Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 17
Capítulo 17: POV Lola Farrow




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Quando cheguei ao último degrau da escada, eu parei. Podia ouvir as meninas continuando seu caminho, os vestidos arrastando pelo chão e um pouco da música que chegava até mim.
Não achava que faria alguma diferença eu entrar com elas ou não. Mas as coisas estavam indo rápido demais e eu precisava de alguns minutos sozinha, no silêncio, deixando o resto do mundo ir em frente com tudo isso sozinho. Eu era muito o centro daquela Seleção. Ela mal tinha começado e eu já sentia uma necessidade absurda de dar vários passos para trás e olhar de fora.
Fiquei imóvel por um tempo. Ouvi a música mudar e imaginei todas as meninas entrando, cada uma se escondendo atrás de sua máscara.
A minha pinicava. Gostava de renda e sempre quis usar uma máscara assim. Mas agora que a tinha no meu rosto, estava me incomodando. Em volta dos olhos, do nariz, no meu cabelo.
Sem pensar no que estava fazendo, meus dedos começaram a apertar o corrimão. A música de entrada já tinha se transformado de volta em uma música normal e eu me concentrei na batida, tentando não pensar em mais nada. Tinha vontade de me sentar, mas também tinha vontade de correr. Queria sair dali, mas alguma coisa ainda me atraía para o salão.
Soltei do corrimão e desci o último degrau que faltava. Sem a menor pressa do mundo, eu comecei a andar em direção à porta que eu sabia que levaria à festa. Pensei em tirar meus sapatos e correr para o jardim, mas a vontade não era forte o suficiente para me desviar daquilo que eu sabia que tinha que fazer.
Eu tinha que aparecer na festa. Eu tinha que conhecer os selecionados. Eu sabia disso. Não tinha dúvidas. Era uma decisão tomada por mim. Mas mesmo assim, estando ali tão perto, tudo parecia tão assustador. Me dava mais do que só medo, me dava preguiça. E, por um segundo, eu desejei ser outra pessoa.
Assim que virei o corredor e avistei a porta, senti alguma coisa me puxando a saia. Levei um susto. Toda a sensação de incerteza que me dominava foi tomada por uma de pânico. Mas quando me virei para ver quem era, não vi ninguém. Não sabia se aquilo era melhor ou pior.
De novo, eu senti alguma coisa puxando a minha saia. Dei alguns passos para trás, procurando o que era. E então eu ouvi um miado.
Nem tinha me ocorrido simplesmente olhar para a saia. Parecia alguém pisando para não me deixar andar. Mas quem pisava era um gato preto e branco, que achou o tecido do vestido bastante interessante de se esfregar.
Não tinha percebido que meu coração tinha começado a bater tão forte até que o alívio tomou conta de mim. Eu estava com os nervos muito à flor da pele, precisava me acalmar. Não conseguiria sobreviver por muito tempo se continuasse assim.
"Ei, gatinho," eu me abaixei para lhe fazer carinho, mas ele fugiu de mim, me olhando com dúvida.
Eu não tinha mesmo muito jeito com bichos. Eles nunca pareciam gostar tanto de mim, apesar de eu amá-los com todo o meu coração. Demorei anos para conseguir fazer o bulldog do meu pai me deixar apertá-lo como eu tanto queria.
"Desculpa," pedi, me levantando. Um banco estava bem na minha frente e eu fui me sentar nele. "Eu não queria te assustar," continuei. O gato me circulou sem tirar os olhos de mim, miando de vez em quando. "Eu não sabia que tinham gatos aqui. Você é o único?"
Esperei que ele me respondesse, mas ele claramente não me entendeu.
"Me desculpa por ser tão louca!" Falei um pouco mais alto e então lembrei do meu sotaque. "Quer dizer, me desculpa por ser tão louca," repeti, forçando o sotaque illéano. "O que é pior? Falar com um gato ou pedir desculpas por falar com um gato?" Fiquei em silêncio alguns segundos, mas dessa vez já sem esperanças de que me responderia.
Meus olhos caíram na porta que levava ao salão. A música ali estava bem alta, mas ainda parecia pertencer a um mundo que eu olhava de fora.
"Você acha que alguém sentirá a minha falta?" Quando eu olhei de volta para o gato, ele tinha se aproximado de novo de mim. Esperei que pulasse no banco e se esfregasse na minha saia antes de perguntar de novo. "Acha que tem alguém lá me procurando? Provavelmente não," sem querer, eu tinha voltado para o meu sotaque normal. "Ah! Por que eu sempre me esqueço?" Perguntei, forçando o illéano. "Isso é muito chato. Por que não posso simplesmente ser eu? Porque aí todos vão cair em cima de mim. E eu vou ter que lidar com tudo de uma vez." O gato tinha se deitado do meu lado. Eu o observei por alguns segundos em silêncio.
"Sabe," comecei depois de um tempo, "isso tudo é muito esquisito. Eu não sei como Charles conseguiu," suspirei alto e o gato ronronou. "Você acha que alguém sentiria minha falta de verdade?" Perguntei para ele, que só me olhou. "Acha que faria alguma diferença se eu simplesmente não aparecesse?"
Ele miou e eu quis acreditar que ele me dizia que sim.
"Qual seu nome, afinal?"
"Johnny," uma voz grossa respondeu, me fazendo dar um pulo de susto que empurrou o gato para o chão.
Eu não sabia se ficava preocupada com ele ou com quem estava ali. Mas ele não pareceu se abalar. Se chacoalhou e voltou a se esfregar na minha saia.
"O nome dele é Johnny," a voz explicou.
Eu olhei para o lado de onde tinha vindo e um cara andava na minha direção. Ele usava a máscara que eu tinha escolhido para os selecionados e um smoking preto. Ele podia ser qualquer um deles.
"Ele é seu?" Eu perguntei, mas ele balançou a cabeça.
"Ele não é de ninguém," o cara respondeu. "Ele é dele mesmo."
Eu revirei os olhos por detrás da minha máscara, o que o fez levantar uma sobrancelha. Tentei imaginar com qual dos selecionados que eu tinha escolhido aquele caminhar se parecia, mas a resposta não era muito certa.
"Se ele não é de ninguém, talvez eu possa pegá-lo para mim," arrisquei.
"Não!" Ele me cortou sem hesitar, que era exatamente o que eu queria que ele fizesse. "É para ele continuar sendo de ninguém."
"Quem disse?" Me abaixei para pegar o gato, mas ele correu de mim.
"Ele disse," o cara apontou para ele, orgulhoso. Tinha acabado de chegar na minha frente e o gato foi se esfregar na perna dele.
Eu voltei a me endireitar e coloquei as mãos na cintura. "Espera, como você conseguiu trazer um gato para cá?"
Ele apertou os olhos para mim. "Eu não trouxe gato nenhum para cá. Eu o encontrei aqui."
Então realmente não era dele. Por que ele insistia tanto que o gato continuasse sem dono?
"Você não vai entrar?" O cara perguntou depois de alguns segundos em silêncio.
Eu precisei de um tempo para entender do que ele tava falando. E, realmente, só entendi quando ele apontou para a porta.
"Talvez," respondi, apesar de que uma voz gritava na minha cabeça que sim. Qual era o meu problema? Por que eu tinha que provocar? Por que não podia só respondê-lo?
"Quer testar para ver se alguém sente a sua falta?" Um sorriso malicioso apareceu em seu rosto quando perguntou, enquanto eu sentia como se uma faca me perfurasse pela barriga.
Ele tinha me ouvido falando com o gato! Ele tinha me ouvido perguntando se alguém ia sentir a minha falta! Quão vergonhoso era aquilo?
"Não se preocupe," ele disse, divertido. "Tenho certeza de que sentiriam." Ele sorriu, e eu fiquei me perguntando se ele estava sendo sarcástico e aproveitando da minha vergonha ou se estava sendo honesto.
"Por que diz isso?" Forcei o meu sotaque illéano ainda mais, rezando na minha cabeça para ele não me reconhecer.
"A festa tá miada," ele disse, tirando as mãos dos bolsos. "Isso que acontece quando a princesa não tem coragem de encarar os selecionados de uma vez e manda inventarem uma festa em poucas horas."
A faca imaginária se contorceu na minha barriga.
"Eles precisam de todas as pessoas possíveis," ele terminou dizendo.
Pelo menos ele não parecia saber quem eu era. Mesmo assim, me irritou ouvi-lo falar de mim daquele jeito.
"Eu não acho que falta coragem," foi o que consegui dizer, enquanto endireitava meus ombros e levantava o rosto, na inútil tentativa de tentar ser forte e não me importar com o que ele falou de mim.
"Como assim?"
"Para a princesa. Não acho que falta coragem. Pelo contrário, só de vir para um país completamente novo para buscar um marido, acho bem corajoso da parte dela."
Ele demorou alguns segundos para me responder. Mas, quando o fez, parecia não ter tanta certeza de que eu estava falando sério.
"Se você diz," falou, dando de ombros.
"Você não acha? Ela está dando a cara a tapa aqui! Tudo poderia sair bem errado, todos a estarão julgando constantemente, só esperando pelo momento em que ela vai fazer alguma besteira! Ela pode muito bem ser odiada, ter todos os selecionados a odiando. Mas não. Ela é corajosa o suficiente para se apaixonar na frente de todos! Você não concorda?" Não estava conseguindo me controlar, mas pelo menos ainda mantinha o sotaque falso.
"Como eu posso saber?" Ele perguntou, se divertindo com a minha reação. "Eu ainda não a conheço."
Eu respirei fundo. Estava pronta pra falar que eu conhecia e eu sabia como eu era. Que ele não estava me dando créditos o suficiente. Mas eu precisava me lembrar de usar o anonimato ao meu favor e não estragar tudo antes mesmo de entrar na festa.
Ele sorria de lado, me esperando falar alguma coisa.
"Eu também não," acabei mentindo.
Ele assentiu, olhando em volta da gente. Eu tinha medo de falar mais alguma coisa, que pudesse me denunciar. Ele não parecia muito preocupado em tomar alguma atitude, estava bem ali, naquele clima esquisito que tinha se instalado entre nós.
"Você não vai para a festa?" Perguntei.
"Eu tenho que ir," ele respondeu, voltando a me olhar.
"Aliás, qual seu nome?" Eu exigi de repente.
Ele apertou os olhos, como se tentasse me ver melhor. Depois sorriu de lado por um segundo, se forçando a voltar à sua expressão séria. O máximo que sobrou da minha pergunta em seu rosto estava em uma das sobrancelhas, arqueada. Aquele pequeno gesto me fez levantar o queixo só um pouco mais.
"Por que quer saber?" Ele me devolveu. "A ideia não é o anonimato? Por que quer estragar toda a beleza desse baile magnífico?" Ele abriu os braços e olhou à nossa volta, apesar de estarmos só no corredor. "E com algo tão simples e medíocre quanto curiosidade!"
Podia jurar que estava sendo sarcástico, mas quando ele voltou a me olhar, só a sombra de um sorriso ainda podia ser encontrada seu rosto. Ele estava sério, como se o seu comentário petulante não fosse o suficiente. Como se realmente quisesse ouvir o que eu diria.
Ele não deixou seus olhos se distraírem dos meus por um segundo enquanto eu pensava em uma resposta que ganhasse da dele. E eu também não. Mesmo que me demorasse anos para conseguir rebater seu comentário, eu passaria esses anos com meu olhar preso no dele. Ele não ganharia tão fácil assim.
"Talvez eu não goste tanto do anonimato quanto as outras pessoas desse baile," retruquei finalmente, apesar daquilo ser uma mentira enorme.
Ele sorriu de leve, não se entregando completamente, mesmo que seus lábios lutassem contra essa necessidade que ele tinha de me desafiar.
"Talvez eu goste," ele falou e eu o percebi endireitando seus ombros discretamente.
E então ele deu dois passos para trás, se virando antes do terceiro. Não sem antes levantar sua sobrancelha mais uma vez, fazendo-a passar de sua máscara.
Eu só balancei a cabeça para mim mesma. Queria gritar que não me importava, que não queria saber mesmo, mas aquilo só denunciaria que era mentira.
Ele andou para longe com as mãos no bolso e eu não consegui tirar meus olhos dele. Que raiva de ficar naquela posição! Se eu soubesse que ele não me diria seu nome, eu não teria perguntado. E agora lá estava ele, praticamente assoviando para si mesmo, saindo por cima.
Ele se aproximou da porta que levava ao salão e, quando a abriu, se virou para me olhar uma última vez. Eu poderia me apressar para fingir que estava preocupada com outra coisa, até pensei em fazer isso, mas na hora eu não me mexi. Pelo contrário, eu mesma levantei a minha sobrancelha, como meu último recurso para manter minha pose.
Ele sorriu divertido pelo meu jeito, mas seus olhos me devolviam o mesmo desafio. Assim que ele entrou no baile, eu prometi para mim mesma que reconheceria seus olhos castanhos na entrevista no dia seguinte. Ele podia estar por cima naquela hora, mas eu estaria amanhã. Era a minha seleção. Ele estava ali para correr atrás de mim. Mesmo que ele quisesse muito, ele nunca conseguiria ganhar de mim.
O gato miou bem na hora em que pensei naquilo, e eu soube que estava concordando comigo.


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