Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 16
Capítulo 16: POV Madison Hunter




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"Nós estamos atrasadas!" Maggie reclamou, sua voz chegando a um tom agudo que pareceu perfurar o meu ouvido.
"Eu percebi," respondi, sem parar de colocar os vestidos nos cabides. "Você acha que eu não percebi? Eu percebi. Eu sei muito bem que nós estamos atrasadas. Mas o que você queria? O que ELAS queriam? Que nós conseguíssemos fazer milhares de vestidos em poucas horas sem nos atrasarmos nem um minuto? Isso não é possível! Isso simplesmente não é possível!"
A minha própria voz conseguiu superar a de Maggie e me fez largar o vestido que segurava na mesa.
Eu tentei respirar fundo, enquanto Maggie não se atrevia a mexer um milímetro mais do que ela precisava. Sabia que ela estava com medo de fazer movimentos bruscos que poderiam me fazer gritar de novo, mas estava mais preocupada em conseguir respirar.
Aquela era a primeira vez que eu estava fazendo um vestido para a Princesa Lola. E eu estava atrasada. Eu estava atrasada e ela era a princesa do Reino Unido, pelo amor de deus! Dava para a situação ficar pior?
"Se você quiser, eu posso levar os vestidos sozinha," Maggie ofereceu.
"Não!" Eu abri meus olhos na hora, a fazendo dar um pulo de susto, que deu uma pontada de culpa profunda. "Desculpa," pedi. "É que eu quero estar lá."
"Eu entendo," ela se inclinou devagar para pegar o próximo vestido e o colocou no cabide com cuidado.
Olhei de relance para o relógio. Vinte minutos atrasadas. Era tempo demais para eu conseguir recuperar.
Meus olhos foram do meu pulso para o último vestido que ainda estava na mesa.
"Vamos logo," eu disse, o pegando e jogando por cima do meu ombro.
Antes que Maggie pudesse contestar, eu comecei a puxar a arara para fora do ateliê. Ouvi seus saltos correndo atrás de mim e quando ela colocou o cabide que segurava no seu lugar, mas não olhei para trás. Bufava em direção ao salão das mulheres. A minha vontade era de nem aparecer. Se eu estava atrasada e ia receber reclamação logo da princesa, talvez fosse melhor fugir e nunca ter que encará-la. Eu já tinha perdido a minha chance de fazê-la virar minha fã mesmo. Que diferença fazia?
Logo que chegamos na frente do salão das mulheres, eu parei. Fiquei olhando para a porta por alguns segundos, ouvindo-as conversando do lado de dentro. Olhei de novo no relógio. Não tinha passado mais de dois minutos desde que tínhamos saído do ateliê. Mas eu ainda teria que me preparar para ouvi-la reclamando. Eu precisava ser forte. Convencê-la a ignorar o fato de que não tinha sido profissional da minha parte me atrasar.
Poderia falar das costureiras. Eu não tinha feito vestido por vestido. Eu só as coordenava.
Poderia culpar Maggie. Dizer que ainda a estava treinando, que era difícil pegar um ritmo bom de trabalho.
Mas o fato era que o problema era meu se eu não conseguia um ritmo de trabalho. O que a princesa tinha a ver com isso? Era minha responsabilidade, eu a tinha assumido, eu que tinha falhado. Eu comandava as costureiras. Eu assinava no final da folha. Eu era a culpada.
O ponteiro completou mais um minuto e eu instintivamente abri a porta antes que andasse mais um segundo.
O salão das mulheres tinha sido montado para que todas se arrumassem ali. Os sofás estavam ainda no meio do cômodo, mas haviam estações de cabeleireiros em todos os cantos e uma menina sentada em cada. Corri os olhos pelo salão buscando a princesa.
Ela estava mais perto de mim do que eu pensava. Sentada de roupão em um banco do lado da porta, ela falava com a sua criada. Eu puxei a arara para dentro discretamente, sem querer que ela me percebesse e viesse me perguntar o porquê da minha incompetência.
Assim que Maggie fechou a porta atrás dela, eu passei o vestido do meu ombro para ela. "Aqui," disse. "Vai entregando para as suas respectivas donas. Deixa que eu cuido do da princesa."
Ela assentiu e esperou eu tirar o de Lola da arara para começar a empurrá-la pra primeira estação.
Eu me concentrei na princesa e na sua criada.
"Não, é PROpriamente," sua criada disse, forçando um sotaque menos britânico.
"PropriaMENTE," Lola tentou, mas ainda podia ouvir que não era de Illéa.
"Na verdade, ninguém por aqui fala 'propriamente'," eu me intrometi.
As duas se viraram pra me olhar. Lola torceu o nariz, pensativa.
"Não seria só mais fácil se as outras nos imitassem, Clarissa?" Ela perguntou, se entregando completamente ao seu sotaque de nascença.
"Não! Já falamos disso, é muito mais difícil para elas do que é para a gente," Clarissa contrapõs.
O sotaque dela era tão mais forte do que o de Lola, que ficava difícil lembrar que ela que tinha estado ensinando a princesa. Ela definitivamente estava se esforçando mais do que Lola.
"Sério?" Eu perguntei, indo até elas e me sentando no banco à sua frente. "Eu sempre achei que conseguia imitar bem o sotaque britânico." Me preparei e fiz o meu melhor para soar como uma perfeita londrina. "Onde está meu chá?"
As duas me olharam como se eu fosse louca, depois desabaram a rir.
Eu revirei os olhos. "Eu nunca tive que tentar na frente de um britânico de verdade!" Me defendi. "Mas até hoje, todos os illéanos aprovaram!"
"Está vendo o que eu quero dizer?" Clarissa perguntou para a princesa. "Vamos lá, o seu sotaque illéano está melhor do que o dela!"
"Muito obrigada!" Agredeci sarcasticamente.
"Desculpa!" Clarissa virou para mim, franzindo tanto as sobrancelhas que quase me fez sentir culpa de ter reclamado.
"Não se preocupe," me estiquei para tocá-la. "Eu sei que meu sotaque é terrível! E o de vocês está bem aceitável!"
"Aceitável!" Lola repetiu, divertida. "Nós vamos ter que ir com 'aceitável'?"
"Não acho que temos tempo o suficiente para praticar até a perfeição," Clarissa deu de ombros, como se desistisse. "Vamos ter que rezar para que os selecionados sejam tolos o suficiente para não perceberem a diferença."
"Ou é só não abrir a boca a noite inteira," sugeri e as duas riram de leve.
Era estranho. Alguns minutos atrás, eu estava morrendo de medo de entrar ali e agora eu estava conversando com elas como amigas de infância. Elas nem pareciam ter percebido que eu estava atrasada. Me senti idiota por ter me preocupado tanto. E pensar que eu poderia ter saído correndo e perdido aquele momento! Um momento tão adorável com pessoas que deveriam ser estranhas para mim!
Clarissa pareceu estar pensando quase a mesma coisa, pois apertou os olhos para mim, uma dúvida clara passando pelas suas sobrancelhas.
"Me desculpe a pergunta, mas quem é você?"
"Madison Hunter," estendi minha mão para ela, que hesitou em apertar. "Eu sou a estilista oficial do castelo," expliquei, trazendo minha mão de volta e mostrando o vestido que tinha deixado sobre meu colo.
"Esse é meu?" Lola perguntou.
"Sim," eu me levantei e o segurei ao meu lado. "Preto e dourado, como você pediu. Quer dizer, como a Vossa Majestade pediu."
"Você não é minha súdita, não me deve nenhum tipo de formalidade," ela disse, quase no automático, enquanto seus olhos percorriam os detalhes do vestido, hipnotizados. "Está perfeito," acabou dizendo. "Esse corset é maravilhoso."
Senti meus olhos começando a lacrimejar. "Obrigada! Eu já o tinha feito há muito tempo, na verdade. É como meu mimo, meu maior orgulho. Trabalhei tanto nele que virou como uma questão de honra deixá-lo perfeito!"
Ela moveu seus olhos do vestido para os meus. "Tem certeza que quer que eu o vista?"
"Estou certa de que não existe ninguém no mundo que o mereça como você," respondi sem hesitar nem um milésimo de segundo. Eu tinha medo que qualquer dúvida da minha parte a fizesse desistir da ideia. Ela ainda não sabia que aquilo era o que eu mais queria!
O sorriso que inundou seu rosto era verdadeiro. E tão encantador, que eu senti vontade de abraçá-la.
Mas não queria ser a fã tonta que atacava a ídola. Ao invés disso, resolvi só explicar o quanto a admirava e quanto era uma honra vê-la vestindo algo meu.
"Princesa Lola, eu-"
"Meninas!" A voz de Marlee era alta e me cortou com tudo. Ela também bateu palmas, o que dificultou para eu pensar em uma maneira de ignorá-la. "Duas das meninas não vão poder vir. Nós vamos precisar encontrar substitutas!"
Todo mundo olhou em volta e eu me virei de novo para a princesa. Como voltar ao assunto das minhas roupas?
"Por que você não usa a Hunter?" Clarissa sugeriu me apontando e eu vi todos os rostos se virarem para mim.
"Oi?"
"Eu posso também!" A voz de Maggie gritou do outro lado do salão.
"Ótimo!" Demorou dois segundos para Marlee chegar até mim e começar a me empurrar pelos ombros. "Vamos, não temos muito tempo para lhe arrumar."
"Mas o vestido da princesa!"
Ela o pegou de mim e entregou para uma criada. Depois continuou me empurrando até me sentar em uma estação.
"Sophie e Abigail que não podem mais vir," ela me disse, olhando nos meus olhos pelo espelho. "Qual você acha que ficaria melhor para você e qual ficaria melhor para Maggie?"
Eu não estava conseguindo pensar direito, ainda não tinha entendido direito o que aquilo significaria.
Mas era como uma parte do meu cérebro funcionasse independente do resto. "Eu para Sophie, Maggie para Abigail."
"Perfeito," Marlee me deu dois tapinhas no ombro e saiu andando.
Vi quando ela fez um sinal para um cabeleireiro, que logo apareceu atrás de mim, soltando meu cabelo do rabo e começando a mexer nele sem que me falasse nada.
Não tinha certeza do que ele estava fazendo, mas quando vi que ele só estava o preparando para uma peruca, percebi que aquilo não era o que eu estava esperando.
Ia perguntar o porquê daquilo, mas pelo resto do salão, outras meninas faziam o mesmo. Cada uma com uma peruca de cabelo castanho sendo colocada em sua cabeça e depois estilizada em coques e pentados diferentes.
A transformação não parou por aí. Nós tivemos que colocar lentes azuis e escolher o nosso sapato depois de comparar a nossa altura com a da princesa, que passou quase o tempo todo treinando seu sotaque. Tudo para nos parecermos o máximo com ela, para criar a dúvida entre os selecionados.
Eu calcei sapatilhas, por ter praticamente a mesma altura, mas a maioria das meninas teve que usar saltos. Uma das únicas que não teve foi Gabrielle, que também era alta.
Meu vestido era preto e branco, mas idêntico na forma a todos os outros. A ideia era interessante, mas conforme nós ficávamos prontas, o efeito daquilo ficava mais esquisito. Estávamos muito parecidas ali, no salão bem iluminado, enquanto falávamos livremente de quem era quem. Eu já podia imaginar a confusão que seria durante a festa.
O clima no salão das mulheres era descontraído mas, mesmo assim, às sete e meia em ponto nós estávamos indo em direção ao salão de festas. Segundo a Marlee, a festa já tinha começado e a família real já estava lá dentro. Gabrielle fez uma piada de que ela teria que se virar para conseguir distinguir Charles dos selecionados e Nina riu. A Lola, no entanto, não pareceu gostar da ideia.
Nós paramos de andar quando chegamos ao segundo andar.
"Lola, Clarissa, Gabrielle, Nina e Valentine, vocês continuam pela direita. O resto do grupo vai pela esquerda. Quando eu der o sinal e vocês ouvirem a música mudando, comecem a andar pelo corredor. A ideia é que a primeira menina de cada lado chegue ao mesmo tempo no começo da escada e que as últimas cheguem juntas ao primeiro andar." Marlee explicou.
"Acho melhor eu entrar separado," Lola disse do lado dela.
Marlee pareceu um pouco desconcertada. "Como assim, Alteza?"
"Eu posso entrar de fininho no andar debaixo, sem que ninguém me perceba. Melhor que seja até na mesma hora em que vocês estiverem entrando, porque aí todos vão estar distraídos." Lola falava com seu sotaque americano no lugar e nem parecia mais se abalar por isso. Era a única ali que não usava peruca e toda a sua atenção parecia se concentrar na máscara, que ela ajustava a cada minuto.
"Mas aí o número não vai bater," Clarissa contrapõs.
"Marlee entra de um dos lados," Lola sugeriu. "É melhor que não me vejam perto de vocês para não me compararem. Eu prefiro entrar sozinha."
Marlee olhou dela para seu vestido e depois de volta para ela, pensando naquilo. Não usava o mesmo vestido que nós, mas ainda era preto e vermelho. Ela encaixaria bem no meio de todas as outras. "Está bem," ela disse finalmente.
Lola não esperou mais nem um segundo para sorrir para ela e começar a descer as escadas.
Nós seguimos nosso caminho sem grandes complicações. Eu era a primeira do meu lado, por sorte do destino. Me escondi atrás da parede, poucos centímetros de deixar as pessoas da festa me enxergarem. E, assim que pude, tentei dar uma olhada no salão.
Mas estava tão escuro, que não vi muita coisa. O nosso caminho até as escadas era iluminado por pequenas velas dentro de vidros. E elas continuavam pelos degraus. Pelo menos eu enxergaria alguma coisa, mesmo que não fosse muito.
A música mudou e eu senti um empurrãozinho de Maggie. Olhando para o que eu sabia que eram as meninas do outro lado do salão, eu comecei meu caminho. Estava constantemente preocupada em não conseguir enxergar um degrau, mas mantive meu rosto levantado e meus olhos no horizonte.
Era incrível como meus anos de modelo me voltaram rápido. Eu nem tinha que andar em saltos enormes, estava feliz de sapatilha. Já tinha passado por passarelas mil vezes piores, a escuridão não me foi problema, como tinha imaginado.
Encontrei com Clarissa no meio das escadas e ela, sem aviso nenhum, enganchou o seu braço no meu, como velhas amigas. Eu não estava esperando aquilo, mas entrei no papel rapidamente, andando junto com ela pelos próximos degraus, onde a escada virava uma só. Não tinha certeza se éramos só nós que estávamos fazendo aquilo ou se algumas das meninas tinha nos imitado, mas não me importei muito.
Só quando estávamos de frente para o salão que eu comecei a prestar atenção na decoração. Tentei não olhar muito para os lados, mas consegui ver bem algumas coisas. Por exemplo, o rei e a rainha, os únicos vestidos de dourado do outro lado do salão. Vi também os vários convidados espalhados em volta de mesas altas de festa de coquetel. Presumi que um jantar não seria servido.
Dali, eu não conseguia distinguir ninguém, não que eu conhecesse muitos dos criados ou dos selecionados. Mas nem as mulheres me pareciam familiares. Tentei procurar pelos nossos príncipes, mas eles estavam camuflados em algum lugar.
O salão parecia bem menor, ou maior, dependendo de onde eu olhava. Quando Clarissa e eu chegamos ao primeiro andar, nós continuamos andando pelos convidados juntas. Aí sim que eu aproveitei para olhar para os lados.
O tecido vermelho e dourado que contornava o salão era veludo pesado, como cortinas antigas. Eu vi alguns pequenos caminhos criados pelo jeito que elas tinham sido arranjadas, mas alguns só pareciam caminhos. Olhando mais de perto, vi que eram reflexos em espelhos. Grandes, pequenos, médios, às vezes empilhados. Com molduras douradas que me davam vontade de roubá-los para levá-los ao ateliê e tentar criar um vestido novo para a Lola.
Não sabia se o salão estava maior, porque eles me davam essa impressão, refletindo os poucos convidados. Quando estávamos chegando perto do bar, eu me peguei olhando para mim mesma em um e me perguntando quem era. Mas assim que pedimos duas taças de champanhe e nos viramos para a festa, o salão parecia bem menor do que de costume. As cortinas o enchiam e aquele não parecia o mesmo espaço que tinha acomodado duzentas pessoas no aniversário de May alguns meses antes.
Marlee se juntou a nós e pediu também uma taça de champanhe para ela.
"Você fez um ótimo trabalho," eu disse, assim que o barman nos entregou as três taças.
Ela tomou um gole do seu e se virou de costas para o bar, olhando para a festa. "Eu fiz mesmo, né?"


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Notas finais do capítulo

Para vocês poderem acompanhar, essas são as cores dos vestidos das meninas:
Lola - preto e dourado;
Clarissa - preto e prata;
Gabrielle - preto e azul;
Nina - preto e rosa;
Valentine - preto e vermelho;
Madison - preto e branco;
Maggie - preto e laranja;
Amelia - preto e roxo;
Elena - preto e amarelo;
Melody - preto e verde;
Algumas ainda não apareceram na história, mas é só para vocês não se confundirem mais para a frente.



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