Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 121
Capítulo 121: POV Thor Boursheid


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Sober" da Selena Gomez.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542825/chapter/121


Era a segunda semana da Seleção. Parecia já ter passado pelo menos um mês, de tanta coisa que já tinha acontecido. Ou melhor, de tantos diários que eu já tinha lido.
Gregory Illéa tinha virado a voz dentro da minha cabeça. Não ia para lugar algum sem algum dos seus diários, mesmo que fosse obrigado a escondê-lo de algumas câmeras de vez em quando. Por sorte, na manhã de segunda-feira, pude até deixá-lo do lado do meu prato durante o café da manhã. Depois de um domingo inteiro sendo transmitido para todas as televisões do mundo, aquele dia parecia que seria calmo.
Pude comer devagar, aproveitando o silêncio de tantos selecionados não estarem presente. Aquela era a minha entrada preferida no diário e a que eu tinha prometido decorar. Era quando Gregory Illéa tinha feito os primeiros rabiscos das castas. Era o primeiro que tinha sido guardado. O mais perto de ouro que eu já tinha chegado na minha vida.
Era a terceira vez que o lia. E pensar que duas semanas antes eu não conseguia dar sorte de encontrar uma só cópia! Agora eu já tinha lido cada um dos originais, desde os primeiros sintomas de que ele queria transformar o país em monarquia, até as entradas em que ele admitia que seu filho Spencer poderia estar vivo. Eu conhecia Gregory como se fosse ele, talvez até melhor. Conseguia apontar suas manias, tanto de escrita, quanto de percepção nas outras pessoas. Saberia desenhar como ele tinha chegado à sua ideia de roubar o governo e revertê-la se quisesse. Devia entender bem mais sobre ele do que seu próprio tatara-tatara-neto.
Que nem tinha descido para o café da manhã.
Mas isso não importava. Keon parecia renegar tudo que viesse da sua família antes de Spencer, a não ser o nome. E nunca estava muito animado para responder algumas das minhas perguntas. Eu não podia começar a falar dos antigos rebeldes do Norte, que ele me olhava estranho.
Não faria muita diferença mesmo. Naquelas páginas estava tudo que algum dia eu precisava saber sobre a monarquia illéana e aquele era o único assunto que interessava para a minha vida. Os rebeldes do Norte eram pura curiosidade e poderiam esperar.
Além da mania de reler os diários constantemente, eu também tinha roubado um caderninho para mim, rabiscando comentários, detalhes, informações importantes. Copiava às vezes os planos de Illéa, apesar de já ter decorado praticamente todos. Mal podia esperar para voltar para a universidade com aquele material de estudo exclusivo. Faria questão de não deixar ninguém esquecer que eu não tinha lido a cópia. Não. Eu tinha passado os dedos pela folha pressionada pela caneta de Gregory Illéa. Não poderiam mais me deixar para trás como um leigo qualquer. Eles teriam que escutar o que eu tinha para dizer.
O resto do castelo parecia tão vazio quanto a Sala de Jantar. As princesas estavam presentes, mas o rei e os príncipes não. E os dois lugares do lado de Lola estavam vagos quando eu entrei. Mas, um dos poucos selecionados que tinham aparecido, Alaric se levantou logo no começo do café da manhã para ir se sentar à sua direita.
Foi impossível não os observar. Depois de ter falado tanto que Lola o convidaria para o evento de sábado e ter sido obrigado a assisti-la com outro cara com o resto de nós, Alaric andava visualmente incomodado. No domingo, tinha feito bastante cara para as câmeras, mas se retirou assim que pôde. E agora, com sua audácia característica, tinha ido até a mesa dela e se sentado ao seu lado, deixando nós na mesa dos selecionados só torcendo para vê-lo sendo, outra vez, rejeitado.
Mas Lola deixou que ficasse ali, mesmo depois de um primeiro instante desconfortável. E eu voltei meus olhos a algo bem mais interessante do que a interação dos dois.
"Ei, Thor," eu já nem comia nada havia um tempo, quando ouvi alguém me chamar.
Parei com meus rabiscos e levantei o rosto. Era Ian, inclinado para frente na cadeira à minha diagonal direita.
"É você que está com todos os diários do Illéa?" Ele perguntou.
Eu olhei para o livro na minha frente, me perguntando se era tarde demais para escondê-lo e mentir. Não queria nem pensar na possibilidade de ter que entregá-lo a outra pessoa.
"É," acabei respondendo. "Por quê?"
Ele se ajeitou na cadeira, levantando sua xícara de chá como se fosse de uísque. "Precisava dar uma olhada," explicou, antes de um gole. "Para um novo documentário meu."
"Sobre Gregory?" Sem qualquer aviso, eu fiquei nervoso. Talvez fosse a possibilidade de poder ajudá-lo, nem que tivesse que provar que eu era o melhor no assunto. Ou então fosse só um sonho que eu nem sabia que tinha de ver toda aquela história em imagens.
"Não, não exatamente," ele disse, acabando com as minhas esperanças e pousando sua xícara outra vez na mesa. "É mais sobre transições da monarquia para a república e vice-versa durante a história. Mas queria focar em Illéa, já que, né, sou daqui."
"Claro," respondi. "Se precisar de ajuda, eu estudo história."
"Tá," ele apertou os olhos, como se duvidasse da minha proposta ou não a tivesse entendido.
"Eu estou lendo esse daqui agora," continuei, "mas, assim que terminar, eu te dou," ou melhor, assim que estivesse satisfeito com ele.
Ele agradeceu, dando o último gole no chá e se levantando. Foi quando eu percebi que era o último da mesa.
Não. Último da Sala de Jantar.
Não demorei para juntar minhas coisas e praticamente o seguir até o Salão dos Homens.
"Graças a deus," foram as palavras que nos receberam. Vinham de Marlee Woodwork, que estava de pé perto da porta. "Vamos, entrem logo que eu preciso dar um aviso."
Até os selecionados que não tinham ido no café da manhã estavam lá. Uma olhada no relógio me disse que já passava das nove e meia. Eu fui até a janela, me sentando na cadeira da mesa de xadrez, abraçando o livro quase a ponto de não o deixar à vista.
Marlee olhou para todos nós, cada um sentado aonde dava, nos sofás, cadeiras e poltronas. Ela respirou fundo e sorriu.
"A aula que tínhamos programado para essa tarde está cancelada," disse, fazendo todo mundo ter que disfarçar o alívio. "Seu companheiro de Seleção, Alaric Harrison, teve uma ideia que nós vamos levar adiante." Só daí, eu já sabia que coisa boa não vinha. "Amanhã teremos outra competição, dessa vez de perguntas sobre a princesa Lola e o Reino Unido."
Eu apertei o diário com a mão. Se pelo menos fosse sobre o Illéa!
"Desde casa, vocês já devem ter ouvido falar muita coisa sobre a princesa. E, agora que já tiveram a oportunidade de terem encontros com ela, precisam saber sobre sua vida, seu reino e quem ela é. Nós vamos testar seus conhecimentos amanhã, com prêmio para o vencedor e, quem sabe, uma eliminação depois, caso alguém demonstre qualquer falta de interesse." Ela lançou um olhar levemente ameaçador na direção de todos, parando em mim.
Senti meu corpo gelar. Por que ela estava me olhando daquele jeito? Não era como se eu fosse culpado de nada! Estava ali pela princesa, tinha interesse! E estudaria, quis falar para ela. Prometia estudar até saber tudo que poderia saber sobre ela.
Mas os olhos de Marlee não estavam em meu rosto. Eles desceram dos meus até meus braços cruzados, que inutilmente tentavam ainda esconder o diário.
Quando levantou os olhos de novo, ela sorriu. "Quem se sente confiante o suficiente, pode aproveitar a tarde para fazer o que bem lhe interessar. Mas quem andou passando os últimos dias preocupado com outras coisas e outros governantes," ela voltou a me olhar, levantando uma sobrancelha e trazendo a atenção de todos para a minha direção, "melhor passar o dia lembrando da história de Lola Farrow e do reino que terá que governar no final da Seleção."
"Você ainda está com esse diário?" Dane perguntou, do outro lado do salão.
"Não tem nada mais interessante no castelo, não?" Will ajudou. "Nem ninguém?"
Já não bastava que todos estivessem me olhando, ainda quiseram usar aquele momento para discutir meu leve vício?
"Claro," Ian falou, "porque o diário de um cara que transformou um país desse tamanho em monarquia deve ser terrivelmente entediante."
Podia jurar que ele se juntaria aos outros, era estranho pensar que alguém concordaria comigo ali.
Will segurou seu olhar, os dois se encarando sem saber o que mais falar. Ele até abriu a boca, mas Marlee abriu os braços. E aquela conversa estava encerrada.
"Acho que todos aqui estão precisando mudar o foco de volta para a princesa," ela disse. "As perguntas não serão fáceis. E, é claro, tudo será filmado."
Aquilo foi o suficiente para nos deixar em silêncio até que ela saísse pela porta. Eu continuei abraçado com o diário e meu caderno até que cada selecionado tivesse encontrado outra coisa para fazer. Pensei em agradecer a Ian, mas não achava que ele tinha falado aquilo por mim, e sim pelo que ele mesmo queria ler. E, só de ter saído do centro das atenções, eu já estava feliz.
Quando todos já estavam distraídos, eu abri o diário outra vez, logo na primeira página. O bilhete de Alicia estava colado ali, como ela deixava todos os dias antes que eu acordasse.
"Ler o mesmo livro várias vezes e esperar desfechos diferentes é um sinal de loucura. Só pra avisar."
Ri para mim mesmo, pensando que precisava esconder aquele bilhete antes que ela o jogasse fora na manhã seguinte.
"Estou começando a achar que você tem uma paixão secreta por Gregory," só vi que Danio se aproximava quando ouvi sua voz. Ele sentou na minha frente, pronto para começar nossa primeira partida de xadrez do dia.
Mas eu não estava ali para jogar. Ainda tinha uns capítulos que queria revisar. Só tinha sentado lá para poder ouvir Marlee.
"Não preciso ter paixão nenhuma por ele para me interessar pela história," me defendi. "Tem gente que é obcecada pela história dos nazistas porque os detesta."
"Então você detesta Gregory Illéa?" Ele tinha aberto o tabuleiro, mas parou para me esperar responder antes de tirar a primeira peça.
"Você não?"
Ele deu de ombros, agora sim começando a preparar a partida.
"Desculpa, mas não posso jogar agora," falei, me levantando. "Marlee estava certa, preciso estudar antes que Lola me expulse," e eu não tenha decorado tudo que preciso desses diários, completei na minha cabeça.
"Você vai sair?" Will apareceu do meu lado como se brotasse do chão. "Posso ficar no seu lugar?"
Cambaleei um pouco pro lado, deixando o caminho livre para ele. Não tinha tanta vontade de ir pesquisar sobre a princesa, apesar de saber que era o que teria que fazer. Só não queria mais ficar lá no salão dos homens, aonde aparentemente eu não podia mais ler sem ser incomodado. Saí assim que pude, sem chamar muita atenção. Dane já tinha ido para a sua terapia e Alaric também já tinha desaparecido. E ninguém pareceu perceber quando eu passei pelas portas, como quem não queria nada.
Fora dali, pude andar com o diário à mostra. Eu o carregava como uma extensão do meu braço, sem sentir seu peso, sem me preocupar com como o segurava, se o derrubaria. Sabia que meu instinto sempre o protegeria.
Até meus passos ficaram mais largos e rápidos conforme fui me afastando. Só queria entrar em meu quarto, aonde ninguém ficava se perguntando quantas vezes eu conseguiria ler a mesma frase e porque tanto interesse. Algumas olhadas em algum livro de história do Reino Unido e eu poderia continuar ali por mais uns dias. Mais tempo para reler os diários. Mais alguns bilhetes de Alicia me dizendo que eu era louco.
"Não, eles vão cancelar," ouvi a voz de Marlee se encher pelo castelo. Ela estava de pé perto da escada, de onde eu me aproximava. "Eu sei, mas eles não vão ter como organizar."
Mais alguns metros na sua direção e percebi que não falava sozinha. Seu corpo antes tinha escondido uma criada inteira, pequena e jovem, que lhe olhava com uma expressão bastante desanimada.
"Mas eu achei que eles teriam a quinta-feira livre," ela contestou, sua voz tão fina quanto ela, "para preparar a festa."
Eu passei por elas, só oferecendo um sorriso e começando a subir os degraus sem muita pressa para não as alertar.
"Eles tinham," não consegui evitar de ouvir Marlee dizer. "Mas aí o irmão da Alicia teve que passar um dia na enfermaria e eles aproveitaram para tirar a folga na sexta."
Parei aonde estava. Eu tinha ouvido direito?
"Ah," a menina soltou, enquanto eu arriscava um olhar por cima do ombro. "É só que ela gosta tanto do aniversário dela."
Antes que eu pensasse direito, já me virava na direção delas, meus pés me fazendo descer alguns degraus.
"É, ela está bem desanimada. Mas são circunstâncias dife-" Marlee parou ao me notar. "Pois não?" Perguntou, suas sobrancelhas arqueadas.
Engoli a seco.
"Vocês estão falando da minha Alicia?" Perguntei, escondendo minhas mãos e os livros atrás das costas. Demorei um segundo para perceber o que tinha falado. "Quer dizer, minha criada. A criada. Alicia. Collins."
Marlee me olhou como se fosse louco, mas logo relaxou sua expressão. "Sim," ela disse. "É aniversário dela nessa quinta e nós tivemos que cancelar sua festa."
"E ela adora o aniversário dela," a criada insistiu, mirando seus olhos em mim, franzindo suas sobrancelhas.
"É uma pena, realmente," Marlee continuou. "Mas não é como se eu tivesse também tempo de conseguir organizar, não agora com a seleção."
"Entendi," falei, parado no meu lugar.
Se Alicia ficava feliz de aproveitar festas feitas para a princesa, já podia imaginar o quanto ficava com as suas próprias, ainda que não fossem do mesmo tamanho. E o quanto ficaria desapontada de ter que deixar passar aquele dia em branco.
Talvez até pensasse que ninguém se importava. E ela era a pessoa mais legal que morava naquele castelo!
"Mas ainda podemos presenteá-la," Marlee completou, depois de nós três quase ficarmos em silêncio por tempo o suficiente para deixar estranho. "Talvez seja a única coisa da qual ela goste mais do que de festas."
"O quê?"
"Presentes," a criada explicou, suspirando logo em seguida de um jeito quase exagerado. "E pensar que é bem o aniversário de dezoito anos. Mas fazer o quê," ela acrescentou, claramente desanimada.
"Não!" Exclamei antes que pudesse organizar meus pensamentos. As duas me olharam assustadas pela minha reação. "Quer dizer, a gente tem que fazer alguma coisa. Dezoito é importante demais pra passar como se não fosse nada. Ela merece o melhor presente possível. E eu posso ajudar."
"Você não devia estar estudando sobre o Reino Unido?" Marlee chamou minha atenção.
Fiz uma careta. "Talvez," admiti. "Mas não vai atrapalhar a Seleção. E ela realmente merece o presente perfeito!"
A pequena criada na minha frente parecia prestes a me abraçar de felicidade.
"Só mais uma pergunta," Marlee pediu, fazendo com que eu desviasse os olhos para ela. "Você pelo menos sabe o que seria esse presente perfeito?
Abri um sorriso. "Tenho uma ideia."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Do Outro Lado do Oceano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.