Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 126
Capítulo 126: POV Ian Campbell


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Rennen" do Cro.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/126

Se eu tivesse que apostar, diria que todos os selecionados daquele encontro em grupo tinham passado a manhã se preparando para ele. Já que, sem contar com Dane, que vinha com ela, todos nos levantamos na sua presença. E só depois de ela estar ajeitada na sua cadeira que voltamos a nos sentar.
Olhei em volta, cada um dos outros tentando ajeitar seu guardanapo no colo como se fosse um hábito, mas sem conseguir deixar de parecer bastante deslocado. Blake ajeitou seus talheres várias vezes desnecessariamente. Keon preferiu manter seus dedos em sua gravata borboleta vinho, que ficava pior cada vez que ele a apertava nervosamente. Dane parecia não conseguir tirar as mãos de seus cabelos e até Danio estava tendo problemas em encontrar uma posição que o agradasse.
Será que eu era o único ali que sabia o que estava fazendo?
Podia jurar que a princesa também tinha percebido. Virei meu rosto na sua direção, esperando encontrar seus olhos e dividir uma piada interna com sorrisos que ninguém mais entenderia. Mas até ela estava distraída. Mirava a mesa como se não a visse, como se não soubesse onde estava e porque estava ali.
Depois de alguns segundos de silêncio desconfortável esperando que ela mesma falasse alguma coisa, percebi que teria que ser quem o quebraria. Levantei uma mão, olhando para um dos garçons e indiquei que nos servisse.
Foi só quando ele estava logo ao seu lado, que Lola pareceu acordar do seu transe. Ela olhou à sua volta para cada um de nós, como se só agora estivesse percebendo o que estava acontecendo. Fiz questão de sorrir quando seus olhos chegaram em mim.
"Você está linda," falei, ganhando mais alguns segundos deles em mim.
"Vossa Alteza realmente está radiante," Danio acrescentou nem meio segundo depois, roubando sua atenção.
Um sorriso tomou conta de seu rosto, desaparecendo logo depois. "Obrigada," ela disse, sua voz tão baixa, que eu quase não a entendi. "Onde estão os outros?"
Nós cinco nos entreolhamos.
"Thor está ajudando a preparar uma festa para o aniversário de sua criada," Keon disse, intercalando um tom de orgulho e receio.
"Ele deve achar que ser amigo dos criados vai fazer Vossa Alteza pensar bem dele," Danio não tentou esconder a graça que via naquilo.
"Ele está certo," Lola falou tão rápido, que pareceu que o cortava.
Os dois se olharam por alguns segundos, Danio ainda mantendo o sorriso de antes, agora parecendo quase maléfico, arrogante.
Eu pigarreei. "Bom," comecei, "Alaric se recusa a dividir sua atenção conosco." Lola apertou os olhos, parecendo pensar. "E Will, eu não sei o que está fazendo. E nem quero saber."
"Edinburgh está ajudando seu amigo Glasgow," Danio disse, apoiando as costas na cadeira.
Até Lola pareceu confusa de primeira com essa necessidade dele de tentar parecer superior a nós. Eu mesmo tive que olhar para Keon e vê-lo revirando os olhos para me lembrar que Edinburgh era o apelido de Will e Glasgow de Thor.
"De qualquer jeito," falei, outra vez tentando controlar o caminho da conversa, "nós estamos aqui. E não existe nenhum lugar no mundo aonde preferiríamos estar."
Os garçons já tinham enchido cada uma das taças com suco minutos atrás, mas eu fui o primeiro a pegar uma e levantar na direção da princesa. Todos os outros me seguiram.
"A uma semana mais calma," Dane disse no brinde. "Sem tantos altos e baixos."
"Sem tantos baixos," concordei e a princesa foi a primeira a tomar um gole.
Depois de todas as taças voltarem à mesa, fiz outro sinal para os garçons nos servirem das comidas.
"Diga, Alteza," Blake, para a surpresa de todos, começou a próxima conversa, "o que você procurar em um parceiro?"
Todos pareceram se ajeitar em seus lugares, ela também.
Ela respirou fundo antes de responder, me dando a impressão de que se importava com o que diria. "Acima de tudo-"
Do nada, ela parou de falar. Eu olhava para baixo, mas fiz questão de levantar o rosto para ver o que tinha acontecido para ela se cortar como se levasse um tapa.
Segui seus olhos até a mesa dos garçons para ver o que a incomodava. Mas não tinha nada de diferente acontecendo. Só um cara que tinha aparecido trazendo uma bandeja de pães.
Voltei meu rosto para a princesa outra vez. "Acima de tudo?"
Ela piscou várias vezes. "Honestidade," disse, quase um pensamento em voz alta.
"Acho justo," Dane comentou antes que eu tivesse uma chance de responder e incentivá-la outra vez a continuar.
Lola olhou para baixo e ninguém se atreveu a mexer e interromper seus pensamentos. Ela respirou fundo, relaxou os ombros e levantou o rosto logo em seguida.
"Honestidade é a coisa mais importante em qualquer pessoa," continuou, agora quase como se declarasse um discurso previamente escrito. "Não quero um parceiro que faça jogos. Quero alguém que não veja títulos, que fique do meu lado. Preciso de alguém que não se esconda nas sombras, que me aceite por completo."
Seus olhos focavam algo atrás de mim, logo percebi que eram garçons que vinham até nós. Eles nos serviram de pães e tudo que podíamos passar neles, enquanto Lola continuava.
"Mas não se preocupem. Tenho certeza de que todos vocês seriam perfeitos," ela fez que olharia para o cara que tinha trazido a bandeja de pães, mas, no último segundo, seus olhos encontraram os meus. "Vocês dariam reis magníficos."
Franzir minha sobrancelha foi inevitável. Magníficos?
"Alguns de nós, pelo menos," Danio se inclinava na direção da mesa, seu comentário como um ataque a todos nós, mas sua atenção mais voltada ao que comeria.
Ele talvez fosse o pior de todos, na minha opinião. O que deixava suas palavras terrivelmente irônicas.
"Mais alguma coisa que vocês gostariam de saber de mim?" Lola perguntou depois de um tempo, segurando uma xícara de café com as duas mãos, apesar de não levantá-la da mesa.
"Qual seu feriado favorito?" Dane perguntou, enquanto todos nós aproveitávamos para comer, esperando sua resposta.
Ela não precisou pensar. "Natal." Pela primeira vez desde que tinha se sentado, ela nem soou estudada e nem distraída. "Na verdade, até as semanas que o antecedem. É a única época em que todas as decisões e os problemas parecem ficar mais leves. Aliás, 'é quase Natal' é a melhor razão para convencer as pessoas de fazerem o bem. Até os mais rígidos dos nobres cedem ao espírito natalino. É, de longe, meu feriado favorito."
"Você gosta de inverno também?" Blake aproveitou para perguntar.
Ela abriu um sorriso de lado, não demorando para perdê-lo. "No Natal, sim. Inverno é imprescindível. Mas, se tivesse que escolher uma estação, diria outono. Ou o começo, a transição do verão. Os dias com céu azul e árvores de folhas amareladas."
A conversa parecia estar lhe fazendo bem, ela estava mais relaxada. Mas também pude ver quando ela engoliu a seco.
"Você sente falta?" Perguntei, me inclinando sobre a mesa na sua direção para que só olhasse para mim.
Ela concordou com a cabeça, apertando os lábios e sua xícara. "É o que eu mais amo no mundo," admitiu, me dando a impressão que ainda tinha muito que ela não tinha dito.
"Tem uma coisa que eu gostaria muito de saber," Keon disse, seu tom de voz bem mais alto e direto do que o que ela tinha acabado de usar. "Se não se importa."
"Claro," Lola se ajeitou na cadeira, se virando para olhá-lo.
"O que você acha disso tudo?" Ele perguntou. "Da Seleção, das câmeras, de nós sermos de outro país."
Ela o mirou por alguns segundos, ficando ainda mais séria do que antes. O pouco que as perguntas de Dane e Blake a tinham relaxado, Keon fez questão de endurecer de novo.
Ela soltou as mãos da xícara e as esfregou na sua frente. Não tinha outra opção a não ser falar abertamente, não depois do que tinha dito sobre querer alguém que fosse honesto.
"Talvez eu devesse ter avisado todos vocês antes de se inscreverem que uma vida na realeza não é tão fácil quanto parece," começou. "Muitas vezes, você é obrigado a lidar com coisas que talvez não lhe agradem. A grande maior parte do tempo, nem querem saber o que você acha de tudo. Não importa se você gosta de algo ou não. É o que tem que fazer. E a Seleção foi assim para mim.
"No começo," ela correu para acrescentar. "Não por toda a tradição, apesar de eu ter tido que me acostumar com a ideia também. Mas o fato de eu precisar procurar um marido, como fosse. Era o tipo de coisa que eu sabia que teria que fazer, mas preferia adiar para sempre.
"Não me levem a mal, estou bastante feliz de poder ter essa Seleção, de conhecer vocês, de ter uma chance!" Ela respirou fundo, levantando o queixo na minha direção, apesar de seus olhos estarem perdidos com seu pensamento. "Acho que, realeza ou não, a vida sempre terá completo controle do que acontece com você. Nunca pensei que teria que assumir por problemas de saúde de meu pai. Mas aconteceu." Ela olhou para todos nós, alguns concordando com a cabeça, nenhum se atrevendo a mexer ou fazer qualquer barulho. "E a Seleção também. Não é algo que eu possa voltar atrás e mudar e nem o faria se pudesse. Não é perfeita, poderia muito bem viver sem todas as câmeras e os comentários de pessoas de fora. Não me importaria se fosse menos espetáculo."
Keon não sorriu, mais a olhou como se aquilo fosse exatamente o que ele queria ouvir quando fez a pergunta.
"Mas raramente as coisas acontecem do jeito que queremos," Lola continuou, "mesmo quando nascemos na realeza. Só posso dizer que eu ainda acredito que a Seleção e todas as partes dela que não me agradam completamente não são por nada. Não vim aqui à toa. Não é um arrependimento, definitivamente não é um erro. Tanto eu quanto vocês somos humanos e nunca seria um caminho fácil e perfeito."
"Dylan que o diga," Danio fez questão de comentar, me dando vontade de lhe dar um soco no ombro só para se calar.
Lola não pareceu abalada. "Mas, imperfeito como tenha que ser, sei que o final vai fazer tudo valer a pena."
Independente de seu significado, suas palavras pareciam lhe deixar cada vez mais para baixo.
"Espero não ter estragado a tarde de vocês," ela parecia quase nos desafiar ao dizer isso.
Mas foi um jeito de nos fazer reagir.
"Não," a maioria de nós falamos.
"De jeito nenhum," Blake garantiu.
"Pelo contrário," Dane conseguiu que ela o olhasse nos olhos. "Eu te entendo completamente."
Como se fosse o único.
Nós fomos nos arriscando a voltar a fazer barulho, alguns pegando seus pães, outros tomando goles grandes do suco ou do café.
"Acho que todo mundo aqui já sabia antes que ser rei não significa fazer o que quer e sim o que precisa fazer pelo seu povo," Keon disse, não ajudando em nada a deixar o clima mais leve. "Não tem mais ninguém aqui que só quer a fama."
"Está dizendo que antes tinha?" Perguntei.
Ele deu de ombros.
"Newcastle," Danio explicou. "Ele está falando de-"
"Dylan," Lola o cortou. "Sim, eu sei."
Todos os outros da mesa tiveram que esconder o riso, apesar de Danio não parecer incomodado.
"Qual a pior decisão que você já teve que tomar?" Blake não esperou para perguntar, ainda animado para começar assuntos novos. "Pelo seu povo, digo."
"Não é melhor nós ficarmos em assuntos um pouco mais descontraídos?" Sugeri. "Tenho uma pergunta melhor. Se você tivesse um dia para fazer o que lhe desse na telha, estar aonde quisesse estar, com quem e como quisesse. Como seria esse seu dia?"
Fiquei esperando que ela sorrisse, mas Lola fechou a cara. "Acho que está na hora é de eu fazer as perguntas."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.