Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 13
Capítulo 13: POV Clarissa Simpson


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Mr. Beautiful" da Cheyenne Kimball



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Não fazia nem uma semana que nós estávamos ali, e já era a quinta vez que Lola tinha dúvidas sobre continuar com a sua Seleção ou não. Eu entendia que era complicado para ela. Não era uma coisa normal. E não eram circunstâncias normais. E eu estaria lá para apoiá-la enquanto precisasse.
Mas eu já não sabia mais o que fazer! Não sabia mais o que falar quando ela tocava no assunto do seu pai. Eu só queria que ela ficasse melhor! Eu só queria que ela não tivesse esses problemas. Mas estava fora do meu alcance e estavam acabando as minhas ideias de como animá-la.
Uma coisa eu sempre podia fazer, que era enchê-la de doces. Mas depois de dias e dias passeando pelo castelo e fazendo piqueniques pelo jardim, ela já parecia cansada de só comer. Então eu tinha que apelar.
Pude sentir o cheiro da cozinha do lado de fora do corredor. Fui atraída lá pra dentro, onde o barulho e a confusão dos criados era ainda mais hipnotizante. Lola tinha insistido que eu não precisava trabalhar, que estava ali como a sua melhor amiga. Mas ela não entendia como eu sentia falta de colocar minhas mãos na massa e cozinhar alguma coisa do zero.
Não queria olhar muito para os lados, mas não consegui me controlar. Meus olhos curiosos vasculharam cada bancada, cada fogo aceso, cada faca que subia e descia e picava legumes diversos. Ninguém me questionou ali, e eu presumi que já soubessem quem eu era. Mas era mais que isso. Eles estavam todos desempenhando o seu papel na coreografia perfeita da cozinha e não tinham tempo para olharem para os lados.
Eu queria tanto fazer parte daquela coreografia!
Mas após me perder por alguns segundos, voltei a me focar no que eu queria. Preferi não incomodar ninguém, e fui buscando a dispensa sozinha. Depois de desviar de vários cozinheiros e abrir três portas erradas, eu a encontrei.
Era enorme. Simplesmente enorme. Bem maior do que a do castelo em Londres. Talvez fosse porque o castelo era maior também. Talvez os illéanos só gostassem de comer mais. Ou queriam provar de tudo. Talvez a rainha os tivesse acostumado a ter tudo ao seu dispor quando estava grávida. Ou talvez eles só entendessem a beleza que era ver uma dispensa enorme repleta de comidas do mundo inteiro.
Por alguns bons minutos, eu me esqueci do porquê estava ali. Nem conseguia pensar em muita coisa, só andava pelas estantes, lendo cada rótulo, imaginando mil receitas que eu sempre tinha querido fazer e nunca tinha podido.
No final do primeiro corredor, tinha uma quitanda grande e cheia de frutas do mundo inteiro. Tinha algumas que eu nunca nem tinha visto na minha vida, provavelmente da Nova Austrália. Até pareciam venenosas. Não seria fácil tê-las, eles deviam buscar sempre. E quem comia aquilo? Eles realmente tinham um paladar refinado.
O segundo corredor era uma continuação do primeiro, mas o terceiro era o que eu estava procurando. Era realmente um paraíso de coisas para um confeiteiro. E até eu encontrar uma lata de cobertura para cupcake pronta, eu tinha mesmo me esquecido do meu plano.
"Posso ajudar?" Uma voz grossa me perguntou, me fazendo dar um salto de susto e quase derrubar a lata.
"Me desculpe," eu pedi, a depositando no seu lugar e me virando para encontrar um cara de braços cruzados apoiado no final da estante atrás de mim. "Eu devia ter avisado para alguém? Desculpa, eu não queria atrapalhar. Eu sou Clarissa Simpson, eu vim com a princesa."
"Eu sei," ele não parecia muito contente. "Tem alguma coisa específica que você está procurando?"
Ele vestia um avental por cima de suas roupas e eu podia claramente ver que estava sujo de farinha. Se tinha alguém que podia me ajudar, era ele. Mas ele não parecia tão disposto a me ajudar quanto estava a me tirar de seu caminho.
"Eu não quero atrapalhar," eu repeti. "Posso pegar tudo sozinha."
"Se você vai pegar alguma coisa aqui, eu preciso saber," ele insistiu, se desencostando da estante e dando alguns passos na minha direção.
Ele não era nem um pouco convidativo. Pelo contrário, parecia bastante incomodado comigo invadindo seu território. E eu não queria explicar que precisava animar a minha amiga com doces porque ela estava prestes a largar tudo e ir embora de volta para o Reino Unido para se casar com o homem da minha vida.
Não, Lola nunca tinha falado que talvez fosse desistir para ficar de vez com Kyle. Mas esse era o meu medo. Sozinha, ela não ia ficar.
"E então?" O cara me perguntou, sua paciência acabando.
"Como você se chama?"
Ele foi pego de surpresa. Franziu as sobrancelhas, mas depois se deu por vencido. "Marc," ele disse. "Sou eu quem cuida da parte de padaria e confeitaria daqui."
"Então você é o padeiro?" Soltei antes que pudesse me parar.
Ele não pareceu feliz com a minha pergunta.
"Não que isso seja uma coisa ruim," corri para explicar. "Pelo contrário. Eu mesma estudei gastronomia e sei o valor de um bom padeiro."
Ele não se convenceu muito, mas eu não conseguia pensar em mais nada para falar. Por isso, resolvi mudar de assunto.
"Mas então," falei, me virando para a estante. Qualquer coisa era melhor do que continuar olhando para ele quando ele parecia prestes a me expulsar dali. "Eu só estava querendo encontrar algumas coisas que eu pudesse levar para o quarto da princesa. Algo que pudéssemos fazer lá."
Corri meus olhos pelos produtos na estante, mas estava tão preocupada com o que ele diria, que eu nem conseguia ler nenhum dos rótulos.
"Você está querendo cozinhar no quarto dela?" Ele perguntou, seu tom incrédulo.
Dei de ombros, apesar de ser exatamente essa a minha ideia.
"Seria muito ruim? Eu sei que fazer alguma coisa com um forno talvez fosse impossível, mas se já tivesse alguma coisa pronta, algum pão, algum cupcake, nós poderíamos simplesmente enfeitá-los, não sei..."
"Nós fazemos tudo na hora por aqui," ele me interrompeu.
"Oh."
Ficamos em um silêncio bastante desconfortável que quase me fez querer que ele me expulsasse de uma vez. Eu fingi olhar para os produtos e pensar em alguma outra ideia, mas só queria que ele fosse embora. Se ele fosse, eu poderia dar meu jeito. Um pouco mais de liberdade salvaria o dia.
"Tem alguma razão especial para você querer fazer isso?" Ele me perguntou do nada.
Eu me virei para olhá-lo. Já tinha andado alguns metros para longe, fingindo que só estava olhando para os produtos. "Você consegue guardar segredo?" Perguntei.
Ele franziu a sobrancelha, como se me analisasse. Era a mesma coisa que eu estava fazendo com ele. "Depende."
Eu soltei uma risada rápida que não pude controlar. Mas ele ainda parecia não achar nada de graça naquela interação.
"Bom," eu comecei, olhando para as minhas mãos à minha frente. Fala logo, Clarissa. Quem sabe ele entenda. "Estou sentindo que a princesa não está tão animada com a Seleção. Preciso de alguma coisa que a distraia."
Ele levantou as sobrancelhas ao entender do que eu falava. Não era mentira. Era verdade. Eu só não precisava compartilhar que ela mesma tinha dito que estava para fazer suas malas e ir embora, não é?
"Mas não começa hoje?" Marc me perguntou.
Eu só mordi o lábio. Mas foi o suficiente para ele rir. Era esquisito vê-lo daquela forma, os ombros relaxados, balançando conforme ele ria. Eu quase queria lhe dar um tapa por achar engraçado que a minha amiga estava desanimada. Mas se ele estava mais relaxado, era melhor eu fazer de tudo para ele continuar assim.
"Está bem," ele disse depois de um tempo, finalmente descruzando os braços. "Eu vou te ajudar. Mas só porque eu ainda preciso que essa Seleção dure mais dois dias se eu quero ganhar a aposta."
"Aposta?"
Ele não pareceu nem pensar em me responder. Passou por mim e foi até o final do corredor, olhando para o outro por dois segundos e logo voltando a vir até mim.
"Se você me der alguns bons vinte minutos, eu consigo montar uma mini cozinha no quarto da princesa," ele disse.
"Tá falando sério?"
Ele deu de ombros. "Uma mesa, um forno portátil, alguns bons ingredientes. De que mais você precisa?"
Eu quis abraçá-lo. Mas me contive.
"Eu preciso de tudo que você tiver que seja doce, gracinha e que funcione para cupcakes!"
"Gracinha?" Ele perguntou e eu só sorri. Depois ele revirou os olhos. "Tá, vou ver aqui o que poderia ser considerado gracinha."
"O que eu posso já ir levando?" Eu perguntei.
Ele passou cinco segundos olhando para a estante. E logo começou a empilhar coisas nos meus braços. A farinha, fermento, chocolate, glacê real. Estava começando a ficar um pouco pesado, mas eu não queria admitir.
"Já está bom," ele falou finalmente. "Logo eu chego lá com o resto."
"Muito obrigada," eu parei para pensar por um segundo.
"Marc," ele respondeu a pergunta que eu tinha deixado implícita.
"Isso, Marc. Muito obrigada, Marc."
Comecei meu caminho para fora da dispensa. Antes de chegar à porta, percebi que ele estava me seguindo. E, depois de segurá-la aberta para eu sair, eu imaginei que era só isso que ele estava fazendo.
Mas ele saiu comigo. E então eu vi que ele estava instruindo alguns criados a ajudá-lo a formar a cozinha no quarto da Lola.
Ela ficaria tão surpresa! E tão feliz! Seria perfeito! Além do açúcar, eu tinha certeza que se ocupar com uma coisa que ela sempre tinha gostado de fazer iria relaxá-la. Talvez ela até se esquecesse que os selecionados chegavam hoje.
Deus, se ela se lembrasse, tudo podia estar perdido.
Eu equilibrava os vários ingredientes no meu colo, enquanto desviava dos criados na cozinha, quando notei um par de olhos conhecidos entrando.
Meu instinto foi parar de andar na hora e me virar de costas. Mas assim que o fiz, eu me senti idiota. Qual era meu plano? Fingir que era só mais uma na cozinha e deixar que ele passasse por mim?
É, talvez o plano não fosse dos piores.
"Ei, Clarissa."
Isso se ele não tivesse me notado.
Posicionei o melhor dos meus sorrisos no rosto antes de me virar pra ele. "Kyle!" Minha voz saiu animada demais, mas tentei não me importar. "O que você está fazendo aqui?"
Ele colocou a mão na barriga na hora. "Estou faminto. Ninguém me alimenta nesse castelo!"
Na hora eu me lembrei do café da manhã, onde ele tinha comido cinco pães e três pedaços de bolo.
É, realmente. Ninguém o alimentava ali.
"O que você tem não é fome, é tédio," eu disse.
Mas seus olhos estavam perdidos pela cozinha e ele não pareceu me ouvir. Seu cabelo estava amassado na nuca e eu me peguei imaginando-o dormindo em qualquer canto do castelo. Estava praticamente desenhando as maçãs do seu rosto com os olhos, quando ele se virou pra me olhar.
"Você não faria um lanchinho pra mim, não?" Ele pediu, suas sobrancelhas quase se juntando no meio da testa para tentar me convencer.
Ele realmente ficava uma graça assim. E eu não era muito boa em resistir a ele.
Mas e a Lola?
"Agora?" Eu perguntei e ele só me mirou mais fundo.
"É que eu estou mesmo morrendo de fome," ele explicou.
Eu não podia ver minhas mãos, que seguravam o saco de farinha bem firme. Mas senti quando ele as tocou, seu dedos soltando arrepios na minha pele que viajaram pelo meu corpo todo.
Não era justo. Aquilo realmente não era justo.
"Marc?" Eu me virei para ele, que passava por mim bem na hora. Ele brecou. "Tem como você levar isso daqui pra mim?" Não o esperei responder, já fui jogando para o colo dele tudo o que eu segurava. O alívio de não estar mais equilibrando tudo aquilo era delicioso. "Eu vou preparar alguma coisa para o Príncipe Kyle comer."
Seus olhos foram de mim para Kyle na minha frente. Por um segundo, pensei que ele fosse só rir e jogar tudo no meu colo de novo.
Mas ele acabou bufando e seguindo seu caminho.
"E então?" Eu me virei para Kyle. "O que você quer?"
"Ah, você sabe do que eu gosto," ele disse, apoiando sua mão no meu ombro.
Eu ri nervoso para ele, sentindo minhas bochechas esquentarem.
Antes que ele pudesse me afetar mais, eu voltei até a dispensa. Achei que fosse me seguir, mas ele ficou na cozinha. Peguei salame, queijo, azeitonas, entre outras coisas. O único pão que tinha era de forma. Não tinha nem um pãozinho do café da manhã sobrando por ali.
E se ele se importasse? Será que dava tempo de eu fazer algum bolo para ele? Talvez fosse melhor um bolo feito na hora do que um pão industrializado.
Eu olhei pelos vidros das portas da dispensa para ele. Queria que estivesse me olhando para sinalizar pra ir até lá. Só queria perguntar o que ele preferia.
Mas ele estava distraído, conversando com uma criada que não parecia ter mais de 17 anos. Ela ria, jogando o cabelo por cima do ombro. E ele estava tão entretido com a conversa, que não conseguia nem prestar atenção na pessoa que estava parando a sua vida para fazer um lanche para ele.
Quis jogar tudo no chão e ir embora. Eu tinha outras coisas pra fazer. Eu não precisava estar ali se ele não me queria. Por que ele simplesmente não podia prestar atenção em mim?
Mas eu não conseguia. Pelo contrário, quanto mais a menina ria, mais eu sentia que precisava ganhar dela. E o único jeito de ganhar era mostrando que eu podia agradá-lo bem mais do que ela.
Ou seja, preparando o melhor sanduíche da vida dele.
Mas não funcionou. O sanduíche parecia ter ficado perfeito. Até um dos cozinheiros ali me pediu para que lhe escrevesse a receita. Mas assim que eu entreguei o prato para Kyle, ele sorriu, me deu um beijo no rosto, que fez meus joelhos amolecerem, e foi embora.
Minha vontade era de sair correndo atrás dele e roubar o sanduíche. Mas depois decidi que talvez meu plano para animar Lola também fosse me animar. E, se não desse certo, pelo menos eu teria todo o chocolate do mundo no qual me afogar.


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