uma vez antes de voltar os olhos para os meus e me responder.
"Eu aceito qualquer vantagem que me for apresentada," ele disse, levando uma mão à barriga, como se agradecesse. "Mas eu não tenho que esconder nada. Principalmente de você. Realmente não vejo vantagem em fingir alguma coisa para você, manter alguma coisa em segredo. Eu não estou aqui para passar por cima de você. Pelo contrário."
Eu abri a boca sem saber o que estava fazendo, mas antes que conseguisse pensar em alguma coisa para dizer, ele deu um passo para ficar na minha frente completamente, um passo que eu nem sabia que ainda existia entre nós.
"Sabe porque me ajuda admitir que te reconheci?" Perguntou, mas eu só consegui franzir as sobrancelhas. "Ajuda porque te prova que eu estou aqui por você, que vou ser honesto. E que eu estou disposto a fazer o que tiver que fazer."
"O que tiver que fazer?" Foram as palavras que saíram da minha boca.
"Qualquer coisa," ele confessou, seguro de si.
Minha vontade era dar um passo para trás, ele praticamente me sufocava com o jeito que me olhava. Mas só de querer recuar, eu levantei meu rosto mais um pouco, afim de ficar tão alta quanto ele, pelo menos figurativamente.
"Cuidado, Manchester," eu falei, minha voz clara e estudada. "Pode ser que eu vá cobrar essa sua promessa no futuro."
Achei que ele fosse sentir qualquer coisa menos confiança, por um segundo que fosse depois do que eu falei. Mas um dos cantos de seus lábios subiu, num sorriso torto e convencido.
"Pode cobrar agora se quiser," ele disse.
Como ele podia ser tão petulante? Era como se me provocasse. Me falou que não queria passar por cima de mim, mas insistia em me testar.
E o único jeito que eu sabia me defender era de atacar. A última coisa que eu faria seria desistir. Se ele estava disposto a me testar, eu o colocaria à prova.
Estava prestes a exigir que provasse essa determinação do jeito mais absurdo possível, quando ele deu um passo atrás.
Foi bem pequeno, quase imperceptível. E, no final das contas, ele não estava tão afastado assim de mim. Mas era como seu jeito de mostrar que ele mesmo não estava me atacando. Por mais que eu me sentisse levemente incomodada, ele ainda me deu espaço.
"Como você pode ter tanta certeza disso?" Perguntei.
"Do quê?"
"De que está disposto a fazer o que for," eu repeti. "É fácil falar quando se desconhece o que realmente poderia cruzar seu caminho."
Seu sorriso desapareceu bem rápido e ele voltou a mirar o chão, passando dois segundos girando o copo na sua mão. Depois ele deu de ombros.
"Pode parecer estranho," ele começou. "Mas eu sei que qualquer coisa que eu faria por essa competição, vale o final. Se alguma coisa me aparecer e eu sentir que é algo que está fora dos limites para mim, eu vou ter certeza de que eu não sabia pelo que eu estava competindo. Que eu achava que valia a pena, mas que não valia."
"Que eu não valia," o corrigi.
"Se em algum momento," ele voltou a dar o passo à sua frente, "eu sentir que o que é pedido de mim vai contra alguma coisa na qual eu não acredito - ou pior, à qual eu sou completamente contra - não. Você não valeria à pena."
Eu deveria ter lhe dado um tapa. Ou pelo menos lhe virado as costas. Eu sabia que deveria ter odiado aquilo, que ele era muito arrogante a ponto de chegar no castelo e falar para uma mulher da realeza que ela poderia não valer a pena.
Mas eu não o odiava. E eu não via aquilo como arrogância. Talvez um pouco, mas não de um jeito ruim. De um jeito admirável. Era mais do que só prepotência, era a real certeza de quem ele era e do que era capaz de fazer. E era realmente atraente.
"Mas não se preocupe," ele completou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. "Eu tenho certeza de que nada que você me pedisse seria absurdo. Eu confio na sua racionalidade."
"Na minha racionalidade?" Perguntei, sem querer rindo. Eu realmente nunca esperaria um elogio como aquele.
Aquilo o contagiou a voltar a sorrir. "Sim," ele confirmou. "Confio."
"Tem certeza? Não tem nem uma pequena dúvida? Está disposto a provar agora mesmo?"
Ele não perdeu seu sorriso. "O que você gostaria que eu fizesse, princesa?"
Meus olhos correram o salão, evitando de serem enganados pelos espelhos que pareciam se concentrar em volta de nós. E então eles caíram na mesa de Charles, que comia sozinho um pedaço de bolo.
"Está vendo o seu príncipe?" Eu perguntei, levemente apontando para ele. "Quero que você coma um pedaço do bolo dele."
Alaric arregalou seus olhos por um segundo, depois os virou de volta para mim.
"Fácil," disse, escondendo o melhor que podia sua apreensão.
Ele queria mostrar confiança? Eu aumentaria a aposta.
"Sem falar nada," completei.
"Como é?"
"Eu quero que você vá lá, coma um pedaço do bolo dele e volte. Sem falar nada. Sem explicar o porque. Sem pedir. Em silêncio."
"Está falando sério?"
"Extremamente."
Depois de mais alguns segundos me olhando para ver se eu não estava mesmo brincando - nos quais eu simplesmente o olhei como se ainda duvidasse dele - e mais alguns segundos em que ele passou só mirando Charles, ele foi até lá. Marchou no começo, mas depois diminuiu seu passo ao se aproximar dele.
Para falar a verdade, eu não esperava que ele fosse aceitar. Para mim, era uma coisa tão absurda, tão tonta, que eu achava que ele ia só rir de mim. Mas não queria nem admitir para mim mesma que eu esperava que ele desistisse. Era como se eu tivesse sido jogada para dentro de uma batalha. E por mais que não entendesse muito bem porque estava ali, talvez nem concordasse com ela, meu instinto era ir até o final. Eu estava dentro. Eu iria sair. E o único jeito era ir até o fim.
Alaric se inclinou para frente quando chegou perto de Charles. Meus olhos se perderam nas costas dele, que se inclinava sobre seu pedaço de bolo como se comer fosse algo que ele fizesse casualmente. Eu sabia que era ele, não só porque ele estava sentado na mesa da família real illéana. Eu sabia que era ele pelo jeito que ele mexia seus ombros conforme levava o garfo à boca. Eu já tinha sido obcecada por aquele movimento, já tinha passado anos da minha vida o memorizando. Era engraçado o reconhecer agora, quando já não me afetava.
Alaric parou sua mão logo antes de tocar em Charles e a trouxe de volta para si. Aquilo me desconcertou. Será que ele ia mesmo desistir, como eu esperava que fizesse?
Naquele momento, um garçon passou por trás dele e, em seu braço, um pano cuidadosamente colocado. Assim que Alaric o avistou, ele puxou o pano para si e jogou do lado de Charles. Eu não entendi o porquê daquilo. Mas no único segundo em que Charles levou para pegar o pano e entregar para o garçon, Alaric enfiou a mão no bolo e o levou à boca.
E então ele saiu correndo de volta para mim, enquanto eu mesma tampava a minha boca, ainda tentando entender se eu tinha mesmo presenciado aquilo. Atrás dele, Charles olhava à sua volta, procurando quem tinha atacado seu bolo. Mas Alaric andava rápido como se nada tivesse acontecido e estivesse acima de qualquer suspeita.
Antes que me alcançasse, tirei a mão da boca e coloquei as duas na cintura.
"Você não estava brincando," eu disse, assim que ele podia me ouvir. "Você está mesmo disposto a fazer o que for."
"O que valer a pena," ele me corrigiu.
"Agora vai ter medo de confiar na minha racionalidade?" Perguntei.
E talvez a imagem que ele tinha de mim, perguntando aquilo com as mãos na cintura, fosse um pouco cômica demais, porque ele riu, jogando a cabeça para trás.
"Não, nunca," me assegurou. "Mas vai, agora é a sua vez."
Antes que eu pudesse perceber, ele tinha chegado perto de mim. Perto demais. Ele era discreto, mas chegava aonde queria chegar.
"Minha vez do quê?"
"De aceitar um desafio," ele disse, me fazendo bufar uma risada. "É sério," ele insistiu, apesar de sorrir de como eu ria. "Isso daqui não é uma corrida, você não é um prêmio," e assim, ele conseguiu me fazer ficar séria e mirá-lo. "Ou é nós dois, ou não é ninguém."
"Está bem," eu disse, não que eu quisesse concordar. Mas não estava pronta para tirá-lo da competição. "O que quer que eu faça?"
Talvez ele me pedisse alguma coisa simples. Talvez eu a pudesse fazer sem que me custasse nada.
"Quero que dance," ele disse, me fazendo perder o resto do sorriso que ainda tinha.
"Eu não danço," eu falei.
"Hoje, você dança. Agora. Durante um minuto."
Quis revirar os olhos, pelo ridículo que eu achava aquele pedido. Por que dançar seria um desafio? Eu conseguiria dançar. Eu só escolhia não dançar.
"Um minuto?"
"Um minuto," ele me garantiu. "Com a Princesa Gabrielle."
Senti suas palavras me atingindo como uma facada na barriga. Ou como se alguém batesse com o cabo ao invés da lámina. Era idiota nesse ponto. E irracional.
"Por que eu dançaria com ela?" Eu perguntei, bufando outra risada sem humor.
"Por que eu enfiaria a mão no bolo do futuro rei?" Ele rebateu.
Mas eu não tinha uma resposta boa o suficiente para aquilo. E depois de ficarmos nos encarando por alguns segundos e ele até levantar uma sobrancelha por trás da máscara, como se me dissesse, "Vai ou não vai?", eu fui.
Respirei fundo e fui até um dos sofás do outro lado do salão, onde a Princesa Gabrielle e a Princesa Nina conversavam.
E aí que me bateu o quão ridículo aquela ideia era. De novo, o cabo da faca, idiotamente me acertando na barriga, me deixando nervosa só de imaginar aquilo. O que eu estava fazendo? Andando até ela para falar o quê? Para pedi-la para dançar comigo como um homem faria? Se pelo menos eu me interessasse por mulheres e ela estivesse solteira, eu poderia me sentir menos ridícula. Mas não era o caso. E eu tampouco era sua amiga.
Olhei para trás, encontrando Alaric me observando. E lembrei de quando ele estava perto de Charles.
Desafios não existiam para serem confortáveis. Não era para ser algo fácil. Se fosse, o que estariam desafiando?
Voltei a mirar Gabrielle e respirei fundo mais uma vez. Antes que pudesse questionar, quisesse pensar naquilo ou até mesmo em um algum jeito de desistir sem perder a pose, eu cheguei até ela e pigarreei.
As duas princesas me miraram, esperando que eu falasse alguma coisa. E, por um segundo, me deu branco.
Mas aí eu me lembrei o que estava fazendo.
"Princesa Gabrielle," eu me virei para ela. "Eu gostaria de lhe fazer um pedido."
Era tarde demais para eu dar meia volta?
"Claro," ela disse, feliz.
Engoli a seco, ouvindo o barulho da minha própria mandíbula ao morder forte.
"Eu gostaria de saber se não quer dançar comigo," eu disse, fazendo-a franzir as sobrancelhas. "Como amigas," completei, como se fosse necessário. "Ainda não tive o prazer de conversar com você e gostaria muito desse momento."
Ela não pareceu se incomodar por mais nem um segundo. Se levantou com um salto e se colocou do meu lado.
"Claro," disse. E então nós duas começamos a andar para a pista de dança.
Aquele desafio era mil vezes pior do que o que eu tinha proposto a Alaric. O dele durou dois segundos. O meu era longo demais.
Assim que estávamos envoltas pela música, Gabrielle começou a se mexer e eu tentei acompanhar só o suficiente para que Alaric não dissesse depois que eu não tinha dançado e que teria que começar de novo. Ainda precisava decidir se seria pior ter que refazer ou ter que recusar.
"Eu ainda não tive a oportunidade de te dizer o prazer que é tê-la aqui conosco," Gabrielle me disse, tão desconfortável quanto a nossa dança.
"O prazer é meu," eu rebati.
Queria olhar no relógio, mas não tinha nenhum comigo. Quanto tempo mais até passar um minuto?
"Se quiser, posso lhe mostrar o castelo algum dia," Gabrielle ofereceu.
"Não há necessidade," garanti. "Eu conheço esse castelo há anos."
Uma surpresa passou pelos seus olhos. "Ah, é?" Perguntou. "Já veio bastante para cá?"
"Muito," falei. "Charles nunca te contou?"
Ela parou de dançar na hora, virando o rosto para mim. "Contou o quê?"
Então ele não tinha contado.
"Que éramos amigos," falei, antes que ela pudesse duvidar de mais. "Nossa, estou cansada," coloquei uma mão na barriga, como se meu balanço fácil naquele pouco tempo tivesse me deixado exausta. "Foi bom dançar com você," disse, logo antes de virar minhas costas e andar de volta para Alaric.
Ele sorria, ainda me observando na mesma posição em que eu o tinha deixado.
"Satisfeito?" Perguntei.
"Extremamente."
"Ótimo. Porque aquilo só me mostrou uma coisa," sem que eu pensasse direito, minhas duas mãos já estavam de volta na minha cintura.
"O quê?"
"Que eu fui amigável demais no seu desafio," eu disse. "Que eu preciso pensar melhor no próximo."
"No próximo?" Ele perguntou, levantando de novo sua sobrancelha.


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