Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 123
Capítulo 123: POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "True Love" do Angels and Airwaves.



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No momento em que percebi que teria que ir para Illéa e aceitar que minha última opção para conseguir o trono era levar adiante essa tradição deles, só tinha uma única certeza comigo: Clarissa iria junto.
Ela tinha a vida dela, que eu intensamente apoiava, talvez até mais que ela mesma. Ela tinha um futuro inteiro pela frente, uma carreira incrível que a esperava. Mas eu não tinha dúvidas. Se eu ia para um país praticamente estranho, me arriscar e me expor daquele jeito, ela iria comigo. Gostava de acreditar que conseguiria ir sozinha, conseguiria superar qualquer coisa sem mais ninguém. Mas, mesmo assim, a queria comigo. Boa parte da minha coragem vinha dela. E, ainda que eu tivesse que encarar as piores partes sozinha, pelo menos sabia que a teria ao meu lado, só esperando o momento em que nos esconderíamos em meu quarto para contar e comentar tudo que tivesse acontecido. Aonde quer que eu fosse, aonde quer que estivesse, se Clarissa estivesse comigo, eu nunca estaria sozinha.
Mas agora, contrário ao que eu acreditava, estava sozinha.
E ela estava logo atrás de mim. Podia sentir suas mãos mexendo no meu cabelo, podia ver seu rosto fechado pelo espelho. Já fazia muito tempo que ela não trabalhava para mim. Não assim, tão quieta, tão formal. Ela estava de uniforme. Preto, de Illéa, nada como o azul inglês. Mas ainda estava de uniforme. Não tinha trocado uma única palavra comigo sem dizer "Vossa Alteza" logo depois. Não tinha nem olhado nos meus olhos.
Para falar a verdade, achava que ela acordaria nessa manhã mais calma. Podia jurar que mudaria de ideia. Ou talvez aquele só fosse meu próprio desejo. Que ela esquecesse de tudo, ou se importasse menos com o que eu tinha feito. Perfeito seria se ela finalmente entendesse o porquê de eu ter tomado aquela decisão.
Mas não. Ela se mantinha teimosa, como era de costume. E, só para me fazer sentir pior, tinha feito questão de assumir o papel de minha criada, quase dispensando todas as illéanas que tinham cuidado de mim desde o dia em que cheguei. Aquilo era mais que desnecessário, era passivo-agressivo o suficiente para eu passar o tempo inteiro revirando os olhos para mim mesma no espelho.
Tinha muita coisa que eu queria falar para ela. Pra começar com, existem outros caras no mundo. Se Kyle era besta demais para entender que ela era a melhor coisa que já tinha acontecido com ele, então ela que procurasse outro cara que a tratasse como ela merecia.
Também queria dizer que não tinha feito por mal. Era assim que ela estava me vendo, tinha certeza. Mas aquilo tudo era uma grande besteira! Sim, eu devia ter pensado melhor. Mas ela não podia realmente acreditar que eu não me importava com ela! Todo mundo que já tivesse cruzado meu caminho sabia o quanto ela era importante para mim. Só ela que ainda tinha alguma dúvida. E eu lhe daria tempo para perceber isso. E para perceber que eu só tinha tentado ajudá-la.
Qualquer outra ocasião, talvez até agora eu já tivesse corrido para ela para me desculpar. Não era a coisa que eu mais gostava de fazer no mundo, mas ficar brigada com Clarissa antes me parecia inconcebível.
Só que agora era diferente. Ela tinha feito questão de jogar na minha cara que achava que éramos de dois mundos diferentes. Tinha criado uma divisão entre nós que só existia em sua cabeça. E eu sabia que acabaria por desaparecer em algum momento. Ela precisava daquilo, precisava entender sozinha que tinha exagerado. Eu, pessoalmente, não estava brigada com ela. Só estava esperando o momento em que ela deixasse de estar brigada comigo.
Por mais raiva que ela provavelmente tivesse de mim, Clarissa arrumou meu cabelo com mãos delicadas. E o penteado ficou ainda mais meticuloso do que eu esperava.
Me admirei no espelho, levando as mãos para tocar cada uma das tranças que circulavam minha cabeça como uma coroa. "Muito obriga-" Comecei a dizer, mas ela logo me interrompeu.
"É meu trabalho, Alteza," ela deu um passo para trás, levando as duas mãos à frente do corpo, seus olhos perfurando o chão com vontade.
Eu revirei os meus uma última vez para o espelho, antes de girar no banco da penteadeira para me virar na sua direção.
Assim que eu estava de frente para ela, Clare foi em direção ao casaco que me esperava em cima da minha cama. A criada illéana que estava também no meu quarto correu para pegar meus sapatos. Eu os vesti enquanto Clarissa me ajudava com o casaco. Ela limpou meus ombros de toda a poeira que podia ter de pé na minha frente, mas nunca deixou que seus olhos encontrassem os meus.
Era bem pior vê-la de perto. Ela não estava só de uniforme. Seu rosto estava também bastante abatido. Não usava maquiagem, nem seu blush rosa característico. Seus olhos pareciam cansados e eu só pude imaginá-la passando a noite inteira deitada em uma pequena cama de criada, chorando até adormecer.
Quis abraçá-la. Quando ela apertou os olhos, em uma tentativa de se manter séria, e eu percebi que engolia a seco, quis muito abraçá-la. Tive que fechar minhas mãos em punhos, quando ela se afastou antes que eu tivesse a chance de colocar meus braços em volta dela.
Eu a segui com os olhos, enquanto ia até minha cama, arrumando o que não precisava arrumar, se fazendo ocupada para não ter que me encarar.
Eu queria que ela escolhesse sozinha me perdoar, me entender, superar tudo que tinha falado no dia anterior. Mas vê-la se fazendo tão pequena, imaginar tudo que podia estar passando pela sua cabeça me deu um aperto no coração.
Talvez eu conseguisse pelo menos acalmar tudo? Talvez só o suficiente para ela não ter que enrugar a testa do tanto que fazia e conseguir me olhar nos olhos?
Respirei fundo, me virando para onde ela alisava a colcha da cama.
"Clarissa-"
A simples ameaça de uma conversa começando entre nós a alertou de me interromper.
"Se Vossa Alteza não precisa mais de mim, gostaria de me retirar," ela disse, se endireitando só o suficiente para ver com o canto dos olhos quando eu assenti.
Ela passou por mim com certa pressa, e eu a ouvi abrindo a porta.
Por que ela precisava ser tão teimosa? Por que não podia trocar duas palavras comigo sem reforçar o fato de eu ser da realeza?
"Alteza."
Eu não esperava sua voz e, apesar do título, ela me deu certa esperança.
Mas, quando me virei para ela, um guarda vestido em vermelho estava ao seu lado.
"Windsor está aqui para acompanhá-la para o escritório do Rei Maxon," ela parecia falar cada palavra como um contrato que precisava seguir. Nem esperou que eu reagisse para se virar outra vez e sair pelo corredor, levando minha esperança de uma interação menos formal com ela.
Windsor esperou na porta até que eu saísse. Mas eu só o fiz depois que já não conseguia mais enxergar Clare no corredor.
Eu sempre tinha tido orgulho de dizer que Clare e eu nunca tínhamos brigado. Todas nossas discussões eram resolvidas na mesma hora. Todos os lados entendidos, argumentos ditos e aceitos. Nós nunca tínhamos passado um só segundo com raiva da outra. Mesmo se não nos víssemos durante dias, nem nos falássemos, sabíamos que estávamos ali uma pela outra. Para mim, era a definição exata de melhor amiga.
Aquilo era idiota demais. Não a briga, não o que ela sentia, nem o fato de eu saber que não tinha errado como ela achava. Mas nós duas não conversarmos. Ela voltar a ser minha criada, como se tudo pelo que nós já tivéssemos passado não significasse mais nada. Não era possível que ela não visse o quanto aquilo era absurdo! O que eu não estava vendo? O que ela podia achar tão imperdoável assim?
Eu precisava falar com Marc. Eu iria falar com ele assim que saísse do escritório de Maxon. Precisava pedir a opinião dele. De alguém, aliás. Mas, principalmente, dele. Era ótimo! Eu teria a chance de vê-lo outra vez, uma razão perfeitamente compreensível para eu ir atrás dele, e não teria que falar sobre nós.
Não que existisse um nós. Eu nem sabia se queria que existisse. E nem se esse nós era possível.
Argh. Eu precisava de Clare agora! Precisava contar para ela! E pensar que tudo que tinha acontecido naquele final de semana ainda só existia dentro de mim! E pensar que eu não tinha tido a chance de contar uma mínima vírgula para ela! Já podia imaginar a sua reação, o quanto ficaria feliz. E eu queria tanto lhe contar! Queria ficar eufórica com ela, ouvi-la se animando toda por algo que eu nem sabia se ia sair do lugar.
Só fazia um dia e eu já estava com muita saudade dela!
Imaginar sua reação a tudo que tinha acontecido naquele final de semana me fez abrir a porta de Maxon com um sorriso no rosto. Sorriso tão grande, que eu tive que me recompor antes de entrar.
Foi até fácil, quando eu lembrei que não viria sua reação tão cedo. Além do mais, o escritório estava vazio e levemente escuro quando entrei, estranhamente me obrigando a entrar no mesmo clima e deixar do lado de fora qualquer sonho de brincadeira que tivesse.
Nem o próprio rei estava lá. Mas uma única olhada por cima do ombro na direção dos guardas que ficavam na sua porta me informou que eu devia continuar.
Não fiz questão de andar rápido, praticamente arrastei cada pé até estar na frente da poltrona e me sentar. Aquela não tinha sido das melhores ideias. Sabia bem o que Maxon queria, já que eu mesma tinha aceitado no sábado à noite. Na verdade, quem tinha oferecido tinha sido a rainha, mas Maxon tinha feito questão de incentivar sua presença. E, se não fosse por Marc do meu lado, eu teria recusado incansavelmente àquelas sessões de conselhos para a Seleção.
Mas eu tinha aceitado. Aberto um sorriso e aceitado, enquanto rezava para Marc ter estado distraído o suficiente para não ouvir nem a oferta, nem a resposta.
De qualquer jeito, não seria tão ruim. Segundo a rainha, podíamos nos encontrar umas duas vezes por semana e eu lhe diria como tudo estava indo e, de quebra, ganharia alguns comentários e algumas opiniões dos dois. Maxon tinha feito questão de me garantir que ele seria de grande ajuda e até chegou a oferecer uma cadeira extra àquela reunião, aonde Charles se sentaria.
Claro. Porque o único jeito de deixar tudo aquilo mais humilhante seria trazer o Charles para se juntar a nós enquanto discutiríamos minha vida amorosa. Como se o resto do mundo já não estivesse fazendo o mesmo.
Olhei no relógio na parede. Daqui algumas horas eu tomaria um café com alguns selecionados. O café da tarde. Marlee tinha ficado tão animada quando eu a avisei no almoço, que ela se certificou de chamar as câmeras para registrar o grande momento. Não seria nada demais, só alguns de nós sentados no jardim, mas já era o suficiente para ela querer gravar.
Talvez essa fosse a pior parte. Pessoas de fora se animando com a expectativa de quem eu escolheria. Enquanto eu estava preferindo fingir que a Seleção não estava acontecendo, estava em hiatos temporário, talvez definitivo.
Eu sabia que teria que tomar uma decisão em algum momento. Mas não antes que eu tivesse a chance de conversar com Marc. Nada específico, nada pesado, só-
Só queria ver como ele me trataria.
Aproveitei que estava sozinha para me encolher na cadeira, em uma tentativa de não deixar o frio que aparecia na minha barriga se espalhar.
Mas era inútil. Como era inútil tentar não lembrar do nosso encontro no corredor. Tinha feito questão de ficar no meu quarto no dia anterior quando não estivesse nos encontros, mas era só para não esbarrar sem querer em uma câmera. Ou em Clare, que era a última pessoa que eu queria ver.
Mas todas as vezes em que eu andei pelo castelo, cada corredor pelo qual passei me deixou nervosa. E, por azar, o nosso tinha sido logo o mais frequentado, tanto por todos os outros, quanto por mim mesma. O máximo que eu podia fazer era tentar ao máximo não mostrar pela minha expressão, pelos meus sorrisos escondidos, que eu guardava um segredo. Ou, pior, um desejo.
Um barulho do lado de fora do escritório me fez colocar os pés de volta no chão e me endireitar na cadeira.
Mas ninguém entrou.
Eu precisava pensar no que diria para a rainha. Quis até pegar um pedaço de papel de Maxon e roubar uma caneta para fazer algumas anotações. Não tinha nada que eu conseguisse pensar naquele momento. Só tinha inventado o café da tarde depois que Marlee me disse que Maxon queria essa reunião aqui, só para ter algo para dizer. Mas e se não fosse o suficiente? E se eles quisessem saber como os selecionados estavam? O que tinha acontecido com Alex? Como eu estava em relação a Dylan?
Argh. Fazia muito tempo que eu não pensava em tudo isso. Até parecia ter acontecido há anos atrás, quando não fazia nem uma semana.
Mas tanta coisa tinha mudado. Tanta coisa já não importava mais. Tanta agora significava tudo.
Ou poderia significar. Eu ainda não sabia.
Lola, foco. O que eu poderia dizer? Talvez enrolar um pouco sobre Will. Nós tínhamos tido um encontro legal ontem. Quer dizer, foi o que pareceu no programa de notícias especial sobre a minha Seleção da noite anterior, que eu tive que assistir com uma almofada cobrindo metade da minha cara e fingindo que não estava acontecendo comigo.
Será que só eu percebia o quanto tudo aquilo era humilhante? Pessoas do mundo inteiro apostando na minha vida amorosa, torcendo por um desconhecido, discutindo o que eu queria e não queria em um homem, como se eu não fosse um ser pensante que merecesse qualquer tipo de privacidade.
O que tinha me levado a tudo aquilo mesmo?
"Princesa Lola," a voz de Maxon me fez dar um salto, que me colocou de pé de uma vez.
"Majestade," falei, me virando para ele, que logo deu a volta na mesa e se sentou em seu lugar.
Eu esperava um aperto de mão ou um sorriso, mas tudo bem.
O escritório ainda estava bastante escuro, as cortinas abandonadas em sua posição noturna. Mas ele não pareceu se preocupar. Simplesmente apoiou os cotovelos na mesa e juntou as mãos à sua frente, me mirando.
Eu ainda olhei rapidamente por cima do ombro antes de me sentar. Parecia que a rainha não ia se juntar a nós, afinal. O que só deixava tudo aquilo ainda mais desconfortável.
"Antes de mais nada," Maxon começou, voltando meus olhos para os dele, que ainda me focavam intensamente, "quero que saiba que essa não é uma posição na qual eu gosto de estar." Eu sorri, concordando na minha cabeça. Mas não consegui evitar perceber que ele apertava uma mão na mão, como se precisasse descontar uma certa raiva nelas. Ou talvez fosse a mesma vergonha que eu também tinha daquela situação. "Vossa Alteza é muito mais do que uma simples aliada, é uma velha amiga de família e nós consideramos muito a nossa relação." Espera. Aquilo não estava certo. Por que ele precisava me falar aquilo? "Mais do que isso, sempre tive um enorme respeito pela senhorita. Quero que saiba que o que eu tenho que fazer não é nem um pouco mais fácil para mim do que é para você."
"Talvez ajudasse me dizer do que Vossa Majestade está falando," não gostava de tratá-lo tão formal, não quando eu alugava seu castelo para escolher um marido. Mas ele tinha me chamado de Alteza e parecia prestes a declarar que nossos países teriam que entrar em guerra. A formalidade parecia um belo escudo para o que quer que viesse na minha direção.
Maxon respirou fundo, nem um pouco desconcertado pela minha intromissão no que ele provavelmente tinha passado um bom tempo planejando dizer.
Quando ele abriu a boca, eu quase segurei minha respiração. Mas então ele voltou a fechá-la, desistindo do que queria tanto dizer, e se reclinou na cadeira.
Uma de suas mãos se soltou da outra e eu a assisti indo até o bolso do paletó. Antes que ele a tirasse de lá, eu já sabia o que viria. Senti meu coração despencar dentro de mim com a certeza do que estava prestes a ver. E, apesar de sentir o chão fugir de meus pés quando vi a foto Polaroid, me levantei e dei as costas para ele.
Não, não, não. Aquilo não podia estar acontecendo! De todas as razões para ele ter me chamado ali, de todas as guerras que ele poderia ter declarado, aquela era a pior. De todas as coisas ruins que eu já tinha feito, de todas as pessoas que poderiam tê-las descoberto, eu estava logo na frente dele. Em algum momento, teria que me virar de volta na sua direção, teria que encarar os olhos do regente do maior país do mundo me olhando com reprovação e, por trás deles, toda a destruição da casa de Josef. Toda a destruição que eu tinha causado.
E Marc!
Me virei de volta para Maxon na hora, andando até a minha cadeira e apoiando minhas mãos atrás dela.
"Aonde você encontrou isso?" Perguntei, meus olhos só se arriscando por um segundo na direção da foto tirada de mim no topo das escadas.
Por sorte, Marc não estava nela. Mas Maxon podia ter encontrado outras fotos. Ele podia tê-lo mandado embora já. Talvez fosse por isso que eu não o tivesse visto durante o café da manhã! Ou no almoço! Talvez ele já estivesse longe. Juntado uma mochila e desaparecido. E eu nunca mais o veria por causa da droga da Polaroid!
"Eu acho que você sabe aonde eu encontrei isso," Maxon se apoiou de volta nos cotovelos. "Ou melhor, Josef Ward encontrou, ao voltar com a sua família de uma viagem que deveria ter sido rápida e indolor."
Fechei minhas mãos no encosto de couro, senti-o ameaçar quebrar todas minhas unhas de uma vez.
O que mais eles encontraram?, quis perguntar. Aonde estavam as fotos de Marc? O que mais eles sabiam?
Mas minha boca não abriu e eu continuei só descontando na poltrona minha vontade de sair correndo dali, minha raiva de mim mesma, meu desespero por descobrir o que tudo aquilo significava, o que tinha estado acontecendo pelo castelo sem que eu soubesse, aonde estava Marc.
Aonde estava Marc?
"E então?" Maxon perguntou, abrindo as mãos só por tempo o suficiente para enterrar a vergonha dentro de mim como um punhal. "Você não tem nada para dizer?"
Senti minhas bochechas arrepiarem e um calor intenso descer até as pontas dos meus pés, como uma tinta preta e pesada que me encobria.
O que eu poderia dizer? O que eu poderia fazer para conseguir sair dali o mais rápido possível e não ser parada pelos seus guardas? Aonde estavam os meus?
"Lola!" A voz de Maxon me chamou, alta e autoritária, como se ele fosse meu superior. Ou meu pai. "Eu exijo uma explicação."
"Eu não tenho uma!" As palavras saíram por vontade própria, me deixando respirar pela primeira vez. "Eu não tenho como te explicar! Não tenho o que-"
Tentei continuar, mas só aquilo já tinha me deixado cansada demais.
Maxon franziu as sobrancelhas, não de confusão, mas de decepção. Ele levou um segundo para respirar fundo e perguntar. "Quem estava com você?"
Levantei o rosto para ele, olhando-o nos olhos pela primeira vez desde que ele tinha tirado a foto do bolso.
Ele não sabia.
"Não fez tudo sozinha e preciso saber quem estava com você," Maxon continuou.
Minhas mãos soltaram um pouco da poltrona, tirando o equilíbrio que eu tinha antes. Com pernas bambas, dei a volta nela e me deixei sentar.
"Eu quero nomes," ele continuou.
E, para a minha própria surpresa, minha resposta saiu mais firme do que eu me sentia. "Não."
Por um segundo, Maxon pareceu ter levado um tapa na cara. "Como, não?"
"Não." Só repeti, ignorando como podia o nó na minha garganta para levar o queixo na sua direção. "Não lhe darei nomes. Não lhe contarei nada."
Por isso, eu poderia apostar que ele não tinha encontrado mais nenhuma foto. Ou então só fotos minhas.
Mas ele não sabia que Marc tinha estado lá e era só isso que importava. Ele não sabia. Maxon não sabia. Marc ainda estava a salvo. Talvez ainda no castelo.
"Deixe-me ver se entendi," Maxon pareceu chegar ainda mais perto de mim, seu tom não tão afrontador quanto suas palavras. "Nós lhe recebemos em nosso país e oferecemos uma tradição nossa para lhe ajudar a ficar na linha de herança do trono britânico, e você nos agradece destruindo a casa do nosso conselheiro real? E espera que eu acredite que fez tudo sozinha?"
"Eu não espero que acredite," retruquei. Apesar das minhas mãos sendo esmagadas entre meus joelhos de nervosismo, tentei manter meu rosto o mais determinado possível. Precisava ganhar aquela discussão mais do que já tinha precisado ganhar qualquer outra coisa na minha vida. "Não espero que acredite que eu consegui destruir uma casa como essa sozinha. Não seria possível e nem vou insultar a sua inteligência tentando lhe convencer do contrário. Eu só preciso saber as consequências."
"Primeiro, uma explicação."
"Já disse que não tenho," e era verdade, o que fez minha voz ameaçar falhar. "O máximo que posso lhe garantir é que não sabia que era a casa do Sr. Ward," Marc estava a salvo, repeti na minha cabeça, tentando me impedir de imaginar Josef encontrando minha foto. Era isso que importava. "Minha participação no que aconteceu, grande ou pequena, não foi de jeito algum com a intenção de atacar a Vossa Majestade. Pelo contrário, assim que descobri a relação do dono da casa com a corte illéana, me retirei."
"Mas e até então?" Os olhos de Maxon se apertaram na minha direção, me obrigando a desviar os meus por um rápido segundo.
Só um segundo para recuperar minha força e meu ar.
Nós não éramos próximos, mas isso não parecia importar agora. Toda vez que ele me olhava, tudo que eu via era decepção. Quem quer que ele fosse, ele esperava mais de mim. E era insuportável pensar que eu o tinha desapontado.
"Como disse, não tenho explicações," falei, recuperando parte do meu fôlego. "E nenhuma desculpa é aceitável. Eu estava lá. Eu participei. Eu preciso pagar por isso."
"Quem estava com você?" Ele insistiu, quando eu já achava ter me livrado daquela pergunta. "Eu quero nomes."
Tinha uma carta que eu poderia usar. Uma única carta que eu ainda guardava na manga e que esperava nunca ter que jogar na mesa. Precisaria de muito tato, muito cuidado. Mas talvez fosse minha única saída.
"Eu quero uma decisão," falei, engolindo a seco para me manter séria. "Me informe das consequências da minha atitude em relação à Seleção. Me diga o que irá mudar."
"Quem estava com você?"
"Preciso saber o que acontecerá agora."
"Algum dos selecionados?"
"Claro que pagarei por toda a reforma."
"Algum criado?"
"Eu nunca vou contar!" Minha voz saiu surpreendentemente alta, quase como uma ordem que carregava bem mais força do que eu sabia que tinha. Maxon recuou na cadeira, levando as costas ao encosto. "Majestade, eu admito meu erro e entendo que já perdeu todo o respeito que fez questão de dizer que tinha por mim. Eu compreendo sua insistência. Não o condeno. Pelo contrário, é o mínimo que um regente digno faria," começando por elogiá-lo. "Mas nunca contarei quem estava comigo, porque não importa. O erro maior foi meu e sou eu quem arcará com as consequências. Eu que terei que encarar Josef Ward. Eu que aceitarei qualquer que seja a medida que Vossa Majestade resolver tomar. E entendo se quiser acabar aqui nossa futura aliança," e então, a última carta. "Tenho recebido alguns convites de outros países caso essa Seleção não funcione e acho que seria até melhor se encerrarmos logo."
Nunca gostei de jogar pôquer. Sempre fui terrivelmente boa, mas nunca vi nenhum prazer naquele jogo. Não era nem tanto pela insegurança de estar sempre tentando decifrar os gestos dos outros e descobrir se estavam mentindo constantemente. Era mentir eu mesma.
Ou melhor, blefar. Jogar cartas na mesa que eu não queria que aceitassem. Ameaçar algo que eu estava rezando para que não tivesse que acontecer. Olhar nos olhos de Maxon e tentar passar para ele toda a certeza e determinação do mundo, só para conseguir que ele fizesse exatamente o oposto. Usar do medo para conseguir o que eu queria. Era baixo. E mais do que necessário.
Porque ele não sabia de Marc. E, se ele ainda estivesse no castelo, era lá que eu precisava ficar.


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