Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 124
Capítulo 124: POV Marc Hynes


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é para a Andréa Araújo que em pouco tempo virou uma das maiores fãs de tudo que eu toco. Haha. Dea, você nunca vai conseguir entender o quanto eu fico feliz de saber que você se importa assim com as minhas histórias. Mas também nunca vou conseguir explicar direito.
Isso sim é um presente que você merece. Alguns parágrafos só não são o suficiente. E saiba que eu me matei para escrever nas condições mais inóspitas, haha mas me recusava deixar esse dia passar em branco. Aniversários são importantes, principalmente o seu. Parabéns. Espero que goste (pelo menos da maior parte) do capítulo.

Ah, escrevi ouvindo "Forbes" do G-Eazy.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/124

Eu tinha um único lema na minha vida, fazer valer a pena. Se fosse pra fazer algo errado, que qualquer arrependimento que viesse depois nem se comparasse a quão incrível tinha sido. Se fosse para pular de um precipício, que a vista fosse de tirar o fôlego, que a queda fizesse com que eu me sentisse vivo. Se fosse para cair, que voasse. Se fosse para me perder, que me encontrasse. Se fosse para tropeçar, que valesse a lembrança, que a sentença variasse de acordo com a euforia do crime. Se fosse para arriscar, que fosse por algo que valesse tudo que eu já tinha tido na vida.
Ou alguém.
Lola não era uma garota comum. Qualquer um poderia ver isso, qualquer pessoa do mundo afirmaria isso. Era verdade. Ela tinha contratos, coroa, reino e milhões de plebeus atrás dela. Ela tinha problemas, responsabilidades e decisões em seus ombros. Ela não era uma garota comum. Eu estava certo.
Mas ela também não era uma princesa comum. O que a diferenciava ia bem mais além do que sua tiara. Já fazia alguns anos que eu trabalhava no castelo, no meio da realeza, dos príncipes, princesas, rei e rainha, e podia afirmar com certeza absoluta que nenhum deles se comparava a ela. Não importava o tamanho de Illéa, o do Reino Unido ou a influência de cada um. Não eram as jóias da coroa que a faziam única ou os guardas dispostos a darem sua vida por ela. Não era seu título, suas decisões, responsabilidades ou súditos. Não era pelo lugar aonde ela tinha nascido. Era pela pessoa que tinha se tornado.
A pessoa que ela era.
A pessoa que não só tinha mobilizado todos do evento de sábado a doar quase o dobro do que ela mesma tinha desembolsado, mas que tinha feito todos os criados do castelo se juntarem no domingo e perderem sono para assistir a um especial sobre sua Seleção. Aquela que era tudo que alguém poderia esperar de uma rainha, mas ainda passava seus dias batalhando para ser vista como uma.
Era estranho, pensei, enquanto abria a massa de pão na bancada. Às vezes, eu esquecia porque ela estava ali, pelo que estava lutando. Tinha a impressão-
Não. Tinha a certeza de que, aonde quer que ela estivesse, caso perdesse tudo ou finalmente ganhasse o trono, ela continuaria a mesma. Se era uma tiara ou a touca de um agasalho velho que estivesse no topo da sua cabeça, um manto real ou meu braço em volta de seus ombros, ela continuaria a mesma. Talvez nem ela soubesse disso, mas, mesmo que perdesse tudo e tivesse que encontrar seu caminho no meio de simples plebeus, tinha a certeza de que Lola ainda seria Lola. Ainda me olharia com toda a vontade de viver do mundo e a plenitude de ser o suficiente mesmo quando nada acontecesse. Fosse em um baile de máscaras, uma festa na piscina ou um esconderijo mal iluminado, em silêncio ou cantando a letra toda de cada música dos Rolling Stones, ela ainda me olharia do mesmo jeito. Toda a loucura do mundo, dominada ou dormente, controlada e suficiente, intercalando a vontade de ser mais e a certeza de que não precisaria de nada para estar completa.
Aonde quer que ela fosse, o que quer que estivesse à sua volta e em sua posse, ela ainda seria ela. Com os mesmos olhos azuis, o mesmo queixo empinado, a mesma mania de questionar tudo. O mesmo poder de inspirar as pessoas, de intigá-las a verem tudo de um jeito diferente. A mesma pessoa que me fazia ter que parar de vez em quando, olhar para cima e simplesmente respirar fundo.
Eu soube que ela tinha entrado na cozinha antes mesmo de vê-la. De onde estava, não adiantaria nem tentar ver a entrada principal. Mas podia ouvir todos os criados lá dentro ficando subitamente mais quietos e imaginá-los também ficando visualmente mais eficientes. Me concentrei no meu trabalho, espalhando o recheio do pão pela massa com bem mais cuidado do que fazia normalmente. Não demorou para perceber com o canto do olho que alguém tinha se aproximado da porta da ala da padaria.
Sabia que a qualquer momento ela falaria comigo e estava fingindo estar distraído quando ouvi meu nome.
"Marc."
Não era Lola.
Levantei o rosto para vê-la. "Carol."
Ela olhou rapidamente por cima do ombro, enquanto chegava mais perto da bancada. "Nós vamos fazer a festa de Alicia," disse. "Mas é segredo."
Soltei o recheio que segurava de volta na vasilha. "Segredo? Por quê?"
"Para ela ficar surpresa!" Ela exclamou. "Os pais dela sabem, mas vamos ter que organizar sem eles."
"Nós vamos?" Naquele exato momento, Lola despontou atrás dela. Ainda faltavam alguns metros, alguns passos, mas ela já me olhava.
E sorria, o que fazia ser impossível eu não sorrir de volta.
"Eu, você e alguns outros criados. Vai ser nessa quinta-feira," Carol continuou, enquanto eu abaixava meus olhos e voltava a rechear a massa de pão, imaginando Lola se aproximando. "Te passo mais tarde o cardápio."
Levantei o rosto. "Por que você não dá para o Ed-" Eu mesmo me cortei. "Ah, claro. Você disse que eles não vão participar."
"Não vão organizar," ela me corrigiu. Deve ter percebido que alguém chegava perto, pois olhou outra vez por cima do ombro na direção de Lola, e eu fiz o mesmo. "Só fale sobre a festa comigo, por favor."
Assenti. Mas meus olhos ainda estavam em Lola, agora de pé logo na porta, esperando o momento em que Carol sairia e que nós dois ficaríamos sozinhos.
Ou o mais sozinhos que poderíamos ficar naquela cozinha, escondidos em uma sala, onde a única coisa que poderia nos separar das pessoas mais fofoqueiras do castelo era uma porta de vidro.
Assim que Carol lhe fez uma reverência e saiu, Lola veio até a bancada.
Seus olhos foram dos meus até minhas mãos, passaram por todos os itens à nossa volta antes que ela engolisse a seco e falasse.
"Olá," disse, duas sílabas pronunciadas à perfeição.
O que só me mostrava que ela não sabia o que dizer.
Fiz questão de entortar qualquer sorisso que queria dar. "Olá," respondi, imitando a mesma intonação que ela, me apoiando de lado na bancada.
"O que você está fazendo?" Seus olhos percorreram de novo a massa e os utensilhos entre nós.
"Seu café da tarde."
Ela levantou o rosto na hora, assentindo de leve a cabeça, parecendo precisar de um tempo extra para reagir.
Eu continuava a observando, até que ela levou as duas mãos para trás do corpo, se inclinando para a frente.
"E que tipo de coisa vou comer nesse café?"
"Pão," respondi, sorrindo de lado por ela não conseguir disfarçar sua curiosidade. "Tinha outra coisa em mente?"
Só percebi que tinha estado apoiando minha mão fechada no pão, quando senti a bancada nos nós dos meus dedos. Arrumei a massa rapidamente, voltando a completar de recheio.
"Não," Lola respondeu, sua voz calma, baixa, cuidadosa. Parecia não saber o que fazer ou o que dizer no lugar do que realmente queria falar. Se não estivéssemos à vista de olhos curiosos, lhe provaria que não tinha porque ficar apreensiva perto de mim. "Não tem como ser melhor do que pão."
Ri para mim mesmo, deixando meus olhos acompanharem cada centímetro aonde o recheio caía. "Seu povo sabe que sua maior fraqueza vem da França?"
Com o canto do olho, vi quando ela deu de ombros. Mas, um segundo depois, ela virou seu rosto na minha direção com determinação. "Não. Minha maior fraqueza não é pão," me corrigiu. Eu só levantei o rosto o suficiente para vê-la continuar.
Mas ela ficou quieta, sem desviar o olhar, determinada a não facilitar.
Ela queria que eu descobrisse, percebi, me esticando. Ou lembrasse. Ela já tinha-
"Algodão-doce," falei, assim que minha memória funcionou. Ela abriu um sorriso, mas não de orgulho, de surpresa. "De Illéa, então," me corrigi.
"Não," independente do significado da palavra, ela a disse com um sorriso enorme. "Eles não sabem que a minha maior fraqueza é illéana."
Em um segundo, seu sorriso desapareceu. Ela engoliu a seco e eu pude ver sua respiração acelerando com o movimento que seus ombros faziam ao inspirar. Nem eu nem ela arriscamos desviar o olhar um do outro, ou ameaçamos falar outra coisa.
Não até duas pessoas passarem conversando pela porta e nos lembrarem que não estávamos sozinhos.
Eu pigarreei, enquanto ela fazia questão de ajeitar a saia do seu vestido. "Nós temos algodão-doce," eu disse. "Se quiser que eu leve na mesa durante o café."
"É você que vai nos servir?" Ela passava o dedo na bancada como se desenhasse.
"Se eu quiser," respondi, começando a fechar o pão.
Nem precisava olhar o que estava fazendo, sabia de cor. Mas queria fazer aquele direito. Queria que fosse o melhor que já tinha feito.
Assim que terminei o primeiro, coloquei na fôrma e voltei para fechar o segundo.
Mas ele não estava mais na minha frente. Lola o tinha puxado para si e o fechava em forma de trança, imitando o que eu tinha feito segundos atrás.
Ela nem parecia pensar muito no que fazia. "Sem querer reclamar," começou, dando de ombros, seus olhos no pão, "mas esse daqui tá precisando de mais queijo."
"O pão está ótimo," respondi, sem hesitar. "Não tá precisando de nada," peguei o terceiro.
Ela deu de ombros, tentando esconder como achava legal discordar de mim. "É só uma opinião."
"É a receita da minha mãe," só percebi o que tinha falado quando notei Lola levantando o rosto para me olhar, agora séria. "Está perfeita como está," completei, engolindo a seco.
Ela tentou disfarçar, voltando a fechar o pão. Mas eu sabia o que me perguntaria. E até queria que perguntasse.
Pensei em falar que estava tudo bem, quando ela demorou para abrir a boca outra vez. Mas esperei. E ela acabou dando de ombros, como quem não queria nada, desviando seus olhos e arriscando continuar naquele assunto.
"Sua mãe gosta de cozinhar?"
Eu terminei o terceiro pão, enquanto ela ainda estava na metade do segundo. "Gostava," respondi, fazendo com que levantasse o rosto e me olhasse na hora outra vez.
Eu bufei uma risada. Ela não precisava ficar tão surpresa assim por eu não ter ignorado uma só pergunta.
"Muito," completei, para lhe certificar de que não tinha imaginado minha resposta.
"Gostava?" Ela tinha parado as mãos no ar e não arriscava desviar o olhar da minha direção.
Me estiquei na bancada para alcançar o pão dela. Peguei a massa do lado contrário de onde ela vinha e comecei a fechar.
"Gostava," repeti. "Minha mãe, como a sua," parei no meio. Já não falava aquela palavra há anos. Não me doía, não me incomodava. Era só estranho. Como se a tivesse desaprendido. "Morreu." Completei, apesar de Lola já parecer ter entendido.
Esperei que ela dissesse que sentia muito, mas o máximo que fez foi continuar trançando a massa na direção da minha. E seu rápido silêncio foi estranhamente reconfortante.
"E seu pai?" Perguntou, quando nossas mãos se encontraram no meio do pão.
Primeiro, nós batalhamos pelo espaço, pela trança, para deixar a nossa parte da massa mais bonita. Mas depois começamos a forçar, amassar a do outro, quase em uma luta onde o único objetivo era estragar a parte do adversário. Antes que eu respondesse, ela desistiu da massa e acabou entrelaçando os dedos nos meus.
E ela se esqueceu do que estávamos fazendo. Esqueceu que nem tínhamos fechado a porta de vidro. Alguém poderia entrar a qualquer momento. Alguém poderia nos ver de fora. Ela se esqueceu de que não devia estar ali, não deveria segurar minhas mãos entre massa de pão, que não devia passar seus dedos de leve pela minha pele e me olhar como se o resto do mundo não existisse.
E eu não fiz a menor questão de lembrá-la.
"A gente tem algodão-doce," falei, antes mesmo de pensar.
Ela franziu as sobrancelhas.
"Se você quiser, podemos ir pegar," continuei. "Está na dispensa, na última fileira, escondida e escura, onde quase ninguém vai."
No momento em que as rugas de sua testa se desfizeram, soube que ela tinha entendido.

Sempre tinha reclamado de terem escolhido o canto mais fundo e esquecido para guardar as coisas de confeitaria e padaria. Reclamava de ter que trocar as lâmpadas eu mesmo, já que ninguém lembrava, de ter que andar pela dispensa inteira para chegar aonde queria e estar a tantos metros da porta. Já tinha até reclamado que os outros criados nem sabiam o caminho até ali.
Tudo coisa que agora eu celebrava.
Com a lâmpada queimada, ninguém a mais de dois metros de distância conseguiria ver as mãos de Lola fechadas em punhos, agarradas à minha camiseta, nem quando ela as soltava, só para segurar minha nuca, arranhá-la e me fazer abraçá-la mais forte. Não conseguiriam ver meus dedos enterrados em seu cabelo, meus lábios descendo pelo seu pescoço nos poucos segundos em que eu aguentava me afastar dos dela. Não conseguiriam nem ouvir nossa respiração quebrando o silêncio contra a pele um do outro de vez em quando. Ali, no escuro do canto esquecido da dispensa, ninguém nos encontraria. Ninguém nos descobriria.
Nós estávamos no pequeno espaço que tinha entre a última estante e a parede. Ela tinha entrado depois de mim, andado devagar, quase ficando para trás, o que tinha me obrigado a ficar me virando para olhá-la a cada passo. Não tínhamos ainda nem tentado nos esconder quando eu parei no corredor e a puxei para mim. Para quem parecia distraída e apreensiva antes, Lola logo enrolou seus braços em volta do meu pescoço. A tropeços, acabei conseguindo levá-la para o canto aonde nunca nos encontraríamos.
Agora podia sentir suas unhas subindo pelas minhas costas. Já antecipava o momento em que ela passaria o dedo de leve pelo meu rosto, arranhando minha barba, traçando um caminho até minha nuca. Ela devia saber o quanto eu gostava daquilo, como aquilo me fazia arrepiar até as pontas dos dedos, pois eu a segurava mais forte todas as vezes. Levava minhas mãos ao seu rosto, a afastando de mim só alguns centímetros. Só o suficiente para ver seus olhos, para que ela visse os meus no instante em que chegasse à minha nuca, no exato momento em que eu tinha que recuperar o fôlego.
Porra! Eu a segurava mais firme, mais forte, a puxando de volta para mim. Seu rosto nas minhas mãos, seus lábios levemente tocando meu dedo, seus olhos perfurando os meus, enquanto sua respiração competia com a minha, me obrigando a inspirar mais fundo, mais rápido. Ela estava logo ali! Não tinha um centímetro seu que eu não alcançasse, um suspiro que eu não imitasse, um fio de cabelo que eu não pudesse agarrar! Ela estava na minha frente, nas minhas mãos! Por que que não era o suficiente? Como eu podia querer mais dela? Como podia ainda querer tanto ela?
Quando eu a beijava, quando a pressionava contra a parede, sentia falta de olhar para ela. Por que precisava olhar para ela? Mas era só me afastar um pouco, que eu já queria sentir seus lábios nos meus. Queria sentir sua pele, seus braços à minha volta, suas mãos e sua necessidade de me agarrar de volta. Mas ainda precisava me afastar, porque era ela. Era ela que estava na minha frente! E eu queria ter certeza de que era verdade, que era a aquela garota irresistivelmente petulante que me beijava de volta. Eram os dedos dela que se enterravam no meu cabelo, as unhas dela que me arrepiavam. Era Lola que estava nos meus braços!
Eu não estava nem um pouco pronto para soltá-la. Pelo contrário, não sabia quanto tempo fazia que estávamos ali, mas agora eu a queria até mais do que quando tínhamos chegado.
Mas ela se afastou de mim. Segurou no meu rosto com as duas mãos e apoiou a testa na minha. Nós estávamos tão ofegantes, que eu arrisquei um olhar na única direção de onde poderia vir alguém. Mas, como imaginava, ainda estávamos sozinhos, ainda estávamos no escuro.
"Marc," meu nome pareceu ter sido o suficiente para ela perder o resto de fôlego que tinha recuperado. Eu só fechei os olhos e respirei fundo, deixando que me intoxicasse com seu cheiro. "Posso te perguntar uma coisa?"
Abri de volta os olhos, segurando em seu rosto. Ela acompanhou o movimento da minha mão, como se meu toque fosse o suficiente para afetá-la a ponto de quase a deixar tonta.
"Pode," respondi, sem nem tentar falar mais alto do que um sussurro.
Ela se afastou mais um pouco, respirando fundo antes de continuar. "Se você fosse despedido daqui hoje, o que faria?"
Eu segurei seu rosto mais forte. "Eu iria embora," falei, depois me abaixei até que conseguisse mirar seus olhos na direção dos meus. "E levaria você comigo."
Talvez não fosse verdade. Talvez, se eu pensasse melhor, não fosse nem embora. Mas naquele exato momento, quando eu ainda a tinha nas minhas mãos, não conseguia imaginar a possibilidade de soltá-la. Não queria nem tentar.
Quando vi o sorriso que apareceu em seu rosto, a puxei de volta para mim, deixando meus lábios encontrarem os dela. Já voltava a abraçar, quando ela se afastou de novo.
Mas dessa vez ela não falou nada. Só se segurou em cada um dos meus braços e desviou os olhos para o chão.
"O que aconteceu?" Perguntei, me abaixando de novo para me colocar na mesma altura que ela.
Lola balançou a cabeça, como se conseguisse negar agora que tinha mesmo algo errado. Ela estava se mantendo afastada de mim, mas não abria a boca. E nem era pelo medo de sermos descobertos, pois não fez a menor questão de olhar na direção do corredor e as luzes mais próximas de onde estávamos já piscavam, ameaçando queimar também.
"Lola," sem querer, tinha levantado minha voz.
Ela ainda não tinha falado nada, mas, como uma onda, me bateu a sensação de que o que quer que estivesse errado era bem pior do que eu imaginava.
"Lola!" Levantei a voz outra vez. Meu coração já pesava dentro de mim e agora subia à minha garganta. Em um segundo, já me sentia como se tivesse recebido a pior notícia de todos os tempos, vivenciado a pior tragédia, chegado ao fim da linha.
E ela ainda demorou um segundo infinito para levantar os olhos e falar de novo.
"Eu preciso te contar uma coisa," disse.
"Eu sei!" Não queria parecer que estava irritado, mas ela estava me deixando preocupado. "O que aconteceu?"
Ela mirou os olhos nos meus, respirando fundo. "Maxon me chamou na sua sala hoje para me mostrar isso."
Senti entre nós quando sua mão entrou dentro de algum bolso. Até me afastei para facilitar.
Mas só a soltei quando ela segurou a foto entre nós. Ainda demorei um milésimo de segundo para me lembrar aonde ela tinha falado que a tinha encontrado. Era ela na escada da casa que invadimos. Podia jurar que a tinha comigo. Mas ela-
"Maxon encontrou?" Peguei-a dela, cambaleando alguns passos para trás.
"Josef," ela corrigiu. "O dono da casa."
Levantei os olhos na hora para ela, que parecia estar enjoada com o assunto.
O que era exatamente como eu me sentia.
"Merda."
MERDA! Eu que tinha esquecido a foto! Eu que tinha decidido usar aquela câmera, eu que devia ter me certificado de que não estava deixando nenhuma prova para trás! Eu que-
"Espera," andei de volta na sua direção. "É por isso que você me perguntou o que eu faria se fosse mandado embora? Vão me demitir?"
Ela balançou a cabeça ferrozmente, sorrindo pela primeira vez desde que aquele assunto tinha aparecido.
"Não, eu não falei que você estava comigo!"
"Como assim?"
"Eu juro que não falei nada!" Ela usava suas palavras como alívio, como ar para voltar a respirar fundo e conseguir sorrir, mas eu dei outros passos para trás. "Não falei seu nome, não precisa se preocupar! Ele não sabe que você estava lá, nenhum de vocês."
"Só que você estava," não era uma pergunta. "O quê? Agora você vai levar a culpa por tudo?"
"Não a culpa, só-" Ela se cortou assim que percebeu que eu não estava tão feliz com o resultado de tudo quanto ela. "Só os gastos," completou, mas não sem antes endireitar os ombros e levantar o queixo. "Nada vai mudar, eu só vou pagar pelo conserto de tudo."
Eu bufei uma risada, apesar de não sentir a menor vontade de rir. Pelo contrário, a única coisa que queria fazer era amassar aquela foto. E foi o que fiz, a jogando para longe.
Me virei de costas para ela, apoiando na estante, fechando minha mão como conseguia em volta dela.
Por que eu não chequei se tinha todas as fotos? Porque Max ou Aidan não viram se estava ficando alguma coisa para trás que pudesse nos denunciar?
"O que você queria que eu fizesse?" Lola perguntou. "Não era como se eu conseguisse simplesmente negar-"
"Não," me virei de volta para ela. "A culpa de você ter sido pega não é sua, é minha! Eu que te levei. Eu que devia saber que não era uma boa ideia. Porra, não devia nem ter-" Balancei a cabeça para mim mesmo, incapaz de continuar.
"Nem devia ter feito o quê, Marc?"
"A culpa é minha, eu que decidi te levar! Eu que esqueci a foto!"
Sem fazer a mínima questão de se segurar, ela levou uma mão ao meu peito e me empurrou. Não parecia estar medindo forças, mas só me deslocou um passo para trás.
"Eu tenho vontade própria, sabia?" Perguntou, apertando os olhos, começando a se igualar a mim em nível de raiva.
Eu revirei os meus. "Você nem sabia aonde nós estávamos indo! E, caramba, Lola! Se quer tanto assim assumir responsabilidade, vá em frente. Mas não me salve!"
Nem tinha percebido que vinha aumentando a voz até chegar na última palavra e quase a gritar a ponto de sentir minha garganta arranhar. Agora, sim, nos ouviriam.
Lola ficou imóvel, me observando, esperando para ver se ela estava mesmo vendo aquilo, escutando aquilo.
"Te salvar?!" Foi o máximo que conseguiu falar.
"É," levei as duas mãos para ao cabelo, esfregando a cabeça de cima abaixo. "Eu não preciso que você me salve! Não preciso que venha limpar minha bagunça!" Praticamente bati no peito quando falei. "Eu sei o que estou arriscando quando pulo um muro! Sei como terei que pagar se alguém descobrir. E quero pagar! Quero assumir que a escolha foi minha! Não preciso que a rainha do um por cento cubra tudo com dinheiro! Porra, o que te faz pensar que é para você me salvar?!"
Eu estava a centímetros de distância dela de novo. Mas, dessa vez, nós não nos tocávamos. Pelo contrário, fazíamos questão de manter a distância quase palpável entre nós.
Mesmo que não admitisse, queria que ela concordasse comigo. Queria que entendesse, sei lá, se desculpasse. Queria que falasse que eu estava certo. Independente do que eu fosse decidir fazer, queria que ela concordasse comigo. Agora, sim, eu estava irritado! Mas isso não significava que eu queria que ela fosse embora dali.
A expressão no seu rosto foi de confusa a inconformada, minhas palavras parecendo ter lhe acertado como um tapa. Balançou a cabeça para si mesma, mantendo os olhos em mim. Parecia querer me empurrar de volta, agora mais forte, longe de concordar comigo. Ainda levantou o queixo outra vez antes de me responder.
"Eu não te salvei!" Diferente de mim, ela não gritou. Não havia dúvidas que me devolvia o ataque, mas de um jeito bem mais controlado que eu. "O que você acha que aconteceria comigo se eles soubessem quem estava lá comigo? Exatamente a mesma coisa. Exatamente a mesma consequência. Ninguém vai ver o nome ou o rosto de vocês quando eu estou logo do lado. Ninguém vai se importar. Eu não estava tentando salvar ninguém. Não," ela parou, pressionou os lábios um contra o outro antes de continuar, como um jeito de se controlar. "A rainha do um por cento não estava tentando te salvar," O nojo dela a suas próprias palavras fez ser impossível eu não me arrepender de ter falado sem pensar. Mas não admitiria agora. "Eu não quis te salvar, quis salvar a mim mesma. A única coisa que eu espero é que você não se coloque na linha de fogo. Afinal, se quisesse mesmo as consequências, não teria passado o final de semana inteiro em silêncio."
Agora, sim, ela me empurrou, mas só para sair do seu caminho.
"Você realmente não espera que eu vá ficar quieto, não é?"
Não, eu não tinha terminado de falar sobre aquilo. Não estava disposto a deixar que saísse dali carregando a culpa inteira quando ela tinha sido a que menos tinha contribuído.
Ela já se afastava, mas girou no calcanhar para voltar a me mirar. "Salve a si mesmo, Marc. Fique quieto e salve a si mesmo. Faça como eu," ela parou para engolir a seco e se certificar de que seu queixo estava mirado na minha direção, compensando pelos vários centímetros com os quais eu ganhava dela em altura, "deixe aquela noite para trás, finja que não aconteceu. Se você não precisa que eu te salve, a rainha do um por cento definitivamente não precisa de nenhuma ajuda ou falso ato de coragem seu."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.