Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 21
Capítulo 21: POV Alicia Collins




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"Droga, droga, droga," eu me deixei dizer, sabendo que estava sozinha.
Claro que estava sozinha. Todos que tinham que trabalhar na cozinha para a festa já estavam na que ficava do lado do salão de festas. E todos os outros criados já estavam lá, se divertindo no meio dos selecionados. E eu ali, tentando fazer a droga da cola grudar a minha máscara de volta!
E parecia que ia colar. Mas era só eu soltar a máscara, que os pedaços se soltavam!
Eu soltei o corpo, como se derretesse, me fazendo escorregar pela cama e cair no chão, desfalecida.
Tinha que ser a minha máscara! Tinha que ser eu! Podia já imaginar todas as meninas curtindo a festa, vendo os selecionados, dos mais bonitos aos mais chatos, e eu sozinha no meu quarto, sofrendo.
O que eu ia fazer? Já tinha tentado colocar a máscara quebrada mesmo, mas estava terrível! TERRÍVEL! Podre, com cara de tosca. Toda tosca. Na única noite que eu participaria de uma festa do castelo ao invés de servir, eu ficaria com cara de criada. Minha sorte.
Continuei deitada no chão, completamente desconfortável, por alguns minutos, sem me mexer. E então eu tinha superado o drama daquilo.
Me levantei e tentei colocar a máscara quebrada de novo. O quebrado aparecia. Não tinha o que eu podia fazer para isso. Joguei meu cabelo por cima, tentei fazer poses em que a máscara parecia inteira, mas funcionava só se eu ficasse bem parada.
Eu precisava de uma opinião de fora. Mas quem?
E aí eu tive uma ideia brilhante! Meu irmão! Ele estava também na festa, mas, pelo que tinha me dito, teria que ficar na porta, então eu só precisaria abrir um pouco e chamá-lo. E ele sairia e me falaria se a máscara estava tão terrível quanto eu pensava.
Quais eram minhas outras opções? Ficar no meu quarto? Nem morta! Por nada nesse mundo inteiro! E ir sem máscara seria a pior das ideias.
Tentei ir o mais rápido possível, mas minha saia era pesada e eu tinha que parar de poucos em poucos metros para brincar com ela. E tudo porque eu tinha insistido em um vestido que fosse minimamente rodado. Era muito legal parar e girar, só uma vez a cada dez passos. Ela enchia e ficava muito bonita. Não que eu conseguisse ver bem, mas era divertido.
Já estava chegando perto do salão, quando ouvi a voz de meu irmão. De primeira, eu achei que estava imaginando, que queria tanto encontrá-lo, que tinha começado a alucinar. Mas logo depois, ouvi de novo. E eu nem estava tão louca assim para falar com ele. Não estava desesperada o suficiente para inventar aquilo. Ou estava?
"Eu sei que está por aqui, senhor," ele falava, sua voz ecoando pelos corredores. "O senhor precisa voltar."
Eu tentei seguir de onde vinha, mas não foi fácil. O eco que fazia anulava qualquer dica que eu poderia ter de onde ele estava.
"Chris?" Eu chamei, mas ele não me respondeu.
Fui tentando abrir portas e virei alguns corredores. Mas não o ouvi mais nenhuma vez. Só consegui encontrá-lo quando vi seu pé.
Pois é. Seu pé. Para fora das portas duplas da biblioteca.
Pensei em simplesmente chamar seu nome, mas aquela era uma oportunidade que eu não poderia perder. Segurei minha saia com as suas mãos para não deixá-la arrastar no chão e me aproximei de fininho. Quando já estava perto da porta, me abaixei, me estiquei e agarrei no pé dele do nada.
Ele levou o maior do sustos, me fazendo deitar no chão de rir dele. Eu até fiquei com dó dele, pelo jeito que me olhou. Mas depois ele só revirou os olhos e eu pude curtir que o tinha assustado tanto.
"Essa é pelo jeito que você me acordou hoje!" Eu falei, me apoiando em uma das portas da biblioteca para me levantar.
Mas eu tinha me esquecido que a porta abria para os dois lados e, ao invés de virar apoio, ela abriu para dentro e eu perdi completamente meu equilíbrio.
"E essa daí é por karma," Chris respondeu, não muito interessado.
Eu não me dei por vencida, me esforcei para aprender a lidar com a porta e acabei me levantando.
"Se karma existisse, eu não precisaria tentar tanto te assustar," respondi, passando a mão pela minha saia. "O que você tá fazendo aqui?"
"Eu podia jurar que tinha visto um cara entrando aqui," ele disse, olhando para dentro da biblioteca.
"Podia jurar?" Eu fiz o mesmo, ainda que não soubesse o que estava procurando.
"É, mas agora não tenho tanta certeza."
Ele ficou imóvel e fez um sinal com a mão para não falar nada. Então não falei. Mas estava louca para ele esquecer aquilo e me deixar perguntar da máscara.
"Acho que estava enganado," acabou dizendo, mas seus olhos ainda buscavam algum sinal do contrário incansavelmente.
"É, acho que estava," bem na hora que eu disse, vi alguma coisa se mexendo atrás de uma estante.
Um livro. Sendo cuidadosamente empurrado para a frente. Sem fazer barulho nenhum.
"Você não tem que voltar para a festa?" Perguntei para Chris, já saindo pela porta que eu segurava.
"Tenho," ele admitiu. "Você vem?"
"Não, minha máscara tá quebrada," apontei para ela, e ele só assentiu. "Divirta-se," completei, querendo falar para ele ir logo.
Ele suspirou e acabou desistindo de vez, fechando a sua porta e começando a andar na direção do salão. Eu fiz o caminho contrário, mas só até ouvi-lo virando o corredor.
Então eu voltei correndo para a biblioteca.
"Ei, você tá aí?" Eu chamei, indo direto para onde eu o tinha visto.
Mas ele não estava lá.
"Vamos, eu não vou te dedurar," disse, já me sentindo um pouco idiota. "Prometo!"
Fiquei esperando alguma reação, mas a biblioteca estava em silêncio. Então voltei andando até a porta.
"Tem certeza? Última chance de conhecer a pessoa mais legal que mora nesse castelo," tentei, já sem esperanças dele ter ouvido.
Sem resposta, eu suspirei e abri a porta.
"Você é a pessoa mais legal que mora no castelo?" Ouvi e sorri na hora.
Eu sabia que o tinha visto!
Quando me virei de volta para a biblioteca, não sabia direito onde ele estava. E ele não aparecia. Presumi que estivesse longe demais.
"Sou," respondi, sem saber direito para onde virar. "Onde você tá?"
"Na biblioteca," ele respondeu. E riu depois, sua risada ecoando pelo pé direito alto.
"Há, há," eu disse, indo aonde eu pensava que estava. "Disso eu sei. Quero saber aqui dentro, onde você está?"
Ele não respondeu, mas ainda ria e eu podia jurar que estava para encontrá-lo. Mas quando olhei atrás da prateleira, o corredor estava vazio.
"O que você está fazendo aqui, aliás?" Perguntei, tentando fazê-lo falar só para conseguir me guiar pela sua voz.
"Você não está sabendo?" Ele perguntou. "A princesa do Reino Unido está fazendo uma seleção."
Sua voz vinha do lado contrário ao que eu estava. Peguei minha saia pelas duas mãos para não denunciar minha chegava e andei até lá nas pontas dos pés.
"Espera," ele disse do nada. "Você não é ela, né?"
Ele parecia estar mais perto do que eu imaginava. Mas corredor atrás de corredor, eu não o encontrava!
"Você é?"
"Não!" Respondi, apesar de não querer demonstrar onde estava. "O que você está fazendo na biblioteca?"
"Procurando um livro," ele respondeu, já não parecendo estar perto de mim. Nem longe. Eu não tinha a menor ideia de onde ele estava.
"Se você me falar qual é, eu posso te ajudar a encontrar," menti. Eu não tinha a menor ideia de como me guiar naquela biblioteca. Já tinha tentado mil vezes, mas sempre precisava de ajuda.
Ele riu de deboche, mas não durou o suficiente para eu encontrá-lo.
Já cansada, fui me sentar na escada. "Bom, que seja," disse. "Boa sorte aí."
Tentei fazer barulho de quem estava andando para longe, caso ele estivesse só me esperando sair. Mas duvidava que tinha funcionado.
E então eu ouvi um livro caindo. E outro. E vários, como se derrubassem uma estante inteira. Meu instinto foi me preocupar com ele, se tivesse caído mesmo e em cima dele, era adeus. Não?
Mas ele estava bem. Algumas fileiras de estantes depois da escada, lá estava ele, olhando para um pilha de livros no chão.
"O que você fez?!" Eu perguntei, rindo da cara de pânico dele.
O carrinho de livros para reposição estava tombado do lado dele. "Eu não sei!" Ele disse, como quem não tinha ideia de onde começar a arrumar. "Você me ajuda?" Pelo menos o carrinho ele levantou.
"Ah, agora quer minha ajuda!" Eu reclamei, mas já estava me ajoelhando do seu lado e pegando os primeiros livros. "Me fazendo trabalhar no meu dia de folga!"
"Você trabalha aqui?"
"Não posso te falar!" Eu disse. "Por isso estou de máscara!"
"Ah, verdade!" Ele disse, puxando a dele do cabelo ruivo e a posicionando sobre os olhos. "Eu tinha me esquecido."
"Que livro você tá procurando, aliás?" Ainda tinham vários que nós precisávamos colocar no carrinho, mas talvez estivesse bem ali.
"Ah, nenhum," ele deu de ombros.
"Não, sério. Pode me falar. Eu não vou contar para a princesa. Mesmo que você tenha um péssimo gosto para livros."
Ele balançou a cabeça para ele mesmo, sem parar de arrumar os caídos por um segundo.
"É tão ruim assim?" Eu perguntei.
"Não é ruim."
"Então me fala! Vai, eu estou te ajudando de graça aqui!"
"Achei que trabalhasse aqui!"
Soltei os livros e cruzei os braços. "Dia. De. Folga. Perdeu essa parte?"
Ele parou também, para me olhar. "Tá, foi mal. Desculpa te fazer trabalhar no seu. Dia. De. Folga," ele enfatizou, só para me irritar.
Mas eu sorri para ele, orgulhosa. "Ótimo começo. Mas vai, me fala o que você tava procurando."
Ele deu de ombros de novo, pegando mais alguns livros para colocar no carrinho. "Só os diários do Illéa."
"AH!" Eu soltei quase um grito. "Só isso? Todo mundo vem procurar esses livros por aqui! Por que você não falou antes?"
Ele me olhou esquisito, mas eu só levantei e fui até a prateleira onde eu sabia que eles ficavam. Era longe e ele eventualmente me seguiu.
"Aqui," disse, pegando o mais antigo deles e folheando. "Tem algum específico que você queira?"
"Não," ele nem parecia saber o que eu tinha perguntado. Estava hipnotizado pela visão dos diários.
"Bom, aproveita aí," disse, dando um passo de lado.
Ele realmente não conseguia ver mais nada. Eu o deixei ali, indo de volta para o carrinho com os livros derrubados. Sabia que não precisava arrumar aquilo, mas queria ajudar. E em poucos minutos, eu tinha terminado.
E ele ainda estava lá, com vários diários abertos em cima da estante, checando mil coisas ao mesmo tempo.
"Então você é um dos selecionados?" Eu perguntei, sem saber ao certo se ele estava me ouvindo. "Quem são suas criadas?"
"Hãn, Valerie alguma coisa," ele respondeu.
"Ah, é meu quarto!" Ele se virou para me olhar. "Quer dizer, o quarto onde eu deveria trabalhar," me corrigi. "Tive um imprevisto hoje, mas eu serei uma das suas criadas."
"Sério?"
"Sim! Eu tive que ajudar no ateliê hoje, mas a partir de amanhã, eu vou estar te ajudando com a Valerie."
Ele pensou por um pouco. "Acho que você já começou a me ajudar hoje mesmo, não é?" Perguntou, olhando por cima do meu ombro.
Eu segui seu olhar para onde o carrinho tinha sido derrubado. "Verdade. Eu deveria ganhar algum bônus ou alguma coisa assim."
Ele soltou uma risadinha, mas voltou a olhar para o diário nas suas mãos.
Eu não estava gostando de ser trocada por um livro. Mesmo que ele não me devesse nada.
"Viu, você não tem que ir para a festa, não?" Perguntei.
Ele deu de ombros, mas não respondeu.
"Eu deixo todos os diários no seu quarto amanhã de manhã, mas agora você tem mesmo que voltar para a festa! Vamos lá," eu peguei o que ele segurava e o fechei. Ele me olhou como se eu tivesse chutado seu cachorrinho.
Ai. Não gostei nem de imaginar.
"Prometo. Agora vai," falei, deixando o livro na estante. "Vai atrás da princesa, Thor," eu o peguei pelos ombros e empurrei na direção da porta. "Você vai ter tempo para esses diários antigos outra hora."
Ele pareceu relutante, mas acabou começando a andar. Eu juntei os livros, lhes dei um abraço e coloquei na estante. Já sabia que Thor era dos meus só por ter preferido a biblioteca à festa. Mas se soubessem por aí que eu tinha deixado meu selecionado perambulando pelo castelo quando ele devia estar na festa da princesa, talvez sobrasse para mim.
Enquanto andava em direção à porta, podia jurar que ele já tinha desaparecido. Mas ele estava lá, a segurando aberta para mim, me esperando.
"Você também vem?" Perguntou.
"Eu ia, mas aí o mundo resolveu se virar contra mim e não posso mais," reclamei. Ele pareceu confuso. "Minha máscara quebrou," expliquei.
"Nem dá pra ver," ele disse.
Mas eu ainda estava longe o suficiente para ele não conseguir enxergar mesmo.
"Claro que dá."
"Mesmo que desse, tá bem escuro lá. Te garanto que ninguém vai ver."
Eu cheguei até ele, que me sorria, como se quisesse me convencer só assim. Eu queria mesmo ir na festa. E pelo menos já tinha um amigo.
"Está bem, Thor," falei, passando pela porta. Ele veio logo atrás de mim.
"Como é que você sabe meu nome?" Perguntou, enquanto andávamos em direção ao salão.
"É tão incrível assim eu conseguir saber o nome do selecionado no quarto de quem eu vou ter que trabalhar para sempre se essa princesa não escolher seu marido?"
Ele riu. Não sabia se era do meu jeito ou da ideia da princesa demorar a vida para acabar com a seleção.
"Está bem," ele disse, finalmente. "Eu posso saber o seu nome?"
Eu pensei comigo mesma. Queria guardar o mistério da festa. Mas eu já tinha estragado tudo mesmo, não é?
"Alicia," disse, eventualmente. "Mas pode me chamar de pessoa mais linda e legal do castelo."
Ele riu de novo, jogando sua cabeça para trás, como um garotinho. "Pode deixar," disse. "Pessoa mais linda e legal do castelo."


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