Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 19
Capítulo 19: POV Keon Illéa




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"Quem são vocês?" Perguntei, assim que ouvi a porta se abrindo atrás de mim.
Não fiz questão de fechar meus livros, não tinha a menor intenção de parar de estudar tão cedo.
"Nós somos as suas criadas, Sir Keon," a mais alta falou. Ela também parecia mais velha, mais certa de si.
A mais baixa a imitava, mas quase se escondia atrás dela, um passo mais longe de mim.
"Tem alguma coisa que eu preciso fazer? Algum tipo de protocolo aqui?" Perguntei, as deixando sem reação por alguns segundos.
"Hãn, não senhor," a mais velha acabou dizendo. "Não exatamente. Mas nós estamos aqui para ajudá-lo."
"Com o quê?"
Era muito terrível da minha parte não conseguir pensar em uma só coisa na qual elas poderiam me ajudar?
"Com a seleção, senhor," a mais nova interferiu. "Com os horários, seus encontros com a princesa, coisas assim."
Encontros com a princesa. Elas não sabiam que o meu maior objetivo ali não era conquistar o trono de outro país.
"E com a festa," a mais velha completou. "Com seu traje. Para qualquer momento, na verdade."
Eu nem tinha virado minha cadeira na direção delas, mas depois daquilo, era necessário.
"Como assim, com meu traje? Vocês teriam que me vestir?"
A mais nova mirou o chão, enquanto a outra só engoliu a seco. Só por isso, eu já apostaria que ela era a que tinha mais experiência.
"Somente se o senhor preferir," ela respondeu, suas palavras estudadas.
"Como você se chama?" Minha pergunta a desconsertou por dois segundos.
"Carolyne, senhor."
"Carolyne, eu prefiro que não me ajude a me vestir," respondi. Ela deixou escapar o menor dos suspiros de alívio, mas a mais nova se conteve menos. "Mas eu não quero atrapalhar seu trabalho. Qualquer outra coisa que as senhoritas queiram me ajudar, eu aceitarei com prazer."
Elas sorriram satisfeitas para mim. E eu fiquei me perguntando se já tínhamos acabado. Eu ainda tinha alguns dados que queria estudar antes de conseguir me encontrar com a princesa.
O clima estranho permaneceu, enquanto eu olhava pelo quarto, procurando alguma coisa para dizer.
"Sir Keon," a voz tímida da mais nova me chamou, voltando meus olhos para ela.
"Não precisa me chamar de Sir, ou senhor, aliás," a corrigi. Achava que ficaria feliz, mas pareceu mais incomodada.
"Perdão, senhor," respondeu. "Quer dizer, Keon. Keon?"
"Sim, Keon. E você?"
"Laney," respondeu. "Keon," ela chamou, quase com medo da palavra. Aquela já estava começando a ser a conversa mais esquisita que eu já tinha tido. "Nós precisamos arrumar o senhor. Você. Nós precisamos arrumar você."
"Você precisa se arrumar," Carolyne corrigiu, mais alto, mais direto, mais objetivo. "Para o baile de máscaras. Nós deixaremos as roupas aqui, mas voltamos quando estiver vestido."
Ela nem esperou que eu contestasse. Apontando para as roupas que tinha deixado em cima do divã, ela abriu a porta. Depois de Laney, ela saiu. E eu fiquei ali sozinho.
Meus olhos voltaram para os papéis na mesa. Eu só precisava de mais um pouco de tempo. Só tinha mais algumas poucas coisas que eu precisava reler. Quanto tempo será que eu tinha?
Antes de ficar preso à dúvida por mais um segundo, me levantei e comecei a me despir. Em dois minutos, estava vestido. Talvez minha camisa não estivesse certa, e minha gravata ainda estivesse pendurada desfeita no meu ombro. Mas eu estava vestido.
E podia voltar a reler meus documentos.
Ou pelo menos era o que eu pensava. Assim que me sentei, Carolyne bateu na porta.
"Keon? Podemos entrar?" Ela pediu lá do lado de fora.
Eu bufei para mim mesmo. Não queria ser um incômodo para elas, mas tampouco queria que elas sentissem como se estivessem me incomodando.
"Podem," acabei dizendo.
Elas entraram enquanto eu juntava meus papéis.
"Você está muito bonito," Carolyne disse, vindo até mim.
Eu me coloquei de pé e ela começou e me ajeitar. Eu fiquei um pouco deslocado com essa intimidade que ela presumia que tínhamos, mas não foi tão esquisito quanto inesperado. Ela era como uma mãe, me olhava como se ajeitasse seu filho. Deu o nó na minha gravata, ajeitou as mangas da minha camisa e alinhou meu blazer.
Depois passou as mãos pelas minhas lapelas e deu um passo atrás para me olhar.
"Acredito que fará uma ótima impressão na princesa," comentou, me olhando de cima abaixo. "Mas, para isso, vai precisar de sapatos!"
Laney saiu de trás dela e foi direto para o closet. Eu dei só uma olhada por cima do ombro para minhas folhas, tentando pegar os números que conseguisse. Mas era inútil. Talvez fosse melhor até eu começar com calma e não jogar de uma vez meus planos em cima da princesa.
Quem sabe me conhecer primeiro fosse ajudar no meu caso, fosse fazê-la confiar mais em mim e em meu julgamento.
Laney voltou do closet com um par de sapatos, que eu vesti sem questionar. Era estranho, eu estava me sentindo um pouco como a boneca das duas. E pensar que aquele era só o primeiro dia não estava me animando.
"Agora, sua máscara," Carolyne completou, indo até o divã.
Eu a tinha visto, só tinha ignorado mesmo. Não era o maior fã daquela ideia de baile.
Ela voltou até mim, uma expressão orgulhosa no seu rosto, e a colocou sobre o meu, ajeitando com cuidado no cabelo.
Mas quando se afastou, não parecia tão feliz.
"Algum problema?" Perguntei, tentando me olhar rapidamente em um espelho que tinha por perto.
"Seu cabelo," ela disse, pensativa.
"Como é?"
"Venha cá," ela falou, puxando a cadeira onde eu tinha estado sentado. Eu fiz como ela pediu e assim que me sentei, ela tirou minha máscara e começou a mexer no meu cabelo.
Não passou nem dois minutos ali, mas cada vez que eu a sentia passando a mão pela minha cabeça, minha vontade era de me levantar e fugir dali. Eu odiava que mexessem comigo assim, ainda mais como ela fazia, sem se segurar em nada, como se fosse de seu direito.
Já tinha tido que passar por aquilo naquela tarde, mas tinha resistido. Tinha conseguido diminuir as mudanças o máximo possível, tinha mantido meu cabelo na altura dos ombros, como eu gostava. A última coisa que eu precisava era de mais uma pessoa mexendo e o questionando.
Mas eu rangi os dentes e aguentei. E logo ela tinha terminado, finalizando com a máscara de volta em seu lugar.
Não tinha mais chances de eu poder fugir para meus livros por mais nem um segundo.
Pelo que Carolyne tinha me dito os selecionados precisavam se encontrar na escada, de onde seguiriam para o baile. Tudo me parecia um pouco inútil, mas eu não me importei de seguir conforme o que tinham planejado para nós.
Quando cheguei, era um dos últimos. Oito caras já esperavam, todos vestidos como eu, todos de máscaras. Reconheci Ian, que usava a sua no cabelo, fora dos olhos. Me aproximei para falar com ele, mas na hora, Sebastian e Charles desceram as escadas em nossa direção.
Depois de nos explicar que não poderíamos tirar nossa máscara antes da meia-noite e que não poderíamos anunciar a identidade de ninguém, principalmente da princesa, eles nos guiaram até o salão. Eles mesmos estavam vestidos como nós. E eu achei que seriam os únicos.
Mas assim que entramos no salão, percebi que todos, absolutamente todos os homens que estavam ali se vestiam como nós. Até mesmo os garçons, mas esses podíamos identificar porque se ocupavam de seu trabalho. De resto, qualquer um ali poderia ser confundido como selecionado.
Pelo que tinha entendido antes, achava que a princesa só não queria saber quem era quem dos selecionados. Mas ela claramente gostava do desafio de não saber nem por onde começar a procurar.
Nós estávamos livres para socializar, mas eu não sabia nem como fazer isso. Ian, Alaric e eu fomos direto para o bar. Eles eram os caras com quem eu mais tinha me dado bem, mesmo que não tivéssemos trocado muitas informações.
Depois de alguns minutos, o rei e a rainha entraram. Não era a minha primeira vez no castelo, nem de longe era a minha primeira vez os vendo. Eu queria muito poder olhar para eles como pessoas normais, não entrar naquele mesmo clima que todos entravam. Sabe, não sentir o que todos sentiam ao ver o rei e a rainha de seu país.
Mas eu não conseguia me controlar. Fingia que não me importava, que nem olhava. Mas eu não pensava em mais nada. Não conseguiria. Só de imaginar que eles estavam logo ali.
Olhei por cima do ombro na direção que todos os convidados estavam virados. E lá estava ela, America, sorrindo para todos enquanto passava, atraindo todos os olhares só para ela.
Seus olhos correram pelos convidados e eu podia jurar que tinha encontrado os meus. Mas preferi voltar a me focar em meu copo. Já fazia bastante tempo que tinha falado com ela, mas aquela seria a pior vez. Tinha passado minha vida inteira tentando me convencer do contrário, mas agora que estava mais velho, era difícil me condenar por gostar tanto de olhar para ela. Eu já não era mais criança. Eu me reservava o direito de poder apreciar quem eu quisesse.
Mas uma olhada mais por cima do ombro me trouxe a imagem dela olhando para seu marido. Era impossível odiá-lo. Rei Maxon era justo. Inteligente. E nunca tinha desmerecido a presença dela ao seu lado.
Eles terminaram de descer as escadas e passaram por mim, acenando conforme trocavam olhares com alguém. Mesmo atrás de sua máscara, os olhos de America brilhavam com a bondade que eu sabia que habitava seu coração. Com seu braço enroscado no de Maxon, ela estava bem aonde ela tinha que estar.
"Quando vocês acham que a princesa vai chegar?" Alaric perguntou, buscando entre as convidadas.
A maioria estava vestida de preto, mas algumas poucas estavam de vermelho. Eu mesmo já tinha procurado pela princesa algumas vezes, mais por curiosidade do que por qualquer coisa. Mas Alaric parecia determinado a não ser enganado.
"Eu acho que ela já deve estar por aqui," Ian respondeu. "Se eu fosse ela, entraria de fininho."
"Eu também," concordei.
Bem na hora, um grupo de mais três selecionados apareceu do outro lado do bar. Eu não os teria reconhecido, se não fosse por Dylan, que dominava o grupo. Eles falavam alto e viravam bebidas, uma atrás da outra, curtindo a festa como se não houvesse amanhã.
E eu ali, com meu copo de coca cola.
"Quanto tempo vocês acham que ele vai durar?" Perguntei, apontando com a cabeça na direção do Dylan.
Alaric e Ian olharam rapidamente para ele, depois riram para mim. "Dois segundos?" Alaric chutou.
"Eu acho que a princesa vai ser obrigada a aguentá-lo por pelo menos mais uma semana," Ian disse. "Nós já somos poucos. Ficaria meio esquisito ela eliminando selecionados nos primeiros dias, não?"
Dei de ombros, apesar de concordar. Não queria pensar em passar mais nem um dia na presença dele. Dylan resumia tudo que eu detestava em uma pessoa. Só de pensar nele, já me sentia incomodado.
Meus olhos correram pela festa, que começava a se animar devagar. A pista de dança estava cheia e eu fiquei me perguntando quem eram aquelas pessoas que estavam se divertindo tanto. De menina em menina, eu fui tentando ver traços do que eu esperava na princesa. Queria pelo menos ser o primeiro a reconhecê-la.
Mas como por destino, meus olhos pousaram em America. Ela conversava com um de seus filhos, Sebastian. Só pelo jeito que ele estava sentado do lado dela, eu já poderia apostar que era ele. Pensei que talvez fosse a minha chance de trocar algumas palavras com ela. Ele seria como meu escudo para não passar dos limites.
Virei o resto de coca como se fosse uísque e me levantei. "Já volto," falei para Alaric e Ian, que não me contestaram. E então eu comecei o meu caminho até lá.
Logo antes de me aproximar dela, Sebastian se levantou e saiu de lá. Eu parei de andar na hora, retomando na minha cabeça o que tinha planejado dizer. Se eu me mantivesse no roteiro, não falaria nenhuma bobagem.
Quando levantei o rosto de novo, Mary estava do lado dela. Ela não seria dos melhores escudos. Mary tinha me conhecido quando pequeno, tinha cuidado de mim em inúmeras ocasiões em que meus pais tinham tido reuniões com o rei e a rainha. Era como se a minha tia estivesse ali. Eu queria mesmo falar com America na frente dela? Mesmo que não falasse nada de mais?
America, é um prazer lhe ver. Seu projeto em Honduragua é uma inspiração para mim, falei na minha cabeça.
Não. Não era bom o suficiente. America, seu projeto em Honduragua me dá orgulho de ser de Illéa.
America, eu espero que você saiba a diferença que você está fazendo em Honduragua.
Cheguei mais perto dela, ainda sem saber direito o que falaria. Mas a sua voz me fez esquecer do resto.
"Você acha mesmo?" Ela perguntou para Mary, um pouco desanimada. "Eu achei um pouco exibido demais. Chamativo demais. Não queria que fosse tão brilhante!"
"É um lindo vestido, America," Mary disse.
"Mas podia ser menos espalhafatoso," ela reclamou. "Eu me sinto tão desajeitada. Não me sinto muito bonita."
"Você está maravilhosa!" Eu só percebi que tinha falado em voz alta quando as duas se viraram para me olhar. "Quer dizer, você sempre está maravilhosa. Com ou sem vestido," tentei dar o melhor dos meus sorrisos, mas elas só franziram a sobrancelha. E aí eu percebi o que tinha dito. "Quer dizer, não que eu saiba como você fica sem vestido. Eu tenho certeza de que deve ficar maravilhosa. Não que eu tenha imaginado. Eu não tenho. Não imagino. Quer dizer, eu só te imagino vestida. Assim. Em momentos normais. Reuniões. Como rainha. Sabe, nossa rainha. Não de outra forma, nunca de outra forma. Vestida. Sempre vestida."
Me virei antes que elas pudessem me responder, mas era inútil. Minhas palavras já estavam lá, no ar, para elas memorizarem e me acharem o cara mais inapropriado do universo. E logo quando eu achei que poderia me safar por estar de máscara, ouvi Mary perguntando, "Aquele era Keon?"
"PUTA MERDA!" Eu soltei assim que me aproximei de Alaric e Keon novamente.
"Uou, que houve? Você conheceu a princesa?" Alaric realmente não parecia interessado em mais nada.
"Não. E eu talvez nem vá conhecer," disse, batendo no bar para chamar a atenção do barman. "Uísque, por favor."
"Por que? O que você fez?" Ian parecia tão preocupado quanto ansioso para se divertir com a merda que eu tinha feito.
"Você não quer saber," disse, virando o copo e sentindo o líquido me queimando a garganta.
Não era nada agradável. Mas era um incômodo controlável. E controle era tudo de que eu precisava.
Eu pedi mais um.


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